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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2015

 

Relato de caso clínico

 

Aspectos técnicos do tratamento do cisto ósseo traumático: relato de caso

 

Technical aspects of treatment of the traumatic bone cyst: case report

 

 

Alan Kauê de Oliveira AlencarI; José Cadmo Wanderley Peregrino de Araújo FilhoII; José Wilson NoletoIII; Eduardo Hochuli-VieiraIV ; Idelmo Rangel Garcia JúniorV; Julierme Ferreira RochaVI

 

I Estudante de Graduação em Odontologia - Discente
II Mestre - Professor de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande
III Doutor - Professor de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande
IV Doutor - Professor de Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP
V Doutor - Professor de Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP
VI Mestre - Professor de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Este trabalho objetiva relatar um caso clínico de um cisto ósseo traumático, enfatizando a técnica cirúrgica. Relato do caso: Paciente gênero feminino, 15 anos de idade, foi encaminhada ao departamento de cirurgia oral e maxilofacial, Universidade Federal de Campina Grande, para avaliação de lesão intra-óssea em região anterior da mandíbula. O exame radiográfico evidenciou área radiolúcida unilocular e assintomática associada ao ápice dos incisivos inferiores esquerdo, que apresentavam vitalidade pulpar. A paciente não referia trauma na infância, apesar de apresentar cicatriz na região submentual. Foi feito o diagnóstico clínico de cisto ósseo traumático, sendo a exploração cirúrgica e curetagem do defeito ósseo o tratamento de escolha. No pós-operatório de um ano, a paciente evolui satisfatoriamente, sem queixas clínicas. Conclusão: Por apresentar comportamento não-agressivo, o cisto ósseo traumático responde adequadamente ao tratamento conservador através da curetagem cirúrgica.

Descritores: cirurgia bucal; cistos maxilomandibulares.


 

ABSTRACT

Objective: This study aim report a clinical case of a traumatic bone cyst, emphasizing the surgical technique. Case report: Patient female, 15 years-old, was referred to the oral and maxillofacial surgery department, Federal University of Campina Grande, for evaluation intra-osseous lesion in the anterior mandible. Radiographic examination evidenced a unilocular area asymptomatic and associated to the apex of the under left incisive, who presented pulp vitality. The patient reported no trauma in childhood, although presenting a scar on the submental region. The clinical diagnosis of traumatic bone cyst was performed, surgical exploration and curettage of the bone defect was the treatment of choice. Postoperative period of one year, the patient progressed satisfactorily without clinical complaints. Conclusion: Presentation non-aggressive behavior, the traumatic bone cyst responds adequately to conservative treatment by surgical curettage.

Descriptors: mandíbula surgery, oral; bone cysts, mandible.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O conhecimento da técnica cirúrgica para o tratamento do cisto ósseo traumático é de fundamental importância para o clínico geral, ortodontista e cirurgião bucomaxilofacial, em virtude do comportamento não-agressivo dessa lesão.

 

INTRODUÇÃO

O cisto ósseo traumático é uma lesão classificada como pseudocisto, pois não possui uma cápsula de revestimento epitelial, característica dos cistos verdadeiros.1,2 Também conhecido como cisto ósseo simples, cisto ósseo unicameral, cisto ósseo solitário ou cisto ósseo hemorrágico, foi descrito inicialmente por Lucas & Blum em 1929, sendo desde então relatado na literatura.3,4 Caracteriza-se pela presença de uma cavidade óssea assintomática, geralmente vazia, podendo conter em seu interior um líquido sero-sanguinolento. Radiograficamente, apresentam-se como imagem radiolúcida, geralmente unilocular e bem definida, podendo, em casos mais raros, ser multilocular. Acomete indivíduos jovens, entre 10 e 20 anos de idade, sendo incomuns em adultos com mais de 35 anos e crianças com menos de 5 anos. Quanto aos ossos gnáticos, são praticamente restritos a mandíbula, embora existam na literatura alguns relatos na maxila.1,4,5

Seu tratamento consiste na exploração cirúrgica e curetagem das paredes ósseas da cavidade estimulando o sangramento e reparo do defeito pela neoformação óssea.2,6

Este trabalho objetiva relatar um caso clínico de um cisto ósseo traumático na região anterior da mandíbula, enfatizando a técnica cirúrgica.

