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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 no.1 Sao Paulo  2014

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Métodos complementares na detecção de lesões de cárie em dentes decíduos são realmente necessários?

 

Are adjunct methods for the detection of caries lesions in primary teeth really necessary?

 

 

Fausto Medeiros MendesI; Tatiane Fernandes de NovaesII; Ronilza MatosIII; Thais GimenezIV; José Carlos Pettorossi ImparatoV; Mariana Minatel BragaVI

I Doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), professor assistente da Fousp
II Doutora em Odontopediatria pela Fousp, professora de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade Paulista (Unip) – Campinas/SP
III Doutora em Odontopediatria, professora de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de Guarulhos (UNG) e Centro Universitário Hermínio Ometto (UniAraras)
IV Doutoranda em Odontopediatria, aluna de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, área de concentração em Odontopediatria
V Doutor em Odontopediatria, professor associado da Disciplina de Odontopediatria da Fousp
VI Doutora em Odontopediatria, professora doutora da Disciplina de Odontopediatria da Fousp

CEP/Fousp nº 115/07

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo avaliar, em termos de probabilidade, o impacto da realização de métodos complementares para a detecção de lesões de cárie em superfícies proximais e oclusais de dentes decíduos, comparado à inspeção visual. Para isso, 1.213 superfícies proximais de 126 crianças e 407 superfícies oclusais de 68 crianças foram examinadas através dos métodos de inspeção visual, exame radiográfico e fluorescência a laser. A validação das superfícies proximais foi realizada após separação temporária. Nas superfícies oclusais, o padrão de referência foi a confirmação da presença de lesão após tratamento operatório. Utilizando análise bayesiana, foram calculadas as probabilidades pós-teste com a aplicação da inspeção visual, e depois com a utilização dos métodos complementares. A probabilidade pré-teste foi de 4,2% e 5,2% para superfícies proximais e oclusais, respectivamente. Um resultado negativo obtido com a inspeção visual levou a probabilidade de ter uma lesão para porcentagens bem baixas, principalmente na superfície oclusal. Nesses casos, mesmo com resultados positivos obtidos com os métodos complementares, a probabilidade de haver uma lesão ainda foi baixa (em torno de 50%, no caso do exame radiográfico positivo em superfícies proximais). A realização da radiografia para confirmar lesões detectadas pelo exame visual em superfície oclusal poderia aumentar a certeza da presença da lesão, evitando tratamento operatório desnecessário. Portanto, pode-se concluir que os métodos complementares não possuem grande utilidade na detecção de lesões de cárie em dentes decíduos, e o exame visual realizado isoladamente já seria suficiente para um diagnóstico acurado.

Descritores: cárie dentária; diagnóstico; radiografia.


ABSTRACT

The present study aimed to evaluate, in terms of probability, the impact of performing adjunct methods of caries lesions detection in proximal and occlusal surfaces of primary teeth, compared to the visual inspection. For this, 1,213 proximal surfaces of 126 children and 407 occlusal surfaces of 68 children were examined through visual inspection, radiographic and laser fluorescence methods. The validation for proximal surfaces was performed after temporary separation. In the occlusal surfaces, the reference standard was the confirmation of the presence of the lesion after operative treatment. Using Bayesian analysis, post-test probabilities after performing the visual inspection were calculated. After that, these figures were computed after performing the adjunct caries detection methods. Pre-test probability was 4.2% and 5.2% for proximal and occlusal surfaces, respectively. A negative result obtained with visual inspection reduced the post-test probability to very low values, mainly at occlusal surfaces. On these occasions, even with positive results obtained by adjunct methods, the post-test probability of having a caries lesion was still low (around 50% in case of a positive result obtained by radiographic method in proximal surfaces). Performing radiography to confirm caries lesions detected by visual inspection could increase the confidence concerned the presence of the lesion, avoiding unnecessary operative treatment. Therefore, it was concluded that the adjunct methods do not have great utility in detecting caries lesions in primary teeth, and that the visual inspection performed alone is enough to reach an accurate diagnosis.

Descriptors: dental caries; diagnosis; radiography.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A prevalência de lesões de cárie em dentes decíduos que necessitariam da utilização de métodos complementares para sua detecção é muito baixa. Por esse motivo, os métodos radiográfico e de fluorescência não possuem grande utilidade, e a inspeção visual já é suficiente para realização de um bom diagnóstico.

