SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.69 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.2 Sao Paulo Abr./Jun. 2015

 

Relato de caso clínico

Plasmocitoma solitário do osso: relato e discussão de um caso de acometimento incomum

 

Solitary plasmacytoma of the bone: report and discussion of a case of involvement unusual

 

Priscilla Suassuna Carneiro LúcioI; Tony Santos PeixotoII; Cassiano Francisco Weege NonakaIII; Pollianna Muniz AlvesIV; Gustavo Pina GodoyV

 

I Cirurgiã-Dentista - Mestre em Odontologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campina Grande - PB, Brasil
II Mestre - Professor do Departamento de Odontologia da UEPB, Campina Grande - PB, Brasil
III Doutor - Professor do Programa de Pós- Graduação em Odontologia na UEPB, Campina Grande - PB, Brasil

IV Doutora - Professora do Programa de Pós- Graduação em Odontologia na UEPB, Campina Grande - PB, Brasil
V Doutor - Professor do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife - PE, Brasil

Autor para correspondência

 

 


 

RESUMO

Plasmocitoma é uma proliferação clonal e neoplásica de células plasmáticas. Paciente, sexo feminino, 51 anos, sem história de tabagismo e consumo de álcool mostrou leve inflamação e inchaço na gengiva vestibular do dente 48 com mobilidade grau I. Radiograficamente verificou-se a presença de imagem radiolúcida multilocular na região do ângulo mandibular. Durante a cirurgia confirmou-se a presença de uma lesão destacável, friável, contendo líquido acastanhado e purulento em seu interior. A lesão foi totalmente removida em conjunto com o dente 48. Ao exame histopatológico (HE), foi identificada uma neoplasia maligna caracterizada pela proliferação de células plasmocitoides pleomórficas com núcleos intensamente hipercromáticos. Estas células exibiam núcleo basofílico com notável distribuição irregular da cromatina. Para confirmar o diagnóstico procedeu a avaliação imuno-histoquímica, que mostrou positividade para Plasm cell e Lambda e negatividade para Kappa. Com base nestes resultados concluiu-se o diagnóstico de plasmocitoma solitário do osso.

Descritores: plasmocitoma; revisão; osso e ossos; diagnóstico


ABSTRACT

Plasmacytoma is a clonal proliferation and neoplastic of plasma cells. Patient, female, 51 years old, no history of smoking and alcohol consumption showed mild inflammation and swelling in the oral gingiva of the tooth 48 with mobility grade I. Radiographically verified the presence of radiolucent and multilocular image in the region of the mandibular angle. During surgery confirmed the presence of a lesion detachable, friable, browned and containing purulent fluid inside. This lesion was removed fully together with the tooth 48. Histopathology (HE) was identified a malignant neoplasm characterized by proliferation of plasmacytoid cells intensely hyperchromatic and pleomorphic. These cells exhibited large basophilic nucleus with remarkable irregular chromatin distribution. To confirm the diagnosis proceeded immunohistochemistry evaluation which showed positivity for Plasma Cell and Lambda and negativity of Kappa. Based on these findings concluded the diagnosis of plasmacytoma.

Descriptors: plasmacytoma; review; bone and bones; diagnosis


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O artigo é importante ao conhecimento do Cirurgião-Dentista para que o mesmo seja capaz de diagnosticar lesões bucais que podem sinalizar um problema mais sério. Sendo assim, diagnóstico precoce aliado a um tratamento rápido e eficaz reflete melhor prognóstico e sobrevida ao paciente.

 

INTRODUÇÃO

Plasmocitoma é uma proliferação clonal e neoplásica de células linfoides do tipo B, sendo dividido em duas formas localizadas (plasmocitoma solitário do osso-PSO e plasmocitoma extramedular- PE) e uma disseminada (mieloma múltiplo-MM).1-3

Embora a lesão manifeste um padrão de crescimento ósseo localizado ou extraósseo, citologicamente e imunofenotipicamente, ela é idêntica ao mieloma múltiplo, podendo ser, portanto, um possível prenúncio de um problema mais sério.4,5 Dessa forma, a identificação precoce da doença, seu diagnóstico diferencial e a instituição imediata da terapêutica favorecem o aumento da taxa de sobrevida dos pacientes acometidos.6

O plasmocitoma compreende 5% das neoplasias plasmocitárias e acomete mais comumente homens, na proporção 3:1. Embora a idade dos pacientes seja variável, a média ao diagnóstico é de, aproximadamente, 55 anos, sendo raro antes dos 30.1,2,6-8

Uma de suas formas de crescimento localizadas, o PSO é caracterizado pela presença de uma única lesão osteolítica e ausência de achados compatíveis com o MM.1,2,9

A localização preferencial do PSO é a coluna vertebral, seguida do sacro, ilíaco, fêmur, esterno, maxilares e crânio, sendo, portanto, raro em maxila e mandíbula. O tratamento de eleição constitui-se em ressecção cirúrgica, radioterapia ou uma combinação de ambos.9,10

Ainda que o POS tenha um bom prognóstico, acredita-se que 50%-70% dos pacientes acometidos desenvolverão MM em um intervalo de dez anos. Por isso é necessário um acompanhamento a longo prazo.7-9

Posto isso, o objetivo deste estudo foi relatar o caso de um PSO, localizado na mandíbula, enfocando aspectos essenciais na caracterização e identificação desta entidade.

