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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2015

 

Artigo original

 

O ácido fluorídrico na resistência ao cisalhamento entre cerâmica feldspática e resina composta

 

The hydrofluoric acid in the shear strength between feldspathic ceramic and composite resin

 

 

Lorena Rodrigues SantosI; Robson da Silva TunesII; Silvio Roberto de Almeida SilveiraIII; Anderson Pinheiro de FreitasIV ; José Augusto Ataíde LisboaV; Marcio Vieira LisboaVI

 

I Cirurgiã- Dentista - Graduada pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
II Graduando na Faculdade de Odontologia da UFBA
III Especialista em Gestão de Empresas pela Faculdade Batista Brasileira - Professor adjunto da Faculdade de Odontologia da UFBA
IV Pós-doutorado em Reabilitação pela University of Western Ontario, Canadá - Professor adjunto da Faculdade de Odontologia da UFBA
V Doutorado em Clínica odontológica (Prótese Dental) pela Universidade Estadual de Campinas - Professor adjunto da Faculdade de Odontologia da UFBA
VI Doutorado em Laser em Odontologia pela UFBA - Professor adjunto da Faculdade de Odontologia da UFBA

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Dentre os materiais restauradores, a porcelana se destaca pelo seu alto potencial em reproduzir o aspecto dental. Desta maneira, a sua utilização vem crescendo cada vez mais, e com ela a possibilidade de fraturas. Entretanto, nem sempre uma falha exige a troca da restauração, pois existe a possibilidade de um reparo utilizando resina composta. Este estudo avaliou a resistência ao cisalhamento entre resina composta e cerâmica feldspática submetida ao condicionamento com ácido fluorídrico (HF) em diferentes concentrações. Foram confeccionadas 36 pastilhas de porcelana feldspática e incluídas em resina acrílica, aplainadas com lixas d'água, asperizadas com pontas diamantadas e divididas em três grupos (n=12) de acordo com os tratamentos de superfície: G1) sem condicionamento (controle); G2) condicionamento com HF a 10% por 120 segundos; G3) condicionamento com HF a 5% por 120 segundos. Em seguida, silano e adesivo foram aplicados sobre a superfície da porcelana, seguido da inserção da resina composta com o auxílio de uma matriz metálica bipartida. Após sete dias de armazenamento em estufa, os corpos de prova foram submetidos ao teste de cisalhamento em uma máquina de ensaios universal (EMIC). As médias de resistência foram: G1 105,3N; G2 182,5N e G3 154,51N. Na análise dos dados quantitativos (T student) houve diferença estatística significante entre todos os grupos (p<0,05). A microscopia óptica revelou aproximadamente 58% de falhas coesivas para o G1, 75% para o G3 e 83% para o G2. Concluiu-se que a adesão com o uso do HF a 10% foi superior a adesão obtida quando utilizado o HF a 5%.

Descritores: ácido fluorídrico; resistência ao cisalhamento; porcelana dentária.


 

ABSTRACT

Among the restorative materials the porcelain is distinguished by its high potential in reproducing the dental aspect. In this way, their use has been growing increasingly, and, with it the possibility of fracture. However, not every failure demands the exchange the restoration because the possibility of a repair exists with compounded resin. This study evaluated the shear bond strength between composite resin and feldspathic ceramic subjected to etching surface with hydrofluoric acid (HF) at different concentrations. Thirty-six porcelain specimens were mounted into acrylic resin, polished and divided into 3 groups (n=12), according to the following surface treatments: G1) without treatment (control); G2) etched with 10% HF for 120 seconds; G3) etched with 5% HF for 120 seconds. Then the treatment, silane coupling agent and adhesive were applied to the treated specimens, after being bonded with of composite resin with the aid of a bipartite metal matrix. After a 7 days of storage at 37° C, the specimens were subjected to a shearing force in a universal testing machine at a crosshead speed of 0.5 mm/min. The average shear strength were: G1 105.3 N; G2 182.5 N and G3 154.51 N. In the analysis of quantitative data (T student) was difference statistically significant between all groups (p <0.05). Optical microscopy revealed approximately 58% of cohesive failures in the control group, 75% to G3 and 83% for G2. It was concluded that adherence with HF was 10% greater adhesion with the 5% HF.

