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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas
versão impressa ISSN 0004-5276
Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2014
Artigo original
Avaliação da atividade antibacteriana de diferentes materiais restauradores provisórios
Evaluation of the antibacterial activity of different temporary restorative materials
Rubia Fernanda Lima GalzoI;Maria Leticia Borges BrittoII;Manoel Eduardo de Lima MachadoIII; Cleber Keiti NabeshimaIV
I Especialista - Endodontista em clínica particular
II Doutora - Professora coordenadora do curso de especialização em Endodontia da Universidade Cruzeiro do Sul
IIILivre docente - Professor da disciplina de endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
IVMestre - Doutorando da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
RESUMO
O objetivo deste estudo foi avaliar a propriedade antimicrobiana de diferentes materiais restauradores provisórios: Óxido de zinco e eugenol, óxido de zinco pronto para uso (Coltosol), resinoso (Bioplic) e guta-percha. Foram utilizadas 10 amostras de cada material acondicionados em poços de m-enterococcus ágar contaminado com Enterococcus faecalis. Poços vazios constituíram o grupo controle. As placas foram encubadas a 37ºC por 24 horas, e os halos de inibição foram analisados. Os dados obtidos foram submetidos ao teste de Kruskal-Wallis complementado pelo teste de Dunn (p<0,05). Os resultados apresentaram que o óxido de zinco e eugenol apresentou maior halo de inibição quando comparado à guta-percha e o resinoso, porém não obteve diferença significante ao óxido de zinco pronto para uso que foi diferente somente em relação ao grupo controle de crescimento bacteriano zero. Pode-se concluir que na observação após 24 h de inserção, o Óxido de zinco e eugenol demonstrou maior efeito antibacteriano que o resinoso e a guta-percha, porém semelhante ao óxido de zinco pronto para uso.
Palavras-chave: restauração dentária temporária; endodontia; enterococcus faecalis
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the antibacterial activity of different temporary restorative materials: Zinc oxide and eugenol, ready-to-use zinc oxide, resin-based (Bioplic) and Gutta-percha. Ten samples of each material were placed into wells done on m-enterococcus agar contaminated with Enterococcus faecalis. Empty wells were the control group. The plates were incubated at 37°C for 24 hours, and the inhibition zone around the materials was analyzed. Data were submitted to Kruskal-Wallis complemented by Dunn's test (p <0.05). The results showed that the zinc oxide and eugenol showed greater inhibition zone compared to gutta-percha and resin-based material, no significant difference was found between them and ready-to-use zinc oxide. Ready-to-use zinc oxide was significant difference to control group of growth inhibition zero. It can be concluded that after 24 h, the zinc oxide and eugenol has more antibacterial effect than resin-based material and gutta-percha, but it showed similarity to ready-to-use zinc oxide.
Keywords: dental restoration, temporary; endodontics; enterococcus faecalis
RELEVÂNCIA CLÍNICA
A restauração provisória é importante para a manutenção entre as sessões da assepsia adquirida pelo preparo químico cirúrgico. Diferentes materiais estão disponíveis para esta finalidade, sendo a atividade antimicrobiana uma propriedade de importância para se evitar a infiltração de bactérias.
Introdução
A manutenção da assepsia do canal radicular após o preparo químico cirúrgico é um desafio devido à diversidade de microrganismos presentes na cavidade bucal. Assim, é imprescindível a utilização de um material restaurador provisório na impossibilidade do término do tratamento endodôntico e restauração definitiva, o qual irá atuar como proteção e barreira física, para que não ocorra a passagem de microrganismos e fluídos da cavidade oral ao endodonto, que poderiam re-contaminar o canal radicular.
Para a escolha do material provisório adequado devem-se levar em consideração algumas características, tais como facilidade de manipulação, facilidade de inserção e remoção, estética, resistência à abrasão e compressão, biocompatibilidade, insolubilidade, e possuir boa capacidade de selamento marginal permanecendo na cavidade dentaria até sua remoção. Contudo, várias opções de cimentos provisórios podem ser encontradas para o selamento do acesso endodôntico entre as sessões.
