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    Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

      ISSN 0004-5276

    Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 no.2 Sao Paulo abr./jun. 2016

     

    Matéria de capa

     

    INTERNACIONALIZAÇÃO: VISÃO E CONCEITOS NA ODONTOLOGIA

     

     

    A internacionalização deve ser tratada como uma cooperação de pessoas e instituições, a fim de permitir o desenvolvimento e o crescimento profissional e pessoal dos envolvidos para que sejam preparados como futuros líderes de opinião, difusores e multiplicadores do conhecimento técnico e científico de seus países.

    Resumidamente, a internacionalização pode ser vista como a possibilidade da troca de aprendizado entre os indivíduos de nações diferentes, algo extremamente importante para a evolução de qualquer área de conhecimento.

    Dentro do contexto da universidade, a internacionalização "é um processo no qual a instituição apresenta e faz acontecer uma série de políticas internas com o objetivo de dinamizar e expandir a sua inserção internacional", afirma a professora associada do Departamento de Dentística da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) e presidente da Comissão de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional da Fousp, Ana Cecília Corrêa Aranha.

    Para a professora "os alunos envolvidos com o processo de internacionalização aprimoram suas habilidades cognitivas e, com o desenvolvimento do pensamento crítico, buscam informações de qualidade com o objetivo de resolver problemas técnico-científicos". No entanto, ela considera que, deve fazer parte do esforço de universidades conscientes da importância destas medidas, não só o envio de alunos para experiências acadêmicas internacionais, mas também a recepção de estudantes de universidades do exterior. "A internacionalização 'em duas vias' é sempre a mais significante para ambos os lados. E é crescente o número de alunos estrangeiros interessados em participar das atividades acadêmicas em universidades e institutos de pesquisa brasileira".

    Atualmente à frente dos assuntos e ações de internacionalização da Fousp, Ana Cecília relata o frequente e crescente interesse que universidades latinas vêm demonstrando na tentativa do estabelecimento de intercâmbios e da viabilização da mobilidade de pessoas. Destacam-se, dentre elas, instituições peruanas, argentinas, equatorianas e colombianas. "É uma 'bola de neve', o pesquisador brasileiro publica em uma revista internacional com alto fator de impacto, este trabalho lhe traz visibilidade e, reconhecidamente, ele passa a trabalhar com pesquisadores internacionais, montando uma rede, na qual seus alunos têm a oportunidade de realizar estágios".

    Engana-se, no entanto, quem supõe que a internacionalização trata apenas da mobilidade de alunos e profissionais, de dentro para fora ou o contrário. Ana Cecília esclarece que a internacionalização acontece de diversas formas, seja pela assinatura de contratos de parcerias, formalizando convênios, seja pela inclusão do corpo docente da universidade em atividades relacionadas a associações e sociedades científicas internacionais ou em corpos editoriais de revistas científicas de renome internacional. "Muitos docentes são revisores de periódicos científicos internacionais, avaliadores de trabalhos submetidos a congressos científicos internacionais, participam em conselhos editoriais de periódicos internacionais e ministram cursos e palestras no exterior. Isso também é internacionalizar."

    Um dos destacados pesquisadores da Odontologia brasileira, que tem vasta experiência internacional ao longo de sua carreira, Manoel Eduardo de Lima Machado, que é coordenador dos cursos de Endodontia da EAP APCD Central professor dos cursos mestrado e doutorado em Endodontia da Fousp e professor convidado da University of Harvard, ratifica o ponto de vista geral de sua colega de instituição. Quando questionado acerca do caráter de relações bilaterais ideais, o entrevistado esclarece que a internacionalização, ao contrário do que supõe o senso comum, não deve ocorrer pela assistência técnica de um centro de pesquisa mais desenvolvido em relação a outro, mais deficitário sob os aspectos científico e tecnológico. "É claro que o apoio financeiro à pesquisa contribui de maneira eficaz para o desenvolvimento do conhecimento, mas é fundamental pensar na cooperação. Este é o ponto. A cooperação pode passar pela vinda de estrangeiros para o Brasil que podem ser preparados como futuros líderes de opinião, difusores e multiplicadores do conhecimento técnico e científico para suas regiões, ou mesmo a criação de convênios onde os professores daqui possam ir para estas regiões e promover uma difusão regional". Sob o ponto de vista das pesquisas, Manoel Machado acredita que, muitos convênios e intercâmbios podem e devem ser executados na criação da ciência, e consequentemente na melhoria de vida. "A internacionalização não deve ser vista e tratada como assistencialismo, pois este é temporário e fugaz, a cooperação permite desenvolvimento e crescimento profissional e pessoal. Desta forma, o foco deve permanecer no ser humano como um todo, neste contexto, a vivência fora da sala de aula e as experiências originadas destas relações e das diferentes culturas promovem o crescimento pessoal, humanista e profissional".

