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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 no.4 Sao Paulo Out./Dez. 2014

 

Relato de caso clínico

 

Mantenedor fixo estético-funcional como tratamento para perda precoce de dentes decíduos anteriores

 

Aesthetic-functional fixed appliance as treatment of premature loss of primary anterior teeth

 

 

Caroline Miki OtaI;Josiane Ferreira CorteletiII; Monica Liliana CardenasIII; Tatiane Fernandes Novaes IV;Camila Porto Pessoa V;José Carlos Pettorossi Imparato VI

I Especialista em Odontopediatria - Mestranda em Odontopediatria pela Faculdade São Leopoldo Mandic – Campinas/SP
II Especialista em Odontopediatria - Mestranda em Odontopediatria da Faculdade São Leopoldo Mandic - Campinas/SP
III Especialista em Odontopediatria - Professora do Curso de pós-graduação da Universidad Nacional de Colombia (UNAL) e professora da Universidad el Bosque
IVMestre e Doutora em Odontopediatria – Pósdoutoranda da Universidade Cruzeiro do Sul/SP
VMestre em Saúde Pública - Pós-doutoranda da Universidade Cruzeiro do Sul - SP
VIProfessor do Programa de Pósgraduação da Faculdade São Leopoldo Mandic – Campinas/SP e professor livre docente da disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A perda precoce de dentes decíduos pode acarretar dano à oclusão e outras sequelas estético- funcionais indesejáveis. Nesses casos, tão importante quanto a reabilitação do paciente, é a escolha adequada do tipo de aparelho mantenedor de espaço. Este trabalho é um relato de caso clínico no qual uma criança de três anos de idade apresentou perda precoce dos incisivos superiores decíduos onde foi instalado um aparelho mantenedor estético-funcional fixo. Em um período inicial de quatro meses de acompanhamento a mãe relatou boa aceitação quanto à adaptação e higienização do aparelho. Consultas de proservação do caso serão feitas mensalmente até o início da erupção dos incisivos permanentes.

Palavras-chave: mantenedor de espaço; dente Decíduo; cárie dentária


 

ABSTRACT

The premature loss of primary teeth can cause damage to occlusion and other undesirable aesthetic-functional sequelaes. In such cases, as important as the rehabilitation of the patient, is the accurate choice of space maintenance appliance. This work is a case report in which a child of three years old showed premature loss of deciduous incisors and a aesthetic-functional fixed appliance was installed. In an initial follow-up of 4 months, the mother reported good acceptance on the adjustment and cleaning of the device. The clinical visits of proservation of the case will be scheduled monthly until the eruption of the permanent incisors.

Keywords: oral hygiene; dentistry; dental service, hospital


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A reabilitação em casos de perda dos incisivos é fundamental para o restabelecimento da estética, fonação e deglutição. O presente caso descreve uma opção de baixo custo, fácil confecção e instalação para reabilitação frente à perda precoce de incisivos decíduos em pacientes não colaboradores.

 

Introdução

A perda precoce de dentes decíduos ocorre frequentemente por trauma, irrupção ectópica, lesões de cárie, entre outras. A integridade da dentição influencia a manutenção da oclusão, da estética, da fonética, da mastigação e do bem-estar psicológico da criança.1 Desse modo, problemas gerados por uma perda dentária precoce podem ser variáveis de acordo com a idade do paciente, o dente perdido, o estágio de desenvolvimento da dentição, as características próprias da arcada dentária e a pré-existência de hábitos ou anomalias da musculatura bucal.2

Em casos de perda precoce de dentes decíduos anteriores, os aparelhos utilizados na etapa de reabilitação do paciente podem ser apresentados de forma fixa ou removível.3 A escolha entre os dois modos deve ser baseada na idade do paciente, grau de cooperação, higiene bucal e anseios da criança e seus responsáveis. 4 Geralmente, a prótese fixa é usada como uma alternativa às próteses removíveis em crianças de pouca idade, devido à sua falta de colaboração.5

