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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2016

 

Artigo original

 

Manifestações bucais e uso de serviços odontológicos por indivíduos com doença renal crônica

 

Oral manifestations and use of dental care assistance by individuals with chronic kidney disease

 

 

Lucas Formiga AraújoI; Camila Menezes Costa Castelo BrancoII; Maria Teresa Botti RodriguesIII; Glória Maria Pimenta CabralIV; Michele Baffi DinizV

 

I Cirurgião- Dentista - Aluno do curso de especialização em Ortodontia, Centro Odontológico Estudo e Pesquisa - COESP
II Cirurgiã-Dentista - Aluna do curso de Especialização em Odontopediatria, Fundação Faculdade de Odontologia conveniada à Fousp - Fundecto
III Doutora - Professora titular, Disciplina de Pacientes com Necessidades Especiais, Instituto de Odontologia, Universidade Cruzeiro do Sul
IV Doutora - Coordenadora do Curso de Odontologia, Instituto de Educação Superior da Paraíba – IESP
V Doutora - Professora assistente, Disciplina de Odontopediatria, Instituto de Odontologia, Universidade Cruzeiro do Sul

 

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar as manifestações bucais e o uso de serviços odontológicos de indivíduos com Doença Renal Crônica (DRC) em tratamento hemodialítico. Materiais e Métodos: Participaram do estudo 130 indivíduos, de ambos os sexos e com idade superior a 18 anos em atendimento no Serviço de Hemodiálise de referência da cidade de João Pessoa-PB. Foram coletados dados socioeconômicos, saúde geral, higiene bucal, autopercepção dos problemas bucais e acesso ao serviço odontológico. Um único examinador realizou o exame clínico intrabucal. Resultados: A maioria dos participantes era do sexo masculino (60,8%), com baixos níveis de escolaridade (56,9%) e renda (61,5%). Houve o predomínio da hipertensão arterial sistêmica (86,2%) na doença de base. Em relação à autopercepção dos problemas bucais, os participantes relataram com maior frequência a xerostomia (51,5%), seguida de mau hálito (30,0%). Dentre as manifestações bucais, a gengivite e a presença de cálculo dentário foram as mais prevalentes, com 66,2% e 56,2%, respectivamente. A maioria dos indivíduos buscava atendimento odontológico na rede pública de saúde e afirmava que o cirurgião-dentista não estava preparado para atender e explicar o tratamento que seria realizado. Conclusão: As principais alterações bucais identificadas foram xerostomia, mau hálito, cálculo dentário e gengivite, e que a maioria dos indivíduos tinha dificuldade no acesso ao serviço odontológico público de saúde.

Descritores: insuficiência renal crônica; unidades hospitalares de hemodiálise; manifestações bucais; assistência odontológica.


 

ABSTRACT

Objective: To assess oral manifestations and use of dental care assistance by individuals with Chronic Kidney Disease (CKD) in hemodialysis treatment. Materials and Methods: Participated in the study 130 individuals of both genders and aged over 18 years old attending the Hemodilalysis Reference Service in João Pessoa - PB. Data collection for socioeconomic status, oral hygiene, self-awareness of oral problems and access to dental care was carried out. A single examiner ran a clinical intraoral exam. Results: Most participants were male (60.8%) with low levels of education (56.9%) and income (61.5%). There was a predominance of systemic arterial hypertension (86.2%) as the underlying disease. In relation to the self-awareness of oral problems, participants reported dry mouth most frequently (51.5%) followed by bad breath (30.0%). Among oral manifestations, gingivitis and the presence of tartar were the most prevalent, 66.2% and 56.2%, respectively. Most individuals sought dental care in the public health system and stated that the dental surgeon was not prepared to attend and explain the treatment to be provided. Conclusion: The main oral alterations identified were dry mouth, bad breath, tartar as well as gingivitis, and that most participants found it difficult to have access to dental care assistance in the public health system.

Descriptors: renal insufficiency, chronic; hemodialysis units, hospital; oral manifestations; dental care.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Devido à alta prevalência da doença renal crônica e, consequentemente, elevado número de indivíduos que realizam hemodiálise, é importante que o Cirurgião-Dentista possa oferecer um atendimento odontológico qualificado, o que implica no conhecimento das principais manifestações gerais e bucais desta doença.

