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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2015

 

Revisão de literatura (Autor convidado)

 

Diabetes: noções gerais para o Cirurgião-Dentista

 

Diabetes: general characteristics for dentists

 

 

José NicolauI; Fernando Neves NogueiraII; Alyne SimõesIII

 

I Livre-docente - Professor titular aposentado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo
II Livre-docente - Professor associado da Faculdade de Odontologia da Universidade São Paulo (Fousp)
III Doutorado - Professora doutora da Fousp

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Diabetes mellitus é uma enfermidade crônica de origem endocrinológica e que afeta mais de 170 milhões de pessoas no mundo e possui como principal característica a hiperglicemia. Na Odontologia, alguns estudos mostram que os pacientes diabéticos descompensados reportam algumas alterações na cavidade oral, relacionadas com o estado hiperglicêmico, como por exemplo, xerostomia e hipossalivação, aumento nos índices de cárie e doença periodontal e alteração na reparação tecidual. Com isto, este trabalho tem o objetivo de levar aos cirurgiões dentistas conceitos, características da doença, complicações orais relacionadas com o Diabetes mellitus e algumas opções de terapias para estas complicações orais, como a laserterapia e a terapia fotodinâmica antimicrobiana.

Descritores: diabetes mellitus; hiperglicemia; glândulas salivares; terapia a laser de baixa intensidade


 

ABSTRACT

Diabetes mellitus consists of a group of metabolic diseases characterized by hyperglycemia, resulting from disorders in insulin secretion, insulin action or both. A higher incidence of oral diseases, related to poorly controlled diabetes, can be observed in diabetic patients, such as xerostomia, hyposalivation, higher risk of infection, carious lesions, taste alterations, in addition to inadequate preparation of food for digestion. Thus, the aim of this study was to get some important information about this disease, for dentistis, as well as some therapeutic options for oral complications, suh as lasertherapy and antimicrobial photodynamic therapy.

Descriptors: diabetes mellitus; salivary glands; laser therapy


 

 

INTRODUÇÃO

Diabetes mellitus é uma moléstia cujo conhecimento data de muitos séculos. Já no século VI, médicos indianos reconheceram que a urina de pacientes com essa doença apresentava sabor doce. Contudo, somente no século XVIII, a substância doce da urina foi identificada como glicose. Um dos primeiros indícios da patologia dessa moléstia apareceu em fins da década de 1880, quando Von Mering e Minkowski1 estudando o papel do pâncreas realizaram uma pancreatectomia em um cão e observaram que o animal desenvolveu poliúria e reconheceram que a causa da poliúria era a hiperglicemia e glicosúria. Desde então o conhecimento sobre diabetes começou a se desenvolver rapidamente.

 

REVISÃO DA LITERATURA

Noções gerais de diabetes

Diabetes mellitus é uma enfermidade crônica de origem endocrinológica e que afeta mais de 170 milhões de pessoas no mundo. Está previsto, para o ano 2030, mais de 360 milhões de pessoas sendo afetadas por esta moléstia.

Um comitê da Sociedade Japonesa de Diabetes2 conceitua diabetes mellitus como um grupo de moléstias, caracterizado por hiperglicemia, devido à ação da insulina. Segundo esse comitê, a deficiência da ação da insulina, uma base comum do diabetes, leva a anormalidades características no metabolismo de carboidratos, lipídios, proteínas e assim por diante.

Já a Associação Americana de Diabetes3, através de seu comitê de especialistas, define diabetes mellitus como um grupo de moléstias metabólicas, caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeito, idade ou disfunção e que resulta em prejuízo para vários órgãos, especialmente os olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos.

Sendo uma moléstia de origem endocrinológica, mais especificamente por defeito na secreção ou ação de insulina, um hormônio produzido pelas células beta do pâncreas, vamos, primeiramente, examinar as características desse hormônio.

Insulina

O pâncreas produz dois hormônios polipeptídicos, a insulina e o glucagon, que apresentam efeitos opostos sobre o metabolismo, principalmente, de carboidratos e lipídeos.

