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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.4 Sao Paulo Out./Dez. 2015

 

Artigo original

 

Avaliação clínica retrospectiva de restaurações posteriores de resina composta

 

Clinical retrospective evaluation of posterior composite resin restorations

 

 

Carolina BerwangerI; Marcelo TottiII; Vitória Prestes RichterIII; Fábio Herrmann Coelho-de-SouzaIV; Thaís ThoméV

 

I Mestranda Clínica Odontológica (ênfase Cariologia/ Dentística) - Cirurgiã-Dentista
II Mestre em Clínica Odontológica (ênfase Cariologia/Dentística) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Cirurgião-Dentista
III Cirurgiã-Dentista
IV Professor adjunto do departamento de Odontologia Conservadora da UFRGS
V Doutorado em Odontologia - Professora adjunta departamento de Odontologia Conservadora da UFRGS

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi realizar uma avaliação clínica retrospectiva de restaurações diretas de Classes I e II em resina composta, realizadas por alunos de graduação da Faculdade de Odontologia da UFRGS. Foram avaliadas 103 restaurações em resina composta (46 Classe I e 57 Classe II), seguindo uma modificação dos métodos USPHS e FDI. O tempo de permanência em boca das restaurações avaliadas variou entre 8 e 61 meses. O principal motivo para reparo ou substituição das restaurações Classe I foi em função da recorrência de cárie (8,7%), seguido de brilho superficial (8,6%), de acordo com o método FDI. Para as restaurações Classe II, o principal motivo de falha foi fratura e retenção (29,8%), seguido de integridade dental (24,5%). De acordo com a avaliação pelo método USPHS, o critério descoloração marginal teve a maior taxa de falha para restaurações Classe I (17,4%), seguido por cárie secundária (13%). Para restaurações Classe II, descoloração marginal foi o critério que mais falhou (16%), seguido por adaptação marginal (13,7%). A taxa total de falha dos métodos USPHS e FDI para restaurações Classe I foi de 32,6% e 20%, e para restaurações Classe II foi de 36,8% e 49,1%, respectivamente. Conclui-se que as restaurações Classe I avaliadas demonstraram um desempenho clínico positivo, com a maior parte dos critérios classificados como excelentes, bons e satisfatórios, dentro do tempo avaliado. Grande parte das restaurações Classe II demonstrou um desempenho insatisfatório ou deficiente em algum dos critérios avaliados.

Descritores: longevidade; restauração dentária permanente; taxa de sobrevida


 

ABSTRACT

The goal of this work was to perform a retrospective clinical evaluation of direct composite resin Class I and Class II restorations performed by students from UFRGS School of Dentistry.A total of 103 composite resin restorations (46 Class I and 57 Class II) were evaluated, following a modification of the USPHS and FDI methods. The evaluated restorations lifetime varied between 08 and 61 months.According to the FDI method, the main reason for the Class I restorations repair or replacement was because of recurrent caries (8.7%), followed by superficial brightness (8.6%). For class II restorations, the main failure reason was fracture and retention (29,8%), followed by dental integrity (24,5%). According to the USPHS method, superficial staining presented the highest failure rate for Class I (17,4%), followed by recurrent caries (13%). For Class II, superficial staining showed the highest failure rate (16%), followed by marginal adaptation (13,7%). Total failure rate for USPHS and FDI methods for Class I restorations was 32,6% e 20%, and for Class II restorations was 36,8% e 49,1%, respectively.It was concluded that the evaluated Class I restorations presented a positive clinical performance, with most criteria classified as excelent, good and satisfactory, in the evaluated period. A significant part of Class II restorations presented a insatisfatory or deficient performance in some evaluated criteria.

Descriptors: longevity; dental restoration, permanent; survival rate


 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Nos cursos de graduação em Odontologia, os estudantes são orientados pelos professores a realizar tratamentos restauradores seguindo protocolos clínicos pré-estabelecidos, porém, o fato de os alunos estarem no início de suas atividades clínicas pode influenciar a qualidade final das restaurações dentárias. Portanto, faz-se necessário avaliar o desempenho clínico de restaurações posteriores realizadas por alunos de graduação.