O cimento de oxido de zinco e eugenol é um dos restauradores provisórios mais comumente utilizado durante tratamento endodôntico por possuir melhor resistência à compressão quando comparado a outros cimentos provisórios.1 Entretanto tem apresentado baixa qualidade de selamento marginal2,3, e é necessária espatulação (pó/líquido) para seu uso, necessitando de mais tempo para o procedimento. Os cimentos provisórios resinosos fotopolimerizáveis são uma alternativa, a exemplo pode-se citar o Bioplic, no qual tem apresentado excelentes resultados quanto à sua capacidade de vedação.4,5 Contudo, cimentos provisórios que não necessitam de preparo para o uso estão disponíveis comercialmente, e possuem vantagens, como praticidade por dispensarem manipulação, e é de fácil inserção na cavidade. O Coltosol é um exemplo deste grupo, e tem apresentado ser o mais resistente dentre os cimentos provisórios que dispensam manipulação.1 Em relação ao selamento, autores observaram altos índices de corante infiltrado quando utilizado o Coltosol.6,7 Já a guta-percha é um material biocompatível e utilizado para a obturação de canais radiculares, além disso, sua forma em bastão é comumente utilizada como camada abaixo de restaurações provisórias ou até mesmo das definitivas8, porém estudos têm apresentado baixa qualidade de selamento periférico do mesmo.2,9
Assim, pode-se observar que os resultados de infiltração são variáveis, porém, diferentes materiais podem possuir ação antimicrobiana10-12, fato que poderia influenciar na passagem da bactéria na interface dente-restauração, mesmo quando este material não possui boa vedação.
Neste contexto, é importante a avaliação da propriedade antibacteriana dos diferentes tipos de materiais, buscando a melhor alternativa nas restaurações provisórias, que pode refletir significantemente no sucesso da terapia endodôntica.
Sendo assim, o presente estudo teve por objetivo avaliar a propriedade antimicrobiana de diferentes cimentos provisórios: Óxido de Zinco e Eugenol, óxido de zinco pronto para o uso (Coltosol), resinoso (Bioplic) e guta-percha.
MATERIAL E MÉTODO
Preparo das amostras
Para o presente estudo, quatro materiais foram testados: cimento de óxido de zinco e eugenol (Biodinâmica, Ibipora, PR, Brasil), cimento de óxído de zinco pronto para o uso (Coltosol, Vigodent, Rio De Janeiro, RJ, Brasil), um cimento resinoso (Bioplic, Biodinâmica, Ibipora, PR, Brasil) e guta-percha em bastão (Dentsply, Petrópolis, RJ, Brasil). Todos os procedimentos deste experimento foram realizados dentro de uma capela de fluxo laminar previamente desinfetada com álcool absoluto e 15 minutos de exposição à luz ultravioleta.
Microrganismos
Amostra de 200 μL de Enterococcus faecalis (ATCC 29212) foi inoculada em 2 mL de TSB estéril (Tryptic soy, broth, Difco, Le Pont de Claix, RA, França), e assim incubada em estufa a 37 °C por 24 h.
Após este período a amostra foi padronizada na escala 0,5 de McFarland (BioMèriex, Marcy-l'Etoile, RA, França) referente à concentração de 1,5 x 108 UFC/mL, através da adição de TSB estéril ao caldo bacteriano, totalizando 20 ml de caldo bacteriano.
Testes de difusão em Ágar
Para o teste de difusão em ágar, foram preparadas 10 placas de petri contendo m-Enterococcus ágar (Difco, Le Pont de Claix, RA, França), onde foi espalhada sobre a superfície 2 ml da suspensão de Enterococcus faecalis previamente preparada. Após secagem, foram confeccionados cinco poços (em cada placa) medindo 5 mm de diâmetro e 5 mm de profundidade, onde foram acondicionados os materiais testados, todos manipulados conforme as especificações do fabricante resumidas a seguir:
Cimento de óxido de zinco e eugenol - Três gotas de eugenol foram colocadas sobre uma placa de vidro polida e incorporada aos poucos a uma medida de pó de óxido de zinco, sendo espatulado até total mistura e aquisição de uma massa homogênea.
Cimento de óxído de zinco pronto para o uso - o material foi retirado da embalagem e colocado sobre uma placa de vidro para manipulação e posterior inserção.
Cimento resinoso - o material foi retirado da bisnaga com auxílio de uma espátula de inserção (SSWhite, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) e colocado sobre uma placa de vidro para manipulação, sendo em seguida levada ao poço na placa petri. Após preenchimento do poço com o material, o mesmo foi fotoativado com LED a partir de um fotopolimerizador com 500 mW/cm2 de potência e comprimento de onda entre 450 e 480 nm (Ultraled, Debi Atlante, Ribeirão Preto, SP, Brasil) por 40 s. Guta-percha em bastão - Um bastão de guta-percha foi levemente aquecido ao fogo, e com auxílio de uma espátula de inserção foi colocado sobre uma placa de vidro polida para manipulação, sendo em seguida levada ao poço na placa petri.
Para melhores adaptação do material ao poço, utilizou-se um brunidor (SSWhite Rio de Janeiro, RJ, Brasil) umedecido com água destilada. A quantidade de cada material utilizada foi até o completo preenchimento do poço confeccionado no ágar.
