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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 n.3 Sao Paulo Jul./Sep. 2016

 

Matéria de capa

 

ODONTOLOGIA RESTAURADORA NA ERA ADESIVA

 

 

Especialistas nacionais e internacionais falam um pouco sobre restaurações adesivas com enfoque nas resinas bulk-fill, que surgiram para simplificar a técnica. Embora citem alguns cuidados necessários com essa classe de materiais, perspectivas positivas são unanimidade entre os entrevistados

A Odontologia restauradora e estética e a filosofia de tratamento restaurador minimamente invasivo têm sido baseadas no conceito da adesão dos materiais restauradores aos tecidos dentais mineralizados. Neste contexto, a Dentística atual se alicerça em princípios de prevenção, máxima preservação e mínima restauração ou intervenção das estruturas dentais, que somente puderam ser contemplados depois do conceito e aplicação prática das técnicas restauradoras adesivas.

"Os sistemas adesivos desempenham um papel fundamental na Odontologia atual. O mecanismo de adesão ao esmalte e à dentina consiste basicamente em um processo de substituição dos minerais removidos dos tecidos dentais duros, pelos monômeros resinosos obtendo-se uma retenção micromecânica pela penetração desses monômeros nas microrretenções criadas com a remoção desses minerais", explica a doutora em Dentística pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), Alessandra Pereira de Andrade.

O professor titular de Dentística do Departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (FFOE/UFC) e avaliador de cursos do Ministério da Educação desde 2002, Vicente de Paulo Aragão Sabóia, concorda que ter a possibilidade de praticar uma Odontologia Minimamente Invasiva é a principal vantagem das restaurações adesivas diretas. "Os preparos podem se resumir à remoção do tecido cariado e acabamento das paredes das cavidades. Isso é um avanço extremamente considerável se compararmos com os preparos cavitários que exigiam ampla destruição de tecido dental sadio em busca de retenção para as restaurações convencionais".

Outra vantagem das restaurações adesivas diretas em resina composta, quando comparada àquelas realizadas em amálgama está relacionada ao grau estético que pode ser obtido.

"Os protocolos adesivos empregando resinas compostas devolvem forma, textura e cor natural dos dentes hígidos com baixo custo operacional. Outro aspecto importante é a recuperação do estado de tensão e deformação do dente restaurado de forma similar ao dente hígido. As resinas possuem características mecânicas otimizadas pelas novas formulações, que aliada a integração adesiva faz com que o dente recupere a resistência similar a dos dentes hígidos. Ou seja, a resistência do dente restaurado aos esforços mastigatórios passa a ser a mesma do dente natural", esclarece o doutor em Clínica Odontológica - área de Dentística - pela FOP-Unicamp, Carlos José Soares, atual professor da área de Dentística e Materiais Odontológicos da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, professor permanente do programa de pós-graduação em Odontologia da UFU e atual coordenador da área de Odontologia da Capes.

Também destacando a vantagem estética das restaurações adesivas, o professor responsável de Biomateriais e Odontologia Minimamente Invasiva na Universidad CEU Cardenal Herrera, na Espanha, Salvatore Sauro, que tem 15 anos de experiência em adesão dental, Odontologia preventiva e biomateriais, enfatiza que as resinas compostas estão disponíveis em uma grande gama de cores para que este material possa combinar melhor com a cor natural das estruturas dentárias a serem restauradas. "As resinas compostas, assim como as estruturas dentárias, apresentam translucidez, opalescência e fluorescência. Não há qualquer outro material para restaurações diretas que apresentem tais propriedades. Há ainda mais propriedades das resinas compostas que a fazem um material mais favorável que muitos outros. As resinas compostas são caracterizadas por resistencia à compressão e tração altas, e pequenas alterações em suas propriedades físicas e mecânicas podem prover indicações de utilização mais amplas. O tipo de partícula inorgânica e a proporção entre partículas e matriz orgânica determinam a habilidade das resinas compostas em suportar desgaste e estresse. Ainda, as resinas apresentam excelentes propriedades de manipulação resultando consequentemente em maior aceitação de uso na maioria das situações clínicas".