Este relato de caso clínico tem como objetivo mostrar uma possibilidade de reabilitação em casos de perda precoce de dentes decíduos anteriores superiores em pacientes com dificuldade de cooperação. Optou-se por um aparelho mantenedor estético-funcional fixo, a fim de promover a comodidade do paciente e dos pais quanto ao ato de introduzir e retirar o aparelho.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

Paciente com três anos de idade, gênero feminino, com boa saúde geral, se apresentou à clínica procurando atendimento odontológico. A mãe da paciente relatou como queixa principal que "os dentes da frente estavam muito estragados".

Na primeira consulta, foi realizada anamnese, exame clínico e exame radiográfico complementar. Em princípio foi tido como plano de tratamento a endodontia, confecção de pino intrarradicular e restauração em resina composta com auxílio de coroas de acetato das unidades 51, 52, 61 e 62. Entretanto, o processo carioso não foi controlado pela falta de colaboração da paciente que não apresentou melhoras quanto a sua higienização e hábitos alimentares, sendo inevitável a realização da exodontia dos quatro incisivos decíduos superiores (Figura 1). A partir daí, o caso foi replanejado, pensando em algo que oferecesse maior autoestima e aceitação da criança. Foram apresentadas as opções que seriam cabíveis dentro da situação (dispositivos móveis e fixos), sendo escolhido um aparelho fixo estético-funcional com sistema tubo-barra, a fim de melhorar a estética, fonação, e deglutição da paciente.

O sistema fixo com bandagem dos segundos molares decíduos foi adotado por se tratar de uma criança de pouca idade com dificuldade de colaboração. Após a escolha da cor dos dentes, para a bandagem dos molares foram utilizados elásticos interdentais (Morelli, Sorocaba, São Paulo, Brasil) por dois dias antes da consulta para afastamento temporário e maior facilidade na adaptação das bandas e moldagem de transferência. O mesmo procedimento de afastamento temporário foi adotado para a etapa de cimentação das bandas. As moldagens superior e inferior foram realizadas com silicona de condensação (Clonage, DFL, Rio de Janeiro, Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

e os moldes vazados em gesso especial. O registro da oclusão foi feito em cera (cera rosa número 9, Lysanda, São Paulo, Brasil)

Após a confecção do aparelho (Figura 2), verificou-se sua adaptação em boca (Figura 3). O aparelho foi previamente higienizado com clorexidina 2% (Clorhexidina, FGM, Santa Catarina, Brasil), enquanto os molares decíduos receberam profilaxia prévia, sendo mantidos secos através do isolamento relativo durante a etapa de cimentação. O cimento de Ionômero de Vidro de presa química (Meron, Voco, Cuxhaven, Alemanha), manipulado conforme as orientações do fabricante foi utilizado nessa etapa (Figura 4).

Os responsáveis pela criança foram orientados quanto aos cuidados necessários para higienização da cavidade bucal em geral, controle da dieta e comparecimento às consultas de acompanhamento. O paciente retornou depois de dois e de quatro meses quando a mãe relatou que a criança obteve boa aceitação do aparelho com aumento da sua autoestima (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

A principal causa da perda dentária continua sendo a doença cárie. O controle dos fatores etiológicos envolvidos na presença da cárie dentária é indispensável, especialmente aqueles relacionados ao controle de dieta cariogênica e controle do biofilme.6 Assim, existem grandes dificuldades envolvidas no tratamento reabilitador de crianças de pouca idade, pois o sucesso depende em grande parte das mudanças de hábitos alimentares e de higienização bucal, nem sempre alcançados com facilidade por serem altamente dependentes da supervisão e motivação dos pais e núcleo familiar envolvidos com a criança.

