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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.4 Sao Paulo Out./Dez. 2015

 

Relato de caso clínico

 

Cisto radicular inflamatório extenso envolvendo seio maxilar

 

Large radicular cyst involving the maxillary sinus

 

 

Kellen Cristine TjioeI; Thaís Sumie Nozu ImadaII;Milena Pita PardoIII; Alberto ConsolaroIV; Eduardo Sanches GonçalesV

 

I Doutora em Patologia bucal pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) - Professora de Estomatologia na Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/Unesp)
II Doutora em Estomatologia pela FOB/USP - Radiologista em clínica particular)
III Especialista em Endodontia pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo - Cirurgiã-Dentista em consultório particular
IV Doutor em Patologia Bucal pela FOB/USP - Professor titular da disciplina de Patologia, do Departamento de Estomatologia da FOB/USP
V Doutor em Estomatologia pela FOB/USP - Professor da disciplina de Cirurgia, do Departamento de Estomatologia da FOB/USP

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O cisto radicular é o cisto odontogênico de maior significado clínico para o cirurgião-dentista. Por ser a lesão cística inflamatória mais frequentemente encontrada dos maxilares, é a mais tratada. Ocorre nos ápices de dentes infectados em decorrência à necrose pulpar. Embora o cisto radicular faça parte do cotidiano do clínico, há poucos trabalhos descrevendo as suas características clínicas e tomográficas. Assim, o objetivo deste trabalho é o de apresentar um cisto radicular extenso com envolvimento do seio maxilar e cavidade nasal cujo exame de tomografia computadorizada por feixe cônico foi essencial para o delineamento do plano de tratamento.

Descritores: cisto radicular; cistos odontogênicos; seio maxilar


 

ABSTRACT

The radicular cyst is the odontogenic lesion with major clinical significance for the dental surgeon. Once this is the most common inflammatory cystic lesion, the radicular cyst is the most treated one. It affects the apical portion of infected teeth after the pulp necrosis. Although the radicular cyst is part of the routine of the dental practice, there are only few studies describing its clinical and thomographic features. Thus, the aim of this work is to report an extensive radicular cyst involving the maxillary sinus and nasal cavity which cone bean computerized tomography was essential for the surgical planning.

Descriptors: radicular cyst; odontogenic cysts; maxillary sinus

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O cisto radicular é o cisto odontogênico inflamatório mais comumente encontrado na prática clínica, porém por ser frequentemente assintomático, pode assumir grandes proporções e causar destruição de estruturas de suporte importantes.

 

INTRODUÇÃO

O cisto radicular (CR) representa o cisto odontogênico de maior relevância clínica para o Cirurgião-Dentista, pois é a lesão cística mais frequente dos maxilares1 e, consequentemente, também é a lesão mais tratada. O CR origina-se da proliferação de remanescentes epiteliais odontogênicos do ligamento periodontal em resposta ao processo inflamatório desencadeado pela necrose pulpar.2-4 Assim, o cisto radicular consiste em uma cavidade patológica completamente revestida por epitélio escamoso estratificado não queratinizado5 e preenchida por conteúdo líquido ou pastoso.6

Geralmente, o CR é assintomático e, por isso, costuma ser diagnosticado em exames radiográficos realizado por outros motivos ou pelo reagudecimento da lesão, ocasião esta em que gera importante sintomatologia dolorosa e tumefação.3 A detecção tardia do cisto radicular pode ocasionar reabsorção radicular dos dentes vizinhos, comprometimento das estruturas anatômicas ósseas adjacentes e disseminação da infecção de ordem odontogênica. Desta forma, o diagnóstico precoce do cisto radicular e a intervenção imediata são importantes para evitar um tratamento mais agressivo para o paciente e prevenir possíveis complicações.

O objetivo deste trabalho é o de relatar um cisto radicular extenso com envolvimento do seio maxilar e cavidade nasal e discutir suas características tomográficas.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

Um paciente de 54 anos, gênero masculino e leucoderma procurou atendimento de urgência com a queixa principal de "pus na gengiva e céu da boca mais mole de um lado do que do outro". O mesmo relatou dor pulsátil intensa que se iniciara três dias antes da consulta e dificuldade de respiração. Na noite anterior ao atendimento, ocorreu drenagem de cerca de 200ml de líquido purulento por fístula localizada na mucosa vestibular próxima à região apical do dente.11

Ao exame físico do paciente, observou-se assimetria facial discreta, com ligeira tumefação do terço médio da face, lado direito, e apagamento do sulco nasolabial. Exame intrabucal demonstrou escurecimento das coroas dos dentes 11 e 21 e fístula drenando conteúdo purulento localizada próxima à região periapical do dente 11 (Figura 1). À palpação, observou-se resiliência na área do dente 11, sugerindo perfuração da cortical óssea pela lesão. Ademais, o paciente apresentava higiene bucal insatisfatória. O teste de vitalidade pulpar foi negativo para o dente 11 e o de percussão vertical, positivo. O canal do dente 21 apresentava-se parcialmente obturado.

Radiograficamente, observou-se lesão radiolúcida circunscrita por halo radiopaco entre os incisivos centrais superiores, deslocando-os. A análise da TCFC revelou leve expansão da tábua óssea palatina e rompimento da cortical vestibular. A lesão se estendia para a cavidade nasal e seio maxilar direito, erodindo sua parede anterior (Figura 2A e 2B).

