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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 n.3 Sao Paulo Jul./Sep. 2014

 

Artigo original

 

Estudo das características estomatológicas e sistêmicas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

 

Study of characteristics and systemic stomatological in patients with lupus erythematosus

 

 

Cristhiane Olívia Ferreira do AmaralI;Amanda Alina DiasII; Ana Cecília Papotti Bonilha III; Arlete Gomes Santos PariziIV; Adilson de OliveiraV; Gustavo de Almeida LogarVI; Fabiana Gouveia StraiotoiVII

I Mestre - Professora da Faculdade de Odontologia "Dr Mário Leite Braga da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), disciplinas de Pacientes com Necessidades Especiais, Odontopediatria e Metodologia da Pesquisa
IIAluno de graduação da Faculdade de Odontologia "Dr. Mário Leite Braga - UNOESTE - participante do Programa Especial de Iniciação Científica (PEIC)
IIIAluno de graduação da Faculdade de Odontologia "Dr. Mário Leite Braga - UNOESTE - participante do PEIC
IVMestre - Professora da Faculdade de Odontologia Dr Mário Leite Braga - UNOESTE -, disciplina de Paciente com Necessidades Especiais, Patologia geral e bucal, Estomatologia e Terapêutica medicamentosa
VMestre - Professor da Faculdade de Odontologia "Dr. Mário Leite Braga - UNOESTE -, disciplina de Paciente com Necessidades Especiais, Odontopediatria e Biossegurança
VIMestre - Professor da Faculdade de Odontologia Dr Mário Leite Braga - UNOESTE -, disciplina de Paciente com Necessidades Especiais e Odontologia hospitalar
VIIDoutora - Professora da Faculdade de Odontologia "Dr. Mário Leite Braga – UNOESTE -, disciplinas de Odontogeriatria e Prótese Dentária

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Introdução: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, de causa desconhecida e de natureza autoimune. O uso de diversos medicamentos e a presença das múltiplas alterações sistêmicas podem comprometer o atendimento odontológico desses pacientes principalmente quando se encontram descompensados e debilitados. Objetivos: Avaliar a condição de saúde bucal e geral dos pacientes com LES, verificando: frequência e os tipos de danos sistêmicos permanentes e uso de medicamentos utilizados para o tratamento dessa enfermidade que comprometem o tratamento odontológico. Material e método: Foram analisados 34 pacientes portadores de LES, estes foram submetidos a uma entrevista estruturada sobre condição sistêmica e a um exame físico buco dental, avaliando: índice CPO-D, condição de saúde gengival e dor na articulação temporo mandibular. Resultados: CPO-D média 15,3; Condição gengival: 65% com gengivite; artrite: 94%; envolvimento hematológico: 41%; envolvimento renal: 29%, envolvimento cardiovascular e pulmonar:18%. Medicamentos mais utilizados: glucocorticosteróides: 88%; anti-inflamatórios não esteróides 52%; hidroxicloroquina: 41%; antidepressivo: 32%. Conclusão: A condição de saúde bucal dos pacientes avaliados é deficiente; existe grande variabilidade de doenças sistêmicas; uso de diversos medicamentos, com efeitos colaterais negativos e imunossupressores para a condição geral dos pacientes com LES. Esses pacientes se tornam de alto risco para o tratamento odontológico. Os Cirurgiões-Dentistas devem estar atentos e preparados para tratar as necessidades especiais do paciente com LES.

Palavras-chave: saúde bucal; lúpus eritematoso sistêmico; manifestações bucais; sinais e sintomas


 

ABSTRACT

Introduction: Systemic lupus erythematosus (SLE ) is a chronic inflammatory disease of unknown cause and autoimmune nature. The use of multiple medications and the presence of multiple systemic changes may compromise the dental care of these patients especially when they are uncompensated and debilitated. Objectives: The aim of this study was to analyze the condition of oral and general health of patients with SLE. The frequency, types of systemic damage, use of controlled medications used to treat this disease that undertake dental treatment. Methods: 34 patients were analyzed with SLE that were submitted a structured interview about systemic condition and dental exam: DMFT index, gingival health condition and temporo mandibular joint pain. Results: DMFT average 15.3%; gingival condition: 65 % with gingivitis; arthritis: 94 %; hematologic involvement: 41 %, renal involvement: 29%, cardiovascular and pulmonary involvement: 18%. Most widely used drugs: glucocorticosteroids: 88 %, anti - inflammatory drugs 52 %; hydroxychloroquine: 41%; antidepressant: 32 %. Conclusion: The oral health of the patients is poor, there is great variability in systemic diseases, use of various drugs with negative side effects and immunosuppressants for the general condition of patients with SLE. These patients becomes an high risk for dental care and the dentists may be vigilant and prepared to apply special needs of patients with SLE.