 

INTRODUÇÃO

A Doença Renal Crônica (DRC) caracteriza-se pelo declínio progressivo e supostamente irreversível da função renal de depuração, causando uma diminuição da filtração glomerular, impedindo a manutenção da hemostasia interna do organismo. Assim, o indivíduo necessita de uma terapia de substituição renal, como a filtração artificial do sangue por diálise ou transplante renal. A etiologia da DRC envolve hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, glomerulopatias, doença renal policística, obstrução do trato urinário, infecções, intoxicações medicamentosas e distúrbios vasculares.1

A DRC é considerada um problema de saúde pública devido ao aumento impactante da prevalência, morbidade e mortalidade, estando entre as principais causas de óbitos e de incapacidade.2,3,4 Além disso, estratégias de prevenção primária em saúde bucal são essenciais para indivíduos portadores de DRC, que apresentam manifestações bucais em tecidos moles e duros relacionadas diretamente aos distúrbios fisiológicos provocados pela doença e seu tratamento.5

As manifestações bucais mais prevalentes em indivíduos com DRC são palidez da mucosa bucal, cálculo dentário, hipoplasias de esmalte, erosão dentária, aumento do número de lesões de cárie, doença periodontal, hálito urêmico, lesões das mucosas, lesões malignas e infecções por fungos. Outras manifestações de menor prevalência são língua geográfica e hiperplasias gengivais.6,7,8

Cabe ressaltar que a atenção da condição de saúde bucal dos indivíduos com DRC muitas vezes é deficiente, podendo estar relacionada à insegurança ou mesmo ao despreparo do Cirurgião-Dentista com as alterações sistêmicas apresentadas pela doença. Outro fator a ser considerado diz respeito à autopercepção do indivíduo e o seu conhecimento com relação à importância da sua saúde bucal, uma vez que está diretamente relacionada ao risco de infecções oportunistas. Além disso, é comum a resistência do próprio indivíduo em procurar atendimento odontológico por receio de ter assistência negada ou por seu comprometimento no quadro clínico sistêmico.9,10

Diante do exposto, o objetivo do estudo foi avaliar as manifestações bucais e o uso de serviços odontológicos dos indivíduos com DRC em tratamento hemodialítico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de João Pessoa – Unipe (protocolo nº 369/2014).

Realizou-se o cálculo amostral utilizando o programa estatístico Epi Info 6.04. Considerou-se para o cálculo a população atendida no serviço de hemodiálise do Instituto Walfredo Guedes Pereira - Hospital São Vicente de Paula na cidade de João Pessoa - PB (n=198), intervalo de confiança de 95% e α de 5%. Determinou-se que a amostra deveria ser composta por 130 indivíduos com DRC em tratamento hemodialítico.

Foram selecionados de maneira aleatória 130 indivíduos com idade superior a 18 anos (49,9 ± 15,1 anos), independentemente do sexo e etnia, que autorizaram a sua participação na pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os indivíduos foram abordados durante o processo da hemodiálise no período de fevereiro a abril do ano de 2015. Foram coletados dados socioeconômicos e de saúde geral por meio de questionário estruturado especialmente desenvolvido para a pesquisa. Os dados de higiene bucal, autopercepção dos problemas bucais e acesso ao serviço odontológico foram anotados em uma ficha. O exame clínico intrabucal do indivíduo foi realizado por um examinador treinado e devidamente paramentado em ambiente sob luz natural, com uso de espelhos intrabucais com o auxilio de iluminação de uma lanterna de LED (Lanterna LED Cree T6, 9000W/25000 Lumens, J.W.S, São Paulo-SP, Brasil), gaze estéril e espátulas de madeira descartáveis. Os pacientes foram examinados no ambiente hospitalar enquanto aguardavam a sessão de hemodiálise, confortavelmente sentados e em repouso, em uma sala preparada para este fim.

Os participantes foram orientados e motivados a realizar adequadamente a higienização bucal e a buscar centros específicos que pudessem atender suas necessidades, além de receberem informações da repercussão das complicações bucais no controle da DRC. O atendimento odontológico preventivo ou terapêutico, no sentido da solução de problemas bucais urgentes ou com risco de infecção foi proporcionado a todos os indivíduos do centro de hemodiálise.