Mediante a ausência ou qualquer dificuldade em obter resposta positiva dos responsáveis frente às orientações e tratamento proposto, determinações iniciais da etapa de planejamento terapêutico podem sofrer alterações. No presente relato, a criança se apresentou à Clínica de Especialização em Odontopediatria com remanescentes dentários dos incisivos superiores que seriam passíveis de preservação no momento da reabilitação. Entretanto

 

 

 

pela incapacidade da paciente e seus pais em controlar os agentes etiológicos da doença cárie, logo observamos a necessidade de exodontia dessas unidades que já não apresentavam condições de suporte a qualquer tipo de restauração.

Perdas precoces de dentes decíduos podem causar problemas de oclusão e manutenção de espaço, problemas de desenvolvimento dos dentes permanentes, retardo na erupção do sucessor, além de causar distúrbios psicológicos e emocionais.1 Nesses casos, a reabilitação deve ser cautelosamente planejada, considerando principalmente, a dificuldade de cooperação da criança.5

Alguns autores relatam a necessidade de uma grande cooperação da criança para o uso de uma prótese removível.2,7 Assim, nesse caso clínico, optamos pela confecção de um aparelho fixo para a reabilitação da saúde oral da paciente que tinha apenas três anos de idade.7 Ainda segundo Dominguez e Aznar (2004), crianças muito pequenas têm dificuldades em usar aparelhos removíveis por vários fatores, entre eles o desconforto, dificuldade de adaptação, comum perda do aparelho e relatos dos pais que as crianças muito novas se recusam absolutamente ao uso do dispositivo durante o sono. Adicionalmente, a prótese fixa anterior é um mantenedor de espaço que possibilita guiar a erupção dos permanentes sucessores e previne a extrusão dos antagonistas.8

Em função do desenvolvimento maxilar, foi adotado o sistema tubo-barra. Esse dispositivo funciona como um encaixe entre duas peças que se desprendem entre si conforme o crescimento lateral da maxila.9,4 Desse modo, a prótese poderia permanecer na boca até a época normal da esfoliação dos elementos-suporte, quando observaríamos a abertura do sistema tubo-barra, devido ao suposto crescimento maxilar.

Apesar da nossa escolha pelo sistema tubo-barra, cabe salientar que esses conceitos relacionados ao impedimento do desenvolvimento maxilar mediante o uso de aparelhos fixos não são unânimes entre os autores. A distância intercanina está definida com o arco decíduo completo, e não se altera antes das trocas dentárias, quando a prótese já teria cumprido a sua função e não mais estaria fixada.10 A única expansão documentada durante essa idade e que antecede a erupção dos primeiros molares permanentes seria menor do que 0,5 mm no crescimento intercanino.2 Complementando essa ideia, Waggoner e Kupietzky (2001) afirmaram que quando a perda precoce dos incisivos ocorre após a erupção dos caninos decíduos, não há evidências de fechamento de espaço.11 Em geral, a perda de espaço na região anterior não estaria diretamente ligada às forças de erupção, como ocorre na região posterior, e sim à formação de alguns hábitos que poderiam se instalar após a extração precoce do decíduo e até mesmo pelas forças musculares da língua e do lábio.5

Para cimentar o aparelho, existem relatos de utilização do fosfato de zinco, policarboxilato de zinco, óxido de zinco e eugenol, ionômero de vidro, ionômero de vidro modificado por resina, compômero e resina composta.12 O cimento de ionômero de vidro foi escolhido pela grande aceitação e usabilidade desse material na Odontopediatria, bem como pelas suas conhecidas propriedades de adesividade à estrutura dental (maior em esmalte) pela reação de quelação ao cálcio, além da liberação de íons flúor que poderia contribuir para o controle da cárie dentária.12 Um período maior de monitoramento da paciente é necessário para comprovar o sucesso do caso, visto que as desvantagens conhecidas da prótese fixa estão habitualmente relacionadas à baixa resistência ao deslocamento, falhas no processo de cimentação e a possibilidade de não suportar as forças oclusais.13

