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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2016

 

Relato de caso clínico

 

Hemangioma: descrição de um caso clínico e sua importância no diagnóstico diferencial

 

Hemangioma: description of a clinical case and the importance in the differential diagnosis

 

 

Karla Mayra Pinto e Carvalho RezendeI; Fernanda Nahás Pires CorrêaII; José Paulo Nahás Pires CorrêaIII; Marcelo BöneckerIV; Maria Salete Nahás Pires CorrêaV

 

I Doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) - Professora de pós-graduação em Odontopediatria da São Leopoldo Mandic
II Doutorado - Professora de Odontopediatria da Faculdade São Leopoldo Mandic
III Especialista – Cirurgião-Dentista
IV Livre-docente - Professor titular da disciplina de Odontopediatria da Fousp
V Livre-docente - Professora sênior da disciplina de Odontopediatria da Fousp

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O hemangioma infantil é um tumor vascular benigno que ocorre devido a uma proliferação anormal dos vasos sanguíneos. O quadro clínico apresenta três fases bem definidas: proliferativa, involutiva e involuída. O diagnóstico é realizado basicamente por meio da anamnese e do exame físico, e quando necessário preconiza-se avaliação histopatológica. O presente trabalho, descreve um caso clínico de um hemangioma presente em um bebê de 3 meses de idade que foi, de principio, diagnosticado como mucocele ou fibroma. A cirurgia excisional foi realizada e o material encaminhado para análise histopatológica, confirmando o diagnóstico de hemangioma. Nessas situações, vale ressaltar a importância do diagnostico diferencial, manobra cirúrgica adequada e a avaliação das características clínicas da lesão para evitar possíveis complicações cirurgicas.

Descritores: hemangioma; neoplasia benigna; cirurgia; odontopediatria.


 

ABSTRACT

The infantile hemangioma is a benign vascular tumor which occurs due to an abnormal proliferation of blood vessels. The clinical features three well-defined phases: proliferative, involution, and involuted. The diagnosis is made primarily by clinical history and physical examination, but when necessary, help to close the histopathological diagnosis. This paper describes a clinical case of a gift hemangioma in a baby three months old who was, in principle, diagnosed as mucocele or fibroma. The excisional surgery was performed and material sent for histopathological confirmation hemangioma. It is worth emphasizing the importance of differential diagnosis, appropriate surgical maneuver, assessment of clinical characteristics of the lesion to prevent potential surgical complications possible.

Descriptors: hemangioma; benign neoplasia; surgery; pediatric dentistry.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Relatar a importância do diagnóstico diferencial do hemangioma para estabelecer o melhor tratamento e consequentemente, promover a qualidade de vida da criança e da família.

 

INTRODUÇÃO

As neoplasias bucais, sejam de características benignas ou malignas, compõem um grupo de lesões importantes, por apresentarem uma evolução e frequência característica. Dentre as neoplasias que acometem as crianças na primeira infância, há o hemangioma. O hemangioma é um tumor benigno de origem vascular com incidência entre 5 a 10% em recém-nascidos.1,2 Isso porque esse tumor, normalmente, se forma ainda na fase embrionária do desenvolvimento da criança, sendo uma lesão ativa nos primeiros meses de desenvolvimento, depois tende a estacionar, regredir ou até desaparecer. A frequência exata da presença dessa lesão ao nascimento não tem sido bem estudada, porque a idade média de apresentação para um especialista para avaliação clínica varia de 3 a 5 meses de idade.3

É uma lesão assintomática e pode se localizar nos lábios, língua, mucosa jugal e palato, com predileção no gênero feminino (3:1).4-6

O mecanismo preciso do crescimento e involução desse tumor ainda não está totalmente compreendido. Pesquisas recentes indicam que há um misto de fatores como: influência de alterações genéticas, idade da mãe avançada, criança prematura e/ou baixo peso ao nascer, papel dos receptores hormonais, balanço entre fatores pró e anti-angiogênicos e a influência do suprimento nervoso autonômico e, proliferação de células-tronco (precursoras de células endoteliais), que liberam citocinas como fator de crescimento de fibroblastos e fator de crescimento endotelial durante a angiogênese.4-8

Clinicamente esse tumor pode ser plano ou elevado, com superfície lisa ou nodular e com tamanhos variados.3,5