Keywords: oral health; lupus erythematosus, systemic pathological conditions, signs and symptoms; oral manifestations


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica com amplas repercussões sistêmicas. É imperativo que o Cirurgião-Dentista esteja familiarizado com o amplo leque de implicações gerais e bucais, incluindo os aspectos clínicos e laboratoriais do LES. Este estudo justifica-se por propor uma visão geral desta patologia, dos órgãos e sistemas afetados por esse processo complexo de doenças que são relevantes para o conhecimento dos dentistas.

 

Introdução

Existem três tipos de Lúpus: o lúpus discoide, o lúpus sistêmico e o lúpus induzido por drogas. O lúpus discoide é sempre limitado à pele. É identificado por inflamações cutâneas que aparecem na face, nuca e couro cabeludo. O lúpus induzido por drogas ocorre como consequência do uso de certos medicamentos principalmente a procainamida (antiarrítmico) e a hidralazina (Vasodilatador).1,2

Este estudo abordará o lúpus eritematoso sistêmico (LES), o mais grave, que pode afetar quase todos os órgãos e sistemas, é uma doença inflamatória crônica, evolui com manifestações clínicas polimórficas, com períodos de exacerbações e remissões. Seu desenvolvimento está ligado à predisposição genética e fatores ambientais.1

O LES pode atingir múltiplas partes do corpo, e pode causar sérios problemas ao longo da vida. O sistema imunológico produz anticorpos para proteger o organismo de antígenos, havendo uma desorganização imunológica, o sistema defensivo deixa de distinguir entre os antígenos e as células e tecidos do próprio corpo, direcionando anticorpos contra si mesmo, os quais reagem formando complexos imunológicos que crescem nos tecidos e podem causar inflamação, lesões e dores.2

Apresenta ocorrência universal, embora seja três vezes mais frequente em negros e mais prevalente em mulheres entre a segunda e a quarta década de vida. O tabagismo pode exercer papel importante na patogênese da doença, uma vez que os componentes do cigarro podem influenciar a autoimunidade. 3,4

O paciente com a doença pode apresentar eritema malar, lesão discoide, fotossensibilidade, úlceras orais e nasais, artrite, serosite, comprometendo sistema cardiovascular, pulmonar, alterações renais, alterações neuropsiquiátricas, alterações hematológicas e alterações imunológicas.5

As alterações hematológicas podem afetar grande parte dos indivíduos com LES, e podem se apresentar de leve à moderada: a anemia normocítica, leucopenia, geralmente linfopenia significativas. A trombocitopenia é frequente e pode levar a problemas na coagulação, muito importante ser observada no planejamento de cirurgias odontológicas.2,6 A anemia gera pouca oxigenação dos tecidos e órgão, gerando cansaço, sonolência e indisposição; causando falta de ar e palpitações, mas tende a regredir quando o LES está inativo.7 A baixa oxigenação dos tecidos causada pela anemia pode levar a má cicatrização pós-cirúrgica.

Os pacientes com LES podem ter uma síndrome do anticorpo antifosfolípide, sobreposto que as predispõem a eventos tromboembólicos, tais como a trombose arterial e venosa pulmonar embolia, acidente vascular cerebral e infarto. É importante durante a anamnese dos pacientes com LES perguntar sobre o uso continuo de anticoagulantes e antiagregante orais, pois são medicamentos que devem ser observados para um bom planejamento das cirurgias odontológicas. Exames laboratoriais como o coagulograma e hemogramas devem ser indicados no pré-operatório para determinar a condição hematológica dos pacientes com LES, principalmente o INR (Internacional Normalizado Ratio) para os pacientes anticoagulados. 8