Foi realizada a marsupialização da lesão no local da fístula vestibular e prescrição de amoxicilina 500mg de 8 em 8 horas por 7 dias. O paciente foi encaminhado para tratamento endodôntico do dente 11 e retratamento do 21. Análise histopatológica do espécime revelou cavidade cística revestida por epitélio pavimentoso estratificado paraquenatinizado hiperplásico. Subjacente, observou-se infiltrado inflamatório crônico intenso, cristais de colesterol, vasos sanguíneos dilatados e congestos, áreas de intensa hemorragia e células gigantes multinucleadas (Figura 3). O diagnóstico final foi de cisto radicular inflamatório. Não houve complicações pós-operatórias. Na proservação de 2 anos foi possível observar regressão da lesão com neoformação óssea (Figura 4A e 4B).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESULTADOS E CONCLUSÕES

Os cistos radiculares (CR) são lesões odontogênicas relativamente comuns. Diversos estudos epidemiológicos descrevem incidência que varia de 37 a 61%2,7-13 de cistos radiculares diagnosticados através de exames histopatológicos. Este número tende a ser ainda maior, pois não é raro o manejo do cisto radicular somente com o tratamento endodôntico além de parcela dos Cirurgiões-Dentistas não enviarem a peça cirúrgica para análise microscópica quando a lesão é removida.

O cisto radicular representa a culminação de um processo inflamatório crônico que é frequentemente assintomático e acaba sendo descoberto através de exames radiográficos realizados por outras razões. A ausência de sintomatologia também permite que o CR atinja grandes proporções levando ao comprometimento de estruturas anatômicas adjacentes, agravamento do quadro clínico e aumento da complexidade do tratamento. Quando a expansão da cavidade cística rompe a cortical óssea, o conteúdo líquido ou pastoso é extravasado por meio de uma fístula, como ocorreu no caso aqui reportado. CRs em dentes incisivos superiores costumam fistular na região anterior de maxila devido à menor densidade óssea nesta região.

Embora algumas lesões císticas sejam tratadas conservadoramente com terapia endodôntica, a realização de descompressão4,10, enucleação ou marsupialização da lesão são necessárias na maioria dos casos. A abordagem cirúrgica leva à diminuição da pressão da lesão facilitando a deposição de osso na sua periferia, o que resulta em diminuição progressiva das dimensões da cavidade cística.3 Tal situação permite a realização de um procedimento de enucleação menos invasivo posteriormente.

Investigações6,7,12 relatam que a localização mais comum dos cistos radiculares é a região anterior da maxila. Segundo Ochsenius et al.12, os pacientes conservam esses dentes por fatores estéticos e, portanto, são mais propensos a processos inflamatórios crônicos na ausência de tratamento endodôntico adequado.

Radiograficamente, o cisto radicular caracteriza-se como uma lesão radiolúcida unilocular com bordas corticalizadas bem definidas e lúmen uniforme. Ele envolve o ápice do dente envolvido e possui diâmetro superior a 20mm, podendo causar reabsorção e deslocamento das raízes dos dentes adjacentes e perfuração da cortical óssea.

Para cistos radiculares pequenos, a radiografia convencional é uma modalidade de imagem adequada. Entretanto, quando as lesões assumem grandes dimensões, a indicação da TCFC é muito clara. Este exame constitui-se em uma ferramenta muito útil na delimitação das afecções, particularmente daquelas com extensão para a cavidade nasal, seio maxilar, órbita ou espaço pterigomaxilar. Além disso, auxilia na avaliação da reparação óssea após marsupialização do cisto.

A TCFC é uma tecnologia recente que propicia uma avaliação detalhada e tridimensional das estruturas ósseas da região de cabeça e pescoço a partir feixe de raios X cônico divergente. Ela proporciona imagens diagnósticas de boa resolução com dose de radiação relativamente baixa quanto comparada à Tomografia Computadorizada convencional.14 A TCFC tem sido amplamente utilizada na Odontologia, pois produz imagens com grande acurácia e confiabilidade das medidas lineares15, principalmente nos campos da Implantodontia e planejamento pré-cirúrgico. Ademais, a TCFC também possui inegável potencial no diagnóstico de lesões intraósseas, como é o caso do CR.

A TCFC tem sido proposta como método efetivo pré-operatório não cirúrgico e mais acurado do que a análise histopatológica para a diferenciação de uma lesão cística periapical16, o que não foi confirmado por outro estudo17 que o aponta como auxiliar à biópsia e à avaliação histológica na diferenciação das lesões radiolúcidas do periápice. Apesar da TCFC ser uma ótima tecnologia e apresentar numerosas vantagens, seu emprego é interessante para a verificação da densidade, relação com as estruturas adjacentes e delimitação precisa de lesões ósseas porém ela não substitui o exame microscópico da peça cirúrgica. Além disso, o valor-diagnóstico deve ser sempre levado em conta na indicação da TCFC. Embora a sua dose de radiação seja relativamente baixa, é imperativo seguir os preceitos da ALARA (as low as reasonaby achievable) ao prescrever um exame que empregue raios X.

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico correto do cisto radicular é essencial para o seu tratamento sendo recomendado o acompanhamento clínico e radiográfico dos pacientes em intervalos de 6 meses durante, pelo menos, 5 anos, quando recorrência é mais provável de ocorrer. A TCFC é um instrumento de diagnóstico adjuvante importante em lesões que assumem grandes dimensões e é um meio auxiliar no diagnóstico e no planejamento pré-cirúrgico. Outrossim, destacamos que qualquer tipo de exame imaginológico é complementar e não substitui tampouco supera o exame clínico completo. Assim, o diagnóstico do CR se dá pelo somatório da anamnese, exame físico e exames complementares, que devem ser realizados criteriosamente.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Kellen Cristine Tjioe - Departamento de Estomatologia
FOB/USP
Rua Senador Dantas, 493
Centro - Mogi das Cruzes - SP
Brasil

e-mail:
kellentjioe@gmail.com

 

Recebido: jul/2015
Aceito: out/2015