Descriptors: hydrofluoric acid; shear strength; dental porcelain.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Com a criação de protocolos clínicos adequados para o tratamento de superfície das cerâmicas odontológicas será possível o restabelecimento funcional, estético, biológico e longevidade da restauração da cerâmica fraturada, sem necessidade de substituição da peça protética.

 

INTRODUÇÃO

Devido as suas qualidades estéticas e estruturais, as restaurações cerâmicas são constantemente indicadas e utilizadas nos consultórios odontológicos. Entretanto, mesmo sendo um material com excelentes propriedades mecânicas podem apresentar fraturas. Considerando essas características das cerâmicas odontológicas, e o custo elevado para confecção de novas próteses dentárias, se torna interessante estudar materiais e protocolos de reparo das restaurações em cerâmica, pois pode trazer uma solução estética e funcional sem necessidade de substituição da peça protética.1

Alguns autores têm demonstrado vantagens no uso das cerâmicas, tais como excelente estética, boa resistência à corrosão, estabilidade química, resistência adequada2, estabilidade de cor, radiopacidade, coeficiente de expansão térmica semelhante ao da dentina, biocompatibilidade, integridade marginal3, menor retenção de placa bacteriana e boa resistência a abrasão.4 Embora as porcelanas possuam alta resistência à compressão, apresentam friabilidade devido à sua baixa resistência a torção, dessa forma, possuem menor capacidade de absorver impactos e são mais susceptíveis a falhas por fratura.3

Uma fratura na cerâmica de recobrimento estético pode não exigir a substituição da peça protética. É necessário avaliar as possíveis causas da fratura, de forma que o tratamento mais satisfatório possa ser indicado.5 Existe hoje a possibilidade de reparo com resina composta, desde que essa fratura só comprometa a estética e não a estrutura da prótese.6 Esse reparo realizado intraoralmente, além de preservar a estrutura dental, representa uma economia de tempo clínico7 e de custo.5

O sucesso e a longevidade do reparo efetuado são dependentes da união entre a porcelana e a resina e está diretamente relacionado a fatores que envolvem o tratamento da superfície da porcelana e/ou do metal.8 A superfície da cerâmica deve ser preparada com uma variedade de procedimentos podendo ser mecânica e/ou quimicamente retentivos ao substrato.9 A utilização de métodos mecânicos (asperização com brocas diamantadas e microjateamento com óxido de alumínio ), químicos (condicionamento com ácido fluorídrico2,5-10%, bifluoreto de amônio 10%, flúor fosfato acidulado 4% e aplicação do agente de união silano) e mecânico- químicos (jateamento com óxido de sílica), otimizam a adesão entre a cerâmica e a resina.10,11,12,13,14

Dentre os métodos mecânicos, a asperização com broca diamantada, além de ter a capacidade de criar irregularidades na superfície da porcelana para uma posterior retenção mecânica, está presente em qualquer consultório odontológico. 6,14 O silano, como método químico, é considerado agente de ligação bi-funcional15 e parece ser um dos componentes essenciais para o procedimento de reparo em cerâmica, ao modificar sua estrutura de superfície, tornando-a mais reativa a resina composta, permitindo assim a adesão química.5 Cada extremidade de sua molécula reage com diferentes superfícies, uma inorgânica da porcelana e a outra a matriz orgânica da resina. A efetividade dele se dá pela capacidade de molhamento14 e consequente contribuição para a formação de uma união covalente entre o agente silano e o grupo (OH-) da superfície cerâmica.15

O uso do ácido fluorídrico (HF) na superfície da porcelana feldspática antes do reparo e da cimentação é um procedimento significativo para criação de uma superfície mecanicamente retentiva.9,16 O condicionamento ácido da cerâmica é um processo dinâmico e o resultado obtido depende da constituição da superfície do substrato, do relevo de superfície, concentração do ácido aplicado, e do tempo de condicionamento. 17 Estudos mostram que a corrosão da superfície cerâmica é provocada pela ação dos íons fluoreto sobre a malha de silício-oxigênio, potencializando este efeito pela diminuição do pH e aumento da concentração do íon fluoreto no ácido utilizado.8

Sabe-se que o condicionamento com HF da porcelana feldspática fornece a condição necessária para a retenção mecânica. Porém o condicionamento excessivo poderia gerar um efeito de degradação dos componentes vítreos e o enfraquecimento da cerâmica. Nesse contexto, é importante saber o tempo de condicionamento e a concentração do ácido adequado para a retenção micromecânica sem enfraquecer a porcelana.17,18