Com relação à gravidez, as pesquisas mostram que 50% de todas as gestações em mulheres com lúpus são completamente normais, 25% geram bebês prematuros e 25% correspondem à perda do feto, por aborto espontâneo ou morte do bebê. A mortalidade perinatal será essencialmente mais elevada quando o LES é severo e mal controlado. Contudo, o acompanhamento sistemático pode minimizar a exacerbação da doença.2,9

O melhor momento para a portadora de LES engravidar é quando a doença está inativa, mas todas as gestações devem ser consideradas de alto risco devido à severidade da patologia e à necessidade do acompanhamento medicamentoso.10

A pele, o rim e as articulações são os principais órgãos-alvo do LES. A pele, entretanto, se destaca por ser o sítio principal de suas manifestações, nela se iniciando a doença em 80% das vezes.11

Pacientes que sofrem de insuficiência renal crônica são muitas vezes submetidos à hemodiálise. Cirurgias dentárias devem ser planejadas nesses pacientes, principalmente por todas as alterações presentes no LES e ainda conjuntamente com a insuficiência renal crônica, tornando-os de mais alto risco para procedimentos invasivos odontológicos.8

O lúpus pode atingir o sistema cardiovascular, sendo a inflamação no pericárdio, a pericardite, a doença mais comum. Entretanto, a arteriosclerose é a causa mais frequente de problemas coronários. Tais prejuízos no coração podem ser oriundos da inflamação causada pela doença em atividade ou, também, pelo uso dos medicamentos.7 A pericardite bacteriana é pouco relatada e geralmente se desenvolve em pacientes tratados com corticosteroides, que é um tipo de medicamento de uso continuo no LES e a mortalidade é alta, pois, pode haver mudanças anatômicas e funcionais da valva mitral e aórtica, que os torna suscetíveis à colonização bacteriana. 6

Os poucos estudos sobre lesão bucal em pacientes com LES demonstram, microscopicamente, para ou ortoceratose, atrofia epitelial, degeneração da membrana basal, infiltrado mononuclear liquenóide e vasculite profunda.12-18 Observa-se também espessamento da membrana basal, característica que difere do aspecto histopatológico do líquen plano bucal, principal diagnóstico diferencial do LES.15,19

As manifestações buco dentais apresentadas no LES são: gengivite descamativa, gengivite marginal e lesões erosivas mucosas. Estes pacientes apresentam distúrbios da articulação temporomandibular (artralgia, artrite), síndrome de Sjögren (xerostomia, e hipo-hidrose generalizada), higiene bucal precária por causa de lesões bucais dolorosas, estes fatores levam ao aparecimento de cáries dentárias e doença periodontal.8

Os pacientes lúpicos necessitam de cuidados bucais especiais, principalmente por estarem mais suscetíveis às infecções de uma maneira geral.20 O tratamento odontológico do paciente com LES deve ser personalizado e dependerá da gravidade da doença e dos órgãos ou sistemas afetados. No caso de envolvimento multissistêmico, o tratamento deverá ser orientado pelos protocolos de abordagem odontológica para cada tipo de sistema afetado, por exemplo: atendimento odontológico do paciente cardiopata, nefropata, anêmico, anticoagulados, dentre outros.

A medicação mais utilizada para tratar o LES é o corticosteroide, esta medicação provoca diversos efeitos colaterais, piorando o quadro geral do paciente, como por exemplo: osteoporose, diabete melito, catarata, edema facial e do corpo. Em alguns casos, os imunossupressores também são usados para regular a ação do sistema imunológico que se encontra desequilibrado.2

O exame clínico deve descartar processos infecciosos relacionados aos tecidos dentais e periodontal, pois infecções são comuns nesses pacientes em terapia imunossupressora, progride rapidamente e seguem em um modo silencioso ou subclínico resultado da medicação. O exame também deve ser direcionado para excluir a presença de infecções fúngicas, candidíase pseudomembranoso, estas são as alterações mais comum em pacientes com estado de imunossupressão.6

Desta forma, os objetivos deste estudo foram avaliar a condição de saúde bucal e geral dos pacientes com LES, verificando a frequência e os tipos de danos sistêmicos permanentes e o uso de medicamentos utilizados para o tratamento dessa enfermidade que interferem no tratamento odontológico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Delineamento experimental
Foi realizado um estudo descritivo, observacional, transversal em uma amostra de conveniência, que buscou avaliar a condição de saúde bucal e geral dos pacientes com LES, verificando a frequência e os tipos de danos sistêmicos permanentes e os medicamentos utilizados.