    A Odontologia brasileira em termos de internacionalização

    "Com uma Odontologia reconhecida clínica e cientificamente, a internacionalização é fato, e vem acontecendo", confirma Ana Cecília. A professora acredita que "a internacionalização da Odontologia brasileira sempre foi forte; porém, apenas nos últimos 10 anos, muitas atividades que até então não eram oficiais, passaram a apresentar características definidas e objetivos mais concretos". Para ela, trata-se de um processo, felizmente, irreversível.

    Muitos são aqueles que consideram a Odontologia brasileira como uma das melhores no cenário mundial. "Devemos sempre cultivar o espírito de humildade, abertura mental e intelectual em aceitar novos conceitos; mas ao mesmo tempo, precisamos compreender nossa posição no contexto mundial. A meu ver, tanto nas áreas básicas como clínicas, nos situamos em uma situação privilegiada. Dentro deste panorama, não diria que temos mais a ensinar do que a aprender, mas sim, que temos uma posição de destaque no mundo (estamos em 2º lugar em número de publicações científicas), e desta forma, uma grande responsabilidade com a comunidade científica e, claro, com a saúde da população mundial. O Brasil, pelo fato de passar por diferentes situações políticas e sociais, apresenta similaridade com os demais países da América Latina, da Ásia, da África e do Leste Europeu, tornando mais simples e esclarecedor o diálogo, a troca de conhecimento e de tecnologia", pondera Machado.

    Uma instituição exemplo de sucesso

    A Fousp destaca-se, há muito tempo, pela troca de experiências e desenvolvimento de projetos de pesquisas com centros do exterior. Ao longo dos últimos anos, contudo, a Fousp vem alcançando resultados ainda mais expressivos. À frente da Comissão de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional, Ana Cecília testemunhou a ida de muitos de seus docentes a outros países, seja para a realização de estágios de pós-doutorado, seja para ministrarem ou participarem de palestras e treinamentos específicos. Durante a realização de estágios e visitas como estas, foram estabelecidos fortes vínculos de colaboração que permitiram o posterior envio de alunos de graduação e pós-graduação.

    Dentre os projetos de destaque conduzidos na Fousp, destaca-se o projeto de cooperação Dinter, com a Universidade Central do Equador, e vários outros, financiados pela pró-reitoria de pesquisa da USP (Cofecub, interação Brasil-França; Projeto Porto, interação USP-Universidade do Porto) ou pela Capes (Projeto Coimbra, interação USP-Universidade de Coimbra). "Em decorrência das atividades de internacionalização pode-se evidenciar que todos os departamentos da Fousp apresentaram uma maior possibilidade de elevação dos padrões acadêmicos e obtiveram maior projeção de seus alunos, docentes e de suas pesquisas em nível internacional. Fato comprovado é que a avaliação da Quacquarelli Symonds, organização britânica de pesquisa em educação, especializada em instituições de ensino superior, apontou a USP entre as 50 melhores do mundo em oito áreas diferentes, sendo que a Odontologia apresentou a melhor colocação dentre todos os cursos, ficando com a nona posição no ranking mundial", destaca.

    Na Fousp, uma média de dez alunos de graduação por ano realizam estágios de longa duração em universidade no exterior através de programas de incentivo da reitoria. Entre 2012 e 2015, 24 alunos foram encaminhados a outros países por meio da "Bolsa Mérito Acadêmico". Já na pós-graduação uma variação de cinco a dez alunos realizam estágios de doutorado sanduíche, por ano.

    Desafios da internacionalização e novas perspectivas

    Apesar de ter exemplos de sucesso, a internacionalização da Odontologia brasileira ainda enfrenta grandes desafios e muitos obstáculos a serem superados. "Diferente de alguns campos do conhecimento, a viabilização da internacionalização da Odontologia, como área, apresenta dificuldades peculiares. Precisamos lembrar que a Odontologia é uma área da saúde profissionalizante, e que requer treinamento e aperfeiçoamento da prática. Existe a necessidade de incluir alunos em laboratórios e clínicas. O custo do material básico para a prática também é elevado", opina Ana Cecília, que ainda resume o panorama nacional que vivenciamos atualmente: "vários são os entraves ao processo de internacionalização no Brasil. Estes obstáculos inibem a chegada de nossas universidades à elite do ensino superior. A falta de interação com o resto do mundo é apontada como um dos pontos mais fracos das instituições brasileiras, reduzindo sua visibilidade e sua competitividade no cenário internacional".