O efeito do condicionamento com ácido fluorídrico na resistência mecânica de cerâmica continua a ser um tema debatido e controverso.13 Alguns estudos indicam que o ataque ácido com HF diminui a resistência adesiva entre cerâmica e o compósito e já outros afirmam que o uso do ácido fluorídrico não resultou em grandes diferenças.5 Alguns estudos têm relatado que as alterações microestruturais causadas pelo ácido fluorídrico em diferentes regimes de condicionamento não impactaram negativamente a força de adesão entre a cerâmica e o substrato19,20,18,14,2,9,22, outros têm sugerido que tanto a concentração de ácido HF e tempo de ataque tem de certa forma um efeito de enfraquecimento sob a adesão em cerâmica. 23,24 Sendo assim, mais trabalhos são necessários para elucidar o efeito do HF.

Desta forma, este trabalho tem como proposta avaliar a resistência adesiva ao cisalhamento entre porcelana feldspática de recobrimento e uma resina composta, após tratamento superficial com diferentes concentrações de ácido fluorídrico (5 e 10%).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Os tratamentos eletivos para os corpos de prova deste es-

 

 

 

tudo foi o condicionamento com o ácido fluorídrico a 5% (Ivoclar- IPS Ceramic) e 10% (FGM- Condacporcelana) com prévia aplicação de silano e adesivo.

Inicialmente foram confeccionadas 36 pastilhas de porcelana feldspática (Quadro 1) por meio de aglutinação do pó e água destilada em uma placa umidificadora para cerâmica (Smileline). Com o auxílio de uma espátula, pequenas porções da mistura pó/líquido foram compactadas no interior de uma matriz circular de aço inoxidável, com uma perfuração central (12,0 mm de diâmetro e 3,0 mm de espessura), até seu completo preenchimento. Em seguida, a pastilha foi removida, colocada em uma manta para cerâmica (Kota) e levada ao forno (Elgin, Brasil, São Paulo) para sinterização, com temperaturas iniciando em 480°C e elevando-se a 920°C, conforme instrução do fabricante. Considerando que a cerâmica apresenta uma contração de sinterização de aproximadamente 20%,11 foram obtidos blocos com dimensões de aproximadamente 10,0 mm de diâmetro e de 2,0 mm de espessura.

Após a sinterização e resfriamento à temperatura ambiente, os blocos foram mensurados em seu diâmetro e espessura com o auxílio de um paquímetro. Todas as pastilhas de porcelana foram incluídas individualmente em tubos de PVC (20,0 mm de diâmetro e 13,0 mm de altura), com resina acrílica incolor autopolimerizável, sob uma lâmina de cera 7 para promover a fixação tanto do disco de porcelana quanto do tubo de PVC. Uma das superfícies da pastilha foi deixada exposta e nivelada na parte superior do tubo de PVC. Após a inclusão, essas superfícies expostas foram regularizadas e aplainadas (Politriz – Arotec, Brasil, Cotia, São Paulo) com lixas d'água (3M- Brasil, Sumaré, São Paulo) sequenciais (#240,# 400,# 600, # 1200) sobre refrigeração e velocidade constantes, para se obter uma superfície uniforme e livre de irregularidades.

Posteriormente a regularização de superfícies, estas pastilhas foram asperizadas em toda a superfície da porcelana que se encontrava exposta no tubo de PVC, utilizando pontas diamantadas 4137 de granulação F (KG Sorensen, Brasil, Cotia, São Paulo), acopladas a uma caneta de alta rotação sem refrigeração por 10 segundos. A asperização foi realizada em ambos os planos horizontal e vertical posicionando a broca diamantada da forma mais paralela possível à superfície da pastilha de porcelana, evitando angulações. Na sequência, os corpos de prova foram lavados em água corrente e secados com jato de ar. Em seguida, foram divididos aleatoriamente de acordo com os seguintes grupos, contendo 12 unidades cada:
G1 (controle): aplicação do silano, adesivo e resina composta;
G2: condicionamento ácido a 10% por 120 segundos6, seguido de lavagem abundante e secagem, aplicação do silano, adesivo e resina composta; e
G3: condicionamento ácido a 5% por 120 segundos7, seguido de lavagem abundante e secagem, seguido de aplicação do silano, adesivo e resina composta.
O silano foi aplicado em toda a superfície da pastilha de porcelana, com pontas descartáveis, por um minuto11 (e secado com ar da seringa tríplice durante 10 segundos). O sistema adesivo foi aplicado com pontas descartáveis e fotopolimerizado por 20 segundos, de acordo com as instruções do fabricante, com o aparelho fotopolimerizador (Optilight Max, Gnatus, Brasil), com intensidade de luz de aproximadamente 1200 mW/cm2.

