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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 no.1 Sao Paulo  2014

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Reabilitação oral de paciente com Síndrome da Combinação: relato de caso

 

Oral rehabilitation of a patient with combination syndrome: a case report

 

 

Danny Omar Mendoza MarinI; André Gustavo PaleariII; Larissa Santana RodriguezIII; Andressa Rosa Perin LeiteIV; Ana Carolina PeroV; Marco Antonio CompagnoniVI

I Mestre em Reabilitação Oral, doutorando em Reabilitação Oral
II Doutor em Reabilitação Oral, pósdoutorando em Reabilitação Oral
III Mestre em Reabilitação Oral, doutorando em Reabilitação Oral
IV Mestre em Reabilitação Oral, doutorando em Reabilitação Oral
V Doutora em Reabilitação Oral e professora auxiliar
VI Professor Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente e enviado à Revista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Síndrome da Combinação representa uma importante condição patológica do sistema mastigatório que precisa de um tratamento reabilitador complexo. A presença de mucosa flácida é uma das caraterísticas mais comuns quando ocorre a reabsorção óssea anterior da pré-maxila ocasionada pela hiperfunção anterior dos dentes inferiores sobre a prótese total superior, onde a incidência de cargas nessa região resulta na movimentação da prótese em direção ao rebordo, resultando no aumento da reabsorção do rebordo residual, na desadaptação interna da prótese e na perda de retenção da prótese. A presença de mucosa flácida, nesses casos, acarreta ainda problemas de suporte e estabilidade da prótese total superior, que podem ser tratados com redução cirúrgica da espessura do tecido ou usando técnicas específicas de confecção das próteses. Este artigo descreve a reabilitação oral de um paciente com Síndrome da Combinação onde a redução cirúrgica da mucosa flácida não foi realizada, utilizando uma técnica modificada de moldagem funcional em duas etapas, com o objetivo de gerar menos forças e distorções na fibromucosa flácida durante a moldagem funcional.

Descritores: técnica de moldagem odontológica; materiais para moldagem odontológica; oclusão dentária.


ABSTRACT

The Combination Syndrome represents an important pathologic condition of the masticatory system that requires a complex rehabilitation treatment. The presence of flaccid mucosa is one of the most common features due to bone resorption of the pre-maxilla caused by anterior hyperfunction of the mandibular teeth on the maxillary complete denture, where the impact of oclusal loading in this region results in movement of the maxillary prosthesis into the ridge, resulting in increased resorption of the residual ridge, internal misfit and loss of the retention of the maxillary complete denture. The presence of flaccid mucosa, in such cases, leads to problems of support and stability of the maxillary complete denture, which can be treated by surgical reduction of the thickness of the tissue or using specific techniques of fabrication of prostheses. This article describes the oral rehabilitation of a patient with the Combination Syndrome where the surgical reduction of flaccid mucosa was not performed, using a modified technique of functional impression in two steps, with the objective of generating forces and less distortion in flaccid mucosa during functional impression.

Descriptors: dental impression technique; dental impression materials; dental occlusion.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Este relato de caso mostra que a técnica de moldagem funcional utilizada representa, em pacientes com Síndrome da Combinação, uma alternativa que gerou menos forças e distorções na fibromucosa flácida melhorando a retenção e a estabilidade da prótese total maxilar.

 

INTRODUÇÃO

O tratamento do paciente com Síndrome da Combinação (SC) pode ser um desafio para qualquer Cirurgião-Dentista. A SC é definida como uma condição causada pela presença dos dentes anteriores inferiores e a ausência dos dentes posteriores na mandíbula, resultando em uma significativa reabsorção alveolar anterior da maxila1 e foi inicialmente descrita por Kelly2, em 1972.

O "The Glossary of Prosthodontic Terms"3 define a SC abrangendo os aspectos caraterísticos que ocorrem quando a maxila edêntula tem como antagonista dentes naturais mandibulares anteriores, incluindo a perda óssea da parte anterior do rebordo maxilar, crescimento excessivo das tuberosidades, hiperplasia papilar da mucosa do palato duro, perda óssea alveolar e de altura do rebordo posterior mandibular. Kelly2 considera o início da perda óssea anterior da maxila a chave para as outras alterações e verificou que à medida que a reabsorção da pré-maxila avança, ocorrem também danos aos tecidos e instabilidade da prótese. Normalmente, outras características ainda podem estar relacionadas, pela presença de próteses mal confeccionadas, como a perda da dimensão vertical de oclusão, discrepância do plano oclusal, reposição espacial anterior da mandíbula e pobre adaptação da prótese4-7.

