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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.4 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Reimplante dentário para o tratamento de Avulsão Dentária: relato de caso clínico

 

Tooth replantation for the treatment of Dental avulsion: case report

 

 

Fausto Rodrigo VictorinoI; Vilmar Divanir GottardoII; Renato Zadetto Jr.III; Eduardo MoreschiIV; Manfredo ZamponiV; Cleverson Luciano TrentoVI

I Doutor em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) - Professor de Endodontia
II Doutor em CTBMF pela USC/Bauru - Professor de Cirurgia Bucal
III Especialista em Radiologia pela USP - Professor de Implantodontia
IV Doutor em CTBMF pela USC/Bauru - Professor de Cirurgia Bucal
V Mestre em Prótese Dentária pela Uningá - Professor de Prótese Dentária
VI Doutor em Estomatologia pela Foar/ Unesp - Professor de Diagnóstico Oral

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente e enviado à Revista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A avulsão dentária é a mais grave dentre as injúrias bucais em um trauma de face. O manejo dos dentes e tecidos moles envolvidos durante e após o reimplante é fator fundamental para um prognóstico favorável. O objetivo deste trabalho foi apresentar um caso clínico de trauma dento-alveolar, com avulsão dos quatro dentes incisivos superiores. Paciente do gênero feminino, 11 anos de idade, compareceu ao serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santa Rita da Cidade de Maringá-PR, apresentando fratura da tábua óssea vestibular superior e avulsão dos dentes 12, 11, 21 e 22, devido a acidente ciclístico. Sob anestesia geral, foi realizada sutura das partes moles, redução de fatura de osso alveolar, reimplante e esplintagem dos dentes. Após a intervenção cirúrgica, a paciente foi encaminhada para tratamento endodôntico dos dentes reimplantados. Foi utilizada medicação intracanal, com hidróxido de cálcio, por 3 meses. Ao controle radiográfico após 2 anos, não se observou sinais de reabsorção radicular por substituição e as regiões periapicais dos dentes apresentaram-se normais. Pode-se dizer que o cuidado com os dentes avulsionados, antes e após os reimplantes, medicação sistêmica e o tratamento endodôntico imediato, com trocas de hidróxido de cálcio como medicação intracanal, foram fundamentais para o sucesso clínico e radiográfico no controle de 2 anos.

Descritores: avulsão dentária; reimplante dentário; endodontia.


ABSTRACT

The tooth avulsion is the most serious injuries among the mouth in a facial trauma. The management of teeth and soft tissues involved during and after reimplantation is essential to a favorable prognosis. The aim of this paper was to present a case study of dentoalveolar trauma with avulsion of the four upper teeth. Female patient, 11 years old, attended the service in Surgery and Maxillo-Facial, Hospital Santa Rita City Maringá-PR, showing fracture of the superior buccal bony plate and avulsion of teeth 12, 11, 21 and 22, due to cycling accident. Under general anesthesia, suturing was performed soft tissue, reducing alveolar bone fractured, splinting and replantation of teeth. After surgery, the patient was referred for endodontic treatment of teeth replanted. Was used intracanal medication with calcium hydroxide, for three months. To radiographic control after two years, there was no signs of root resorption and replacement by the periapical regions of teeth were normal. The care of avulsed teeth before and after the replantation, endodontic treatment and systemic medication immediately, with exchanges of calcium hydroxide as intracanal medication, were fundamental to the clinical and radiographic success of two years in control.

Descriptors: tooth avulsion; tooth replantation; endodontics.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Demonstrar a possibilidade da resolução, com sucesso, de trauma dento-alveolar complexo, pela interação entre a Cirurgia Bucomaxilofacial e a Endodontia.

 

INTRODUÇÃO

Em um trauma facial, o comprometimento da cavidade bucal e consequentemente traumatismos dentais como fraturas coronárias e luxações são muito comuns. A avulsão dentária, caracterizada pelo total deslocamento do dente fora do alvéolo é a complicação mais grave e ocorre entre 1 a 16%.1

A perda ou fratura dos dentes anteriores provoca no paciente um grande impacto emocional, ocasionando futuros problemas psicológicos e desvios de comportamento que podem ser representados por angústia e medo, desencadeados pela ameaça à estética facial.2 Isso requer do profissional que vai conduzir a solução do problema, experiência, habilidade e critério, principalmente quando se trata de crianças.

Um dos primeiros estudos sobre os traumatismos dentários foi realizado na década de 1960, em que foram avaliadas 4.251 crianças matriculadas em sete escolas públicas do Canadá, das quais 178 apresentaram dentes fraturados. Dentre os fatores etiológicos mais frequentes destacaram-se os acidentes decorrentes de quedas e os automobilísticos.3

O reimplante dentário caracteriza-se como um tratamento conservador e seu prognóstico depende das circunstâncias do acidente como: facilidade de acesso ao local onde ocorreu; se o dente foi encontrado, como ele ficou armazenado e por quanto tempo.4 Além disso, o manejo do dente e tecidos moles, reimplante e manejo pós-reimplante realizados pelo profissional também podem interferir drasticamente no prognóstico.5 Assim, um apropriado atendimento, pautado em evidências científicas e clínicas são fundamentais para um bom prognóstico.