Considerações éticas da pesquisa
A pesquisa foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (nº 878/ 2011). Os pacientes que participaram desta pesquisa foram informados da finalidade da mesma, bem como dos métodos utilizados neste trabalho e apenas foram avaliados após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi baseado nos aspectos éticos específicos de acordo com os princípios originados da Declaração de Helsinki.

Local do experimento
Este estudo foi realizado na Clínica de Pacientes com Necessidades Especiais da Faculdade de Odontologia de Presidente Prudente. Fizeram parte da pesquisa todos os pacientes com diagnóstico prévio de lúpus eritematoso sistêmico de ambos os gêneros, com idade acima de 18 anos que compareceram para atendimento na clínica de Odontologia da Unoeste.

Procedimentos para coleta de dados
Todos os exames clínicos foram realizados por examinador único previamente calibrado. Foi utilizado um formulário como instrumento para a coleta de dados, contendo itens e informações sobre estado de saúde bucal e sistêmica dos pacientes.

Dados referentes à avaliação sistêmica foram baseados na junção de dois índices: critérios de diagnóstico e índice de frequência e tipo de dano permanente para pacientes com do lúpus eritematoso sistêmico, propostos pela American College of Rheumatology21, foram utilizados apenas itens dos dois índices que comtemplavam o interesse para área odontológica. Foram verificados também os tipos de medicamentos utilizados pelos pacientes, pois causam danos sistêmicos de uma forma geral.

No exame físico buco-dental foram determinados: Índice CPO-D, condição de saúde gengival e critérios clínicos de disfunção temporomandibular. Nos pacientes onde foi detectada presença de doenças bucais foi executado atendimento de sua necessidade na própria clinica odontológica da Unoeste.

O exame da condição de saúde gengival foi realizado com o objetivo de verificar a presença de inflamação gengival e a eficiência no controle de biofilme, foram estabelecidos escores para a determinação da condição gengival, baseados em Ribeiro (2002)22 com modificações:

0: Gengiva clinicamente saudável, não apresenta sangramento espontâneo ou provocado, após ser sondada;

1: Gengiva com sangramento após a realização da sondagem (sangramento provocado);

2: Gengiva com sangramento espontâneo.


Os critérios clínicos e sintomáticos de disfunção temporomandibular usados no diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico foram21: cefaleia, dor nos olhos, cansaço ao mastigar, dor à palpação muscular, dor à palpação articular e bruxismo ou apertamento.

Após a coleta dos dados da pesquisa, os resultados foram tabulados e, posteriormente, realizada a análise descritiva, sendo demonstrado através de frequências absolutas e relativas.

 

RESULTADOS

Foram avaliados nesta pesquisa 34 voluntários: 1 (3%) do gênero masculino e 33 do feminino, com faixa etária de 21 a 65 anos (39 ± 9,8 anos). Os voluntários, quando questionados a história da doença, relataram um tempo de diagnóstico de 10 ± 7 anos.

Tabela 1: Na Tabela 1 podemos observar que a maior por-centagem de pacientes foi de 30 a 40 anos (35%) e o CPO-D encontra-se com o índice de 13,9. A menor porcentagem (15%) dos pacientes com 50 a 60 anos de idade, mas também com a experiência de cárie maior, com índice CPO-D de 22,8, percebemos pelos resultados que o índice aumenta de acordo com a idade do paciente, pacientes mais jovens menor experiência de cárie, assim como em indivíduos sem LES.

Tabela 2: Analisando os resultados obtidos na Tabela 2 , verifica-se que dos pacientes com LES, 35% apresentam gengiva clinicamente saudável, 44% apresentam sangramento provocado e 21% sangramento espontâneo. Desta forma foi encontrado que 65% dos pacientes avaliados apresentavam algum grau de gengivite.

 

 

 

 

 

 

Tabela 3: Analisando a Tabela 3 , encontramos 41% dos pacientes entrevistados apresentaram cansaço ao mastigar e bruxismo ou apertamento e mais da metade manifestaram dor à palpação muscular e à palpação articular.