    Um dos percalços mais importantes diz respeito às diferenças entre os currículos acadêmicos das universidades brasileiras e estrangeiras. Essas diferenças trazem problemas na validação de créditos de disciplinas realizadas ou mesmo para a validação do próprio diploma de graduação. "Outro obstáculo se refere à burocratização das universidades, cheias de regras inflexíveis para uso de recursos, contratações, demissões e aprovações dos alunos", salienta a professora da Fousp.

    "Outra preocupação quando se tem em mente a internacionalização da Odontologia brasileira diz respeito à divulgação da nossa ciência", aponta o professor da Universidade de Guarulhos (UNG), Murilo Feres, que é membro do setor de Internacionalização de sua instituição. "A produção científica odontológica brasileira vem crescendo ao longo dos anos. Mas é comum a constatação de que é preciso aumentar o seu impacto. A constante busca pela melhoria da qualidade metodológica das nossas pesquisas, bem como a priorização pela produção original e inovadora constituem, evidentemente, os passos mais importantes neste sentido. Quanto maior a qualidade e quanto mais importantes os resultados produzidos por uma pesquisa, maiores são as chances de que estes sejam publicados em uma revista internacional de impacto".

    Mas, além disso, outras medidas devem compor a estratégia de divulgação da ciência odontológica brasileira, segundo Murilo. "Por exemplo, a adoção do inglês como idioma de publicação, de maneira exclusiva ou não, mesmo que seja uma tendência crescente, deve ser consolidada. Outra medida seria garantir o acesso livre ao conteúdo publicado pelas nossas revistas. Neste particular, temos o exemplo do Scielo (Scientific Electronic Library Online), uma ferramenta muito útil e extremamente acessada". Responsável pela absorção de, ao menos, um terço da produção científica brasileira, o Scielo é uma biblioteca eletrônica que contém uma coleção seleta de revistas científicas brasileiras. Trata-se de um projeto de sucesso apoiado pela Fapesp e pelo CNPq.

    Assim como a inclusão de pesquisadores brasileiros no corpo editorial de revistas internacionais é importante, como anteriormente ressaltado por Ana Cecília, o contrário parece ser igualmente desejável. É o que reforça Murilo: "Há uma recomendação por parte do Scielo dirigida às revistas da área de saúde para que estas aumentem seu contingente internacional de editores e revisores. Este fator deve, consequentemente, atrair autores estrangeiros – aumentando nossa comunicação com o exterior, além de auxiliar na divulgação da boa ciência que produzem nossos pesquisadores", enaltece.

    Ana Cecília e Manoel Machado são unânimes na questão de que ainda necessitamos não só preparar melhor os alunos que desejam desfrutar de uma experiência no exterior, bem como nos preparar melhor para receber aqueles que virão. Neste sentido, a barreira linguística reaparece como mais um desafio a se superar. "A criação de disciplinas de graduação, e principalmente de pós-graduação, em outras línguas deve ser estimulada visando atrair mais alunos estrangeiros", opina a professora.

    Questões financeiras também podem representar barreiras para a vinda de alunos estrangeiros."Há o desafio da permanência aqui. Onde estes estudantes irão residir? Como se alimentarão e pagarão pelo transporte? Praticamente não existem projetos com estes particulares e são poucas as entidades que podem oferecer esses requisitos. Por isso, as agências de fomento são fundamentais para permitir este fluxo", completa o professor convidado de Harvard.

    O professor da UNG, Murilo Feres, completa que "a internacionalização foi, e ainda é, um processo altamente correlacionado às agências de fomento. A Capes e o CNPq, no cenário nacional, e a Fapesp, no Estado de São Paulo, detêm uma importância histórica inegável neste sentido. Atualmente, é grande o número de acordos de cooperação assinados por estes órgãos que viabilizam mobilidade e financiamento de pesquisas conjuntas.

    " Muito embora as agências de fomento tenham representado - e ainda representem - um aporte significativo para viabilizar acordos de parceria e mobilidade, há que se pensar em outros meios, conforme Murilo. "Eventualmente, o país passa por variações nos cenários político e econômico, que potencialmente influenciam o fluxo de recursos." O professor relata a experiência positiva que presenciou em sua instituição: "A UNG em conjunto com a USP fechou recentemente um acordo de cooperação com a Colgate dos EUA. Além da criação de um centro de estudos, que já está em funcionamento, um dos objetivos desta parceria é a concessão, por parte da empresa, de bolsas de estudos para alunos da América Latina que se interessarem em cursar qualquer um dos dois programas. Há pouco tempo, recebemos a primeira aluna beneficiária desta ação, vinda do Chile.