O objetivo do presente estudo é apresentar e discutir, por meio de caso clínico, o tratamento e controle de trauma dento-alveolar grave, com perda de estrutura óssea alveolar e avulsão dos quatro dentes incisivos superiores.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, 11 anos de idade compareceu ao serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santa Rita da Cidade de Maringá-PR devido a acidente ciclístico, apresentando hemorragia, edema e hematoma facial, além de escoriações labiais, fratura da tábua óssea vestibular da maxila e avulsão dos dentes 12, 11, 21 e 22, os quais foram trazidos pela mãe em um frasco com soro fisiológico. Ao exame radiográfico panorâmico e telerradiografia em norma lateral não foi detectada fratura dos ossos faciais. Sob anestesia geral, após limpeza e antissepsia local, foi realizada sutura dos tecidos moles com fio reabsorvível Vicryl® 4-0 (Ethicon Inc, Jhonson & Jhonson, New Jersey, USA) e redução da fratura do osso alveolar ao redor dos dentes envolvidos. Para o reimplante dos dentes, os mesmos foram limpos apenas em soro corrente, sem remoção do ligamento periodontal ao redor das raízes, reinseridos em seus respectivos alvéolos, e realizada a esplintagem com fio de aço trançado Twist Flex (Morelli Ortodontia, Sorocaba-SP) (Figura 1), a qual permaneceu por um período de 21 dias. A medicação pós-operatória foi amoxicilina, nimesulida e vacina antitetânica. Os dentes avulsionados permaneceram longo período estocados em soro fisiológico, logo após o acidente até o reimplante, totalizando 8 horas.

Após a intervenção cirúrgica, a paciente foi encaminhada para tratamento endodôntico dos dentes reimplantados. Inicialmente foi realizada a abertura coronária com broca esférica diamantada seguida de broca Endo Z (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Switzerland). O cateterismo dos canais foi realizado com lima endodôntica tipo K #10 (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Switzerland). O preparo do terço cervical e médio com brocas Gates-Glidden #2 e #3 em baixa rotação e lima SX do sistema Protaper®. Para odontometria, foi utilizado o localizador foraminal NovApex® (Forum Tec., Jerusalém, Israel). Determinado o comprimento de trabalho, foi realizado o preparo químico-mecânico manualmente com limas tipo K associada à técnica rotatória com o Sistema Protaper® (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Switzerland). A medicação intracanal utilizada foi pasta de hidróxido de cálcio preparada com propilenoglicol e introduzida nos canais com compactador de Macspadem (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Switzerland). Tanto a troca da medicação quanto o controle radiográfico foram realizados uma vez ao mês. A cada retorno verificou-se também a condição periodontal, e apesar da extensa perda óssea, não foi detectada presença de bolsa periodontal. Ao terceiro mês optou-se pela conclusão do tratamento endodôntico, devido aos aspectos de normalidade demonstrados pelo controle radiográfico e a ausência de sintomatologia dolorosa ao exame clínico. Para a obturação dos canais radiculares utilizou-se o cimento endodôntico Sealer 26® (Dentsply, Petrópolis-RJ-Brasil) e cones de guta-percha pela técnica de condensação lateral e vertical. Ao controle radiográfico de dois anos após o trauma não se observou sinais de reabsorção radicular por substituição e a região periapical apresentou-se normal (Figura 2).

Ao controle clínico, de mesmo tempo, a paciente apresentou-se sem sintomatologia dolorosa e aspecto de normalidade dos tecidos dentário e gengival (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O conhecimento acerca dos processos histopatológicos após o Traumatismo Dento-Alveolar tem despertado a constante busca por manobras que minimizem as sequelas causadas pelo mesmo. É notório que o prognóstico dos dentes envolvidos é multifatorial. Um dos aspectos que mais se destacam no tratamento dos dentes traumatizados é o atendimento emergencial. Este, quando executado no tempo apropriado e de forma correta, pode levar a uma real diminuição dos danos sofridos, bem como limitar surgimento de sequelas.6

Os pontos a serem avaliados no primeiro atendimento são: o diagnóstico preciso; o tempo decorrido do trauma até o atendimento; as condições em que se encontram os tecidos de suporte; a medicação sistêmica adotada; a redução e a imobilização nos processos de luxação e na avulsão.