 

INTRODUÇÃO

Com a diminuição dos índices de cárie primária, a literatura recente relata que a substituição de restaurações passou a ser o principal motivo da realização de restaurações dentárias.1 Os motivos pelos quais estas restaurações são substituídas variam de cáries recorrentes, degradação marginal e motivos estéticos, sendo estes influenciados pelo fator sócio cultural. Nas restaurações em resina composta, a degradação marginal e fendas, bem como cárie secundária e descoloração marginal, caracterizam razões para a substituição das restaurações.2

A longevidade e as características funcionais de uma restauração são os fatores mais importantes para determinar a efetividade a longo termo do tratamento restaurador.3 A durabilidade das restaurações posteriores de resina composta é influenciada principalmente por variáveis clínicas (tipo, tamanho e localização da restauração), qualidade e técnica do operador, fatores socioeconômicos e demográficos, e aspectos comportamentais. 4 Diferenças na qualidade da higiene oral, disponibilidade de flúor e hábitos alimentares também podem estar associados.5

O método de avaliação de restaurações diretas USPHS, criado há aproximadamente quatro décadas atrás por Ryge, continua em uso até hoje como parte da rotina de avaliação clínica. Através dos anos, critérios similares aos deste método tem sido também utilizados para produzir modificações do método USPHS. 6 Entretanto, com o aumento na qualidade dos materiais restauradores, foi necessário um método mais sensível, com um aprimorado poder discriminativo comparado com o proposto por Ryge7 . O modelo FDI foi publicado pela primeira vez em 2007 e vem sendo usado em estudos clínicos envolvendo restaurações de resina composta em dentes posteriores.8 Nos cursos de graduação em Odontologia, os alunos são orientados pelos professores a realizar tratamentos restauradores reproduzindo protocolos clínicos pré-estabelecidos, seguindo todos os princípios de biossegurança e preparo, com utilização criteriosa dos materiais restauradores. Porém, o fato de os alunos estarem no início de suas atividades clínicas pode influenciar a qualidade final das restaurações dentárias. Opdam e colaboradores9 salientam em seu estudo que a realização de restaurações por estudantes inexperientes relaciona-se mais estreitamente a certos tipos de falhas de restauração em comparação a alunos com maior experiência.

O objetivo deste trabalho foi realizar uma avaliação retrospectiva do desempenho clínico de restaurações posteriores executadas por alunos de graduação de uma faculdade de Odontologia.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Seleção dos pacientes e coleta de dados

O presente estudo foi conduzido retrospectivamente usando dados eletrônicos e prontuários em papel de pacientes que receberam tratamento dental nas clínicas da Faculdade de Odontologia da UFRGS.

A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Pesquisa da Faculdade de Odontologia (COMPESQ) e pelo Comitê de Ética da UFRGS (nº 273.904).

Uma lista dos pacientes que iniciaram novo prontuário a partir de 2004 foi gerada pelo sistema eletrônico Acess.

A fim de determinar a longevidade de restaurações e reincidência de lesões de cárie em dentes restaurados com resina composta por alunos de graduação da Faculdade de Odontologia da UFRGS, pacientes que receberam restaurações do tipo Classe I e Classe II em resina composta, executadas pelos alunos, entre os anos de 2007 e 2011 foram convidados a participar do estudo. Estes pacientes receberam informações detalhadas sobre todos os procedimentos, sendo submetidos à aceitação ou rejeição do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, redigido em conformidade com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Amplitude da amostra

A amostragem segue os padrões estabelecidos em 2001 pelo Conselho de Assuntos Científicos da Associação Dentária Americana (ADA) para a avaliação de restaurações em resina composta.

O tamanho da amostra necessária para o estudo foi calculado com base em um intervalo de confiança de 90%, erro presumido de 10% e um percentual de desfecho para cárie secundária de 22,4%10, através da fórmula: n=o2.p.q/e2, sendo o=número de desvios-padrão, p=percentual de ocorrência do desfecho, q=100-p, e=erro permitido.11 O valor de n encontrado foi de 46 restaurações.

Critérios de inclusão e exclusão dos pacientes

Para participar do estudo, o paciente deveria:
1. Fornecer consentimento escrito e assinado;
2. Ser maior de 18 anos ou estar acompanhado de um responsável;
3. Ter recebido no mínimo uma restauração Classe I ou II em resina composta realizada por aluno de graduação no período selecionado;
4. Não ter recebido atendimento odontológico restaurador fora da Universidade posterior à restauração avaliada.