    " A parceria universidade/indústria parece ainda trazer outras vantagens, além de viabilizar a mobilidade de alunos. "É uma modalidade de parceria bem mais comum no exterior. Neste tocante, ao que me parece, estamos relativamente atrasados. Mas experiências como estas devem inspirar a procura por novas modalidades de parceria. Todos saem ganhando. Empresas, em busca da imparcialidade e da experiência de pesquisadores, contratam estudos. Os investigadores realizam as pesquisas e o conhecimento gerado será eventualmente divulgado em publicações, ou mesmo difundido pelos alunos estrangeiros aqui recebidos, quando da sua saída. Esta divulgação atrai a atenção de novos alunos, além de viabilizar ao estabelecimento de novas parcerias. O pesquisador, por sua vez, adquire notabilidade e mais inserção internacional. Trata-se de um círculo virtuoso", finaliza Murilo.

    Uma experiência transformadora para quem vai

    Estimulado pelo seu orientador, o jovem pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Lucas Guimarães Abreu, que na época ainda era estudante, pleiteou uma bolsa de estudos no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior PDSE) que, para sua felicidade, foi concedida.

    Mas ele recorda que os desafios começaram mesmo antes da chegada ao seu destino. A primeira pergunta (e aflição) havia sido em relação à escolha da instituição de destino. "Quando iniciamos o processo para tentar estudar ou trabalhar por um tempo no exterior, às vezes, nos deparamos com tantas informações que, ao final deste processo, conseguimos criar mais de uma possibilidade. Acho que o critério para definirmos esta escolha deve ser pautado no que se quer aprender ou aprimorar."

    Acabou se decidindo pela Universidade de Alberta, no Canadá, onde ficou durante o ano de 2014. Logo no início da sua estadia, no entanto, Lucas se deparou com outra dificuldade, o clima. Mesmo com temperaturas extremamente baixas (Edmonton apresentava, na época, temperaturas médias ao redor dos -20°C), Lucas ameniza o primeiro impacto: "Os problemas relacionados ao frio intenso e à alimentação diferente foram logo amenizados pela ótima infraestrutura que a universidade oferecia".

    Passado o primeiro "susto", Lucas logo iniciou seus estudos. Aplicado, ainda nos primeiros meses, ele se preocupou em se organizar e criar uma rotina de trabalho: "lembro-me que passava toda a semana na universidade, seja na minha sala, na clínica ou na biblioteca. Esta rotina garantiu uma concentração muita grande no trabalho que devia exercer na universidade, e já no segundo mês, consegui uma boa publicação." Daí por diante, Lucas continuou estudando bastante e participando de diversos trabalhos.

    Organizado com o tempo, o jovem pesquisador ainda conseguiu desfrutar de outras vantagens decorrentes de se estudar fora. Para ele, o estudante "deve tentar se envolver em outras atividades fora do seu departamento. A integração com a cultura local é uma estratégia inteligente para se ocupar o tempo com atividades diferentes daquelas do seu ambiente de trabalho". Ele recomenda: "a maioria das universidades no exterior oferece uma lista de atividades extracurriculares e programação cultural que irá contribuir ainda mais para sua experiência e socialização."

    Experiências como a que teve são "oportunidades transformadoras para as pessoas que decidem encarar o desafio", afirma Lucas. Isso mesmo, um desafio. Apesar de recompensadora, ele admite que "nem tudo são flores". Por isso mesmo, o atual professor adjunto do departamento de Odontopediatria e Ortodontia da UFMG, Lucas, se apressa em alertar: "o primeiro passo seria não ignorar a importância de se ter o domínio de um idioma diferente do português, preferencialmente o inglês. A consolidação de uma parceria é basicamente feita através da comunicação que o pesquisador tem com seus interlocutores em outros países. Assim, o jovem deve ser capaz de ler, ouvir e escrever naquela língua estrangeira com segurança para poder expressar a sua demanda".

    Mesmo ainda jovem, ele reconhece que a experiência que vivenciou é apenas uma extensão de um processo maior e necessário para a evolução do conhecimento: "O que precisamos é reconhecer que, como qualquer outro país, temos fragilidades e a consolidação destas parcerias é uma ótima oportunidade para superarmos os limites de demanda do mercado interno. Faço este relato com certo alívio, pois tenho certeza que parte da comunidade acadêmica brasileira já reconheceu esta necessidade. Prova disso é a organização dos nossos programas de pós-graduação e a reputação que nossa pesquisa possui no exterior. O que devemos fazer agora é convencer a outra parte que ainda é resistente a estes ideais e tentar estimular nos nossos alunos a ter paciência para a construção de uma formação profissional adequada, a humildade para o reconhecimento de nossas limitações e a busca pelo conhecimento independentemente de fronteiras. Talvez, este seja o caminho para um conceito que contemple a oportunidade para todos", conclui Lucas.