 

INTRODUÇÃO

A inspeção visual é o método mais utilizado para detecção de lesões de cárie. Todas as crianças que chegam ao consultório dentário são submetidas ao exame clínico. Nesse exame o Cirurgião-Dentista deveria fazer uma inspeção visual minuciosa para detectar a presença de lesões de cárie que necessitam de tratamento operatório. Esse exame é rápido e fácil de ser executado, e apresenta boa especificidade, que é a capacidade do método detectar superfícies dentárias sadias. Além disso, é o único método validado para avaliação da atividade das lesões de cárie. Dessa forma, a inspeção visual é imprescindível e deve ser realizada em todos os pacientes.1,2 No entanto, ela é subjetiva, o que causa baixos valores de reprodutibilidade. Também apresenta baixa sensibilidade, e por isso, algumas lesões de cárie não são detectadas.1,2

Para tentar superar esses problemas, sistemas de escores para diagnóstico de cárie têm sido criados. Um sistema internacional padronizado para diagnóstico de cárie foi proposto para ser utilizado em todos os campos de pesquisa e prática clínica. O Sistema Internacional de Detecção e Avaliação de Cárie (ICDAS, do inglês International Caries Detection and Assessment System) é um sistema de escores baseado na inspeção visual auxiliado por uma sonda ball-point, sendo que maiores escores indicam lesões mais severas. O método tem apresentado boa performance na detecção de lesões de cárie em dentes decíduos3-5 e permanentes.6,7

Outra opção para tentar melhorar o desempenho da detecção de lesões de cárie é o uso de métodos complementares. O método mais comum é o radiográfico. Devido à baixa sensibilidade do método visual, guias de protocolo clínico recomendam a realização de radiografias interproximais para todos os pacientes a fim de detectar lesões que não foram diagnosticadas no exame visual.8-10 Como alternativa à radiação ionizante proveniente do exame radiográfico, o Cirurgião-Dentista pode utilizar o método baseado na captação da fluorescência após a emissão de um laser de diodo, representado por um aparelho comercializado com o nome de DIAGNOdent pen (DDpen, Kavo, Biberach, Alemanha). Esse método tem apresentado desempenho similar ao exame radiográfico.3,4,6,11

No entanto, apesar dos métodos complementares apresentarem de fato melhor sensibilidade que o exame visual, alguns autores questionam sobre a real utilidade desses métodos.12-14 Apesar de detectarem um maior número de lesões de cárie, a prevalência de lesões não evidentes de cárie, que se beneficiariam da utilização de métodos complementares, seria baixa.15 Portanto, os métodos complementares levariam a um maior número de resultados falso-positivos, fazendo com que houvesse um maior índice de tratamentos operatórios desnecessários. Assim, seria preferível deixar de detectar algumas lesões de cárie do que restaurar lesões sem necessidade.2,15

A ausência de benefícios dos exames complementares foi demonstrada previamente em termos de sensibilidade e especificidade.12,13 Contudo, clínicos não possuem conhecimentos sobre esses parâmetros. Eles são mais familiarizados com porcentagens e probabilidades. Portanto, o objetivo do presente estudo clínico foi avaliar, em termos de probabilidade, o impacto da realização dos métodos complementares radiográfico e DDpen comparados à realização do exame visual isoladamente na detecção de lesões de cárie que necessitariam de tratamento operatório em superfícies proximais e oclusais de dentes decíduos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) em 04 de outubro de 2007 (protocolo 115/07). Dados referentes a essa pesquisa foram publicados previamente.3,4,12,16 Nessa pesquisa, uma análise probabilística foi realizada com o intuito de apresentar aos Cirurgiões-Dentistas as probabilidades de presença de lesões de cárie após a realização dos exames visual, radiográfico e DDpen. Foram realizados dois estudos separados, um para detecção de lesões cariosas em superfícies proximais, outro para superfícies oclusais.

MÉTODOS DE DETECÇÃO UTILIZADOS

Para ambos os estudos, crianças que vieram em busca de tratamento odontológico na Fousp com idades entre 4 e 12 anos foram selecionadas. As crianças precisariam possuir pelo menos um molar decíduo preenchendo os critérios de inclusão para participar do estudo.

Foi investigado o desempenho dos métodos de diagnóstico em detectar lesões de cárie que possuem necessidade de tratamento operatório. Todos os exames foram realizados por dois examinadores treinados e calibrados, em cadeira odontológica e iluminação proveniente de refletor. No entanto, como os resultados dos dois examinadores foram similares,3,4,12,16 no presente estudo optou-se por utilizar os resultados de apenas um examinador. Antes dos exames, os dentes eram limpos com escova de Robson com ponta preparada para oclusal e taça de borracha montada em micromotor e uma mistura de pedra-pomes e água, complementada com uso de fio dental.

