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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2015

 

Relato de caso clínico

 

Dentes supranumerários impactados: relato de caso clínico

 

Supernumerary impacted teeth: case report

 

 

Emyr Stringhini JuniorI; Bento StangII; Luciana Butini OliveiraIII

 

I Doutor em Ciências Odontológicas pela SL Mandic - Professor da disciplina de Odontologia Pediátrica da FEFB/Unisep
II Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Unicamp - Professor e coordenador do curso de Odontologia da FEFB/Unisep
III Pós-doutora em Odontopediatria pela Fousp - Professora do programa de pósgraduação e coordenadora dos cursos Lato Sensu da SL Mandic

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Dentes supranumerários impactados representam um desafio para os Odontopediatras. Estes dentes podem causar atraso na erupção do dente permanente, alteração do crescimento ósseo e posicionamento ectópico do dente permanente. O presente artigo relata a resolução de um caso de dois dentes supranumerários, em ambiente de consultório odontológico, sob sedação e com excelente sucesso clínico radiográfico.

Descritores: dente supranumerário; dente impactado; odontopediatria.


 

ABSTRACT

Supernumerary impacted teeth represent a challenge to pediatric dentists. Their presence can cause failure of eruption of permanent teeth, growth and development alterations and displacement of teeth. The case reported in this paper presents the resolution of a case of two supernumerary impacted teeth in a dental office environment, under sedation and with excellent radiographic clinical success.

Descriptors: tooth, supernumerary; tooth, impacted; pediatric dentistry.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Relatar ao clínico geral um caso de tratamento cirúrgico de dentes supranumerário, de paciente infantil em ambiente de consultório odontológico.

 

INTRODUÇÃO

A formação dos tecidos dentários é um fenômeno complexo e delicado.1,2 O desenvolvimento de alterações odontológicas dentárias podem ocorrer devido anomalias no número, tamanho, forma, posição e estrutura dos dentes.1,3

Dentre as alterações de número, os dentes supranumerários são as alterações mais comumente encontradas na Odontologia.4

Os dentes são considerados supranumerários quando o número for superior a 20 na dentição decídua e 32 na dentição permanente.4,5 Os fatores etiológicos podem englobar várias causas, tais como o crescimento excessivo da lâmina dentária, fatores hereditários, dicotomia do germe dentário, doenças gerais, e algumas síndromes.1,3,4,6

Na literatura, a prevalência de dentes extranumerários ou hiperdontia varia entre 0,1 a 3,8%,1,3,4,6-10 ocorrendo com maior frequência na maxila,1,4-6,9 região de incisivos superiores,4-6,8,9 na dentição permanente,3,6,8 em homens1,3-5,8,10 e associada a apenas um dente.4-6,8,9

A idade de diagnóstico varia com a diversidade de casos devido às variações de número, posicionamento (reto, invertido, erupcionado ou impactado), forma e tamanho dos supranumerários, e em muitos casos os exames complementares são indispensáveis. O diagnóstico destes dentes pode ocorrer tardiamente, quando o supranumerário já está associado a outras patologias.

Diversas opções de tratamento são relatadas na literatura científica, desde as mais conservadoras, como o acompanhamento, até as mais invasivas, como a remoção cirúrgica do dente e do processo patológico, caso esteja presente.

Este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de remoção cirúrgica de dois supranumerários localizados na região anterior da maxila, de paciente infantil, em consultório odontológico e sob sedação.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 7 anos, compareceu para atendimento de emergência devido a traumatismo na região anterior da maxila. Realizou-se anamnese e exame clínico, e observou-se um pequeno corte no freio labial superior. No exame radiográfico periapical (Figura 01) não foi diagnosticada nenhuma fratura radicular, mas evidenciou-se a presença de dois dentes supranumerários na maxila. Após a hemostasia a mãe foi orientada a realizar uma radiografia panorâmica (Figura 02).

Após sete dias a paciente compareceu à consulta de retorno com a radiografia panorâmica, que não apresentou imagem de supranumerário na maxila, mas agenesia de dois dentes na mandíbula. Solicitou-se a paciente uma tomografia computadorizada de feixe cônico para avaliação dos supranumerários e possíveis complicações associadas a eles. Segundo o laudo, o exame foi realizado com Fov (Field of View) de 6 cm, com voxel de 0,25 na escala real de 1:1, sendo que a reconstrução da imagem foi de 1mm de espessura com 1mm de distância para a maxila. Foram realizados cortes coronais, panorâmicos, ortorradiais e axiais, MPR e 3D, sendo impressos os cortes ortorradiais 49 a 58 para a região dos dentes 12 e 22 (Figura 03). Com o diagnóstico evidenciou-se a presença de dois elementos supranumerários em posição vertical, localizados na palatal dos dentes 11 e 21, sendo que o da região do 21 invertido. Após avaliação das imagens dos dois supranumerários localizados na palatina do dente 11 e 21, em posição vertical, e consenso entre a equipe de profissionais assistentes do caso, optou-se pela remoção cirúrgica dos dois supranumerários. Como a paciente não apresentou nenhuma alteração no hemograma e coagulograma e a responsável legal autorizou o procedimento, ela foi reagendada para cirurgia.