    O conhecimento de quem está acostumado a receber

    O professor associado de Ortodontia da Universidade de Alberta, Canadá, Carlos Flores-Mir foi um dos que recebeu Lucas na Universidade de Alberta. Carlos é natural do Peru, mas já reside há alguns anos em Edmonton. Assim como ele, o corpo docente da instituição em que trabalha é composto por outros professores de outras nacionalidades. "O Canadá sempre foi um país tradicionalmente construído por contínua imigração de pessoas. Não parece haver um direcionamento específico para forjar uma diversidade cultural em nível universitário. Mais parece que normalmente há pouca disposição por parte de Cirurgiões-Dentistas canadenses em se empregarem como professores em tempo integral. Embora não planejado para ser assim, o produto final realmente cria um ambiente acadêmico extremamente próspero, um caldeirão com várias culturas e experiências de vida. Portanto, os estudantes de Odontologia na nossa Faculdade são expostos a uma grande variedade de maneiras de como se executar procedimentos clínicos, refletindo uma mistura global de filosofias de ensino e de prática clínica".

    Tradicionalmente, a Universidade de Alberta vem recebendo também muitos alunos estrangeiros. Flores-Mir confirma que a sua universidade, mais especificamente, a Faculdade de Odontologia é extremamente interessada em fomentar e apoiar este cenário, já que isto faz parte de um plano estratégico de internacionalização. "No curso de graduação, quase todos os estudantes fizeram pelo menos o ensino médio em instituições de ensino canadenses. Mas há agora um programa que permite que Cirurgiões-Dentistas estrangeiros formados sejam incorporados aos dois últimos anos de treinamento clínico, como forma de viabilizar o reconhecimento das qualificações que obtiveram previamente em seus países". Mas é nos programas de pós-graduação, "que se observa uma entrada substancial de Cirurgiões-Dentistas estrangeiros formados. Isto acontece tanto em programas baseados no treinamento para pesquisa, quanto naqueles de treinamento clínico".

    No entanto, o professor alerta para uma das maiores dificuldades enfrentadas por profissionais: licença de prática profissional. "A não ser que o mesmo seja registrado como aluno em tempo integral de um programa de treinamento clínico da Faculdade de Odontologia, nenhuma interação direta com pacientes é possível. Esta questão é parte de um complexo conjunto de regras que regem a prática clínica no nosso estado (Alberta)".

    Outra dificuldade relacionada à adaptação, segundo Flores-Mir é a inicial barreira cultural e de ambiente que todo estudante estrangeiro deve superar. "O Canadá é um caldeirão de culturas, mas há um determinado conjunto de atitudes que diferenciam os canadenses. Dependendo de onde o estudante vem, a adaptação a este novo ambiente pode se tornar fácil ou não. Além disso, há alguns comportamentos que são aceitáveis em ambientes acadêmicos de outros países, mas não no Canadá."

    Mas nem por isso, ele deixa de ressaltar que esta dificuldade é transponível: "Devo dizer que o verdadeiro potencial dos alunos estrangeiros é mais bem demonstrado após o processo de adaptação". E recomenda: "às vezes, se um potencial aluno tem a oportunidade de antecipar em alguns meses sua vinda para reforçar o seu inglês e iniciar sua adaptação, esta se torna a melhor maneira de se ter um começo acadêmico intenso e produtivo."

    Hoje recebendo alunos, mas outrora um dos recebidos, Carlos já vivenciou os dois lados do processo. "Todos somos indivíduos dotados de inteligência, com uma diversidade enorme de experiências profissionais. Aprender é, no final das contas, um processo de troca de suas experiências pessoais com as de outras pessoas. Qualquer experiência em si é positiva, já que esta permite que se cresça como pessoa. Sair da sua zona de conforto, tanto acadêmica quanto pessoal, é uma experiência necessária e permite nossa evolução. Os desafios enfrentados são eventualmente superados e as experiências adquiridas nos servirão por toda a vida. Além disso, estas vivências abrem nossos olhos para o mundo. Esta faceta da internacionalização torna-se, assim, uma necessidade. Se expor aos outros nos faz questionar a nós mesmos. Idealmente, esta interação permite o crescimento a todas as partes envolvidas. Este é, simplesmente, o caminho pelo qual nossa profissão deve evoluir. Devemos estar abertos à mudança, porque mudança é vida."