A insulina é uma proteína, cuja importância no desenvolvimento da ciência não se limita as suas ações biológicas. A insulina foi a primeira proteína a ter sua composição em aminoácidos conhecida e isso marcou uma importante fase no desenvolvimento da pesquisa sobre proteínas. A partir desse trabalho realizado por Frederick Sanger, outras proteínas começaram a ter suas sequências de aminoácidos conhecidas. A partir daí houve uma intensificação nas pesquisas buscando um melhor conhecimento da molécula protéica o que permitiu saber que a sequência de aminoácidos é geneticamente determinada. Portanto, além de seu papel farmacológico central, a insulina se constituiu no ponto de partida para avançar o conhecimento da fisiologia, química de peptídeos, biologia estrutural, imunoensaio, bioquímica celular e biosíntese direcionado pelo DNA recombinante.4

A insulina é produzida, primeiramente, como um precursor chamado preproinsulina, pelos ribossomos do retículo endoplasmático. Quando sai do retículo endoplasmático, esse precursor é transformado para outro, a proinsulina. A proinsulina é composta por 86 aminoácidos numa única cadeia polipeptídica e três ligações de cistina intracadeia. Antes de ser secretada pelo pâncreas, a proinsulina é convertida por ação proteolítica, a insulina biologicamente ativa, e que contém duas cadeias polipeptídicas, uma de 21 aminoácidos e outra de 30 aminoácidos, ligadas por pontes dissulfetos e outra cadeia polipeptídica conhecida como peptídeo C e que não tem atividade. Caso essa conversão não ocorra e a proinsulina seja secretada ela não tem ação sobre o metabolismo.

A insulina que é secretada pelas células beta do pâncreas em resposta a um aumento da concentração de glicose sanguínea, desempenha um papel central na regulação do metabolismo energético, incluindo o metabolismo da glicose e de lipídeos.

O mecanismo pelo qual a insulina atua no tecido alvo baseia-se na ligação do hormônio ao seu receptor. O termo receptor é usado para indicar qualquer molécula à qual substâncias, como hormônios, neurotransmissores ou drogas, se ligam para iniciar seus efeitos. Um receptor é uma proteína específica que liga o agonista específico, resultando uma resposta específica. O receptor de insulina é um dos membros de uma família de proteínas transmembrana de sinalização, isto é, uma parte do receptor está situada na superfície da membrana, enquanto a outra parte está no citosol, de importância primordial como reguladores da diferenciação, crescimento e metabolismo celular. Diferentemente dos outros membros da família, o papel fundamental do receptor de insulina, parece ser a regulação do metabolismo celular.5

Quando a insulina se liga ao seu receptor que na verdade é uma enzima, esta é ativada desencadeando então uma série de reações dentro da célula.

A falta da ação da insulina acarreta ao organismo consequências metabólicas, tais como: hiperglicemia; glicosúria; reduzida tolerância a glicose; esgotamento da reserva de glicogênio tanto do fígado quanto do músculo; aumento da gliconeogênese, isto é, produção de glicose a partir de outras substâncias; aumento da mobilização da reserva lipídica e aumento de corpos cetônicos.

A insulina regula a homeostase da glicose em tecidos como fígado, músculo e adiposo. Entre as ações anabólicas desse hormônio podemos destacar estimulação da utilização intracelular e armazenamento da glicose, amino ácidos e ácidos graxos.

Modelos de animais diabéticos

Muito do conhecimento sobre o grupo de moléstias conhecido como diabetes vem de estudos tendo como modelo animais, principalmente, ratos e camundongos. O uso de roedores permite ao pesquisador o estudo de várias gerações num curto período de tempo. Por outro lado, o animal diabético pode ser considerado como um modelo da moléstia para o homem.

Dois agentes diabetogênicos são comumente empregados para tornar esses roedores diabéticos, a aloxana e a estreptozotocina. A ação diabetogênica desses dois agentes é mediada por espécies reativas de oxigênio, porém a origem de suas gerações é diferente.