Os dados coletados foram tabulados e posteriormente analisados por meio de estatística descritiva (valores de frequência e percentuais, para variáveis categóricas; medidas de tendência central, para variáveis contínuas) pelo software SPSS (Statistical Package of Social Sciences), versão 21.0, adotando-se um nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

A idade média dos participantes foi de 49,9 anos ± 15,1, com mínimo de 20 anos e máximo de 82 anos. A média de tempo para a doença renal crônica apresentada pelos indivíduos foi de 43,9 meses ± 35,7, com mínimo de 4 meses e máximo de 240 meses e a média para o tempo em que realizavam hemodiálise foi de 36,1 meses ± 24,9, com mínimo de 3 e máximo de 144.

A maioria dos participantes era do sexo masculino (n=79; 61,0%) (Figura 1), natural do interior da Paraíba (n=102; 78,0%) (Figura 2) e católicos (n=87; 67,0%) (Figura 3).

Com relação ao nível de escolaridade dos indivíduos da amostra, 30,0% não terminaram o ensino fundamental, 23,1% concluíram o ensino fundamental, 17,7% concluíram o ensino infantil e 9,2% nunca frequentaram a escola. Quanto à renda, a maioria dos indivíduos recebia entre 1 a 2 salários mínimos (61,5%), seguido de 3 a 4 salários mínimos (33,8%) e 4,6% recebiam entre 5 a 10 salários mínimos.

A Figura 4 aponta a distribuição dos participantes de acordo com a doença de base. A maioria dos indivíduos apresentava hipertensão arterial sistêmica (n=86; 66,0%).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Tabela 1 apresenta a análise descritiva em relação às informações de higiene bucal dos participantes. As variáveis mais frequentes foram escovação dos dentes (97,7%), escovação de língua (74,6%), uso de dentifrício (97,7%) e uso de palito de dente (53,8%). Entretanto, poucos relataram o uso do fio dental e solução para bochecho.

Na análise descritiva em relação à autopercepção dos problemas bucais pelos participantes, observa-se que a xerostomia foi a manifestação mais frequente (51,5%), seguida de mau hálito (30,0%), sangramento gengival (16,2%), dor (12,3%) e lesões bucais (11,5%).

A Figura 5 mostra a análise descritiva das alterações bucais detectadas no exame clínico dos participantes. As alterações encontradas com maior frequência foram o cálculo dentário (56,2%) e a gengivite (66,2%).

A Tabela 2 exibe a distribuição dos participantes de acordo com o uso de serviços odontológicos e a avaliação do atendimento do Cirurgião-Dentista. Observou-se que a maioria dos entrevistados procurava o Cirurgião-Dentista apenas em casos de urgência (47,7%), e quando procurava o atendimento odontológico, este era realizado na rede pública de saúde (50,8%). Houve relato de 31,5% dos participantes de dificuldade no atendimento odontológico.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia11 indicam que 100 mil pessoas fazem diálise no Brasil. Indivíduos portadores de DRC em hemodiálise ou transplantados possuem estado clínico delicado e necessitam de atenção especial na sua saúde geral e em relação à saúde bucal. É necessário conscientizar o indivíduo com DRC das possíveis consequências das doenças bucais em sua saúde geral, bem como elaborar estratégias para o seu atendimento odontológico.10

O interesse pelo presente estudo surgiu da necessidade de identificar os principais problemas bucais e uso de serviços odontológicos pelos portadores de DRC atendidos no Serviço de Hemodiálise de referência no município de João Pessoa, que presta atendimento pelo Sistema Único de Saúde de indivíduos de todo o estado da Paraíba.

De acordo com os dados dos participantes, a maioria era do sexo masculino, corroborando com os estudos de Mortari et al. (2010)12, Bhatsange et al. (2012)13 e Queiroz et al. (2013)14, que apresentaram 53%, 68% e 55,8%, respectivamente.

A religiosidade foi outro ponto considerado por oferecer bem-estar psíquico ao sujeito e ajudar o homem na busca de respostas para suas indagações de cunho filosófico-existencial.15 É compreensível que a religiosidade pode constituir em fator de proteção ou mesmo de enfrentamento diante das adversidades da qualidade de vida do paciente com DRC. Assim, a religião não é uma condição necessária nem suficiente para o bem-estar psicológico, mas pode levar a uma cosmovisão capaz de ajudar o indivíduo a descobrir sentidos na vida.