O grupo controle foi composto por poços vazios sem nenhum material. Assim, as placas foram incubadas em estufa à temperatura de 37ºC, por 24 horas para crescimento bacteriano.
Após período de incubação, as placas foram retiradas da estufa e uma linha partindo da borda do poço até a maior distância do halo de inibição foi traçada, e com auxílio de uma régua milimetrada foi possível à medição em milímetros (mm) para cada material testado.
Análise Estatística
Após a coleta dos resultados, os dados foram submetidos ao
teste de Kruskal-Wallis com comparação entre grupos pelo teste de Dunn, ambos com nível de significância de 5%.
RESULTADOS
O óxido de zinco e eugenol apresentou maior halo de inibição quando comparado à guta-percha e o resinoso (p<.05), porém não obteve diferença significante ao óxido de zinco pronto para uso (p>.05). O óxido de zinco pronto para o uso por sua vez, foi diferente somente em relação ao grupo controle. A inibição média observada foi de 119 mm para o óxido de zinco e eugenol, 80 mm para o óxido de zinco pronto para o uso, 36 mm para o resinoso e 37 mm para a guta-percha. O controle sem nenhum material não apresentou nenhuma inibição. Observe a comparação entre os grupos na Figura 1 e a imagem representativa do halo de inibição na Figura 2.
DISCUSSÃO
A grande diversidade microbiana presente na cavidade oral é um fator preocupante que pode por em risco toda a terapia endodôntica se a cavidade não for devidamente selada. A ação antibacteriana do material restaurador é uma característica favorável, principalmente aos materiais pobres em selamento como o óxido de zinco e eugenol e a guta-percha.3,9,10,13-16 O Bioplic tem sido citado como um material resinoso com boas propriedades de vedação2,4,5,16, e o Coltosol é um cimento provisório que não necessita de preparo prévio e é amplamente utilizado. Assim, o presente estudo buscou analisar a ação antibacteriana destes cimentos provisórios, onde o Óxido de zinco e eugenol mostrou-se superior, o óxido de zinco pronto para o uso (Coltosol) foi intermediário, e o resinoso (Bioplic) e guta-percha apresentaram baixo efeito antibacteriano.
A metodologia utilizada para esta avaliação foi a de difusão em ágar, baseando-se em diversos trabalhos da literatura, onde o efeito antibacteriano é medido através do halo de inibição do crescimento bacteriano em placa.12,17,18 Mas é importante mencionar que assim como outros autores15,17,19,20, optamos pelo uso do Enterococcus faecalis por ser uma bactéria resistente e presente nos casos de insucessos endodônticos portadores de infecções secundárias e crônicas. A seleção
dos cimentos testados, primeiramente levou-se em consideração as diferentes categorias de restauradores provisórios: um que necessita de preparo prévio, outro pronto para o uso, um resinoso fotopolimerizável, e a guta-percha que é utilizada no duplo selamento. Dentre eles, o Óxido de zinco e eugenol são um dos mais comumente utilizados e nossos resultados mostraram significante superioridade do mesmo em relação ao resinoso, à guta-percha e ao controle. Slutzky et al. (2006) encontrou resultados semelhantes ao avaliar o óxido de zinco e eugenol (IRM) pelo contato bacteriano direto, que obteve efeito bacteriostático imediato e se manteve nesta condição em pelo menos 1 dia.
Embora ausente o eugenol em seu produto de inserção, a ação antibacteriana apresentada pelo óxido de zinco pronto para uso foi estatisticamente semelhante ao Óxido de zinco e eugenol, este resultado poderia ser explicado pela presença do Óxido de zinco em sua composição, porém em menor concentração, além de outros compostos como sulfato de zinco, sulfato de cálcio, acetato de poivilina, mentol e dibutilfalato. Ainda, o óxido de zinco pronto para uso não apresentou diferença significante com o resinoso e guta-percha, e estes últimos tiveram efeito antibacteriano tão baixo que foi semelhante ao grupo controle. Esta semelhança não significa que a ação foi inexistente como o controle, mas que ela foi muito baixa, lembrando também que a guta-percha também possui Óxido de zinco em sua composição, mas com baixa concentração. Vágula et al.12 (2010) observaram 140 mm de halo de inibição avaliando Óxido de zinco e eugenol, e 120 mm avaliando o óxido de zinco pronto para uso (Coltosol), contudo estes resultados não podem ser comparados com nossos achados, uma vez que os autores utilizaram de uma amostragem muito pequena. Já Grillo et al.18 (2013) discordam de nossos achados, pois observaram superioridade do óxido de zinco pronto para uso quando comparado ao óxido de zinco e eugenol; esta diferença poderia ser justificada pela marca comercial, pois Grillo et al. utilizaram o IRM, e afirmam que o líquido é composto por eugenol ácido acético e metilmetacrilato, e em nosso estudo utilizamos do eugenol puro.