Histologicamente é observada proliferação anormal de células endoteliais que se iniciam como brotos endoteliais sólidos e evoluem na formação de capilares ou espaços maiores que são denominados de cavernoso. De acordo com o envolvimento do tecido, ocasiona deformação na área afetada. É através das suas características histológicas que os hemangiomas são classificados. Quando o hemangioma existe desde o nascimento (congênito) ou aparece no primeiro mês de vida, é classificado como capilar e apresenta lesão bem definida na face. Os cavernosos são aqueles que a lesão é menos circunscrita, maior, mais profundos nos tecidos e não costumam regredir.1,3

A conduta terapêutica deve ser individualizada e criteriosa. Os hemangiomas de origem congênita frequentemente involuem espontaneamente, portanto é recomendado aguardar até os 8 ou 10 anos de idade.5,7 Se após esta idade a lesão ainda estiver presente, pode-se levar em consideração o tratamento cirúrgico. Técnicas como uso da crioterapia, agentes esclerosantes (principalmente se a lesão for extensa) laser, uso de corticoides, e excisão cirúrgica podem ser alternativas de tratamento dessas lesões. Geralmente, quando o tratamento correto for instituído não há recidiva do tumor ou malignização.6

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso clínico de hemangioma em um bebê de 3 meses de idade e discutir a importância do diagnóstico diferencial para uma intervenção segura e cautelosa diante dessa patologia.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

R. M, 3 meses de vida, gênero masculino, filho único, sem alteração sistêmica, foi trazido ao consultório por seus responsáveis com a seguinte queixa: presença de uma bolha de coloração avermelhada no lábio inferior.

A mãe relatou que a lesão não impedia a amamentação, mas ela se incomodada com a aparência da mesma.

Clinicamente, a lesão localizava-se no lábio inferior e apresentava uma elevação circunscrita, superfície lisa, coloração avermelhada e consistência borrachoide (Figura 1).

Após exame clínico, o paciente foi encaminhado para um Semiologista, que diagnosticou a lesão como mucocele e requisitou a remoção cirúrgica.

Para tanto, foi realizada a anestesia infiltrativa à distância e a excisão cirúrgica com margem de segurança (Figuras 2 à 4). O material foi encaminhado para o serviço de patologia bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo para avaliação histopatológica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Análise histopatológica

A análise histopatológica do material mostrou um epitélio pavimentoso estratificado com áreas de acantose e exocitose. A lâmina própria apresentou tecido conjuntivo denso com agregados lobulares com inúmeras células endoteliais, infiltrado inflamatório monoclear, áreas de tecidos musculares e glandulares, e várias áreas hemorrágicas, caracterizando um hemangioma (Figuras 5 e 6).

 

DISCUSSÃO

As lesões bucais podem se apresentar como planas, com tamanho e forma variadas, elevação da superfície, ulcerações e coloração avermelhada ou azulada. Sendo assim, anomalias vasculares da cabeça e pescoço são lesões de difícil diagnóstico, e por sua vez, podem gerar tratamentos inadequados.2

O diagnóstico diferencial do hemangioma inclui cistos, mucoceles, fibroma, granuloma piogênico, granuloma periférico de células gigantes, hiperplasia gengival (epulis) e sarcoma de Kaposi.1,6,11 Portanto, é imprescindível juntar as características clínicas com outras manobras, como a diascopia ou vitropressão para obtenção de um diagnóstico preciso. Esta é uma manobra clínica simples, eficaz e consiste em pressionar a lesão com dedo polegar ou com uma placa de vidro por alguns segundos, e ao retirar a pressão, se a lesão permanecer isquêmica caracteriza a presença de um hemangioma, devido a compressão dos vasos sanguíneos. Em outras lesões, estas manterão sua coloração.4,12,13 Se ainda houver dúvida no diagnóstico final, uma pequena punção do conteúdo interno pode diferenciar dos cistos, devido a cor do líquido aspirado. Nas lesões císticas a cor será amarelo/transparente e no hemangioma o conteúdo será vermelho escuro de sangue.

Não há na literatura um consenso sobre o melhor tratamento do hemangioma. Isso varia de acordo com o tamanho, forma e localização do tumor, bem como idade do paciente e idade da lesão. A literatura descreve várias terapêuticas para tratamento do hemangioma, desde manobras cirúrgicas até tratamento com laser, medicação e crioterapia.5,6

 

 

 

 

 

Neste caso clínico, o bebê de 3 meses, apresentava uma lesão no lábio inferior, que foi diagnosticada pelo semiologista como mucocele. Teoricamente, a remoção da lesão por cirurgia seria tranquila sem apresentar possíveis riscos de uma hemorragia. No entanto, após a remoção cirúrgica, o material retirado e avaliado pelo exame histopatológico detectou a presença de um hemangioma. Por sorte, o paciente respondeu muito bem no trans e no pós operatório, devido ao fato do hemangioma não estar numa fase proliferativa. Normalmente, nestes casos pode haver um sangramento abundante.