 

RELATO DE CASO

Caso 1

Paciente, leucoderma, sexo feminino, 51 anos, sem histórico de tabagismo e etilismo apresentou-se ao serviço de Diagnóstico Oral com relato de lesão que ao exame intraoral apresentava leve inflamação e aumento de volume na gengiva vestibular do dente 48, o qual também demonstrou mobilidade grau I.

Radiograficamente verificou-se a presença de uma única imagem radiolúcida, multilocular na região de ângulo mandibular, com preservação da basilar óssea (Figura 1).

Nenhuma outra alteração física e hematológica foi constatada nos relatos da ficha clínica da paciente.

No transoperatório, a equipe de cirurgia bucomaxilofacial destacou a presença de uma lesão destacável, friável, contendo líquido acastanhado e purulento em seu interior, a qual foi removida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

por completo, juntamente com o dente 48, seguida de eletrocauterização, limpeza e sutura da ferida cirúrgica.

Ao exame histopatológico por meio da coloração de rotina com hematoxilina/eosina (HE) visualizou-se fragmentos de mucosa oral revestidos por epitélio pavimentoso estratificado; lâmina própria composta de tecido conjuntivo denso associado a um lençol de células plasmocitoides intensamente hipercromáticas e pleomórficas, com alteração da relação núcleo/citoplasma, núcleos hipertróficos, hipercromáticos e com distribuição irregular da cromatina (Figuras 2A e B). Completando o quadro histopatológico, verificou-se também vasos sanguíneos, área de hemorragia intersticial e a presença de corpúsculos de Russel.

Diante de diagnóstico inconclusivo, foi executada imunoistoquímica, obtendo positividade uniforme para plasm cell e Lambda e negatividade para Kappa (Figuras 3A, B e C), quando o diagnóstico de PSO foi estabelecido.

 

DISCUSSÃO

O PSO é uma neoplasia plasmática de acometimento localizado e sem manifestações sistêmicas.10 Ocorre com mais frequência em homens, na proporção 3:1, com idade média de 55 anos e encontra-se preferencialmente nas vértebras e ossos longos.1,2,6,9-11 Diante disso, o presente relato consiste em um caso raro.

Apesar de ser uma doença pouco comum, principalmente na região de cabeça e pescoço, sua ocorrência na cavidade bucal ocorre com maior predileção na região de ângulo e ramo da mandíbula, devido à sua intensa atividade hematopoiética.6,7

O comportamento biológico dos plasmocitomas é variável, de períodos de latência clínica até aqueles com rápido crescimento e progressão das formas localizadas ao MM. O PE tem melhor prognóstico, pois 30% evoluem para MM em comparação com 50-70% em POS. Por causa disso tem-se considerado o POS como uma manifestação precoce do MM.7,9,12

Em um estudo de coorte, Frassica et al.13, acompanhando 46 pacientes com PSO, observaram 54% de evolução para MM, 11% de recorrência local, 2% de desenvolvimento de novas lesões (múltiplos plasmocitomas) na ausência de MM. Posto isso, o paciente com suspeita de PSO deve ter anamnese e exame físico completo.6

A fim de identificar e distinguir o PSO do MM é necessária avaliação imaginológica completa, afastando a presença de outras lesões; biópsia comprovando tumor ósseo solitário com evidência histopatológica de clone de plasmócitos; aspirado e biópsia de medula óssea sem evidências de alteração plasmocitária clonal e ausência de comprometimentos sistêmicos, tais como: anemia, hipercalcemia ou insuficiência renal.6,14

O exame histopatológico deve ser, de preferência, acompanhado por um estudo imunohistoquímico a fim de confirmar o diagnóstico através da positividade de células plasmocitóides ao marcador CD38 e expressão citoplasmática concomitante de cadeias leves kappa ou lambda3 (Barros et al., 2011). Mock et al.15 sugeriram que os casos positivos para cadeia leve lambda são mais imaturos e mais propensos a progredir para MM. Em nosso relato o paciente apresenta a cadeia leve lambda, no entanto não houve nenhuma evidência de progressão para MM, pois outras características sistêmicas não foram encontradas.