A maioria dos participantes avaliados apresentou baixo nível de escolaridade, sendo que 30% apresentava o ensino fundamental incompleto, e baixa renda recebendo de 1 a 2 salários mínimos, corroborando com o estudo de Cabral et al. (2005)16. Cabe ressaltar que a baixa escolaridade nestes indivíduos dificulta a compreensão acerca das complicações bucais decorrentes da doença e contribui para a pouca adesão ao tratamento odontológico.9

A casuística do presente estudo demonstrou com clareza que a maioria dos participantes apresentava a hipertensão arterial sistêmica como doença de base, seguido por diabetes mellitus e glomerulonefrites, assim como descrito em estudos prévios da literatura.17,18 É importante que o profissional da saúde exerça uma assistência de forma mais integral e humanitária, abrangendo desde a psicoterapia, o direcionamento nutricional para controle das doenças de base, a correção de distúrbios metabólicos, orientações adequadas sobre a doença, o tratamento e o autocuidado, ressaltando que, o cuidado com a saúde bucal compõe uma das práticas de atenção e assistência indispensáveis para a manutenção da saúde dessa população. Considerando que o Cirurgião-Dentista muitas vezes desconhece ou ignora sinais e peculiaridades das doenças sistêmicas, é importante que o Cirurgião-Dentista tenha conhecimento sobre qualquer uma dessas doenças de base bem como das alterações e complicações sistêmicas que envolvem esse dano renal, uma vez que influenciam na conduta odontológica.18

Com relação à higienização bucal, a maioria dos participantes afirmou realizar escovação dental, cerca de duas a três vezes ao dia. Esses resultados se assemelham aos do estudo de Queiroz et al (2013)14 e Barros et al (2014)19, com alta frequência de escovações diárias. No entanto, a observação clínica da condição bucal dos indivíduos, não condiz com o relato de frequência de escovação dental. Quando avaliados os meios de higienização bucal pelos participantes da pesquisa, a maioria afirmou utilizar dentifrícios e nenhum enxaguante bucal para bochecho e fio dental. Estes resultados também foram semelhantes ao estudo de Barros et al (2014)19, no qual 96% da amostra usava dentifrícios, 32% utilizava enxaguatórios bucais e a maioria não usava o fio dental (74%). Estes dados demonstram a necessidade de maior atenção odontológica, com reforços periódicos em motivação de higiene bucal para essa população.

Deve-se ressaltar que as percepções dos pacientes sobre consequências comportamentais e sociais de suas condições bucais e seu tratamento desempenham um importante papel na forma como cuidam de sua saúde bucal. Em relação à autopercepção de problemas bucais, a xerostomia foi apontada como a mais prevalente, corroborando com outros estudos da literatura.1,6,14,20,21 A halitose também foi relatada pelos participantes, corroborando com o estudo de Patil et al (2012)22. A sensação de xerostomia foi determinada por meio de questionário categórico, entretanto, constituiu de queixa espontânea e uma preocupação exacerbada dos participantes. A xerostomia no indivíduo com DRC têm o envolvimento direto das glândulas salivares, por desidratação, respiração bucal, pelo uso de certos medicamentos e pelos próprios distúrbios metabólicos causados pela DRC.10 Esta alteração pode predispor o indivíduo a lesões de cárie cervical, infecções, como a candidíase, dificuldades na fala, mastigação, deglutição, retenção de próteses, além causar modificações na sensação gustativas.23 A xerostomia também pode ser a causa da halitose observada frequentemente nestes indivíduos, além de higiene bucal deficiente e alta concentração de ureia na saliva metabolizada pelos microrganismos bucais, liberando amônia.10

Com relação às alterações bucais detectadas no exame clínico, a maioria apresentou gengivite, seguido do cálculo dentário. O acúmulo exacerbado de cálculo dentário e consequente gengivite e periodontite em indivíduos portadores de DRC em tratamento hemodialítico pode estar relacionado a um produto de cálcio-fosfato sérico desregulado.5 Apesar de grande parte dos participantes exibir cálculo sobre as superfícies dentárias, não foi realizada a quantificação desta alteração. Queiroz et al. (2013)14 encontraram valores semelhantes em relação a frequência de cálculo dentário. Outra característica clássica citada na literatura é a palidez da mucosa nos indivíduos com DRC, devido a sua condição anêmica e ao déficit da produção de eritropoetina.24 Todavia essa alteração foi encontrada em ¼ da amostra. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que esta alteração de cor se apresenta, em grande maioria, nos indivíduos em estágio terminal da doença, decorrente das alterações endócrino-metabólicas provocadas pela DRC e o presente estudo não compreendeu participantes nesse estágio.

