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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.2 Sao Paulo Abr./Jun. 2015

 

Relato de caso clínico

Desafios na reconstrução mandibular devido a lesões extensas ou traumatismos

 

Challenges in mandibular reconstruction due to extensive injuries or trauma

 

Claudio Ferreira NóiaI; Rafael Ortega-LopesII; Henrique Duque de Miranda Chaves NettoIII; Frederico Felipe A. O. NascimentoIV; Bruno Costa Martins de SáV; Paulo Hemerson de MoraesVI

 

I Doutor em CTBMF pela Unicamp – Professor da Uniararas/SP e Ciodonto/RO
II Doutor em CTBMF pela Unicamp – Coordenador do curso de aperfeiçoamento em Implantodontia da APCD Piracicaba
III Doutor em CTBMF pela Unicamp – Professor de Cirurgia Maxilofacial da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG)

IV Doutor em CTBMF pela Unicamp – Preceptor do programa de Treinamento e Residência em CTBMF do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF)
V Mestre em Implantodontia pelo ILAPEO – Professor do Ciodonto/RO
VI
Doutor em CTBMF pela Unicamp

Autor para correspondência

 

 


 

RESUMO

A perda de grande parte do osso mandibular, seja devido à necessidade de ressecção óssea ou por outros fatores como a ocorrência de traumatismos, afeta diretamente a vida dos pacientes. Mesmo com a melhoria contínua dos materiais, surgimento de novas tecnologias e técnicas cirúrgicas, o tratamento dessas grandes lesões e perdas ósseas permanece como grande desafio ao cirurgião. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi relatar dois casos clínicos de pacientes, sendo um de fibroma ossificante central de mandíbula que foi submetido à ressecção mandibular e tratado através da colocação de uma placa de reconstrução do sistema 2.4 mm. O segundo caso envolveu perda de substancia devido a paciente ter sido vitima de ferimento por arma de fogo (FAF), evoluindo com fratura do sistema de fixação colocado na primeira cirurgia. Em segundo momento cirúrgico a paciente foi submetida à reconstrução óssea do defeito, associado à colocação de nova fixação. Deste modo, podemos afirmar que os procedimentos reconstrutivos são importantes instrumentos para tratamento dos pacientes.

Descritores: fibroma ossificante; ferimentos por arma de fogo; transplante ósseo; cirurgia bucal


ABSTRACT

The loss of much of the mandibular bone, is due to the need for bone resection or by other factors such as the occurrence of injuries, directly affects the lives of patients. Even with the continuous improvement of materials, development of new technologies and surgical techniques, treatment of these large lesions and bone loss is still a major challenge for the surgeon. In this sense, the objective of this study was to report two clinical cases of patients, a central ossifying fibroma of the mandible who underwent mandibular resection and treated by placement of a reconstruction plate system 2.4mm. The second case involved loss of substance because the patient has been the victim of injury by firearms (FAF), evolving with fracture fixation system placed in the first surgery. In the second surgical time the patient underwent bone reconstruction of the defect associated with the placement of new fixation. Thus, we can say that reconstructive procedures are important tools for treatment of patients.

Descriptors: fibroma, ossifying; wounds, gunshot; bone transplantation; surgery, oral


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Atualmente, os avanços tecnológicos têm possibilitado muitos tratamentos rápidos e previsíveis aos pacientes. No entanto, os casos que envolvem lesões extensas e perdas ósseas significativas continuam representando uma entidade a parte, que desafia cirurgiões e amedronta pacientes. Sendo assim, é importante relatar alternativas de tratamentos que possam ser aplicadas a estes casos, bem como as peculiaridades de realização.

 

INTRODUÇÃO

A mandíbula é um osso chave no esqueleto facial, que possibilita a função orofaríngea e determina grande parte da feição da face. Este osso é frequentemente acometido por lesões benignas agressivas e também malignas, que muitas vezes requerem a ressecção como forma de tratamento, trazendo assim, prejuízos funcionais, estéticos e psicológicos aos pacientes. Além disso, ferimentos resultantes de traumatismos como os ferimentos por arma de fogo também possuem um alto poder de destruição óssea, podendo causar extensos defeitos mandibulares.1-3

Em suma, destruições mandibulares podem ser resultados de tumores, cistos, infecções, trauma e irradiação, e mesmo com a melhoria contínua dos materiais, surgimento de novas tecnologias e técnicas cirúrgicas, o tratamento dessas grandes lesões e perdas ósseas permanece como grande desafio ao cirurgião nos dias atuais.4-6