    Compartilhando experiências

    "O meu principal objetivo ao me decidir pelo doutorado sanduíche foi a oportunidade de trabalhar em um laboratório de referência internacional no tema da minha tese, desgaste dentário erosivo. No início do meu curso de doutorado tive a possibilidade de conhecer o professor Adrian Lussi, que viria a ser meu orientador durante o doutorado sanduíche. Como meu orientador aqui no Brasil já realizava alguns projetos em colaboração com ele, tornou-se uma opção natural pelo doutorado sanduíche em seu departamento na Universidade de Berna. As maiores dificuldades que enfrentei foram a ansiedade por ter de desenvolver um projeto num tempo limitado e de acordo com o padrão de qualidade alto do laboratório e a saudade da família e dos amigos. Em Berna o idioma mais falado é o alemão suíço, difícil até para quem tem algum conhecimento da língua alemã, o que não era meu caso. Porém, dentro da universidade e na maioria dos lugares na cidade (mercado, estações de trem, restaurantes) sempre consegui me comunicar bem em inglês. Claro que algumas vezes ficava de fora das conversas no laboratório, e as reuniões da equipe passaram a ser em inglês especialmente devido à minha presença. Mas isso não interferiu no meu aproveitamento. Antes mesmo da minha chegada, tive ajuda com os documentos para a solicitação do visto. E durante minha estadia pude contar com o apoio da universidade no que precisei. Tive a oportunidade de participar de alguns cursos e workshops, inclusive com apoio financeiro do departamento. O aspecto positivo dessa experiência foi à ampliação dos horizontes, tanto profissional quanto pessoal. O aprendizado diário e o contato com culturas diferentes com certeza são as melhores partes. Foram tantos aprendizados, em tão pouco tempo, que sempre tenho a impressão que vivi três anos em um. Fui em busca de uma melhor qualificação como pesquisadora, mas o maior aprendizado foi muito além da ciência. Essa troca de experiências é indescritível, ajuda a quebrar alguns preconceitos e estereótipos, tanto da imagem que você tem dos outros, quanto da imagem que os brasileiros muitas vezes deixam transparecer. Acho que um dos maiores aprendizados é o fato de você saber selecionar o que realmente importa na sua vida. Ver a imagem positiva dos brasileiros no exterior, e como a nossa Odontologia não deixa a desejar frente a outros países é um orgulho. Mesmo com as dificuldades que enfrentamos nas nossas universidades, temos condições e recursos humanos de qualidade para continuar a produzir ciência de alto nível. Torço para que o número de bolsas, concedidas pelos governos e instituições seja compatível com a demanda, e que mais alunos possam desfrutar dessa experiência única."

    Cristiane Meira Assunção - Intercâmbio durante o doutorado sanduíche na Universidade de Berna, Suíça, no Departamento de Odontologia Preventiva, Restauradora e Odontopediatria – no período de julho de 2014 a junho de 2015 por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) da Capes.

    "Realizar um estágio no exterior sempre foi parte de um projeto profissional, como forma de conhecer, na prática, a rotina em uma grande universidade fora do Brasil, e pessoal, por ter grande vontade de conhecer de perto uma cultura diferente da brasileira junto aos nativos e praticar o inglês. Ao longo do meu mestrado com a professora Mariana Braga (que também é minha orientadora do doutorado), passei a estudar bastante o tema "diagnóstico de cárie" (e outros temas relacionados) e um professor sempre se destacou dentre as publicações que estudei: professor Kim Rud Ekstrand, da Universidade de Copenhagen. Após três anos realizando alguns trabalhos juntos, delineamos um projeto de estágio sanduíche para meu doutorado. Em setembro de 2014 tivemos a proposta aprovada pelo CNPq, e em novembro de 2015 iniciei meu estágio na Universidade de Copenhagen com o professor Kim. Não senti dificuldades com o idioma, porque, apesar de a língua oficial ser o dinamarquês, todos os habitantes de Copenhagen falam inglês fluente e não se incomodam de conversar nesse idioma! A Universidade de Copenhagen é enorme e segue os padrões da Dinamarca: organização e qualidade. O prédio onde funciona a Faculdade de Odontologia é bem localizado e de fácil acesso. O departamento no qual fiz o estágio, de Cariologia e Endodontia, é munido de um laboratório com equipamentos de altíssima qualidade e sempre com um funcionário disposto a ajudar. A estrutura das clínicas de Odontologia é diferenciada e os alunos têm todos os materiais necessários ao curso disponíveis para utilização. Há, ainda, alguns consultórios do serviço público, nos quais são realizadas atividades em parceria escola-serviço. Profissionalmente falando, a experiência de estudar fora do Brasil foi sensacional! Pude mostrar o trabalho que desenvolvo no doutorado no Brasil (que eles receberam e discutiram com bastante interesse) e, ao mesmo tempo, vivenciar os trabalhos em diagnóstico de cárie que eles realizam na graduação e na pós-graduação. Tudo isso me fez adquirir mais aprendizado e a ter ideias de trabalhos, de protocolos e condutas; abrir a mente mesmo! A convivência com uma cultura completamente diferente me concretizou o quanto somos diferentes nesse mundo e quantas particularidades e hábitos distintos existem. Vivenciar a rotina na Universidade de Copenhagen e poder compará-la com a Universidade de São Paulo também foi especial, pelo aprendizado que pude ter com filosofias de tratamento e de manejo da doença cárie (em crianças e adultos) e na organização diferente das instituições. Diante de tudo isso, recomendo a experiência de estágio no exterior aos alunos de pós-graduação que têm interesse. É fantástico voltar ao Brasil, ter ideias e querer melhorar o lugar onde vivemos e estudamos!"