A inspeção visual foi realizada com auxílio de espelho bucal e sonda periodontal ball-point, utilizando o ICDAS. Os dentes foram examinados úmidos, e depois, após secagem por 5s com auxílio da seringa tríplice. Assim, o examinador atribuía o escore para a superfície que estava sendo avaliada.

Os critérios do ICDAS17 são:

- Escore 0: Nenhuma ou sutil alteração na translucidez do esmalte após secagem de 5s;
- Escore 1: Opacidade dificilmente visível na superfície úmida, mas notável após secagem. Mancha escurecida somente no fundo do sulco ou fissura;
- Escore 2: Opacidade visível sem secagem. Mancha escurecida no fundo do sulco ou fissura, porém avançando pelas vertentes;
- Escore 3: Cavitação localizada em esmalte opaco ou pigmentado;
- Escore 4: Sombreamento da dentina subjacente;
- Escore 5: Cavitação em esmalte opaco ou pigmentado com exposição da dentina subjacente; e
- Escore 6: Cavitação em esmalte opaco ou pigmentado com exposição da dentina subjacente, envolvendo mais da metade da superfície.

Lesões de escore 3 do ICDAS ou acima eram consideradas lesões de cárie no presente estudo.

As crianças foram então submetidas ao exame radiográfico. Duas tomadas interproximais foram realizadas com aparelho de raios X convencional (Spectro 70X, Dabi Atlante, Ribeirão Preto, Brasil), com regulagem de 70 kV e 8 mA, e tempo de exposição de 0,3s. Foram utilizados filmes periapicais de 22 X 35 mm (Eastman Kodak, Rochester, USA), sendo que as tomadas foram padronizadas com uso de posicionadores radiográficos Han-Shin (Jon, São Paulo, Brasil), sempre que possível. Quando a criança recusava usar o posicionador, a tomada foi feita com aleta de mordida. A revelação foi manual padronizada pelo método tempo-temperatura.

O examinador avaliou as radiografias em negatoscópio e classificou as lesões como descrito abaixo18:

- Escore 0: Sem área radiolúcida visível;
- Escore 1: Área radiolúcida visível em esmalte;
- Escore 2: Área radiolúcida visível envolvendo o terço superficial da dentina;
- Escore 3: Área radiolúcida visível envolvendo o terço médio da dentina; e
- Escore 4: Área radiolúcida visível envolvendo o terço interno da dentina.

Para as superfícies oclusais, em vez da divisão em terços em dentina, foi utilizado um sistema de escores que divide a dentina em metades (escore 2 = metade externa em dentina e escore 3 = metade interna em dentina).6 A partir do escore 2 para ambas as superfícies, o dente era considerado com lesão de cárie.

Para o exame com o DDpen, utilizou-se a ponta 1 para superfícies proximais e a ponta 2 para as superfícies oclusais, de acordo com o manual de instruções do produto. O aparelho era calibrado num padrão de cerâmica fornecido pelo fabricante, e depois, em uma superfície sadia do dente a ser avaliado. O sítio selecionado era brevemente secado com seringa tríplice por 5s, e duas medições foram realizadas por sítio, anotando-se a média das duas medições. O ponto de corte para definir uma lesão em superfície proximal foi 16, sendo que valores maiores indicavam presença de lesão. Para superfície oclusal, o ponto de corte foi 34. Esses valores foram obtidos em estudos previamente publicados.3,4,16

Avaliação em superfícies proximais

Para o estudo em lesões proximais, 126 crianças (53 homens e 73 mulheres), com média de idade (desvio-padrão) de 7,4 (1,6) anos, completaram todos os passos da pesquisa. Os critérios de inclusão para essa parte do estudo foram: molares decíduos sem lesões de cárie extensas, sem cavidades proximais evidentes, sem rompimento da crista marginal, dentes sem restaurações e com ponto de contato adequado. Portanto, foram selecionadas 1.213 superfícies proximais sadias ou com lesões não evidentes de cárie.

Como padrão de referência para validação dos exames realizados nas superfícies proximais, foi realizada a separação temporária das superfícies proximais em questão, utilizando-se elásticos ortodônticos durante sete dias. No retorno, dois examinadores avaliaram as superfícies, de forma cega e independente, através de exame visual direto com auxílio de espelho e sonda ball-point. Os examinadores classificavam a superfície quanto à presença de cavidades, uma vez que, para superfícies proximais, lesões cavitadas geralmente são indicadas para tratamento operatório.