Quando uma força oclusal excessiva é aplicada a uma prótese total, há um deslocamento ou distorção da membrana da mucosa de suporte gerando como consequência um movimento da prótese. Este deslocamento é relacionado com alterações na circulação sanguínea e a elementos do tecido conjuntivo. A distorção da mucosa mastigatória e o movimento relacionado com a prótese podem resultar em uma aceleração da reabsorção do rebordo residual com consequente perda da retenção e estabilidade da prótese8. Ainda, o trauma oclusal crônico causado pelos dentes mandibulares anteriores pode gerar mudanças nos tecidos moles e duros da pré-maxila e muitas vezes conduzem a uma reabsorção lenta da crista alveolar anterior que aos poucos é substituída por tecido fibroso4, comumente descrito como hiperplasia papilar. O tecido hiperplásico na região anterior da maxila pode ser extenso e também comprometer o suporte e retenção da prótese total maxilar9.

A prevenção das consequências relacionadas com a perda de oclusão posterior e com a hiperfunção dos dentes mandibulares anteriores é considerada uma das principais abordagens de tratamento para a SC2,5. Em algumas circunstâncias, o tratamento com prótese total convencional maxilar associado a uma prótese parcial removível mandibular com extremidade livre bilateral é a única opção de tratamento a pacientes com este tipo de problema. Nestes casos, a moldagem funcional da maxila exerce um papel estratégico na reabilitação oral dos pacientes portadores desta síndrome, uma vez que permite estabelecer uma correta adaptação da prótese total superior e também uma distribuição adequada das forças oclusais aos tecidos de suporte. Para alcançar estes objetivos, a espessura e a mobilidade da mucosa de suporte da prótese devem ser consideradas durante esta importante etapa clínica. Ainda, os sintomas também devem ser reduzidos por meio da utilização de um adequado desenho de prótese parcial removível classe I, com uma distribuição equitativa de cargas oclusais ao longo dos tecidos moles e duros9.

Este artigo descreve a reabilitação oral de um paciente com SC onde foi utilizada uma técnica alternativa de moldagem funcional da maxila e adequação da prótese parcial removível inferior.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino de 65 anos, usuária de prótese total superior e prótese parcial removível de extremidade livre bilateral inferior, procurou a Clínica de Prótese Total da Faculdade de Odontologia de Araraquara-Unesp queixando-se de falta de retenção e estabilidade de sua prótese total superior. O exame clínico constatou a ausência de contatos oclusais na região posterior, sendo que os mesmos estavam direcionados unicamente na região anterior da maxila devido à existência de planos oclusais incorretos bem como uma dimensão vertical de oclusão diminuída. Identificou-se ainda considerável volume de tecido mole, com fibromucosa severamente flácida na região anterior da maxila (Figura 1). Diante das condições clínicas e da necessidade da paciente, foi proposta a reabilitação oral por meio de uma nova prótese total convencional maxilar, utilizando uma técnica modificada de moldagem funcional em duas etapas10. Para o arco inferior foi planejado o restabelecimento da dimensão vertical oclusão da prótese parcial removível existente (Classe I de Kennedy) devido à falta de contatos oclusais na região posterior, uma vez que a paciente não concordou em realizar sua substituição, já que a prótese parcial removível tinha sido confeiçoada recentemente a qual apresentava boas caraterísticas de retenção e estabilidade.

Após a moldagem preliminar, realizada com alginato, uma moldeira individual modificada para moldagem funcional em duas etapas (Figuras 2 A, B) foi confeccionada com o objetivo de gerar menos forças e distorções na fibromucosa flácida durante a moldagem funcional. Previamente à realização da moldagem funcional, foi realizado o ajuste da moldeira e o selado periférico da borda da moldeira individual com godiva de baixa fusão. A moldagem funcional foi realizada em duas etapas10 com silicone de condensação (Zetaplus; Zhermack Spa, Badia Polesine, Italia): primeiramente foi realizada a moldagem das superfícies posteriores e palato duro utilizando-se a silicone de consistência densa. Após a polimerização do material moldador, a moldeira foi retirada e os excessos foram removidos. Iniciou-se então a segunda etapa da moldagem funcional, que consistiu no reembasamento do primeiro molde obtido juntamente com a utilização da outra parte da moldeira para a moldagem da região anterior da maxila utilizando-se a silicone de condensação na consistência leve. Após a polimerização do material moldador as duas partes da moldeira foram retiradas concomitantemente da cavidade oral do paciente (Figura 2 C). Nesta mesma sessão clínica, ainda foi realizada a moldagem do arco inferior mantendo a prótese parcial removível em posição.