A paciente foi previamente medicada com Midazolam 2mg/ml solução oral (Dormire, Cristalia- Brasil), 30 minutos antes do procedimento. Na sequência foi feito a aplicação do anestésico tópico, anestesia infiltrativa na região anterior superior, do lado direito e esquerdo, e palatina anterior e posterior, utilizando dois tubetes de lidocaína a 2% com Adrenalina 1:100.000 (Alphacaine, DFL- Brasil).

Assim, com a paciente sedada e anestesiada foi realizado a antissepsia da pele com iodopovidine e colocação do campo cirúrgico. Na sequência realizou-se a incisão (Figura 05), descolamento do periósteo (Figura 06) com auxílio do sindesmótomo. Após a exposição do tecido ósseo o dente extranumerário direito (Figuras 07, 08 e 09) e posteriormente o esquerdo (Figuras 10 e 11) foram removidos com auxílio da alavanca. Posteriormente, a região foi inspecionada (Figuras 12) e irrigada com soro fisiológico para remover tecido e espículas ósseas e/ou tecido de granulação. O retalho foi readaptado e foi realizada a sutura com fio reabsorvível (Categute 4.0, Technofio - Brasil) (Figura 13).

A paciente foi medicada com Ibuprofeno 100mg/ml, paracetamol 200mg/ml e clorexedina 0,12%, e orientada quanto aos cuidados no pós-operatório.

O retorno foi agendado em sete dias, quando se realizou nova tomada radiográfica periapical e documentação fotográfica (Figuras 15 e 16).

 

DISCUSSÃO

A prevalência de dois dentes supranumerários múltiplos, de origem não sindrômica, é baixa, ou seja, de 12 a 23%4,6,7 dos casos diagnosticados. Segundo Neville, 75% dos dentes supranumerários da região anterior da maxila não irrompem, o que é confirmado em outros estudos prévios.7,9 No entanto, quando eles encontram-se invertidos, raramente erupcionam.7

Dados da literatura mostram que muitos casos de dentes supranumerários podem estar associados a síndromes como Gardner, Ehler-Danlos, Apert, Down e Displasia Cleidocraniana, entre outras.1,4,6 Neste relato de caso, outras prováveis causas estariam relacionadas. Dentre elas a combinação de influências hereditárias e ambientais, o crescimento excessivo da lâmina dentária, ou divisão do germe dentário.1,3,6

Muitas denominações têm sido utilizadas para descrever dentes supranumerários. Estes dentes podem ser classificados como dois mesiodentes (região de incisivos) rudimentares (forma anormal e tamanho menor), sendo um deles conoide (pequeno e cônico), o formato mais comum, e outro tuberculado (anterior, na forma de barril com mais de uma cúspide) (Figura 14). Em casos de múltiplos dentes supranumerários é possível que eles apresentem formas variadas.4

Várias são as complicações funcionais e estéticas associadas a

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

dentes supranumerários. Dentre elas destacam-se clinicamente o atraso na erupção do dente permanente; o surgimento de diastemas e rotações dentárias; alteração do crescimento ósseo, do direcionamento e erupção do dente antagonista; a dificuldade de higienização e predisposição a gengivite e cárie; alteração no padrão de mastigação e oclusão. Radiograficamente outras complicações como impacção; desvio da rota de erupção normal; reabsorção radicular, perda do dente adjacente e lesões císticas ou tumorais.1,4,6,8

Considerando todas as complicações advindas de um dente supranumerário, o diagnóstico dever ser realizado precocemente, permitindo assim ao profissional realizar um tratamento mais conservador, visto que estas intercorrências e complicações ainda não estão estabelecidas. No entanto, atualmente não há um consenso entre o melhor método para diagnóstico de dentes supranumerários.10

Seja nos casos de pacientes adultos ou crianças um bom exame anamnésico e clínico são fundamentais no sucesso do tratamento. Clinicamente o profissional deve estar atento à sequência, cronologia de erupção, o número e o posicionamento dos dentes, a alteração de cor, forma, tamanho e mobilidade dos dentes presentes no arco dentário; a oclusão; alterações na apalpação das estruturas ósseas de suporte dentário, visando excluir quaisquer anormalidades.