O indivíduo seria excluído do estudo se:
1. Não pudesse ou não quisesse comparecer à consulta de re-chamada;
2. Estivesse participando de outra pesquisa clínica;
3. Apresentasse alguma condição médica ou oral pré-existente que o investigador/examinador julgasse poder colocar o indivíduo em risco durante o estudo;
4. Apresentasse história médica ou dental que pudesse interferir nos resultados do estudo.

Avaliação clínica

Um total de 57 pacientes se encaixaram nos critérios de inclusão do estudo e foram examinados pelos pesquisadores. Foram avaliadas 103 restaurações em resina composta (46 Classe I e 57 Classe II), seguindo uma modificação dos métodos USPHS e FDI.

A avaliação das restaurações foi realizada por dois investigadores examinando cada paciente independentemente e, quando houve discordância, o desempate foi dado pelo calibrador.

Critérios e procedimentos para a avaliação clínica direta

As avaliações clínicas foram feitas segundo dois critérios: 1. USPHS modificado (Quadro 01) e 2. FDI modificado (Quadros 2, 3 e 4).

O exame clínico foi tátil e visual, utilizando espelho clínico sob iluminação artificial e sonda exploradora para verificar integridade marginal (adaptação e coloração marginal), discrepância morfológica (alteração de contorno) e estética (manchamento e textura superficial) das restaurações.

A avaliação da necessidade de reparo ou substituição das restaurações avaliadas foi diagnosticada pelo método de avaliação FDI. A indicação de necessidade de intervenção nas restaurações avaliadas deu-se de acordo com os seguidos critérios:
• Restaurações avaliadas como "Clinicamente Insatisfatória" para um ou mais critérios de propriedades estéticas, propriedades funcionais e/ou propriedades biológicas foram encaminhadas para reparo.
• Restaurações avaliadas como "Clinicamente Deficiente (necessita substituição)" para um ou mais critérios de propriedades

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

estéticas, propriedades funcionais e/ou propriedades biológicas foram encaminhadas para substituição.
• Nenhuma intervenção foi realizada em restaurações que pela avaliação realizada pelo Cirurgião-Dentista apresentaram alterações que não representassem risco à saúde ou deficiência estética que incomodasse o paciente.

Análise dos dados

Os dados coletados na avaliação clínica foram tabulados para análise descritiva de acordo com os dois métodos empregados (USPHS e FDI modificados).

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 103 restaurações, sendo 46 Classe I e 57 Classe II em um total de 57 pacientes. A taxa total de falha dos métodos USPHS e FDI para restaurações Classe I foi de 32,6% e 20%, e para restaurações Classe II foi de 36,8% e 49,1%, respectivamente. Das 103 restaurações avaliadas, 47,5% falharam em algum critério.

Três restaurações foram classificadas como perdidas no momento da avaliação. Uma restauração encontrava-se solta, mas ainda dentro da cavidade com o dente fraturado. Três dentes estavam completamente fraturados, impossibilitando a avaliação das restaurações, o que justifica o n=50 em alguns dos critérios avaliados. Entre as restaurações Classe II, para ambos os métodos, a restauração que se encontrava solta dentro da cavidade fez parte apenas do critério adaptação marginal (n=51).

O sistema adesivo utilizado em todas as restaurações foi Scotch Bond Multi Purpose (3m ESPE). Quatro diferentes marcas de resina composta (Quadro 5) foram utilizadas: Charisma (Heraeus-Kulzer), Esthet-X HD (Dentsply), Z350 XT (3M ESPE) e Opallis ( FGM).

Trinta e quatro restaurações (73,9%) Classe I e 40 Classe II (70,1%) pertenciam a pacientes do gênero feminino e 12 (26,1%) Classe I e 17 (29,8%) Classe II pertenciam a pacientes do gênero masculino. A idade dos participantes variou entre 15 e 76 anos, com uma média de idade em torno dos 39 anos. O tempo de permanência em boca das restaurações

 

 

 

avaliadas variou entre 08 meses e 61 meses, com uma média de tempo de aproximadamente 32 meses para restaurações Classe I e de 34 meses para restaurações Classe II. A frequência das restaurações de acordo com o tempo de permanência em boca pode ser visto no Gráfico 1.