O fibroma ossificante central é um tumor benigno designado como sendo uma lesão fibro-óssea. Esta lesão se desenvolve quando a arquitetura óssea normal é substituída por tecido fibroso contendo quantidades variáveis de tecido mineralizados. Nos casos de lesões extensas e com grande comprometimento da estrutura óssea, seu tratamento constitui-se em ressecção do tecido ósseo envolvido.3-5,7

A literatura mostra várias opções de materiais que podem ser utilizados nestes tratamentos. Estes incluem o uso de materiais não biológicos que são produzidos em laboratório (enxertos aloplásticos e materiais de fixação) e materiais biológicos, que podem ser obtidos a partir de outras espécies animais (xenoenxertos) ou da mesma espécie (homoenxertos) que o destinatário. Enxertos do mesmo indivíduo (autógenos) podem ser vascularizados ou não-vascularizados, e são mais popularmente empregados do que as outras opções disponíveis. 1,5 A grande vantagem dos enxertos autógenos em relação às demais modalidades está no fato deste apresentar as propriedades ideais de neoformação óssea. No entanto, a morbidade é sua principal desvantagem.4,8

Nos últimos anos, uma opção que tem ganhado força é a utilização da proteína óssea recombinante humana (rhBMP-2). Estudos recentes têm demonstrado bons resultados quando da utilização deste material, no entanto, seu alto custo é um fator que inviabiliza diretamente a sua utilização na grande maioria dos casos.9-13

Vale ressaltar que reconstrução mandibular através da utilização de sistemas de fixação (placas e parafusos) são as opções disponíveis para o tratamento das ressecções e defeitos mandibulares na atualidade. Através da utilização desses sistemas é possível estabilizar os segmentos osteotomizados, dando maior conforto aos pacientes. Entretanto, sempre que possível, recomenda-se a realização de enxertos ósseos associados à colocação dos sistemas de fixações, pois desta forma é possível devolver uma estrutura óssea ao paciente, proporcionando um resultado mais próximo do osso natural que ele apresentava anteriormente.1,5,7,11

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi relatar casos clínicos de pacientes que foram submetidos à ressecção mandibular e a reconstrução com enxerto ósseo autógeno, demonstrando as peculiaridades deste tipo de tratamento.

 

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente N.E.O., gênero feminino, 50 anos de idade, procurou a área de Cirurgia Bucomaxilofacial queixando-se de aumento volumétrico na região anterior da mandíbula. Os exames clínicos e de imagens revelaram expansão óssea na região e lesão radiolúcida estendendo-se até a área de corpo mandibular bilateral (Figuras 1 e 2). A paciente foi submetida à realização de biópsia, cujo resultado revelou a presença de fibroma ossificante central de mandíbula.

O plano de tratamento proposto foi à ressecção mandibular com simultânea adaptação de placa de reconstrução do sistema 2.4mm, através de acesso intraoral e anestesia geral.

Visando otimizar os resultados e o tempo cirúrgico, foi realizada prototipagem mandibular para dobradura e adaptação da placa de reconstrução (Figura 3).

O procedimento cirúrgico foi iniciado com o acesso intraoral expondo o tecido ósseo mandibular, seguido de desgaste parcial da lesão para adaptação da placa de reconstrução e marcação da região dos parafusos (conforme foi realizado no protótipo).

Dando sequência ao procedimento cirúrgico foi realizada ressecção do segmento ósseo e a fixação da placa de reconstrução de acordo com as perfurações anteriormente realizadas (Figuras 4 e 5). Em seguida, as feridas cirúrgicas foram fechadas por meio de sutura com vicryl 4-0.

No pós-operatório imediato a paciente foi submetida à realização de tomografia computadorizada para verificação dos resultados cirúrgicos (Figura 6).

A paciente foi acompanhada semanalmente no pós-operatório e após 30 dias pode-se verificar a melhora do aspecto facial, com eliminação do aumento volumétrico da região anterior da mandíbula (Figuras 7 e 8).

Atualmente a paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial a cada seis meses e evolui sem intercorrências.

Caso 2

Paciente J.S., gênero feminino, 26 anos de idade, procurou a área de Cirurgia Bucomaxilofacial queixando-se de desvio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

mandibular em abertura bucal. De acordo com a paciente, a mesma foi vitima de ferimento por arma de fogo (FAF) há aproximadamente cinco anos atrás, sendo tratada com a colocação de uma placa de reconstrução, e que durante tentativa de remoção de um elemento dentário a placa veio a fraturar.