O resinoso Bioplic se caracteriza por ser um restaurador provisório fotopolimerizável, e neste grupo, pode ser comparado ao Tempit, que foi avaliado por Slutzky et al.20 (2006). Tais autores observaram através de contato direto que o Tempit apresentou ação bactericida imediata, porém não se manteve após 1 dia. Levando-se em consideração que o halo de inibição no presente estudo foi medido somente 24h após a inserção do material, os resultados de ambos os estudos parecem estar relacionados, pois 24h seria tempo suficiente para a perda de efeito antibacteriano do Bioplic, mas pela metodologia utilizada neste estudo não pode se afirmar que o Bioplic não possui efeito bactericida imediato.
A relação dos resultados encontrados neste estudo e os resultados de infiltração parecem ser contrários, o Óxido zinco e eugenol apresentou excelente atividade antibacteriana, porém segundo Macedo et al.3 (2009), o mesmo possui baixa capacidade de vedação, o mesmo acontece com o resinoso que obteve baixo efeito antibacteriano, mas segundo Bitencourt et al.5 (2010), ele possui baixa infiltração. Entretanto, estudos de infiltração são baseados em corantes como marcadores2-7,9,13,14,16,21, e neste aspecto, vale questionar se o efeito antibacteriano do material restaurador temporário exerce alguma influência na infiltração da bactéria, principalmente nos casos de selamento deficiente por má adaptação causada por contração do material após de presa. Neste contexto, futuros trabalhos poderão ser realizados para se verificar esta relação utilizando bactérias como marcadores de infiltração. Além disso, a solubilidade do óxido de zinco e eugenol é muito maior do que os materiais resinosos. O ganho de atividade antimicrobiana do óxido de zinco eugenol pode se dar pela sua alta solubilidade, considerando que tanto o óxido de zinco quanto o eugenol são liberados facilmente do material após a presa. Sendo assim, o ganho em atividade antimicrobiana compensaria a alta solubilidade do material, porém a alta solubilidade pode comprometer o selamento ao longo do tempo. Ainda, condições locais também devem ser levadas em consideração, neste particular, as bactérias presentes é um fator que influencia diretamente nas propriedades antibacterianas do material, pois como já foi observado por Slutzky et al. (2006), algumas tipos de bactérias podem ser mais sensíveis que outras por mais tempo. Assim, é importante ressaltar que este material restaurador é provisório e deve ser substituído num prazo relativamente curto, e que alguns materiais podem ser favoráveis de imediato, porém em longo prazo podem se tornar deficientes.
CONCLUSÃO
Diante dos resultados, é lícito concluir que na observação após 24h de inserção, o Óxido de zinco e eugenol demonstrou maior efeito antibacteriano que o resinoso e a guta-percha, porém semelhante ao óxido de zinco pronto para uso.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Diante dos resultados e da discussão frente aos demais trabalhos encontrados na literatura, o óxido de zinco e eugenol é um material que possui excelente propriedade antibacteriana, porém o mesmo apresenta uma contração de presa e solubilidade elevada, que causa o rompimento da adaptação do material à cavidade e, consequentemente, grande chance de infiltração.
O mínimo de perda das propriedades requeridas deverá ser focado para a escolha do material de melhor indicação para as restaurações provisórias, uma vez que isto pode colocar em risco todo o trabalho adquirido durante a terapia endodôntica. Levando-se em consideração este conceito, o material de óxido de zinco pronto para uso seria o material com maiores vantagens devido à boa resistência, melhor estabilidade dimensional quando comparado ao óxido de zinco e eugenol, e como visto no presente estudo, boa atividade antimicrobiana com semelhança ao óxido de zinco e eugenol. Embora o resinoso e a guta-percha não tenham apresentado diferença significativa ao óxido de zinco pronto para uso, eles também foram semelhantes ao grupo controle, manifestando sua baixa ação antibacteriana. Neste caso, o uso do material resinoso e da guta-percha seria indicado somente com uso conjunto de outro material com maior propriedade antibacteriana.
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Endereço para correspondência:
Cleber K. Nabeshima (Fousp)
Av. Amador Bueno da Veiga, 1340
São Paulo/SP 03636-100
e-mail: cleberkn@hotmail.com
Recebido: maio/2014
Aceito: ago/2014