A aloxana é um derivado pirimidínico, cuja propriedade diabetogência foi relatada em 1943 em coelhos.6 Quando injetado em animais ocorre uma rápida secreção de insulina de curta duração, seguida pela supressão da resposta das ilhotas a glicose.

O mecanismo de ação da aloxana, isto é, sua ação no pâncreas é precedida por sua rápida captação pelas células beta, uma característica importante para sua ação diabetogênica. A formação de espécies reativas de oxigênio é precedida pela redução da aloxana, que ocorre na presença de agentes redutores, como por exemplo, a glutationa.7 O produto dessa redução é reoxidado novamente para aloxana, estabelecendo com isso um ciclo de geração de radicais livres, cujo alvo é o DNA das ilhotas.8

A estreptozotocina é um antibiótico sintetizado pelo Streptomycetes achromogenes e é usado para induzir ambos os tipos de diabetes, dependente de insulina (antigamente conhecida como diabetes juvenil, sendo hoje nomeada diabetes tipo 1) e não dependente de insulina (diabetes adulto ou tipo 2). A ação da estreptozotocina no pâncreas é acompanhada por alterações características nas concentrações de insulina e glicose sanguínea. Assim, duas horas após a injeção da estreptozotocina, observa-se hiperglicemia com queda do nível de insulina no sangue. Após seis horas, ocorre hipoglicemia e alto nível de insulina sanguínea. Finalmente, desenvolve-se hiperglicemia e redução marcante no nível de insulina.9

A ação diabetogênica da estreptozotocina está ligada a alteração do DNA (uma reação chamada alquilação , bem como a formação de radicais livres, que tem como alvo o DNA.10 A formação de radicais livres resulta da ação da estreptozotocina sobre a mitocôndria e aumento da atividade de uma enzima chamada xantino oxidase. Com isso, há a inibição do ciclo d Krebs (onde se forma a maior parte de ATP, molécula energética do nosso organismo)11 e reduz muito o consumo de oxigênio pela mitocôndria.12

Classificação do diabetes

Em 1979, a "National Diabetes Data Group" da Associação Americana de Diabetes, apresentou um sistema de classificação para a moléstia que mais tarde foi ratificado pelo "World Health Organization Expert Committee on Diabetes". Estes grupos reconheceram dois tipos principais de formas de diabetes denominados " Insulin Dependent Diabetes mellitus" (IDDM) e "Non Insulin Dependent Diabetes" (NIDDM). Contudo, essa classificação incluiu evidências de que o diabetes era um grupo etiologicamente e clinicamente heterogêneos.3

Posteriormente, as siglas IDDM e NIDDM foram eliminadas e substituídas pelos termos diabetes tipo 1 e diabetes tipo 2, respectivamente.

O diabetes tipo 1 engloba os casos que são primariamente devido a destruição das células beta do pâncreas e são muito susceptíveis ao quadro de cetoacidose.

A classe do tipo 2 inclui as formas mais prevalentes de diabetes, que resulta da resistência a insulina com defeito na secreção do hormônio.

Além dessas duas classes de diabetes, o comitê acima citado, inclui uma outra categoria de diabetes, a gestacional (GDM), definida como qualquer grau de intolerância a glicose com início ou primeiro reconhecimento durante a gravidez. A definição se aplica sem levar em consideração se a insulina ou somente uma modificação da dieta é usada para tratamento ou se a condição persiste após a gravidez.2

Consequência da hiperglicemia

Já caracterizada pela sua definição, a característica do diabetes é a hiperglicemia. Michael Brownlee, um pesquisador sobre diabetes (ele próprio diabético tipo 1) levanta uma questão muito interessante: se no diabético a hiperglicemia banha todas as células de qualquer tecido, porque as lesões só ocorrem em poucas células (dos rins, olhos, nervos e coração)? Ele responde essa pergunta com base na capacidade da maioria das células de reduzir o transporte de glicose para dentro da célula, quando expostos a hiperglicemia, de modo que nessas células a concentração de glicose permanece constante. As células afetadas pela hiperglicemia não conseguem fazer esse processo de forma eficiente.13 Nessas células incapazes de manter a concentração da glicose constante, surgem então as complicações da hiperglicemia.