 

RELATO DO CASO CLÍNICO

Paciente gênero feminino, saudável, 15 anos de idade, foi referida ao serviço de cirurgia bucomaxilofacial da Clínica Escola de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande, encaminhada pelo ortodontista, relatando a presença de uma lesão intraóssea na região anterior da mandíbula, descoberta durante a obtenção de uma radiografia periapical de rotina, obtida antes do início do tratamento ortodôntico. Ao exame clínico, as estruturas bucais estavam dentro dos padrões de normalidade (Figura 01). A paciente não relatou nenhum trauma na região, porém durante o exame físico extraoral foi observada uma pequena cicatriz na região submentual, sugestivo de trauma na infância. A radiografia panorâmica mostrou área radiolúcida unilocular, com diâmetro de aproximadamente 1 cm, limites regulares e bem definidos, localizada entre os ápices dos dentes 31 e 32, que responderam positivamente aos testes de vitalidade pulpar (Figura 02). De acordo com as características clínicas e radiográficas, a hipótese diagnóstica foi de cisto ósseo traumático. O tratamento de escolha foi a exploração cirúrgica da cavidade. A responsável pela paciente foi orientada a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização do tratamento proposto.

Procedimento Cirúrgico

Foi realizada anestesia infiltrativa na região de fundo de sulco entre os dentes 33 e 43, com cloridrato de Articaína 4% - com epinefrina 1:100.000 (DFL®, Rio de Janeiro, Brasil), utilizando- se 2,7 mL da solução anestésica. Previamente a exploração cirúrgica, foi feita uma punção aspirativa com agulha de 18 gauge conectada a uma seringa descartável de 10 mL, sendo aspirado material sero-sanguinolento. Em seguida, foi confeccionada incisão em fundo de sulco, cerca de 0,5 cm abaixo da linha mucogengival, estendendo-se da região do dente 34 ao 44. Um retalho de espessura total foi descolado expondo a superfície anterior da mandíbula. Com o auxílio de uma broca esférica nº 06, acoplada em motor de alta rotação, sob irrigação constante com soro fisiológico 0,9%, foi feita osteotomia na região entre os dentes 31 e 32, expondo o defeito ósseo. Havia ausência de membrana de revestimento nas paredes da cavidade, sendo realizada a curetagem da loja óssea para remoção dos debris cirúrgicos e preenchimento total da cavidade com sangue (Figura 03). A ferida cirúrgica foi fechada com sutura por pontos simples utilizando-se fio de Nylon 5.0 (Technew®, Rio de Janeiro, Brasil). No pós-operatório de um ano a paciente evoluiu satisfatoriamente, sem queixas clínicas, observando-se neoformação óssea na área do defeito mandibular (Figura 04).

 

DISCUSSÃO

O cisto ósseo traumático é uma lesão relativamente comum que apresenta características clínico-radiográficas bem definidas. Entretanto, o fato de existir algumas patologias com características semelhantes ao cisto ósseo traumático, muitas vezes, o diagnóstico conclusivo torna-se difícil. Dentre as patologias consideradas no diagnóstico diferencial, citam-se: cisto dentígero, tumor odontogênico queratocístico, tumor odontogênico adenomatoide, ameloblastoma e granuloma central de células gigantes.1,5

Sua etiologia ainda é incerta e bastante discutida na literatura, o que justifica o fato dessa lesão ser relatada na literatura com diversas nomenclaturas.3,4,7,8 Muitas teorias foram abordadas para justificar o seu aparecimento como a degeneração de tumor ósseo, metabolismo do cálcio alterado, infecção de baixo grau, obstrução venosa, aumento da osteólise, alterações locais de crescimento ósseo, trauma e sangramento local, bem como a combinação de alguns desses fatores.1,3,6 A mais aceita e melhor explicada na literatura é a teoria trauma-hemorragia devido ao fato de o relato de trauma pelo paciente estar envolvido na maioria dos casos. Essa teoria sugere que um trauma de pequena intensidade, incapaz de causar uma fratura no osso, ocasionaria uma hemorragia intramedular, ativando osteoclastos, promovendo a liquefação do coágulo e substituição do mecanismo de reparo normal, originando um defeito ósseo. Apesar da paciente não confirmar a existência de trauma na infância, a presença de uma cicatriz na pele da região submentual foi um achado fundamental durante a anamnese e exame físico. O desenvolvimento corporal pode ter contribuído para a migração da cicatriz, o que poderia mascarar o diagnóstico. Entretanto, a vitalidade pulpar dos dentes mandibulares e o aspecto transoperatório foram fundamentais para permitir o diagnóstico clínico de cisto ósseo traumático.