Após luxações traumáticas ou avulsões de dentes permanentes, como demonstrado neste caso clínico, os mesmos são normalmente reposicionados e reimplantados respectivamente7,8 passando posteriormente pelo processo de imobilização. O método de imobilização utilizado é um importante aspecto no tratamento do trauma agudo. Uma grande variedade de técnicas de imobilizações tem sido reportada na literatura.9

Até a década de 1950, havia uma forte tendência para imobilizações rígidas e períodos prolongados. Neste período, a perda dentária era comum, devido às sequelas irreversíveis causadas por tal imobilização.10 A partir de 1960, fatores como o estímulo funcional na osteogênese, na cura e orientação das fibras periodontais passaram a ser discutidos, até que no final desta década, diversos estudos haviam concluído que as imobilizações rígidas e prolongadas aumentavam os riscos para reabsorções substitutivas.11 Andreasen em 197511 demonstrou que, quando deixados em função, os dentes traumatizados apresentaram menor frequência de reabsorções, fibras periodontais mais organizadas, e proliferação de vasos sanguíneos dentro do ligamento periodontal. Dez anos depois, Andersson (1985)12 confirmou que o estímulo mastigatório normal previne ou mesmo elimina pequenas áreas de reabsorção externa da superfície radicular, mas não previne a anquilose em dentes reimplantados tardiamente. Em um dente não funcional, pode ocorrer atrofia das fibras e aumentar a chance de anquilose.13

Uma técnica de imobilização que permita os movimentos fisiológicos do dente durante o período de tratamento diminui o desenvolvimento de anquilose e reabsorção por substituição.14,15 Uma semana é o tempo suficiente para a formação de suporte periodontal a fim de manter um elemento dentário avulsionado em posição.16 A imobilização pode então ser removida dentro de uma a duas semanas após o acidente. Este prazo será ampliado quando dos episódios de fratura alveolar. Nos casos de fratura do processo alveolar indica-se a imobilização por período que varia de três a quatro semanas, segundo o protocolo da Associação Internacional de Trauma Dentário (IADT) (2007).17 No presente caso, como houve fratura alveolar, optou-se pela permanência da contenção semirrígida por três semanas.

Um aspecto desfavorável ocorrido no presente caso foi à longa permanência dos dentes fora da boca, uma vez que o recomendado é de no máximo 30 minutos, para um bom prognóstico. Porém, apenas este fator não foi suficiente para levar o caso ao fracasso, pois outros fatores, como a permanência dos dentes em um meio de estocagem, a manutenção do ligamento periodontal, prescrição de medicação sistêmica e o manejo cirúrgico/endodôntico foram fundamentais para o sucesso clínico e radiográfico no controle de dois anos.

 

CONCLUSÃO

Baseados nos conhecimentos encontrados na literatura e no relato deste caso clínico, pode-se afirmar que o sucesso do tratamento de dentes avulsionados é multifatorial e quando bem conduzido, apresenta um prognóstico favorável com reabilitação completa dos dentes envolvidos.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Auxílio ao Cirurgião-Dentista no diagnóstico, planejamento e tratamento de casos em que a avulsão dental é a consequência de traumas craniofaciais. Demonstração de que o sucesso clínico em casos de avulsão dental está diretamente relacionado tanto com a conduta profissional quanto ao primeiro atendimento à vítima.

 

REFERÊNCIAS

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3. Souza-Filho FJ et al. Avaliação das injúrias dentárias observadas no Centro de Trauma Dental da Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Unicamp. RFO 2009:14(2); 111-16.

4. Ram D, Cohenca N. Therapeutic protocols for avulsed permanent teeth: review and clinical update. Pediatr Dent 2004;26:251–5.

5. Rodrigues TLC, Rodrigues FG, Rocha JF. Avulsão dentária: Proposta de tratamento e revisão da literatura . Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2010; 22(2):147-53.         [ Links ]

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12. Andersson L, Lindskog S, Blomlöf L, Hedström K-G, Hammarström L. Effect of masticatory stimulation on dentoalveolar ankylosis after experimental tooth replantation. Endod Dent Traumatol 1985;1(1):13–6.

13. Kehoe, J.C. splinting and replantation after traumatic avulsion; JADA.1986;112(2):224-230.         [ Links ]

14. Andreasen J O, Andreasen F M. Textbook and Color Atlas of Traumatic Injuries to the Teeth, 3rd edn. Copenhagen and St. Louis, Munksgaard and C V Mosby, 1994.         [ Links ]

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16. Croll T. Bonded composite resin/ligature wire splint for stabilization of traumatically displaced teeth. Quintessence Int.1991;22(1):17–21.

17. Guidelines for the management of traumatic dental injuries. International Association of Dental Traumatology (IADT) 2007.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Fausto Rodrigo Victorino
Rua Formosa, 489
Centro – Marialva - PR
86990-000
Brasil

e-mail:
frvictorino@ig.com.br

 

Recebido em: fev/2013
Aprovado em: ago/2013