Nas consultas de manutenção dos aparelhos fixos devem ser avaliadas, a qualidade da cimentação do dispositivo, a sua integridade, a presença de possíveis alterações oclusais, a higiene e os tecidos moles, além de observar os sinais que podem apontar para a época certa para a sua remoção.12 No presente relato, em um período inicial de 4 meses de acompanhamento a mãe relatou boa aceitação quanto à adaptação e higienização do aparelho. Os tecidos moles encontravam-se em ótimas condições, sem nenhum sinal de gengivite, e a higiene oral também se mostrou satisfatória. Além disso, a criança tornou-se mais sorridente e falante. As consultas de proservação continuam sendo feitas a cada dois meses até que se observe o início da erupção dos incisivos permanentes.

 

CONCLUSÃO

O uso de um mantenedor de espaço anterior do tipo fixo em caso de perda precoce dos incisivos decíduos é uma opção favorável à obtenção da satisfação tanto da mãe, quanto da própria criança de tenra idade e com dificuldade de colaboração.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Para reabilitação de perda precoce de dentes decíduos, tão importante quanto o restabelecimento da função e estética é a escolha adequada do tipo de aparelho mantenedor de espaço.

O mantenedor fixo estético-funcional é uma opção favorável em casos de perda precoce de incisivos decíduos.

 

REFERÊNCIAS

1. Arouca ACG, Castellón AMT, Silveira A, Lopes E, Pretti H. Mantenedores de espaço: uma revisão de literatura. Arq Odontol. 2001Jan/Jun;37(1):05-13.         [ Links ]

2. Korytnicki Lanstein D, Naspitz N, Faltin Junior, Kurt. Consequências e tratamento das perdas precoces de dentes decíduos. Rev Assoc Paul Cir Dent. 1994 Maio/ Jun;48(3):1323-1328.

3. Laing E, Ashley P, Naini FB, Gill DS. Space maintenance. Int J Paediatr Dent. 2009 May;19(3):155-162.

4. Pereira L, Miasato JM. Mantenedor de espaço estético-funcional em Odontopediatria: [revisão]. Rev Odontol Univ Cid São Paulo. 2010 Maio/Ago;22(2):154-162.

5. Law CS. Management of premature primary tooth loss in the child patient. J Calif Dent Assoc. 2013 Aug;41(8):612-618.

6. Cariologia Clínica. São Paulo: Ed. Santos; Thylstrup A, Fejerskov, 2001.

7. Margolis FS. The esthetic space maintainer. Compend Contin Educ Dent. 2001 Nov;22(11):911-914;quiz 916.

8. Dominguez A, Aznar T. Removable prostheses for preschool children: report of two cases. Quintessence Int. 2004 May;35(5):397-400.

9. Denari W, Corrêa D. Prótese parcial anterior pelo sistema tubo-barra. Rev Assoc Paul Cir Dent. 1995 Nov/Dez;49(6):477-478.

10. de Sant'Anna GR, Guaré Rde O, Rodrigues CR, Guedes-Pinto AC. Primary anterior tooth replacement with a fixed prosthesis using a precision connection system: a case report. Quintessence Int; 2002 Apr;33(4): 303-308.

11. Waggoner WF, Kupietzky A. Anterior esthetic fixed appliances for the preschooler: considerations and a technique for placement. Pediatr Dent. 2001 Mar/Apr;23(2): 147-150.

12. Bijoor RR, Kohli K. Contemporary space maintenance for the pediatric patient. N Y State Dent J. 2005 Mar;71(2): 32-35.

13. Fathian M, Kennedy DB, Nouri MR. Laboratory-made space maintainers: a 7-year retrospective study from private pediatric dental practice. Pediatr Dent. 2007 Nov/ Dec;29(6): 500-506.

 

 

Endereço para correspondência:
Caroline Miki Ota
Rua Professora Sônia Maria Campagnone, 153
Centro - Lucélia - SP 17780-000 Brasil

e-mail:
cmikiota@hotmail.com

 

Recebido: abr/2014
Aceito: set/2014