    Isabela Floriano - Intercâmbio durante doutorado sanduíche para a Universidade de Copenhagen, Dinamarca - Departamento de Cariologia e Endodontia – no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016 – por meio de bolsa doutorado sanduíche do CNPq (SWU 203244/2015-0) vinculada a um auxílio pesquisador visitante.

    "Realizei o intercâmbio para Coimbra, Portugal, pelo programa Bolsa Mérito Acadêmico. Nunca tinha pensado em fazer intercâmbio antes, mas quando surgiu o edital me inscrevi e passei em primeiro lugar entre os colocados. Os meus dois maiores objetivos com o intercâmbio era ter uma perspectiva internacional sobre o curso e sobre a carreira na Europa, principalmente em Portugal e poder trazer para o Brasil toda a experiência e conhecimento adquiridos para que as utilizasse em busca de crescimento pessoal e profissional. Além disso, também buscava a troca de experiências e cultura com outros intercambistas e, com isso, um aperfeiçoamento do inglês. Mesmo morando em um país que também fala português, pratiquei muito o inglês e o espanhol, pois Coimbra é um dos grandes polos de intercâmbio na Europa, com muitos alemães, italianos, espanhóis. Pude com isso conhecer pessoas de diferentes lugares do mundo e também aperfeiçoar outra língua. Os aspectos positivos do intercâmbio foram a troca de experiência com os alunos, pois pude vivenciar o dia a dia de um aluno português, como funciona o sistema de avaliação deles, as clínicas, as matérias teóricas, estágios etc.; aperfeiçoamento do inglês; mais autonomia e responsabilidade tanto na vida pessoal, o dia a dia, como na acadêmica, pois tudo é diferente. A melhor definição é que com o intercâmbio, você é tirado da sua zona de conforto e é colocado à prova.

    A Fousp possui uma infraestrutura muito melhor se comparada a Faculdade de Odontologia de Coimbra, tem uma clínica melhor equipada, uma faculdade mais moderna, com laboratórios muito melhores. A quantidade de pesquisas aqui também é maior e foi muito importante essa comparação para que eu também valorizasse ainda mais a Faculdade em que estudo.

    O intercâmbio foi muito importante profissionalmente, pois o fato de ter tido uma experiência internacional me abriu muitos oportunidades aqui e também ampliou meus horizontes para uma possível pós-graduação ou até mesmo trabalhar em outro país. Atrasei um ano da minha faculdade fazendo esse intercâmbio para Portugal e não me arrependo, pois os ganhos que eu tive foram muito maiores que a possível perda com o atraso. Foi a melhor experiência que eu já tive.

    O conselho que dou para alunos que querem fazer intercâmbio é que vai ser a melhor fase da vida deles, e que a pessoa tem que ir sem medo; podem aparecer diversas situações difíceis, a saudade da família e dos amigos será grande, mas tudo vai valer a pena quando comparado com o aprendizado final. Todas as dificuldades que tive foram muito bem superadas e contribuíram para o meu amadurecimento e permanecem".

    Marília de Carvalho – Intercâmbio realizado na graduação para a Universidade de Coimbra, Portugal – no período de setembro de 2015 a fevereiro de 2016 – pelo Programa Bolsa Mérito Acadêmico, realizado pela AUCANI-USP.