Avaliação em superfícies oclusais

Para essa parte do estudo, 68 crianças (30 homens e 38 mulheres) com média de 7,3 (1,6) anos de idade participaram. Os critérios de inclusão para o dente ser examinado no estudo foram ausência de defeitos de formação, ausência de restaurações, cavidades extensas ou cavidade evidente na superfície oclusal. Caso o dente possuísse dois sítios oclusais aptos a serem incluídos no estudo, esses foram sorteados e apenas um foi selecionado. No total, 407 molares decíduos foram incluídos nessa parte do estudo.

O padrão de referência dessa parte do estudo foi a avaliação visual auxiliada por sonda após tratamento operatório. Para definir quais dentes seriam abertos, os resultados do exame visual e radiográfico foram considerados. Caso o exame visual apresentasse lesão de cárie de escore 3 ou superior e/ou o exame radiográfico apresentasse imagem radiolúcida em dentina, esse dente era aberto com uma ponta diamantada de menor tamanho possível. Após a abertura, dois examinadores checavam o dente quanto à presença de lesão de cárie em dentina de forma independente. Discordâncias entre os examinadores eram resolvidas por consenso. Os dentes que não foram tratados operatoriamente foram considerados sadios.

Análise dos dados

A avaliação dos dados no presente estudo foi baseada na análise bayesiana. Nessa abordagem, a sensibilidade e a especificidade dos testes diagnósticos são utilizadas para avaliar o quanto o método altera a probabilidade de um determinado paciente (no nosso caso, da superfície dentária examinada) ter a doença. Na análise, é levada em conta a probabilidade pré-teste, que é a probabilidade da superfície dentária apresentar uma lesão de cárie antes mesmo de qualquer exame diagnóstico. No presente estudo, a probabilidade pré-teste foi determinada através da prevalência de lesões detectadas pelos padrões de referência nas superfícies proximais e oclusais.

A partir disso, após a realização de um teste de diagnóstico, obtém-se a probabilidade pós-teste, que é o quanto aquela superfície dentária tem de probabilidade de ter uma lesão nesse novo cenário.

Resumidamente, para a obtenção da probabilidade pós-teste, a probabilidade pré-teste é transformada em chance pré-teste. Essa chance pré-teste é então multiplicada pela razão de verossimilhança positiva do método quando o resultado do teste for positivo, obtendo-se a chance pós-teste. Esse valor é transformado na probabilidade pós-teste após esse novo cenário. Caso o diagnóstico for um resultado negativo, multiplica-se a chance pré-teste pela razão de verossimilhança negativa, e pelo mesmo caminho, obtém-se a probabilidade pós-teste após um resultado negativo. Esses cálculos podem ser realizados em calculadoras on-line de acesso gratuito (http://ktclearinghouse.ca/cebm/practise/ca/calculators/statscalc).

Com os valores de sensibilidade e especificidade obtidos com os métodos de diagnóstico,12 as probabilidades pós-teste obtidas após a realização do exame visual, e depois, com a utilização de um dos métodos complementares, foram calculadas.

 

RESULTADOS

No caso das superfícies proximais, um total de 51 superfícies apresentaram lesões cavitadas e 1.162 estavam hígidas. Portanto, a probabilidade pré-teste para uma lesão proximal foi de 4,2% (Tabela 1). Para as superfícies oclusais, de 407 superfícies avaliadas, 21 dentes apresentaram lesões em dentina, e a probabilidade pré-teste foi calculada em 5,2% (Tabela 1). Os valores de sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança para um resultado positivo e razão de verossimilhança para um resultado negativo estão também demonstrados na tabela 1.

Após a utilização da inspeção visual utilizando o ICDAS nas superfícies proximais, em caso de um resultado positivo, a probabilidade de haver de fato uma lesão de cárie (probabilidade pós-teste) foi de 84,8%. Por outro lado, em caso da inspeção visual não detectasse uma lesão de cárie (resultado negativo), a probabilidade pós-teste de haver uma lesão de cárie seria de apenas 3,2% (Figura 1).