A aparência e características histológicas continua sendo o meio mais preciso e satisfatório para o fechar o diagnóstico do hemangioma, bem como classificá-lo de acordo com seu envolvimento tecidual.

Apesar de a literatura descrever que esse tumor tenha predileção para gênero feminino, esse caso descreve em uma criança do gênero masculino, contrastando com outros autores aqui estudados.9,10

Independentemente do tratamento de escolha é essencial destacar o conhecimento das patologias encontradas na primeira infância, e principalmente ressaltar os possíveis diagnósticos diferenciais e assim estabelecer o plano de tratamento e conduta terapêutica mais adequada para o caso apresentado.

 

CONCLUSÃO

O Cirurgião-Dentista deve realizar uma boa anamnese, exames clínico e complementares para um correto diagnóstico e boa condução do tratamento das lesões bucais.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Importância no diagnóstico para melhor planejamento e tratamento de patologia em Odontopediatria.

 

REFERÊNCIAS

1. Drolet BA, Esterly NB, Frieden IJ. Hemangiomas in children. N Engl J Med. Jul 15 1999;341(3):173-181.         [ Links ]

2. Kumari VR, Vallabhan CG, Geetha S, Nair MS, Jacob TV. Atypical Presentation of Capillary Hemangioma in Oral Cavity- A Case Report. J Clin Diagn Res. Oct 2015;9(10):ZD26-28.

3. Chang LC, Haggstrom AN, Drolet BA, et al. Growth characteristics of infantile hemangiomas: implications for management. Pediatrics. Aug 2008;122(2):360-367.

4. Janmohamed SR, Madern GC, de Laat PC, Oranje AP. Educational paper: Pathogenesis of infantile haemangioma, an update 2014 (part I). Eur J Pediatr. Jan 2015;174(1):97-103.

5. Boye E, Jinnin M, Olsen BR. Infantile hemangioma: challenges, new insights, and therapeutic promise. J Craniofac Surg. Mar 2009;20 Suppl 1:678-684.

6. Chiller KG, Passaro D, Frieden IJ. Hemangiomas of infancy: clinical characteristics, morphologic subtypes, and their relationship to race, ethnicity, and sex. Arch Dermatol. Dec 2002;138(12):1567-1576.

7. Bauland CG, van Steensel MA, Steijlen PM, Rieu PN, Spauwen PH. The pathogenesis of hemangiomas: a review. Plast Reconstr Surg. Feb 2006;117(2):29e-35e.

8. Metry DW, Hebert AA. Benign cutaneous vascular tumors of infancy: when to worry, what to do. Arch Dermatol. Jul 2000;136(7):905-914.

9. Kushner BJ. Hemangiomas in children. N Engl J Med. Dec 23 1999;341(26):2018; author reply 2018-2019.

10. Wananukul S. Clinical manifestation and management of hemangiomas of infancy. J Med Assoc Thai. Jun 2002;85 Suppl 1:S280-285.

11. Rezende KM, Correa FN, Correa JP, Correa MS, Bonecker M. Histogenesis and clinical analysis of 2 cases of congenital gingival granular cell tumour. J Clin Diagn Res. Jan 2015;9(1):ZD03-05.

12. Greinwald JH, Jr., Burke DK, Bonthius DJ, Bauman NM, Smith RJ. An update on the treatment of hemangiomas in children with interferon alfa-2a. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. Jan 1999;125(1):21-27.

13. Kilcline C, Frieden IJ. Infantile hemangiomas: how common are they? A systematic review of the medical literature. Pediatr Dermatol. Mar-Apr 2008;25(2):168-173.

14. Rezende KM, Moraes Pde C, Oliveira LB, Thomaz LA, Junqueira JL, Bonecker M. Cryosurgery as an effective alternative for treatment of oral lesions in children. Braz Dent J. 2014;25(4):352-356.

 

 

Endereço para correspondência:
Karla Mayra Rezende
Departamento de Odontopediatria da Fousp
Rua Professor Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária – Butantã – São Paulo - SP
05508-000
Brasil

e-mail:
karla.rezende@usp.br

 

Recebido: jan/2016
Aceito: fev/2016