Tabela 4: Tabela 4 , foi dispostos e tabulados dados referentes à condição geral e sistêmica do paciente onde observamos alguns dos critérios de diagnóstico da LES: Eritema malar está presente em 82% dos pacientes com LES, fotossensibilidade em 88%, ulceração oral ou nasofaringeana em 32%, artrite em 94%, estas quatro condições fazem parte dos critérios clínicos para diagnóstico do LES, os itens referentes à pleurite e a pericardite foram relatados nos mesmos pacientes em 18%, envolvimento renal em 29%, envolvimento neurológico em 32%, envolvimento hematológico em 41%.

Tabela 5: Analisando os resultados da Tabela 5 , observamos a prevalência do uso dos medicamentos Glucocorticosteróides por 88% seguido pelos 52% anti-inflamatórios não esteroides, principalmente o uso contínuo pela presença de artrite, dores articulares, 32% utilizam antidepressivo por causa dos danos neuropsiquiátricos, 55% dos pacientes fazem o uso de cloridrato de ranitidina que é antiúlceroso.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do estudo reforçam a diversidade de danos sistêmicos causados pela própria enfermidade ou pelo uso contínuo de medicamentos, características apresentadas pelos

 

 

 

 

 

pacientes portadores de LES. Portanto, exige conhecimento e atenção do cirurgião dentista na observação da condição sistêmica do paciente e atuação como uma visão geral para prevenir agravamento do seu quadro em detrimento de um procedimento odontológico.

O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune de etiologia desconhecida e é mais prevalente em mulheres com idade aproximada de 20 a 40 anos3,22, assim como em nosso estudo a maioria dos pacientes se encontravam nesta faixa etária, até a quarta década de vida e apenas 1 paciente entre os 34 era homem.

Quando observamos a qualidade de saúde bucal dos pacientes, percebemos que não difere muito de outros pacientes com enfermidades de uma forma geral, com dificuldade de atendimento pelo seu problema sistêmico. Este estudo, como os de vários autores20,22,23, demonstra a presença de uma condição gengival insatisfatória, segundo Umbelino Júnior et al., 201020 os pacientes com LES em sua pesquisa apresentaram uma condição

 

 

 

periodontal precária e baixa prevalência de lesões bucais. Não foi o objetivo do nosso estudo, mas a presença de lesões estomatológicas não foi observada em nossa pesquisa. É importante identificar grupos da população que necessitam de maior atenção para a prevenção de complicações bucais como os pacientes com LES, o alto índice de CPO-D para todas as faixas etárias estudadas, revela um problema de saúde bucal, visto que este é maior que a média.23

Em nosso estudo observamos indivíduos com alguns sintomas como: cefaleia, dor nos olhos, cansaço ao mastigar, dor a palpação muscular e articular e bruxismo/apertamento, sendo a maior porcentagem apresentada cefaleia e dor a palpação muscular, que são características clínicas e sintomatológicas da disfunção temporomandibular, o LES pode atingir várias partes do corpo e principalmente articulações, pois ocorre uma desorganização do sistema imunológico onde o organismo deixa de distinguir corretamente entre os antígenos e as células do corpo e com isso poderá causar inflamações articulares, lesões e dores.2

Estratégias de abordagem odontológica desses pacientes devem ser utilizadas e são fundamentais, pois temos que observar os danos permanentes provocados pela enfermidade e pelos medicamentos utilizados. Estes danos encontrados na literatura5,16,20,23 e nos pacientes avaliados foram: Cardiovascular, pulmonar, Hematológicos como uma pancitopenia, envolvimento renal, psiquiátrico, diabete melito e até neoplasias, mas este último não foi encontrado nenhum caso em nossos pacientes.