A resina composta foi aplicada com espátula de inserção e calcador em dois incrementos (1,5 mm de espessura cada), polimerizada com o mesmo aparelho citado, porém com o auxílio de uma matriz metálica bipartida com diâmetro interno de 4,0 mm e 3,0 mm de espessura. Essa matriz foi posicionada sobre a superfície da amostra e estabilizada no tubo de PVC por um anel metálico centralizador para permitir a aplicação e a polimerização da resina sob a pastilha cerâmica.

Finalizada a confecção dos corpos de prova, todos os grupos foram armazenados em água destilada em estufa de cultura regulada à temperatura constante de 37°C por sete dias. Após esse período os corpos de prova foram submetidos aos ensaios mecânicos de cisalhamento em uma máquina de ensaios universal (EMIC-Mem 2000, Brasil, São José dos Pinhais, Paraná) com velocidade de carregamento de 0,5 mm/min.

Após os testes de cisalhamento, para identificar a localização e o tipo de fratura, foi realizada uma análise qualitativa. Os corpos de prova foram observados em lupa estereoscópica (Stemi 2000-C / Zeiss, Bernried, Alemanha) em um aumento de 20 vezes. Os tipos de falha foram caracterizados como:
A: Falha adesiva, falha na interface Cerâmica-Resina composta;
C: Falha coesiva, ruptura da película de Cerâmica; e
M: Falha complexa (mista), falhas adesivas e coesivas no mesmo corpo de prova.

 

 

 

Para avaliar o efeito dos diferentes tratamentos superficiais, os valores das tensões de cisalhamento foram submetidos à análise no teste T Student.

 

RESULTADOS

Os resultados foram analisados utilizando o teste T Student e descritos de acordo com o tipo de análise: quantitativa para resistência adesiva e qualitativa para análise fractográfica. A tabela 1 e o gráfico 1 mostram os resultados do teste de adesão assim como a análise estatística.

De acordo com a tabela 1, o grupo G2 condicionado com ácido fluorídrico obteve a maior média (182,5N), seguido pelo grupo G3 condicionado com ácido fluorídrico a 5% (154,51N). A menor média encontrada foi de 105,3 N, pertencente ao grupo controle (G1) no qual não foi feito o condicionamento com ácido fluorídrico. Pode-se observar ainda que os valores da média e da mediana são bastante equiparados e o desvio padrão tem um valor elevado e próximo entre todos os grupos.

Comparando os valores de p, o maior valor foi encontrado entre os grupos G2xG3 (p=0,025), enquanto que para os grupos G1xG2 e G1xG3 os valores foram iguais (p=0,000). Estes resultados demonstraram que houve uma diferença estatisticamente significante entre todos os grupos testados. Sendo assim, a média da força de adesão dos corpos condicionados com ácido fluorídrico a 10% foi superior aos condicionados com o mesmo ácido a 5% e ao grupo controle.

Observa-se que os valores das médias de adesão representadas no gráfico 1 não se aproximam, confirmando que existe diferença estatística entre todos os grupos. O intervalo do G2 é o maior quando comparado com os outros grupos, apresentando a força mínima de 160,695N e a máxima de 204,28N.