Algumas hipóteses surgiram para explicar as consequências danosas da hiperglicemia. Dentre elas podemos destacar: 1. aumento do fluxo da via do poliol; 2. aumento da formação de produtos glicados avançados (sigla AGE, advanced glycated end products); 3. ativação da proteína quinase C (PKC); 4. aumento do fluxo da hexosamina.

O aumento do fluxo da via do poliol tem seu foco numa enzima chamada aldose redutase, que quando a glicose atinge alta concentração dentro da célula, a transforma em sorbitol, com excessivo acúmulo desse álcool. Essas reações afetam outras reações de oxidoredução dentro da célula, aumentando a susceptibilidade para o estresse oxidativo intracelular. A utilização de inibidores da aldose redutase está sendo proposto como estratégia terapêutica na prevenção das complicações do diabetes.14 Aumento da formação intracelular de AGEs: AGEs são moléculas heterogêneas complexas formadas por reação não enzimática da glicose e outros compostos derivados da glicose com proteínas.

Como essas substâncias podem atuar nas células? São propostos três mecanismos nas complicações do diabetes.15 O primeiro mecanismo leva em consideração a modificação de proteínas intracelulares, principalmente aquelas envolvidas na transcrição gênica. O segundo mecanismo é a possibilidade dos precursores de AGEs se difundirem para fora da célula e modificar a matriz extracelular. No terceiro mecanismo, os precursores de AGEs se difundem para fora da célula e modificam as proteínas circulantes.

Ativação da Proteína Quinase C: Esse mecanismo considera que o aumento da concentração de glicose intracelular aumenta a síntese de uma molécula chamada di-acilglicerol, um ativador das isoformas de uma enzima chamada proteína quinase C (PKC).16 A ativação da PKC tem efeitos na expressão gênica alterando seu funcionamento normal.15

Aumentada atividade da via da hexosamina: este mecanismo considera um desvio da glicose-6-fosfato, um membro da via glicolítica, fornecendo dessa maneira substrato para reações que requerem a substância UDP-N-acetilglicosamina como, por exemplo, a síntese de proteoglicanos. A ativação dessa via, em razão da hiperglicemia pode resultar em alterações na expressão gênica e função protéica, que juntos contribuem para a patogênese das complicações do diabetes.15

Recentemente surgiu a proposição de um mecanismo unificador15, isto é, os diferentes mecanismos patogênicos refletem um processo unificador da superprodução de íon superóxido, através do transporte de elétrons, um processo energético que ocorre na mitocôndria. Este modelo foi fundamentado na observação de diabetes em animais e humanos e células com hiperglicemia, no fato de que todas essas células tem reduzida atividade da enzima gliceraldeido-3-fosfato desidrogenase uma enzima glicolítica. A inibição dessa enzima não ocorre quando a superprodução de superóxido é prevenida.17 Essa enzima parece ser o ponto central que liga todos os outros mecanismos no aparecimento das complicações do diabetes.15

Diabetes, glândulas salivares e saliva

A saliva é produzida pelas glândulas salivares. O processo de produção e secreção salivar, apesar de complexo, é bem conhecido e tem sido estudado há muitos anos.

As glândulas salivares são inervadas pelo sistema autônomo simpático e parassimpático. Diferentemente do que ocorre na maioria dos órgãos inervados por estes sistemas, onde trabalham de forma antagônica, nas glândulas salivares ambos levam a secreção de saliva. Esta saliva, contudo, tem composição diferente conforme o estímulo. De uma maneira geral, temos uma saliva mais viscosa quando ocorre o estímulo simpático e uma saliva mais aquosa no estímulo parassimpático.