Com relação ao uso de medicamentos que é um fator que complica a saúde geral desses pacientes, encontramos o uso continuo de Glucocorticosteróides em 88% dos pacientes com LES. Os efeitos dos corticosteroides além da imunossupressão orgânica, este medicamento pode provocar osteoporose e osteonecrose, aumento do risco de fratura óssea, no sistema cardiovascular provoca hipertensão arterial sistêmica e aterosclerose, sendo importantes causas de morbimortalidades no LES.24 Ainda em relação ao uso dos corticoides, este pode provocar: cicatrização prejudicada, friabilidade aumentada de vasos sanguíneos, diabete melito, infecção, hemorragia gastrointestinal ou úlcera.25

Outros imunossupressores, como a azatioprina e a ciclofosfamida, foram relatados em uso por 29% dos voluntários, frequentemente empregados no LES, estão associados ao aumento de infecções, infertilidade e ao aparecimento de neoplasias anos após o início de seu uso.24

A cloroquina (Antimaláricos) utilizada por 41% dos pacientes pesquisados, onde seu uso é para o tratamento das manifestações cutâneas, pode causar uma maculopatia por impregnação da droga na retina e, se não reconhecida a tempo, pode ser responsável por alterações debilitantes na visão, como visão anormal para cores e embaçamento visual.24

O Micofenolato de mofetila é uma droga imunossupressora utilizada em transplantes de órgãos e está sendo utilizada recentemente no tratamento de doenças autoimunes, incluindo o LES, por isso apenas uma paciente está utilizando este medicamento.

Os anti-inflamatórios de uso contínuo, presentes nas medicações de 52% dos voluntários, interferem na função plaquetária, e, portanto, podem aumentar o risco de sangramento. No entanto, uma vez que a COX-2 pode ter um papel na cicatrização de feridas e da função renal, temos que ter precaução no perioperatório. 25

Os antidepressivos não foram especificados quais eram utilizados, mas esses medicamentos têm efeitos colaterais que são: xerostomia, náuseas. A sensação de boca seca, quando acompanhada de hipossalivação, provoca diversas alterações na cavidade bucal, destacando-se, entre estas, a maior frequência de cárie.26

O Carbonato de Cálcio, Ácido Fólico, Cloridrato de Ranitidina são medicamentos utilizados na tentativa de minimizar os danos da enfermidade e dos medicamentos utilizados.

Considerando os riscos potenciais durante o tratamento odontológico, medidas preventivas de abordagem são necessárias para o atendimento ser bem sucedido. O detalhamento da história médica, uma anamnese bem minuciosa e precisa é essencial para dar a esses pacientes um tratamento odontológico seguro.

Esta anamnese deve incluir dados sobre doenças, condição sistêmica e seu respectivo tratamento medicamentoso, seguido por um exame clínico detalhado de tecidos duros e moles da cavidade bucal, além da articulação temporomandibular e eventualmente, devem estabelecer um plano de tratamento apenas baseado nas necessidades clínicas do paciente, mas considerando as medidas preventivas necessárias para evitar complicações.16

 

CONCLUSÃO

A condição de saúde bucal dos pacientes avaliados é deficiente; não identificamos alterações bucais de grande significância nesses pacientes portadores de LES. Foi verificado neste estudo grande variabilidade de doenças sistêmicas: cardiovascular, pulmonar, hematológicos, renal, neuropsiquiátrica, diabete melito e artrite. Também foi encontrado o uso de diversos medicamentos, com efeitos colaterais negativos e imunossupressores para a condição de saúde dos pacientes com LES. Desta forma é importante direcionar a anamnese para identificar a presença desses danos sistêmicos e tipos de medicamentos utilizados, pois esses pacientes se tornam de alto risco para o tratamento odontológico. Os cirurgiões dentistas devem estar atentos e preparados para tratar as necessidades especiais do paciente com LES.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

O Cirurgião-Dentista deve estar atento durante o atendimento de pacientes portadores de afecções sistêmicas, principalmente os pacientes com LES, pois estes pacientes não são a regra, tem condições especificas de abordagem odontológica, são pacientes diferentes da rotina, tendo que observar a sua história médica individualizada, a diversidade e a complexidade dos danos causados pela enfermidade, a frequência e uso de medicamentos, interpretação de exames laboratoriais, para que se torne um atendimento integral do paciente, com uma visão geral de sua saúde e não apenas bucal.

 

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Endereço para correspondência:
Cristhiane Olívia Ferreira Do Amaral
Unoeste
Rua: Paulo Ripari, 393 Central Park - Presidente Prudente - SP
19060-710 Brasil

e-mail:
crisamaral@unoeste.br

Recebido: jan/2014
Aceito: jul/2014