A tabela 2 apresenta o tipo de fratura dos corpos de prova. Podemos observar que o grupo G1 é composto pelos três tipos de fratura, sendo que aproximadamente 58% das falhas são do tipo coesivas na porcelana. O grupo G3 também apresentou fraturas dos três tipos e aproximadamente 83% são coesivas na porcelana. O grupo G2 apresentou apenas fraturas do tipo mista e coesiva e esta última apresenta um percentual de 75%. Não foram encontradas fraturas coesivas na resina.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo observou que, para se obter maior resistência de união entre a cerâmica feldspática e a resina composta é importante o uso do ácido fluorídrico associado ao uso do silano como tratamento de superfície. Muitos autores concordam que o condicionamento ácido da superfície cerâmica é considerado um passo essencial para o sucesso clínico de restaurações indiretas de cerâmica e no reparo de próteses cerâmicas fraturadas.19,20,18,14,21,9,25 O ácido fluorídrico reage com a matriz vítrea que contém sílica e forma hexafluorsilicatos, a matriz vítrea é seletivamente removida e a estrutura cristalina é exposta.14,8,26 Como resultado, a superfície cerâmica se torna áspera o que é esperado para a retenção micromecânica na superfície cerâmica,14,16 além disso a superfície condicionada também ajuda a fornecer mais energia superficial antes da aplicação do silano.21

Pode-se observar no presente estudo, que os valores de desvio padrão para os grupos que receberam condicionamento com HF (G2 e G3) se encontram elevados. Essa condição pode ser justificada devido a presença de precipitados fracamente aderidos, que são depositados sobre a superfície das ranhuras após o tratamento com ácido, levando ao enfraquecimento da adesão entre a resina composta e porcelana, podendo levar a falha clínica.24,27 Durante o condicionamento ácido podem ser produzidas quantidades variáveis de subprodutos (Fluorosilicato de Sódio, Potássio, Cálcio e Alumínio), que sem o banho ultrassônico para sua remoção, podem levar a valores maiores ou menores de falha durante o ensaio mecânico já que a superfície de adesão para o sistema adesivo e a resina composta fica comprometida. Canay et al. 200127 sugerem em seu estudo o banho ultrassônico para a remoção destes precipitados. Entretanto, nos procedimentos de reparo intraoral, a limpeza ultrassônica ainda é impossível, sendo inevitável a presença dos precipitados sobre a superfície cerâmica.

A variedade de concentrações de ácido fluorídrico comercialmente disponível indica que a concentração ideal e o tempo de duração da sua aplicação não estão bem estabelecidos. 24 A eficácia deste tratamento de superfície nas cerâmicas feldspáticas já está fundamentada, porém uma concentração e duração ideais ainda não foram estabelecidas para algumas cerâmicas, inclusive para as novas cerâmicas sintéticas11, tornando necessário mais investigações na tentativa de elaborar um protocolo clínico ideal.

Yen et al. 199316 e Posritong et al. 201313 relataram, em seus trabalhos, que o uso do ácido fluorídrico sobre as super-

 

 

 

fícies de porcelana em diferentes regimes de condicionamento não impactaram negativamente a resistência à flexão de uma cerâmica feldspática. O presente estudo corrobora com esses achados. Foi encontrado um efeito significativo com a utilização do ácido fluorídrico nas duas concentrações (5 e 10%) em relação ao grupo controle sem condicionamento ácido (p= 0,000), podendo-se concluir que ambas as concentrações foram efetivas e que podem ser utilizadas para realizar os reparos, desde que associados com um agente químico de união silano.

Addison, Peter e Fleming (2007)18 analisaram o impacto da concentração de ácido HF e o tempo de condicionamento no tratamento de uma porcelana feldspática de baixa fusão. Conjuntos de 30 discos de porcelana foram condicionados com ácido fluorídrico de três concentrações diferentes (5, 10 e 20%) e para três diferentes períodos de condicionamento (45, 90 e 180 s) e foram testados em sua resistência a flexão biaxial. No condicionamento durante 45 segundos foi observado que as concentrações de 5 e 10% não apresentaram diferenças estatísticas enquanto que a 20 % houve uma redução na força media flexural. Os autores concluíram com o estudo que com o aumento da concentração do ácido utilizado maior era o enfraquecimento do espécime em relação à força flexural, já quanto à variação do tempo de ataque, não foram constatadas diferenças significativas. No entanto, os resultados encontrados no presente estudo (tabela 1), ao avaliar a resistência ao cisalhamento entre cerâmica feldspática e resina composta sob diferentes concentrações de ácido fluorídrico, demostraram que ao aumentar a concentração do HF, de 5% para 10%, maior era a força de resis tência adesiva obtida.