De acordo com a avaliação pelo método USPHS modificado (Tabela 1), um total de 13% das restaurações Classe I e 12% Classe II foram consideradas com evidência de lesão de cárie contígua à margem da restauração (escore B). Das restaurações avaliadas, 47,4% apresentaram resultado satisfatório (escore B) para adaptação marginal, sendo que 9,2% tiveram uma avaliação ruim para este critério. Para o critério forma anatômica, apenas quatro restaurações (4,1%) foram consideradas insuficientes, 17 (17,7%) foram classificadas como satisfatórias e 75 (78,1%) foram classificadas como excelentes. Uma maior variabilidade pode ser vista para a descoloração marginal, onde 22,9% das restaurações foram consideradas satisfatórias (escore B) e outras 16,6% foram consideradas ruins.

Os resultados para os critérios do método FDI modificado encontram- se na Tabela 2, incluindo as propriedades estéticas, funcionais e biológicas, respectivamente.

Entre as 103 restaurações avaliadas, constatou-se que o principal motivo para reparo ou substituição das restaurações foi em função da recorrência de cárie (8,7%) para restaurações Classe I, e fratura e retenção (29,8%) seguido por integridade dental (24,5%) e ponto de contato (20%), para restaurações Classe II.

De maneira geral, as propriedades estéticas (Tabela 2) apresentaram- se com resultados excelentes ou bons (escores 1 ou 2 da tabela). No critério brilho superficial, apenas 7 (7,2%) restaurações falharam, apresentando resultados insatisfatórios ou deficientes (escores 4 ou 5 da tabela). Percebe-se que para o critério manchamento superficial houve

 

 

 

 

 

uma pequena taxa de falha total (4,1%); no entanto, 12,7% de todas as restaurações foram classificadas apenas como satisfatórias (escore 3).

Em relação às propriedades funcionais do método FDI, a maior parte das restaurações de Classe I apresentou excelentes resultados para o critério fraturas e retenção (73,9% para o escore 1); ao contrário das restaurações de Classe II, que tiveram no mesmo critério a maior taxa de falha (29,8%) entre todos os outros critérios avaliados. Uma maior variabilidade para o critério adaptação marginal foi encontrada para as restaurações de Classe I, com 45,7% das restaurações classificadas no escore 1, sendo a taxa de falha de 6,5%. Já para as restaurações de Classe II, apenas 11,7% foram classificadas no escore 1, apresentando uma taxa de falha de 19,6%. No método USPHS modificado, 9,2% das restaurações apresentaram resultados insatisfatórios (escore C) para o critério adaptação marginal.

Dentro das propriedades biológicas, o critério recorrência de cárie, apesar de ter sido o principal motivo para reparo ou substituição de restaurações Classe I, ainda assim apresentou um excelente resultado (escore 1), para as restaurações de ambas as classes (80,4% e 88% para Classe I e II respectivamente). Embora a maioria dos critérios tenha apresentado alguma taxa de falha, grande parte das restaurações foi considerada como passível de reparo para as propriedades biológicas, sendo que somente 11 restaurações, todas de Classe II, tiveram necessidade de serem substituídas.

 

DISCUSSÃO

No presente estudo foi observado que o principal motivo para a necessidade de reparo ou substituição de uma restauração de Classe I, de acordo com o método FDI modificado, foi em função de recorrência de cárie. Este critério inclui a avaliação da presença de cárie primária e/ou secundária. O método foi capaz de indicar situações em que, apesar da presença de cárie, não houve necessidade de reparo ou substituição, o que está indicado pelos escores 2 e 3 (Tabela 01).

O critério cárie secundária do método USPHS modificado apresentou uma taxa total de 12,5% para o escore B para ambas as classes, ou seja, nestas restaurações foi encontrada evidência de cárie secundária. Porém, não há como mensurar quais as restaurações necessitou de reparo ou substituição, visto que ele aponta apenas a presença ou não de lesão de cárie contígua às margens da restauração, podendo ser considerada uma limitação para este método. De acordo com González-Cabezas e colaboradores12, cáries secundárias ainda são um problema constante na Odontologia, tornando-se uma questão importante na prática odontológica diária. De Moura e colaboradores13 apontam limitações no vedamento marginal e degradação do sistema adesivo como possíveis razões para o desenvolvimento de cáries secundárias em restaurações de resina composta. Tais limitações no vedamento seriam resultantes da contração de polimerização do compósito.