Na odontologia alguns estudos mostram que os pacientes diabéticos descompensados reportam xerostomia e/ou apresentam hipossalivação, com aumento nos índices de cárie e doença periodontal, principalmente.18,19 Vale lembrar que a xerostomia é um sintoma de boca seca, que pode ser ou não associada à hipossalivação, que é a redução no fluxo salivar. Além disso, já foram descritas alterações na composição salivar em diversos estudos, sendo reportado, principalmente, redução do potencial antioxidante, aumento na concentração de glicose e redução de fluxo da saliva em repouso.20

Uma importante alteração na composição salivar no estado diabético foi demonstrada quando analisamos a quantidade de ácido siálico, um composto presente nas mucinas, na saliva de ratos. As mucinas são as principais proteínas responsáveis pela viscosidade salivar. Neste estudo verificamos uma redução deste composto na saliva de animais diabéticos. Esta redução leva a produção de uma saliva com menor viscosidade, muito compatível com o quadro de xerostomia.

Como em diversas doenças, qualquer alteração neste processo afeta a secreção salivar, seja qualitativa seja quantitativamente. No diabete não é diferente. Para entendermos estas alterações, o ideal seria analisarmos as glândulas salivares de pacientes doentes e compararmos os resultados com os de pacientes sadios. Porém, como isto não é possível, há a necessidade da realização de estudos com animais.

Nosso grupo vem estudando alterações glandulares que podem levar a redução e/ou a alteração da composição salivar no estado diabético há vários anos. As principais glândulas salivares estudadas são as submandibulares e parótidas. Estas glândulas são órgãos com diferente morfologia, que produzem uma saliva diferente e também contribuem distintamente conforme o estímulo. Durante o repouso, a glândula submandibular é a principal responsável pela produção de saliva, por outro lado, quando ocorre a mastigação, a glândula parótida passa a ser a principal fonte de saliva.

Partimos do princípio de que para o funcionamento de qualquer célula é necessário energia. A principal fonte de energia das glândulas salivares é a glicose, sendo metabolizada pela via glicolítica. Esta via pode ser regulada pela insulina. Assim qualquer alteração desta via poderia afetar o funcionamento celular.

Encontramos alterações significativas nas vias metabólicas de ambas as glândulas, sendo mais significativa na glândula submandibular quando comparada a parótida.21,23 Na glândula submandibular também evidenciamos a redução na quantidade de energia gerada e de diversos cofatores essenciais para o processo de secreção salivar.24

Uma alteração sistêmica muito importante presente no diabetes mellitus é o aumento do estresse oxidativo, como mencionado acima. O aumento da concentração de glicose circulante permite a ocorrência de um fenômeno chamado de glicação de proteínas. Quando isso ocorre temos uma inativação da função desta proteína. Além disso, as moléculas de glicose podem sofrer uma auto-oxidação, gerando neste processo, radicais livres. Em condições normais o organismo possui um sistema antioxidante que é capaz de eliminar o excesso de radicais livres gerados. Contudo, quando há um desequilíbrio neste processo teremos o que chamamos de estresse oxidativo. Com isso o excesso de radicais podem "atacar" membranas celulares das células, danificando sua função.

A atividade do sistema antioxidante e a presença dos danos nas glândulas salivares também foram avaliados, sendo demonstrada a presença de danos significativos nas glândulas submandibulares de ratos diabéticos, enquanto nas glândulas parótidas estes danos são mais brandos.25

Estes resultados somados nos levam a sugerir uma maior susceptibilidade da glândula submandibular no estado diabético quando comparada a glândula parótida. Por ser a glândula submandibular a principal responsável pela produção da saliva em repouso, qualquer alteração na sua função é compatível com as alterações clínicas reportados dos pacientes diabéticos não compensados.

A saliva vem também sendo estudada para uma possível utilização como meio de diagnóstico do diabetes mellitus.26 Os resultados apresentados até o presente momento são bastante promissores e acreditamos que em poucos anos poderemos utilizar a saliva para monitorar a concentração de glicose, por exemplo.