Com a aplicação do método radiográfico complementar ao exame visual, quando o resultado do exame visual foi positivo, a probabilidade de haver uma lesão em caso de resultado positivo ao exame radiográfico é de 99,5%. No entanto, se o exame radiográfico não indicar uma lesão, a probabilidade pós-teste cai para 70,1% (Figura 1A). Já para o caso do exame visual ter apresentado um resultado negativo, o exame radiográfico indicando a presença de lesão de cárie aumenta a probabilidade de haver realmente uma lesão em 51,9%; já em caso do exame radiográfico também indicar um resultado negativo, a probabilidade de haver a lesão é muito pequena (menos de 2%) (Figura 1A)

Com relação ao DDpen, os valores foram muito semelhantes ao das probabilidades obtidas com o exame radiográfico. O resultado que mais diferiu do outro exame complementar foi quando um resultado positivo foi obtido com o DDpen após um resultado negativo com o exame visual. Nesse caso, a probabilidade pós-teste de haver uma lesão necessitando tratamento operatório foi de 42,0% (Figura 1B).

No exame das superfícies oclusais, a probabilidade pós-teste de haver uma lesão de cárie em caso de resultado positivo obtido com a inspeção visual foi de 74,6%. Já para um resultado negativo, essa probabilidade foi menor de 1% (Figura 2). Após um resultado positivo obtido com o exame radiográfico em um dente diagnosticado positivamente com o exame visual, a probabilidade de ter uma lesão foi de 98,5%; já quando o exame visual foi negativo, a probabilidade de haver uma lesão foi de 42,0% (Figura 2A). Frente a um resultado negativo obtido pela inspeção visual, o exame radiográfico positivo elevou a probabilidade pós-teste para apenas 15,3% (Figura 2A).

Um resultado positivo obtido pelo DDpen elevou a probabilidade pós-teste de um dente diagnosticado com lesão em dentina pelo exame visual para 96,0%. Já em caso de resultado negativo, essa probabilidade caiu para 13,8% (Figura 2B). Para superfícies oclusais que não apresentaram lesão de cárie na inspeção visual, um resultado positivo obtido com o DDpen aumentou a probabilidade de ter lesão para apenas 4,4% (Figura 2B).

 

DISCUSSÃO

O exame complementar mais utilizado para detecção de lesões de cárie é o radiográfico. Isso faz com que guias de protocolo clínico em todo o mundo recomendem tomadas interproximais bilaterais, mesmo em pacientes assintomáticos, com o objetivo de detectar lesões de cárie que não foram detectadas pelo exame clínico.8-10 No entanto, estima-se que a prevalência de lesões de cárie não evidentes, principalmente na dentição decídua, é muito baixa.15 Dessa forma, considerando uma abordagem probabilística (análise bayesiana), testes diagnósticos realizados para detecção de doenças de baixa prevalência teriam apenas um pequeno impacto nas decisões de tratamento.19 Por esses motivos, o presente estudo foi realizado para avaliar como os exames complementares modificam a probabilidade de se encontrar uma lesão não evidente que não tenha sido detectada pelo exame visual. Foi observado que, de fato, os exames radiográfico e de fluorescência a laser não são muito úteis para auxiliar o clínico na detecção de lesões de cárie em superfícies proximais e oclusais de dentes decíduos.

Isso pode ser observado verificando as probabilidades pós-teste obtidas com os métodos complementares. Segundo a proposta dos guias de protocolo clínico,8-10 o exame radiográfico seria útil nos casos de resultados negativos no exame visual. No entanto, as probabilidades pré-teste são baixas para lesões não evidentes em superfícies proximais (4,2%) e para lesões oclusais (5,2%). Após resultados negativos com o exame visual, essas probabilidades caem ainda mais. Em superfícies oclusais, por exemplo, a probabilidade de haver uma lesão de cárie após um exame visual negativo é menor do 1%. Se os exames complementares forem realizados numa superfície oclusal, mesmo após um resultado positivo, a probabilidade de haver uma lesão ainda é muito baixa. Portanto, para superfícies oclusais de dentes decíduos, o exame visual certamente já é suficiente para a realização de um bom diagnóstico. Assim, caso o Cirurgião-Dentista não suspeite da presença de uma lesão, ele deverá apenas orientar e acompanhar o paciente, realizando uma reavaliação após algum tempo.