No método FDI modificado, o critério brilho superficial demonstrou uma baixa taxa de falha. O método USPHS modificado não possui nenhum critério que avalie esta característica da restauração, impedindo que haja uma comparação de resultados entre os dois métodos utilizados para o estudo, o que pode ser considerado como uma limitação para o método USPHS. De acordo com Demarco e colaboradores4, é improvável que aspectos relativos à qualidade estética, tais como cor e anatomia da restauração, tenham influência na sobrevivência das restaurações posteriores em geral.

Entre as restaurações Classe II, a alta taxa de falha encontrada no critério adaptação marginal deve-se, provavelmente, à grande quantidade de gaps encontrados na região interproximal, podendo ter sido ocasionados pela contração de polimerização das resinas compostas utilizadas ou também pela inexperiência do operador. No método FDI considera-se que a falta de adaptação marginal tenha ocorrido em função de fratura na estrutura dentária remanescente, enquanto que o método USPHS não especifica se a fratura ocorreu na estrutura dentária ou no material restaurador utilizado. Para fraturas que tenham ocorrido no material restaurador, o método FDI possui outro critério, chamado fraturas e retenção, que teve uma taxa de falha semelhantemente alta para o presente estudo. Goodchild14 considera que entre os principais desafios a serem superados em uma restauração Classe II estão selamento marginal inadequado, contatos interproximais abertos e fraturas. Para diminuir o número de falhas na região interproximal é interessante que o aluno faça uso de matriz e cunha bem adaptados ao dente e também de instrumentais que o auxiliem na confecção do ponto de contato.

Demarco e colaboradores4, afirmam que estudos apontam a descoloração marginal e defeitos marginais como causa de fracasso restaurador. Neste trabalho, o critério descoloração marginal do método USPHS modificado mostrou um índice total de 16,6% de classificação para o escore C, indicando que estas restaurações foram consideradas insatisfatórias para este critério. Apesar de ter sido o critério que mais falhou no método USPHS, devemos considerar que descoloração marginal por si só pode não indicar a substituição da restauração, pois neste caso trata-se de dentes posteriores onde a estética não é tão relevante, fazendo-se necessário um acompanhamento radiográfico periódico.

O critério forma anatômica não apresentou taxa de falha para o método FDI modificado nas restaurações de Classe I (contra 10% de Classe II), porém mostrou um índice relativamente alto para escores considerados bons e satisfatórios (Tabela 2). Para o método USPHS modificado, uma pequena parcela das restaurações Classe I e Classe II foram classificadas como insatisfatórias (escore C). Pode-se considerar uma limitação para o estudo o fato de que não há um registro da forma anatômica no momento logo após o acabamento e polimento das restaurações, impedindo um comparativo entre o "tempo zero" e o momento em que a restauração foi avaliada. Mas, em contrapartida, 100% das restaurações avaliadas no critério desgaste do método FDI foram classificadas como clinicamente aceitáveis, podendo-se considerar que estas restaurações não tiveram sua forma anatômica muito modificada ao longo do tempo. Estes resultados estão de acordo com um estudo realizado por Barnes et al.15, que avaliou restaurações diretas de resina composta em dentes posteriores, onde todas as restaurações foram classificadas como clinicamente aceitáveis para o critério forma anatômica após cinco anos, sendo que apenas uma restauração foi considerada inaceitável após oito anos de avaliação.

Nossos resultados também corroboram com um estudo que avaliou dois tipos de resina composta em restaurações com vinte e dois anos de acompanhamento, onde os autores concluíram que o critério desgaste não representou problema em restaurações com estes materiais em dentes posteriores, visto que nenhuma restauração foi substituída por este motivo.16

Como este estudo é de caráter retrospectivo, não há como saber as condições das restaurações logo após seu acabamento e polimento. Segundo Kubo17, apesar de os estudos retrospectivos serem menos precisos do que os prospectivos apresentam como vantagem o fato de que um grande número de restaurações poderem ser avaliadas em um tempo relativamente curto. O fato de não haver um registro do estado inicial da restauração logo após o acabamento e polimento desta pode ser considerado uma limitação para este estudo, visto que não há como inferir se os materiais restauradores utilizados apresentavam correspondência exata de cor no momento do procedimento, tendo sofrido alteração ao longo do tempo, ou se esta falta de correspondência entre cor do dente e material restaurador deve-se a uma falha na escolha da cor ou na execução do procedimento restaurador. Portanto, o critério de estabilidade de cor não fez parte da análise dos dados, pois não havia registro fotográfico inicial, impossibilitando a comparação após os anos. Van De Sande et al.18 não observaram diferença significativa entre os tipos de resina utilizadas na longevidade as restaurações. Justificam que, assim como no presente estudo, as resinas compostas utilizadas apresentavam boas propriedades mecânicas, apesar das pequenas diferenças em suas composições.

