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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.2 Sao Paulo Abr./Jun. 2015

 

Excelência na Odontologia

 

Como as pesquisas de excelência na Odontologia Legal podem contribuir para a prática clínica?

 

How the research excellence in Forensic Dentistry can contribute for clinical practice?

 

Cléa Adas Saliba GarbinI; Isabella de Andrade DiasII; Tânia Adas Saliba RovidaIII

 

I Bolsista de produtividade 2 em Pesquisa CNPq; Professora titular de Odontologia Legal e Bioética; Vice–coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - FOA-Unesp
II Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - FOA-Unesp
III Professora assistente do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - FOA-Unesp

 

A Odontologia Legal teve seu primeiro marco em 1898, com a publicação da obra "L´art dentaire em Médicine Legal" de autoria do eminente Professor Oscar Amoedo e fomentou a nova disciplina, estabelecendo a ligação entre a Ciência Odontológica e o Direito, contribuindo com a aplicação dos seus conhecimentos à justiça e à prática clínica. A partir desse fato, vários acontecimentos contribuíram para que a ciência se firmasse e pudesse desenvolver a sua importância na identificação e auxilio a justiça. De acordo com Daruge et al1, "a Odontologia Legal é um conjunto de conhecimentos odontológicos técnicos, científicos, éticos e jurídicos aplicados na resolução de problemas de natureza cível, criminal, administrativa e trabalhista". Atualmente, é considerada um atraente e promissor ramo da área odontológica, desempenhando importante papel na formação do Cirurgião-Dentista. Essa disciplina contribui na prática clínica, principalmente com seus preceitos éticos e de Responsabilidade Profissional, identificação de lesões do complexo bucomaxilofacial, infortunística e violência.2

Ética e responsabilidade profissional

A ética e a responsabilidade referem-se à maneira pela qual o profissional se conduz no desempenho de suas funções, obedecendo aos princípios que regem a moral, o respeito, o conhecimento, o sigilo profissional, o relacionamento e a caridade humana. As pesquisas desse tema solidificam o comportamento que o Cirurgião-Dentista deve adotar em face aos deveres e obrigações assumidas no atendimento.3

A relação profissional/paciente envolve, fundamentalmente, três aspectos significativos: a conduta clínica, os aspectos éticos e os parâmetros legais. A preocupação com os aspectos legais tornou-se um assunto relevante a ser evidenciado, devido à ocorrência de um processo de modificação do comportamento social, que reflete na prática da cidadania. Uma das principais evidências é a que a população passou a ter acesso ao Código de Defesa do Consumidor, adotado em nosso país com a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1994.4 Os principais reflexos legais relacionados à responsabilidade civil estão documentados no Novo Código Civil Brasileiro5, de maneira objetiva, nos seus artigos: "Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e o "Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Já a atuação do Cirurgião-Dentista é regulada, em esfera administrativa, pelo Código de Ética Odontológico6 do Conselho Federal de Odontologia, que dá ênfase especial ao relacionamento profissional/paciente. Apesar de pertencer a uma esfera administrativa, o Código de Ética Odontológico reflete, ao ditar as normas de conduta do profissional de Odontologia, abordagens legais. Esses três instrumentos procuram auxiliar no estabelecimento de uma relação profissional/ paciente baseada em direitos e deveres, para que os objetivos do tratamento odontológico sejam atingidos e preservados.

Por último, os trabalhos realizados sobre ética profissional trazem o aprendizado de trabalhar com honestidade de propósito, sempre esclarecendo o paciente quanto ao plano de tratamento e fornecendo noções das técnicas a serem empregadas, sem qualquer tipo de discriminação às condições do paciente.7,8 Dentro do curso de pós-graduação em Odontologia Preventiva e Social, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foram produzidos vários artigos científicos referentes a esta linha de pesquisa "Bioética e Saúde Coletiva", onde aborda-se a ética dos profissionais com pacientes vulneráveis, como portadores de HIV, hepatite, hanseníase, violentados, entre outros.

Documentação Odontológica

Dentre todas as normas éticas e legais que norteiam os profissionais, existem as que dizem respeito à elaboração de receitas, atestados, fichas clínicas para demonstrar a necessidade de cuidado com a documentação.9 A expectativa nos trabalhos desenvolvidos nessa área é salientar que o prontuário odontológico é um documento imprescindível, por ter finalidade clínica, administrativa e legal. Em qualquer prática clínica, o prontuário norteia o profissional do histórico, diagnóstico e tratamento do paciente. Na emissão de atestados e declarações, o Cirurgião-Dentista deve atentar-se para qual finalidade está emitindo aquele documento com a correta especificação do motivo, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) e o armazenamento de uma cópia de qualquer documento que formular.10,11

No que diz respeito aos exames complementares, a importância de arquivar exames de laboratório e radiografias utilizadas, devidamente rotuladas e identificadas, junto ao prontuário do paciente, resguarda o profissional, caso outros procedimentos clínicos sejam realizados na mesma região bucal ou seus trabalhos refeitos por outro Cirurgião-Dentista; as películas radiográficas podem nortear o esclarecimento da maioria das questões clínicas e legais. Nunca é demais ressaltar a necessidade de um bom arquivamento dos prontuários, de modo a assegurar qualidade de tratamentos. Pesquisas atuais, nacionais e internacionais, constatam o auxilio da documentação na prevenção de processos jurídicos e identificação post-mortem.