Após a confecção da base de prova, os planos anteriores e posteriores da prótese total superior foram realizados, através do ajuste do rolete de cera, bem como se determinou o correto plano de Fox e de Camper. Posteriormente, o reestabelecimento da dimensão vertical de oclusão da paciente foi realizado utilizando-se os métodos: métrico, fonético e estético estando com a base de prova superior em posição, seguido pelo registro da relação cêntrica da paciente e montagem dos modelos em articulador semi-ajustável segundo descrito por Compagnoni (2009)11. Após a montagem dos dentes artificiais, (Biotone, Dentsply Ind. Com. Ltda. Petrópolis – RJ, Brasil) foram realizadas provas clínicas e foi confeccionada uma placa de resina acrílica autopolimerizável (Clássico Artigos Odontológicos, São Paulo, SP, Brasil) na prótese parcial removível mandibular11 para restabelecer o plano oclusal e a dimensão vertical de oclusão através de processamento no laboratório sobre os modelos montados em ASA. Após a prensagem e polimerização da prótese total maxilar, a mesma foi remontada no articulador12 e um ajuste oclusal foi realizado visando eliminar contatos prematuros e obter uma oclusão balanceada bilateral em cêntrica e em excêntrica. Após o polimento da prótese total superior e da prótese parcial removível mandibular as mesmas foram instaladas (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A reabilitação de pacientes edêntulos com próteses totais e próteses parciais removíveis tem como objetivo o restabelecimento das funções do sistema mastigatório preservando os dentes remanescentes13. O tratamento pouco criterioso por meio de uma prótese total maxilar antagonista a uma prótese parcial removível com extremidades livres bilaterais pode resultar em próteses mal confeccionadas com contatos oclusais na região anterior. Esta situação promove um aumento na força dos contatos anteriores14 e pode causar reabsorção óssea do processo alveolar ântero-superior1,15, o que torna a área da mucosa espessa e flácida, permitindo movimentos laterais da prótese total superior, principalmente na área do selado posterior, seguida pela perda de retenção da prótese. Por isso, é fundamental eleger, na confecção da prótese total, uma técnica de moldagem que permita variações de acordo com a compressibilidade da mucosa15. Este tipo de tratamento reabilitador também deve envolver o desenvolvimento de um esquema oclusal que proteja a região maxilar anterior da pressão excessiva em oclusão cêntrica e habitual.

Outros fatores como o desenho da moldeira e o material selecionado, podem controlar a pressão durante a moldagem16. Isso é demonstrado por meio de uma técnica de moldagem em dois passos para mucosas altamente flácidas e deslocáveis, citada por Hobkirk10 (1985), e outra técnica de moldagem em três passos, citada por Nakamae et al.15 (2005).

Neste caso descrito com uma técnica de moldagem em duas etapas, a técnica de moldagem funcional possibilita que a prótese total maxilar seja confeccionada de uma forma que as forças mastigatórias sejam distribuídas por toda área chapeável, evitando pressão excessiva sobre a região anterior do palato duro que contém a fibromucosa flácida. A utilização de um material de moldagem de consistência leve, que não promove compressão ou deslocamento desta fibromucosa durante a moldagem colabora também para o sucesso dessa etapa clínica. Desta forma, é obtida uma moldagem estática do tecido flácido e móvel. Além disso, a determinação correta do plano oclusal e da dimensão vertical de oclusão permite também uma distribuição dos contatos oclusais por toda a prótese na região posterior, diminuindo assim a sobrecarga na região anterior da maxila evitando com isso o processo de reabsorção óssea do processo alveolar anterossuperior.

No entanto, de acordo com Silveira (2010)17, acredita-se que o fato de profissionais não utilizarem uma técnica de moldagem específica na prática clínica, possa ter relação com a complexidade da técnica. Nakamae et al.15 (2005) relata que a retenção da prótese total maxilar, utilizando uma técnica de moldagem específica com silicone injetada, pode ser obtida uma vez que a reprodução do tecido flácido nesses casos alcança um grau mais satisfatório.

Deve-se ainda ressaltar que, após o término do tratamento, consultas de retorno são essenciais para o cuidado dos tecidos de suporte e da prótese. Retornos após 3, 6 e 12 meses durante o primeiro ano são importantes para se observar possíveis alterações oclusais, aumentando dessa maneira o sucesso do tratamento a longo prazo9,13,18.

 

CONCLUSÃO

A técnica de moldagem funcional representa uma alternativa para melhorar a retenção e a estabilidade, assim como a distribuição de forças sobre a prótese total maxilar em pacientes com síndrome da combinação.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A técnica de moldagem possibilita que a prótese total maxilar seja confeccionada de uma forma que as forças mastigatórias sejam distribuídas por áreas localizadas da área chapeável, evitando pressão excessiva sobre a região anterior do palato duro que contém a fibromucosa flácida.

A utilização de um material de moldagem de consistência leve, que não promove compressão desta fibromucosa durante a moldagem colabora também para o sucesso dessa etapa clínica.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Marco Antonio Compagnoni
Depto. de Materiais Odontológicos e Prótese
Rua Humaitá 1680 - Araraquara – SP
14801-903
Brasil

e-mail:
compagno@foar.unesp.br

 

Recebido em: jul/2013
Aprovado em: dez/2013