    "Sempre tive curiosidade e vontade de estudar fora do país, com o objetivo de aprender novas culturas, línguas e formas de ensino diversificadas. Portanto, meu objetivo principal era aprender ao máximo tudo que estivesse ao meu alcance. Tive um pouco de dificuldade com o idioma no início, pois em um intercâmbio acadêmico somente o inglês intermediário não é suficiente, afinal, fazemos provas, temos aulas, seminários, tudo em inglês. Porém, não interferiu no aproveitamento da minha experiência, pelo contrário, por ter de estar sempre estudando e em contato direto com o idioma, meu conhecimento e minha fluência aumentaram. A recepção no exterior foi excelente. Na universidade que estudei existem muitos estrangeiros, por isso o acolhimento é bem diferenciado. Existe um programa de 'tour' que leva os novos estudantes para conhecer os ambientes da universidade, o que facilita muito a localização posteriormente. As pessoas dentro da universidade estão acostumadas com a diversidade cultural e muitas vezes os próprios funcionários são de outras regiões do mundo, o que facilita o entendimento e o respeito diante das dúvidas e dificuldades. Vários são os aspectos positivos, entre eles, o crescimento acadêmico e pessoal, a oportunidade de conhecer novas culturas, envolvimento em projetos voluntários etc. É muito difícil dizer qual foi o maior aprendizado, pois o aprender foi constante e em todos os dias. Quando uma pessoa mora em outro país acaba percebendo a importância das coisas simples e a valorizar os pequenos momentos. Aprendi a ser mais flexível com as pessoas e situações, a ter mais autoconfiança e força nos momentos difíceis e/ ou para solucionar um problema sozinha. Além disso, pela convivência com pessoas de várias partes do mundo, aprendi a respeitar muito mais as diferenças culturais, ideológicas, raciais e religiosas. Essa experiência influenciou diretamente na minha formação profissional. Tive oportunidade de entrar para a área de pesquisa e pretendo continuar. Quando voltei ao Brasil, ingressei na Iniciação Científica a qual faço parte atualmente. Além disso, tive a chance de conhecer e trabalhar com profissionais incríveis e altamente qualificados. Recomendaria essa experiência para todos os alunos, pois acredito que é muito válida a oportunidade de conviver com outras culturas, adquirir novos conhecimentos, sair da sua zona de conforto. Uma experiência assim abre a mente, faz crescer como pessoa e como profissional, e muitas vezes faz o indivíduo dar mais valor para coisas que antes não davam muita importância. Um conselho que eu daria a esses alunos que se interessam por uma experiência desse tipo é ter dedicação. O importante é não desistir do que realmente quer; ter paciência, muito estudo e ficar de olho nas datas e prazos dos programas que querem participar".

    Marina Pellegrini Cicotti – Intercâmbio realizado na graduação para a Universidade de Manitoba, Canadá– Departamento de Ciências da Saúde e Odontologia-Endodontia – no período de agosto de 2013 a dezembro de 2014 – por meio de bolsa integral pelo programa Ciências sem Fronteiras.

    Empresa auxilia no processo de internacionalização de alunos da USP Ribeirão Preto

    A iTeam USP-RP é uma organização sem fins lucrativos que tem como principal objetivo catalisar o processo de internacionalização no campus da USP em Ribeirão Preto, por meio do incentivo à interação entre alunos brasileiros e estrangeiros e da ruptura de barreiras culturais existentes. "Trabalhamos oferecendo suporte, integração e informação tanto aos estrangeiros que chegam em Ribeirão Preto, quanto aos alunos brasileiros que vão para o exterior. Aos intercambistas, temos o programa de Buddy e Housing, no qual realizamos a alocação dos alunos estrangeiros através de uma plataforma on-line. Selecionamos, também, alunos voluntários do campus para serem "buddies", ou seja, guias desses intercambistas durante sua experiência em um país desconhecido. Com os estrangeiros, também organizamos viagens, festas, city tours, aulas de capoeira, dentre outras atividades culturais. Já aos brasileiros, oferecemos um projeto contendo todas as informações necessárias para alunos que irão viajar. Além disso, também realizamos eventos de diversos temas internacionais na universidade, com a intenção de construir um canal entre os alunos e as oportunidades globais existentes", conta Ana Luiza Bolsonaro, presidente da iteam. Ana considera que, uma vez tomada a decisão de estudar fora, é importante o estudante estar consciente que muitos desafios virão pela frente, porém junto a eles, também virá muito aprendizado. "É importante manter a cabeça aberta para conhecer novas culturas, novas pessoas, aprender novos idiomas e novos hábitos também. É interessante que, antes de viajar, o aluno pesquise sobre o seu país de destino. Informações como idioma, moeda local, costumes, comidas típicas, clima local são sempre bem-vindas no processo de preparação. Também é importante que o aluno esteja atento a todos os documentos necessários para sua viagem. O estudante deve contar com um planejamento financeiro baseado na moeda local e nos gastos básicos que terá no país, como moradia, alimentação, transporte, entre outros. Além disso, o aluno pode pesquisar e aplicar para programas do governo que incentivam o intercâmbio estudantil, os quais oferecem financiamentos e incentivos financeiros. Informações como estas, juntamente com o preparo emocional do aluno, além de facilitar o processo de preparação, tornam a experiência internacional de um jovem muito mais enriquecedora e agradável". z.

     

     

    Por Swellyn França