O profissional instruído e atualizado a realizar seus trabalhos com êxito e que estiver devidamente documentado para provar seus feitos, não terá problemas com ações legais, alcançando assim plena realização profissional.12

Identificação das lesões do Complexo Maxilomandibular

A preocupação com a identificação das lesões e seus aspectos periciais aumentou nas últimas décadas devido ao grande número de vítimas de violência e de acidentes de trabalho. Na prática odontológica a violência física, de um modo geral, é o tipo que pode ser mais frequentemente diagnosticado, e muitas dessas agressões podem ser observadas na região de cabeça e pescoço. Porém, há alterações nos padrões das lesões devido à força de impacto e aos diferentes tipos de estruturas envolvidas na produção dessas lesões.13,14

É comum que os ferimentos sediados na cabeça e pescoço deixem sequelas e essas, podem ser funcionais ou estéticas. Portanto, uma correta avaliação consiste não só em diagnósticos e procedimentos reabilitadores convenientes, mas também como respaldo para um possível processo penal. A atualização de evidências científicas de fins odontolegais demonstra a identificação, avaliação e quantificação do dano, como exames específicos para verificação da relação causal das lesões apresentadas pelo paciente e sua etiologia.

Apesar de ninguém ser obrigado a submeter-se a avaliação pericial, senão por força da lei, a notificação da violência pelos profissionais de saúde é obrigatória caso identifique-a ou até mesmo suspeite-a. Os trabalhos científicos que trazem a tona essa questão, sua obrigatoriedade e fluxo estão fazendo um excelente papel na prevenção e manutenção da saúde.14

A difusão por meio de pesquisas de que a notificação é obrigatória constitui-se num instrumento fundamental para o conhecimento do perfil da violência, possibilitando a realização de ações coletivas. Mostrando, não somente, o benefício aos casos singulares, como também, sendo um meio de controle epidemiológico.

O desafio dos pesquisadores está em consolidar o reconhecimento da violência como um tema interdisciplinar, onde a notificação transforma-se num passo primordial e numa estratégia eficiente de organização, possibilitando construir uma rede para o seu controle a partir do âmbito municipal ou estadual, em comunicação com outros órgãos.14

A pesquisa odontolegal constitui num grande diferencial para o enfrentamento da violência, pois, se adequadamente compreendida, tem impacto na defesa e na segurança dos cidadãos. O comprometimento e envolvimento dos Cirurgiões-Dentistas com a avaliação odontolegal na prática clínica fomenta e dá sustentação ao processo como um todo, bem como pode propiciar as vítimas um respaldo adequado.

A Odontologia Legal, ao modo em que aprofunda a sua produção no campo científico e tecnológico, tem o objetivo de aprimorar a relação profissional/paciente, observando seus reflexos éticos e legais.

 

REFERÊNCIAS

1. Daruge E, Chaim LAF, Gonçalves RJ. Criança maltratada e a odontologia – conduta, percepção e perspectivas – uma visão crítica; 2000. [Acesso em 27 mar 2015]. Disponível em: www.odontologia.com.br

2. Vanrell JP. Odontologia Legal & Antropologia Forense. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002.         [ Links ]

3. Puppin AAC, Paiano GA, Piazza JL, Tottiani MA. Ético versus legal: implicações na prática clínica. Rev ABO Nac. 2000; 8(1):38-41.

4. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumi dor e dá outras providências. [Acesso em 22 de mar 2015]. Disponível em: http:// www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8078-11-setembro-1990-365086-normapl. html

5. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: [Acesso em 22 de maio 2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm

6. Conselho Federal de Odontologia. Resolução CFO n° 42 de 20 de maio de 2010 . Dispõe sobre o Código de Ética dos profissionais da Odontologia. [Acesso em 15 de abril 2015]. Disponível em: http://www.cfo.org.br/download/pdf/codigo_etica.

7. Galvão RCD, Silva LMM, Matos FR, Santos BRM, Galvão HC, Freitas RA. A importância da bioética na odontologia do século XXI. Odontol. Clín. Cient, 2010; 9(1): 13-18.

8. Oliveira FT, Flavio DA, Marengo MO, Silva RH A Bioética e Humanização na fase final da vida: visão de médicos. Revista Bioética, 2011; 19 (2): 247-258.

9. Benedicto E, Lages I, Fortes O, Alves SR, Paranhos I. A importância da correta elaboração do prontuário odontológico – Rev. Odonto, 2010; 18 (36): 41-58.

10. Calvielli ITP. Responsabilidade profissional do cirurgião-dentista. In: Silva M, coordena dor. Compêndio de odon¬tologia legal. São Paulo: MEDSI; 1997; p.399-411.

11. Saliba CAS, Moimaz SAS, Saliba NA, Soares AA. A utilização de fichas clínicas e sua importância na clínica odontológica. Rev Assoc Paul Cir Dent. 1997; 51: 440-5.

12. Santos KT, Garbin CAS, Pacheco Filho AC. The importance of a good relationship between patient/dentist based on the obtaining of an informed consenr to prevent lawsuits. Rev Odont Mexicana, 2011; 3 (15): 27-30.

13. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência doméstica, sexual e outras violências. Brasília: MS; 2011

14. Queiroz APDG, Garbin CAS. A violência contra criança e a notificação pelos profissionais de saúde. Polêmica, 2011; 10: 1-4.