Diabetes e laserterapia

Desde o desenvolvimento do primeiro laser por Maiman em 1960, a terapia com laser em baixa intensidade (TLBI ou Low Level Laser Therapy - LLLT), a qual possui como efeitos principais a biomodulação tecidual, a analgesia e o efeito anti-inflamatório, tem obtido cada vez mais espaço no atendimento médico e odontológico, seja em ambiente de consultório privado ou em ambiente hospitalar.

Estes efeitos da TLBI são baseados na modulação de vários processos, convertendo energia luminosa do laser em energia que será usada pela célula. A região do espectro terapeuticamente mais efetiva é a compreendida no visível (vermelho) e infravermelho próximo, sendo que o comprimento de onda na faixa do vermelho é utilizado principalmente para reparação de tecido mole e o comprimento de onda infravermelho para atingir tecidos mais profundos ou para se conseguir efeito analgésico mais evidente. Além disso, quando o objetivo é obter efeito antimicrobiano, tem-se como opção, a associação do laser vermelho, com um fotossensibilizador específico e o oxigênio do ambiente, a qual produzirá espécies reativas de oxigênio no interior dos microrganismos previamente corados, ocasionando a eliminação das bactérias, vírus ou fungos. Essa terapia é chamada de terapia fotodinâmica antimicrobiana (TFDa) .

Uma vez que os pacientes com Diabetes mellitus possuem maior incidência e severidade de moléstias orais, como xerostomia, hipossalivação, problemas periodontais, perda dental e abcessos odontogênicos27,28, somado ao fato de a hiperglicemia crônica interferir com a cicatrização normal do tecido, principalmente devido às alterações circulatórias e as alterações na deposição de colágeno29, a TLBI e a TFDa podem ser utilizadas como tratamentos nestas complicações relacionadas com o diabetes mellitus.

O uso da TLBI neste tipo de paciente, na área médica, ocorre principalmente visando o efeito de biomodulação, com o objetivo de reparar ulcerações crônicas que levam muitas vezes à amputação, principalmente dos membros inferiores, dos pacientes que apresentam o diabetes mellitus.30

Além disso, na odontologia, alguns trabalhos do nosso grupo mostraram que a laserterapia pode ser utilizada na hipofunção glandular dos animais diabéticos, induzidos por estreptozotocina, onde foi também observada uma queda na glicemia dos animais que receberam a irradiação.31,32 Ao mesmo tempo, foi observada diminuição do acúmulo lipídico das células acinares nas glândulas parótidas de ratas diabéticas, além de aumento na concentração proteica destas glândulas, após receberem a TLBI.31,32 Além da utilização em casos de hipofunção das glândulas salivares, alguns estudos analisaram o efeito biomodulatório da TLBI sobre o tecido periodontal, durante a movimentação ortodôntica; no reparo ósseo, após extração dental; e na reparação de feridas, realizadas no palato; todos de ratos diabéticos, mostrando resultados promissores. 33-35

A TFDa, por sua vez, pode ser utilizada quando as lesões, nos membros inferiores de pacientes diabéticos, se encontram infectadas (36), além disso, pode ser utilizada como terapia complementar ao tratamento periodontal e endodôntico convencional.37,38

 

RESULTADOS

Apesar de alguns trabalhos iniciais terem mostrado o efeito benéfico da TLBI e TFDa, nas complicações orais e sistêmicas do diabetes mellitus, não há dados na literatura que analisaram o mecanismo de ação e a dosimetria relacionados com estas fototerapias, fatores essenciais para se determinar o protocolo padrão de irradiação para cada situação clínica. Com isto, mais estudos laboratoriais e clínicos são ainda necessários inclusive para o entendimento das reais causas das alterações salivares e para a utilização da saliva como marcador desta doença. Contudo, sabemos que grande parte dessas alterações é revertida na normoglicemia.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processos 2014/21214-1, 2013/18609-1 e 2006/00998-8).

 

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Endereço para correspondência:
José Nicolau - Departamento de Biomateriais e Biologia Oral da Fousp
Av. Prof. Lineu Prestes, 2227
Butantã - São Paulo - SP
05508-000
Brasil

e-mail:
jnicolau@usp.br

 

Recebido: jul/2015
Aceito: ago/2015