Houve dificuldade em encontrar pacientes dentro do perfil buscado, visto que muitos prontuários haviam sido preenchidos de forma insuficiente, não informando a classe da restauração realizada, ou, até mesmo, a face em que foi feita a restauração. Os tratamentos são descritos pelos alunos da graduação à mão livre, de forma não sistematizada, e não há como obter as informações de forma padronizada. Outra limitação encontrada foi o contato com os pacientes, pois muitos telefones estavam desatualizados e não existiam mais ou não pertenciam mais à pessoa. Estas limitações estão de acordo com as dificuldades encontradas em outros estudos retrospectivos na literatura. Doméjean-Orliaguet e Gansky19 relataram como limitações para seu estudo a natureza retrospectiva e a porcentagem relativamente alta de informações faltando nos formulários. Collins, Bryant e Hodge20 também discutem sobre as dificuldades de re-chamar pacientes em ensaios clínicos de longo prazo, em virtude da tendência dos pacientes em mudarem-se para áreas distantes ou tornarem-se indisponíveis após obterem emprego.

Por fim, os dois métodos utilizados (USPHS e FDI modificados) mostraram- se eficazes em avaliar restaurações de resina composta Classe I e Classe II. Entretanto, o método FDI foi mais sensível, ilustrando de forma mais clara estágios iniciais de algumas complicações e situações em que, mesmo com a ocorrência de alguma condição desfavorável, não houve necessidade de reparo ou substituição da restauração.

Novos estudos devem ser conduzidos para uma avaliação clínica mais controlada, com um aumento no número da amostra, um acompanhamento adequado das restaurações e a avaliação de restaurações com um período maior de vida clínica do que o avaliado neste trabalho. A criação de uma padronização no preenchimento dos prontuários pode contribuir para a qualidade destes futuros estudos, bem como possibilitar uma adequada manutenção dos tratamentos restauradores realizados na Faculdade.

 

CONCLUSÃO

Considerando as limitações do presente estudo, conclui-se que:
a) As restaurações de resina composta de Classe I avaliadas demonstraram um desempenho clínico positivo, com a maior parte dos critérios classificados como excelentes, bons e satisfatórios, dentro do tempo avaliado, apresentando um percentual de sucesso para as restaurações de 67,4% e 80% para os métodos USPSH e FDI, respectivamente. Grande parte das restaurações Classe II demonstrou um desempenho insatisfatório ou deficiente em algum dos critérios avaliados, apresentando uma taxa de sucesso de 63,2% para o método USPHS e 50,9% para o método FDI.
b) Cárie secundária, de acordo com o método FDI modificado, foi o motivo de maior taxa de falha das restaurações de Classe I avaliadas. Fratura e retenção foi o critério que mais falhou para as restaurações de Classe II. Para o método USPHS modificado, descoloração marginal foi o critério com maior prevalência de insatisfação para ambas as classes.
c) A maioria das restaurações que falhou no método FDI foi classificada no escore 4, ou seja, é passível de reparo e não necessita substituição.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

De acordo com os resultados satisfatórios obtidos com a avaliação das restaurações executadas em ambiente acadêmico, constata-se que os alunos de graduação são capazes de realizar procedimentos restauradores de qualidade. No entanto, atenção especial deve ser dada ao ensino e orientação clínica na realização de restaurações de Classe II uma vez que estas apresentaram alto índice de restaurações insatisfatórias.

 

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Endereço para correspondência:
Thaís Thomé - UFRGS
Rua Ramiro Barcelos, 2492
Floresta - Porto Alegre – RS
90035-002
Brasil

e-mail:
thais.thome@ufrgs.br

 

Recebido: out/2015
Aceito: nov/2015