Pensando na utilização dos métodos complementares para confirmar um resultado positivo obtido pelo exame visual, um resultado positivo obtido com a inspeção visual eleva a probabilidade de lesão para 74%. Nesse caso, ainda teria 25% de probabilidade de o Cirurgião-Dentista realizar o tratamento operatório sem necessidade. Dessa forma, a confirmação com um exame complementar, como o exame radiográfico, aumenta a probabilidade de haver uma lesão para quase 100%. Portanto, em caso de dúvida, caso o Cirurgião-Dentista resolva que uma lesão detectada pelo exame visual deve ser restaurada, o exame radiográfico para confirmar essa conduta restauradora seria benéfico e poderia ser realizado. Essa abordagem, no entanto, é contraria aos guias de protocolo clínico que recomendam a tomada de radiografia em pacientes sem suspeita de lesão ao exame visual.8-10

Já para superfícies proximais, o exame visual realmente tem apresentado baixa sensibilidade; com isso muitas lesões cariosas não são detectadas.1,3,12,16 Por outro lado, a especificidade tem sido alta.1,3,12,16

 

 

 

 

 

 

 

Testes com alta especificidade são úteis para confirmar a presença da lesão de cárie.20 Ou seja, caso o clínico julgue que há uma lesão de cárie pelo exame visual, ele provavelmente estará correto. Isso é demonstrado pela probabilidade pós-teste após um resultado positivo obtido com o exame visual, que chega a mais de 80%. Portanto, para superfícies proximais, a confirmação com exames complementares pode não ser necessária, a não ser quando o Cirurgião-Dentista estiver em dúvida sobre o melhor tratamento a ser conduzido.2

O panorama muda quando os resultados são negativos após a realização da inspeção visual. A probabilidade pós-teste após um resultado negativo cai para 3,2%, que é muito baixa. No entanto, em caso de resultado positivo com o exame radiográfico, essa probabilidade aumenta para 50%. Essa porcentagem ainda gera muita dúvida, e talvez mais um teste complementar fosse necessário. Esse teste poderia ser a própria separação temporária, que foi utilizado no nosso estudo como padrão de referência. No entanto, esse exame, apesar de causar apenas um pequeno desconforto para crianças,21 aumenta o custo do tratamento, pois há a necessidade de uma consulta adicional.

Entretanto, um ponto que deveria ser levado em conta é com relação ao tratamento proposto. Quando o Cirurgião-Dentista realiza o teste de diagnóstico, ele está procurando cavidades nas superfícies proximais que ainda não provocaram rompimento da crista marginal. Isso faria com que fosse realizada uma intervenção operatória precoce. No entanto, o acesso seria pela crista marginal, com a realização de um slot vertical. Nesses casos, seria melhor o Cirurgião-Dentista acompanhar o paciente em vez de correr o risco de abertura operatória sem necessidade. Se houver uma lesão em progressão, ela naturalmente romperia a crista e se tornaria evidente. Assim, o Cirurgião-Dentista pode realizar também um slot vertical com mais certeza e segurança.

Por todos esses motivos, acreditamos que a realização dos exames complementares ao exame visual para detecção de lesões de cárie em dentes decíduos não tem muita utilidade.12 Isso provavelmente se deve ao fato da espessura do esmalte dos dentes decíduos ser mais fina associado ao fato da lesão progredir mais rapidamente comparado aos dentes permanentes. Dessa forma, esse esmalte que cobre a lesão se rompe mais facilmente, tornando a lesão evidente ao exame clínico. Por isso, acreditamos na hipótese que o diagnóstico clínico em dentes decíduos é mais preciso do que em dentes permanentes,15 e que os exames complementares seriam menos úteis nesse tipo de dente12. Em dentes permanentes, apesar de um estudo prévio demonstrar resultados semelhantes,13 mais estudos são necessários.

 

CONCLUSÕES

Os exames complementares para detecção de lesões de cárie em dentes decíduos, tais como o exame radiográfico e o método de fluorescência, não apresentam grandes benefícios quando comparados ao exame visual realizado isoladamente. A inspeção visual é o método mais apropriado para a realização de um diagnóstico acurado, diminuindo a chance de tratamento operatório desnecessário.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A inspeção visual é um método imprescindível de ser realizado na rotina clínica, e na maioria das vezes, já é suficiente para a realização de um diagnóstico preciso. O exame radiográfico pode ser realizado para confirmar um resultado positivo no exame visual caso o Cirurgião-Dentista ainda esteja em dúvida antes de realizar o tratamento operatório.

 

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Endereço para correspondência:
Fausto Medeiros Mendes
Departamento de Ortodontia e Odontopediatria
Av. Lineu Prestes, 2227
Butantã - São Paulo - SP
05508-000
Brasil

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Recebido em: dez/2013
Aprovado em: jan/2014