Os plasmócitos secretam imunoglobulinas, proteínas importantes ao sistema imunológico. O aumento dessa secreção pelos plasmócitos malignos quando detectada no sangue é denominada de proteína M. A cadeia leve dessa proteína, também conhecida por proteína de Bence-Jones pode ser evidenciada em exames de urina, sendo considerado um indício para o diagnóstico de MM ou evolução para essa condição, uma vez que esse nível seja elevado e mantido no sangue ou urina.9 Portanto, a mesma serve para avaliar o prognóstico da doença.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, o plasmocitoma, apesar de ser uma lesão com crescimento lento, assintomático, pode assumir grandes volumes, tornando difícil seu diagnóstico e tratamento adequado. Quando identificado precocemente, o sucesso do tratamento é geralmente mais elevado e consequentemente há um melhor prognóstico. Daí a importância da conscientização do Cirurgião-Dentista para o diagnóstico precoce e correto encaminhamento, exercendo o Cirurgião-Dentista importante papel na identificação de manifestações bucais com repercussão sistêmica.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

- Informar e auxiliar o Cirurgião-Dentista no diagnóstico diferencial de lesões bucais com características clínicas semelhantes; e

- Capacitar o Cirurgião-Dentista na identificação precoce de alterações bucais com repercussão sistêmica.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio dado pelo Professor Décio dos Santos Pinto Júnior e o Serviço de Patologia Bucal da Universidade de São Paulo (USP) que desenvolveu os testes imuno-histoquímicos aqui apresentados.

 

REFERÊNCIAS

1. Agostini T, Sacco R, Bertolai R, Acocella A, Lazzeri D. Solitary plasmacytoma of the jaw. The Journal of craniofacial surgery 2011;22(6):e2-10.         [ Links ]

2. Baad R, Kapse SC, Rathod N, Sonawane K, Thete SG, Kumar MN. Solitary plasmacytoma of the mandible - a rare entity. Journal of international oral health : JIOH 2013;5(3):97-101.

3. Barros TP, Sevilha FM, Amantea DV, Campolongo GD, Borelli Neto L, Alves N, et al. Plasmacytoma in the Oral Cavity: A Case Report. Int J Odontostomat 2011;5(2):115-8.

4. Dores GM, Landgren O, McGlynn KA, Curtis RE, Linet MS, Devesa SS. Plasmacytoma of bone, extramedullary plasmacytoma, and multiple myeloma: incidence and survival in the United States, 1992-2004. British journal of haematology 2009;144(1):86-94.

5. Marotta S, Di Micco P. Solitary plasmacytoma of the jaw. Journal of blood medicine 2010;1:33-6.

6. Falcão GS, Falcão ML, Farias J. Plasmocitoma ósseo solitário de mandíbula com apresentac¸ão imaginológica incomum: relato de caso clínico. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac 2012;53(1):34-8.

7. Canger EM, Celenk P, Alkan A, Gunhan O. Mandibular involvement of solitary plasmocytoma: a case report. Medicina oral, patologia oral y cirugia bucal 2007;12(1):E7-9.

8. Kamal M, Kaur P, Gupta R, Gupta S, Singh S. Mandibular plasmacytoma of jaw - a case report. Journal of clinical and diagnostic research : JCDR 2014;8(8):ZD20-1.

9. Rodriguez-Caballero B, Sanchez-Santolino S, Garcia-Montesinos-Perea B, Garcia-Reija MF, Gomez-Roman J, Saiz-Bustillo R. Mandibular solitary plasmocytoma of the jaw: a case report. Medicina oral, patologia oral y cirugia bucal 2011;16(5):e647-50.

10. Sharma ASVSN. Solitary Plasmacytoma of Mandible: A rare case report. Int J Med and Dent Sci 2012;1:28-32.

11. Rao K, Priya NS, Umadevi HS, Smitha T, Reshma V, Grace Shebha A. Solitary Bone Plasmacytoma of the maxilla- A rare case report. Int J Clin Dent Science (IJCDS) 2011;2(1):37- 40.

12. Pisano JJ, Coupland R, Chen SY, Miller AS. Plasmacytoma of the oral cavity and jaws: a clinicopathologic study of 13 cases. Oral surgery, oral medicine, oral pathology, oral radiology, and endodontics 1997;83(2):265-71.

13. Frassica DA, Frassica FJ, Schray MF, Sim FH, Kyle RA. Solitary plasmacytoma of bone: Mayo Clinic experience. International journal of radiation oncology, biology, physics 1989;16(1):43-8.

14. Usha RGS, Jai Prakash; Prachi Kumar; Gopal Nath; S.C. God. Clinico-immunologic Study of Plasmacytoma. Indian J Allergy Asthma Immunol 2003;17(2):71-5.

15. Mock PM, Neal GD, Aufdemorte TB. Immunoperoxidase characterization of extramedullary plasmacytoma of the head and neck. Head & neck surgery 1987;9(6):356-61.

 

 

Autor para correspondência:
Gustavo Pina Godoy
Universidade Federal de Pernambuco - Departamento de Patologia
Rua dos Engenheiros, S/N
Cidade Universitária - Recife – PE
50670-901
Brasil

e-mail:
gruiga@hotmail.com

 

Recebido: abr/2015
Aceito: mai/2015