O exame clínico e radiográfico atual revelou ausência de continuidade óssea na região de ângulo mandibular direito, presença de placa de reconstrução fraturada na região, desvio mandibular à direita quando em abertura bucal e alteração do contorno mandibular em vista facial ínferossuperior (Figuras 09, 10 e 11).

O plano de tratamento proposto foi à realização de procedimento cirúrgico para remoção da placa fraturada, adaptação de nova placa de reconstrução e colocação de enxerto ósseo obtido de crista ilíaca.

O procedimento cirúrgico foi iniciado com o acesso a região submandibular e exposição da placa fraturada (Figura 12). Em seguida a placa foi removida e o leito preparado para receber a nova placa de fixação, bem como o enxerto ósseo (Figura 13).

Na sequência, o bloco obtido da crista ilíaca foi dividido em blocos menores e adaptados à região do defeito ósseo em conjunto com a placa de reconstrução. Além disso, procurando dar mais estabilidade aos blocos de enxertos, foi colocada na região superior uma placa do sistema 2.0mm (Figura 14).

O procedimento cirúrgico foi finalizado através de sutura por planos com vicryl 4-0 e na pele com nylon 5-0.

A paciente foi acompanhada semanalmente no ambulatório e com 60 dias foi submetida a exame de imagem onde se pode observar o resultado alcançado com a reconstrução (Figura 15). Clinicamente, o desvio mandibular apresentado pela paciente foi corrigido e a oclusão estabilizada (Figura 16). Atualmente a paciente recebeu alta da especialidade e foi orientada a buscar reabilitação protética para seu caso.

 

DISCUSSÃO

A perda de grande parte do osso mandibular devido à necessidade de ressecção causada por lesões, ou por traumatismos, afeta diretamente a vida dos pacientes. Esses pacientes são prejudicados também do ponto de vista psicológico e necessitam frequentemente de tratamentos especializados neste campo.13-15

Embora as técnicas reconstrutivas resultem costumeiramente em melhora significativa para os pacientes, desvantagens consideráveis ainda permanecem, incluindo limitação na quantidade de ganho ósseo, reabsorção do enxerto, morbidade associada ao leito doador, além de infecções que podem levar a perda parcial ou total do enxerto2,4,6,16, sendo que a reabilitação total do caso nem sempre é alcançada.

Seguramente, os melhores e mais previsíveis resultados clínicos em se tratando de reconstrução de grandes defeitos ósseos são obtidos quando da utilização do enxerto autógeno. No entanto, a necessidade de abordar duas áreas cirúrgicas e a necessidade de obtenção de grandes quantidades ósseas, bem como os riscos de complicações relacionados com a área doadora, são fatores que dificultam a sua utilização e evidenciam a necessidade de uma alternativa que apresente as propriedades ideais de neoformação óssea, contudo sem a necessidade de uma área doadora do próprio paciente.1,4-5,7,17

No presente artigo um dos casos apresentados foi reconstruído com a utilização de osso autógeno, sendo o mesmo obtido a partir da crista ilíaca anterior. A utilização de material autógeno para tratamento deste tipo de defeito é reportada na literatura com segurança e previsibilidade.1,4-5,7,17

No outro caso clínico apresentado, devido a grande extensão da lesão (aproximadamente 10 cm) optou-se pela manutenção do contorno mandibular através da colocação da placa de reconstrução. No entanto, sabe-se que a reconstrução óssea seria o tratamento ideal, mas que por motivos estruturais e financeiros não pode ser realizada. Para este caso, atualmente acreditamos que o uso da rhBMP-2 é a opção ideal, mas seu alto custo tem inviabilizado a resolutividade completa do caso.

É importante ressaltar que o tratamento realizado foi suficiente para eliminar o fibroma ossificante central da mandíbula, sendo que no futuro a mesma tem possibilidade de realizar tal procedimento reconstrutivo.

 

CONCLUSÃO

Os procedimentos reconstrutivos mostraram-se opções viáveis para o tratamento dos pacientes, possibilitando um convívio normal dos mesmos em sociedade.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A instituição de tratamentos adequados para os casos de lesões extensas e defeitos mandibulares grandes é de suma importância para melhora do quadro clínico dos pacientes, sendo fundamental o diagnóstico, tratamento e condução do caso.

 

REFERÊNCIAS

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Autor para correspondência:
Claudio Ferreira Nóia - UniAraras
Av. Dr. Maximiliano Baruto, 500
Jd. Universitário - Araras - SP
13607-339

e-mail:
claudionoia@uniararas.br
e-mail: claudioferreira2004@yahoo.com.br

 

Recebido: fev/2015
Aceito: abr/2015