Esta diferença pode ser explicada pelo teste de resistência utilizado no presente trabalho. O teste de cisalhamento e tração consiste na aplicação de cargas em corpos de prova que são distribuídos de forma não homogênea, gerando tensão na interface adesiva.28 Ao passo que o teste de resistência a flexão biaxial é considerado sensível a imperfeições superficiais; o stress principal máximo ocorre na zona central da superfície de tração, eliminando a falha de borda e gerando uma menor

 

 

 

variação para a determinação da resistência do material.29

Stewart et al. em 200222 verificaram em seu estudo que o condicionamento com ácido fluorídrico a 9,5% seguido da aplicação de silano resultou em um decréscimo dos valores da resistência adesiva ao cisalhamento quando comparado com o tratamento de superfície com HF a 5%. Entretanto, em seu trabalho, o ácido a 9,5% foi aplicado durante 5 minutos o que poderia então ter levado ao enfraquecimento da porcelana feldspática (Ceramco II), produzindo resultados desfavoráveis durante o ensaio mecânico.

Almihatti et al. (2008)25, analisaram a resistência de união entre a cerâmica Noritake e a resina Z-100 e em sua pesquisa utilizaram diferentes tratamentos de superfície para cerâmica, estando entre eles: asperização com ponta diamantada, condicionamento com ácido fluorídrico, jateamento com partículas de óxido de alumínio e aplicação de silano. Os resultados desse estudo mostraram que todos os tratamentos da superfície cerâmica foram efetivos quando comparados com o grupo controle que não recebeu nenhum tipo de tratamento. O grupo que teve resistência superior ao cisalhamento foi o condicionado com ácido fluorídrico a 10% durante 60 segundos, seguido da aplicação do silano, demonstrando assim a efetividade do condicionamento com este tipo de ácido como tratamento de superfície e do agente de união silano.

Este estudo demonstrou a importância da superfície cerâmica ser condicionada com ácido fluorídrico para promover uma melhor retenção mecânica. Além disso, o silano quando utilizado sozinho não aumentou significativamente a resistência ao cisalhamento. O silano promove uma ligação química entre o cimento resinoso e a cerâmica feldspática e embora não tenha sido observado um efetivo aumento na resistência de união quando utilizado de forma isolada, o seu uso não deve ser desencorajado quando o ataque com HF for realizado.

Quanto ao tipo de fratura dos corpos de prova, o grupo controle (G1) apresentou uma fratura adesiva, enquanto apenas 53% das suas falhas foram do tipo coesiva. Já os grupos G2 e G3 apresentaram os percentuais de 75% e 83%, respectivamente, para falhas coesivas na porcelana, demonstrando assim que houve uma forte adesão entre a porcelana feldspática e a resina composta. O fato de não ter sido observada nenhuma fratura coesiva em resina composta, faz desse compósito um material de eleição para o reparo das fraturas em porcelana, justificando o seu uso. Entretanto, mesmo com as boas propriedades da resina composta, é necessário realizar um acompanhamento do caso com reavaliações periódicas devido a sua reduzida estabilidade de cor e resistência ao desgaste quando comparada com a porcelana.8,26

 

CONCLUSÃO

Dentro das limitações deste trabalho "in vitro" e de acordo com a metodologia empregada, pode-se concluir que, o uso do ácido fluorídrico, independentemente da concentração utilizada, quando associado ao uso do silano, apresenta melhores resultados de adesão sendo útil no tratamento de superfície para o reparo de fraturas em cerâmica feldspática. Quando comparado ao obtido com o grupo controle (sem condicionamento ácido) e com o grupo G3 (condicionado com HF a 5% por 120 segundos), os valores de resistência de união entre a cerâmica feldspática (VintageHalo) e a resina composta (Opallis) foram melhorados quando o ácido fluorídrico a 10% por 120 segundos foi utilizado (Grupo G2). Clinicamente este trabalho sugere um reparo mais eficiente quando a superfície cerâmica é tratada com ácido fluorídrico na concentração de 10% e no regime de 120 segundos.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

• Redução de custos para o paciente, pois não precisará trocar a peça protética;
• Economia de tempo para o Cirurgião-Dentista e para o paciente, visto que o procedimento de reparo pode ser realizado em uma única sessão;
• O procedimento de reparo, quando bem efetuado e seguindo um protocolo clínico adequado, significa redução de desconforto, antiestética e parafunções para o paciente.

 

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Endereço para correspondência:
Lorena Rodrigues Santos
Rua Pedro Milton de Brito, 142 – apto. 503 - Ed. Santa Fé
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Recebido: set/2014
Aceito: dez/2014