Em relação à frequência de visitas ao Cirurgião-Dentista, a maioria dos indivíduos relatou que procurava atendimento apenas nos quadros de urgência, como a dor e desconforto, corroborando com os dados encontrados nos estudos de Souza et al. (2005)25 e Dias et al. (2007)26, onde 80% e 77% da amostra, respectivamente, costumava procurar atendimento odontológico somente em casos de dor, negligenciando o atendimento preventivo.

Observou-se no presente estudo que a maioria dos participantes procurava o atendimento odontológico na rede pública de saúde, provavelmente pela baixa renda apresentada pelos mesmos, conforme anteriormente relatado. De acordo com Klassen e Krasco (2002)27, uma grande parte dos indivíduos em hemodiálise não possui suas necessidades de tratamento odontológicas atendidas. Pôde-se observar também que para os participantes que procuraram atendimento odontológico, o Cirurgião-Dentista não estava apto para atender pessoas com alterações renais, e que o maior problema da atuação do profissional estava relacionado à falta de esclarecimento sobre o tratamento que tinha e/ou deveria ser realizado. É importante esclarecer que durante o tratamento odontológico, o profissional deve-se atentar para possíveis problemas como hemorragia, decorrente de anomalias funcionais plaquetárias, hipertensão arterial, anemia, maior susceptibilidade à infecção e outras alterações sistêmicas ou estomatognáticas associadas à própria patologia e ao seu tratamento.10

A dificuldade no atendimento odontológico foi relatada pelos participantes, corroborando com os resultados de Moreira et al. (2005)28, que identificaram, como principais barreiras que afetam a utilização de serviços odontológicos, a baixa escolaridade, baixa renda e a escassa oferta de serviços públicos para atenção à saúde bucal para esta população.

Dentre as dificuldades do estudo, citam-se a resistência ao consentimento por parte dos participantes, além das características do ambiente durante o processo de hemodiálise em que foram realizados o exame e a aplicação dos questionários. Em contrapartida, foi observada uma grande colaboração nos sujeitos que consentiram a participação no estudo. Sugere-se uma carência de atenção por parte desses indivíduos, refletindo a falta de acompanhamento psicológico, uma vez que o setor de hemodiálise não dispõe de psicólogos atuantes em suas equipes terapêuticas.

Diante do exposto é importante que o Cirurgião-Dentista esteja consciente e preparado para abordar corretamente esses indivíduos, propiciando melhoria na sua qualidade de vida, controlando as manifestações bucais relacionadas à DRC e seu tratamento. É importante que este atendimento seja levado pela equipe de saúde e instalado no próprio local da hemodiálise. Seria importante que as unidades que oferecem o tratamento de hemodiálise, tenham um Cirurgião-Dentista dentro da equipe multiprofissional, apto a realizar educação em saúde bucal e tratamento curativo quando necessário, para que estes indivíduos possam ser submetidos posteriormente ao transplante renal.

 

CONCLUSÃO

• Os principais problemas bucais autorrelatados pelos participantes foram xerostomia e mau hálito;

• As principais manifestações bucais identificadas foram cálculo dentário e gengivite e não constituíram características distintas da condição;

• A maioria dos indivíduos apresentava dificuldade no acesso ao serviço odontológico público de saúde.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Os resultados deste estudo apontaram para uma alta prevalência de indivíduos comprometidos pela DRC em tratamento hemodialítico, o que reforça a necessidade da inclusão do Cirurgião-Dentista na equipe multiprofissional que presta assistência a esses indivíduos, promovendo um controle das alterações bucais relacionadas à doença e seu tratamento, permitindo uma condição bucal satisfatória e melhoria na sua qualidade de vida. Para isso, é importante que o profissional tenha o conhecimento das principais alterações bucais que possam estar presentes, bem como suas etiologias e possibilidades terapêuticas.

 

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Endereço para correspondência:
Michele Baffi Diniz
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Recebido: jan/2016
Aceito: fev/2016