Em muitos casos, para o diagnóstico de dentes supranumerários, exames complementares, como radiografias e tomografias, são indispensáveis e essenciais ao diagnóstico.10 A radiografia periapical é um exame complementar muito útil, de fácil realização, baixo custo, pode ser feito em ambiente de consultório, e permite modificação de técnica nos casos de dúvida de diagnóstico. Outras técnicas como a oclusal e panorâmica também estão indicadas. A técnica panorâmica permite a avaliação das complicações geradas nas estruturas adjacentes, bem como o diagnóstico panorâmico de outras alterações ósseas e dentárias. Em alguns casos, na técnica panorâmica, não é possível visualizar supranumerários na região maxilar anterior, devido à sobreposição de imagens.6 Isto pode ser constatado neste caso clínico, pela técnica panorâmica bem como na reconstrução panorâmica real da imagem tomográfica. (Figuras 2 e 3). Dados de uma revisão sistemática publicada recentemente apontam que a técnica radiográfica não influenciou a qualidade do diagnóstico de supranumerários, pois não houve diferença evidente quando a radiografia panorâmica foi comparada a outros métodos radiográficos.10

Atualmente, a tomografia computadorizada de feixe cônico é um recurso de diagnóstico superior à radiografia convencional para o diagnóstico de supranumerário na região maxilar anterior11, pois permite análise da imagem em três dimensões, maior precisão anatômica, menor distorção e artefatos de imagem. No caso de procedimentos cirúrgicos isto é relevante devido à redução de complicações.11 No entanto, muitos profissionais resistem em solicitá-la devido ao custo, dosagem de radiação e referência de clínicas especializadas neste serviço.

Segundo dados da literatura a prevalência de dentes supranumerários é maior na maxila, na região anterior.1,4,6,8 Portanto, no caso de crianças, a realização de um exame radiográfico periapical, na região anterior da maxila, poderia ser realizado antes da troca da dentição, pois permitiria um diagnóstico precoce e prevenção de intercorrência. Neste caso, o diagnóstico foi feito precocemente devido a um acidente ocorrido no ambiente escolar, pois do contrário, ele só ocorreria no momento da realização da documentação radiográfica para a correção ortodôntica, situações que já foram relatados na literatura.7

Dentre as opções de tratamento para dentes supranumerários, não há um protocolo padrão para todos os casos, principalmente no caso de dentes invertidos.11 O profissional precisa levar em consideração se o dente está erupcionado ou incluso, qual sua localização e posicionamento no arco, se esta comprometendo a erupção de outros dentes, gerando processos patológicos ou alterações nas estruturas anatômicas adjacentes, se há necessidade estética, funcional e de controle comportamental do paciente.6-8,12 Neste caso, optou-se pela remoção dos supranumerários visto que estavam inclusos, apenas com a coroa formada, um deles invertido, a paciente iniciaria o tratamento ortodôntico, a proximidade entre supranumerário e decíduos era pequena e os dentes permanentes estavam em fase final de rizogênese.

Quando o diagnóstico é feito precocemente, atenção especial também deve ser dada ao estágio de formação do dente permanente para que a rizogênese ocorra normalmente, reduzindo as chances de dilaceração radicular e anquilose. Sendo assim, de posse do diagnóstico, é importante o acompanhamento profissional para minimizar as complicações.

Apesar de a paciente apresentar um bom condicionamento no ambiente odontológico, o procedimento foi realizado sob uso de benzodiazepínicos, tendo em vista o tempo operatório e a complexidade do procedimento para uma criança. Dentre os principais problemas do uso de sedativos estão à necessidade de preparo profissional para situações de emergência, a disponibilidade deste tipo de fórmula farmacêutica na farmácia e necessidade de receituário controlado tipo B.

A paciente apresentou um excelente pós-operatório, o que pode ser constatado pelo exame clínico e radiográfico.

 

CONCLUSÃO

Após o diagnóstico de dois dentes supranumerários impactados na região anterior superior, e exames comprovando condições clínicas favoráveis à realização da cirurgia, estágio de formação dos dentes supranumerários e dos permanentes, ausência de patologias nas áreas adjacentes e bom condicionamento da criança, realizou-se tratamento cirúrgico em ambiente de consultório odontológico sob sedação, com excelente sucesso clínico-radiográfico e baixo custo.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A realização de cirurgia bucomaxilofacial em paciente odontopediátrico é sempre motivo de apreensão e insegurança para o paciente, equipe e familiares. Através deste artigo os autores buscam apresentar a etiologia, incidência, diagnóstico, complicações e tratamento para dentes supranumerários em consultório odontológico.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Emyr Stringhini Junior
Av. União da Vitória, 14
Francisco Beltrão – Vila Nova - PR
85605-040

e-mail:
juniorstrin@gmail.com

Recebido: nov/2014
Aceito: fev/2015