Na grande maioria dos casos é uma lesão assintomática, mas podem apresentar sinais e sintomas como aumento de volume na área afetada, dor, parestesia e linfadenopatia. Quanto à vitalidade pulpar, os elementos dentários envolvi-

 

 

 

 

 

 

 

 

 

dos respondem positivamente aos testes, conforme observado no caso relatado.1,2,9

Radiograficamente, o cisto ósseo traumático apresenta-se como uma imagem radiolúcida, de bordas regulares e limites bem definidos, em sua maioria unilocular, podendo abranger os ápices dos dentes envolvidos. Podem ocorrer variações no padrão radiográfico. Exames mais refinados como a tomografia computadorizada e ressonância magnética são solicitados em alguns casos para determinação precisa dos limites da lesão e quando há uma estreita relação com estruturas nobres.2,7

Apesar de essa patologia receber a nomenclatura de cisto, histologicamente não apresenta cápsula e revestimento epitelial, característica dos cistos verdadeiros. Geralmente são cavidades vazias, podendo conter uma pequena quantidade de fluido seroso ou sero-sanguinolento. A avaliação histológica não é comum, em virtude da dificuldade em obtenção de material para estudo histopatológico.1,7

Muitas formas de tratamento já foram relatadas na literatura, dentre elas a ressecção, enxerto ósseo, injeção de corticosteroides, curetagem e injeção de medula óssea autóloga. Alguns autores defendem o acompanhamento clínico e radiográfico, visto que há relatos de regressão espontânea.4,6-8 O tratamento de escolha é a exploração cirúrgica da cavidade, seguida de curetagem de todas as paredes ósseas, sendo as recidivas raras. É fundamental o acompanhamento pós-operatório, através do exame clínico e radiografias panorâmicas para observar, respectivamente, a vitalidade pulpar dos elementos dentários associados ao defeito ósseo e a neoformação de tecido ósseo na região.1,8,10

 

CONCLUSÃO

Por seu comportamento não-agressivo, o cisto ósseo traumático responde adequadamente ao tratamento conservador por meio da curetagem cirúrgica. O entendimento da etiopatogenia dos cistos maxilares é fundamental para a escolha do tratamento correto, objetivando a eliminação do quadro patológico, reabilitação do paciente e sua reinserção social.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Apesar de seu comportamento pouco agressivo, o cisto ósseo traumático é diagnóstico diferencial para outras patologias de comportamento mais agressivo. Assim, uma anamnese adequada e a busca de informações clínicas são fundamentais para o estabelecimento de uma hipótese diagnóstica clínica. Dados, muitas vezes, não observados pelo clínico geral podem contribuir para um diagnóstico incorreto, contribuindo para a escolha do tratamento inadequado.

 

REFERÊNCIAS

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5. Neville BW, Damm DD, Allem CM, Bouquot JE. Oral and maxillofacial pathology. 3rd ed. St Louis: Saunders Elsevier; 2009.

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9. Rodrigues CD, Estrela C. Traumatic bone cyst suggestive of large apical periodontitis. J Endod. 2008; 34(4):484-9.

10. Mupparapu M, Milles M, Singer SR, Rinaggio J. Rare, simultaneous, multiple, and recurrent mandibular bone cysts. Quintessence Int. 2008;39(4):331-6.

 

 

Endereço para correspondência:
Julierme Ferreira Rocha
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande
Centro de Saúde e Tecnologia Rural
Avenida dos Universitários, s/n
Bairro Santa Cecília – Patos - PB
Brasil
58700-970

e-mail:
juliermerocha@hotmail.com

 

Recebido: set/2014
Aceito: nov/2014