As propriedades de 'adesão indireta' das resinas compostas são outra vantagem muito importante quando estas são utilizadas em procedimentos restauradores diretos, conforme acrescenta Sauro. "Estes materiais podem ser aderidos a tecidos duros como, por exemplo, esmalte e dentina, por meio de sistemas adesivos específicos. Sistemas adesivos modernos associados a procedimentos específicos de adesão permitem que clínicos criem uma união micromecânica e/ou química com a dentina e esmalte, resultando em retenção estável de até seis a oito anos de utilização intrabucal. Entretanto, a sobrevida de uma restauração de resina composta também deve depender do tipo de sistema adesivo empregado e também da qualidade dos procedimentos adesivos realizados clinicamente", explana o professor da Universidad CEU Cardenal Herrera.

Entretanto, há algumas desvantagens relacionadas às restaurações adesivas diretas. "Todos os procedimentos que envolvem técnicas adesivas são muito mais sensíveis a variações de manipulação e de contaminação. Requer maior conhecimento técnico de todos os produtos empregados durante a aplicação, maior conhecimento científico para adequada escolha dos materiais para uso clínico, um treinamento do operador, já que são materiais sensíveis a experiência operatória do usuário e não podem ser realizadas sem controle adequado da umidade do campo operatório. Estas características, restringem ou reduzem a durabilidade do procedimento quando realizadas em situações adversas, e podem, desta forma, ser consideradas como desvantagens da técnica adesiva", lembra a doutora em Materiais Dentários pela Universidade de São Paulo, Alessandra Reis, que atualmente é professora adjunta do Departamento de Dentística da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

O maior problema que caracteriza todos os materiais à base de resina polimerizável, na visão de Salvatore Sauro, é a contração volumétrica, e como consequência o estresse gerado na interface entre dente e adesivo/resina. "A maioria das resinas micro-híbridas ou nano-híbridas apresenta contração de polimerização que varia de 1,5 a 5,3%. É conhecido que contração excessiva ou descontrolada de resinas pode levar à formação de fendas e microinfiltração consequentemente. Outra desvantagem das resinas compostas é sua durabilidade. De fato, é relatado na literatura que até quando se utiliza adesivo padrão-ouro como, por exemplo, adesivos multipassos autocondicionantes ou de condicionamento total, não duram tanto quanto restaurações de amálgama (> 15 anos de utilização intrabucal). Adicionalmente, algumas restaurações de resina podem degradar (especialmente em casos de erros operatórios), desgastando relativamente rápido e apresentando alteração de cor. Estes problemas são mais evidentes em resinas microparticuladas de esmalte, as quais geralmente apresentam resistência mecânica inferior e maior sorção de água e solubilidade que outras resinas micro-híbridas ou nanohíbridas. Além disso, restaurações de resina composta são consideradas sensíveis à técnica. Isto significa que os clínicos devem apresentar habilidades e treinamento adequados para realizar restaurações diretas em resina. Adicionalmente, a utilização do isolamento absoluto é obrigatória durante procedimento de adesão ou aplicação das camadas resinosas para se evitar a contaminação com saliva e sangue, reduzindo o risco de falha prematura da restauração", detalha.

Na opinião do doutor em Clínica Odontológica pela Universidade Estadual de Campinas e University of North Carolina, André Figueiredo Reis, que é professor associado do Centro de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Guarulhos (CEPPE/ UNG), se a técnica adequada é empregada, não há desvantagens em sua utilização. "As pesquisas na área resultaram em materiais que minimizam estas desvantagens citadas (sensibilidade, contração de polimerização e durabilidade), conseguindo altas taxas de sucesso em longo prazo. Claro que qualquer procedimento é operador-dependente, e se as recomendações dos fabricantes não forem seguidas e os princípios básicos de união forem desrespeitados, resultados desastrosos podem acontecer", pondera.

Resinas bulk-fill surgem para facilitar a restauração direta adesiva

O professor do CEPPE/UNG, André Reis, conta que, em agosto de 2007, a convite do doutor Walter Dias, foi passar duas semanas prestando consultoria na empresa Dentsply Caulk, em Milford, nos Estados Unidos. "Nesta visita, tive a oportunidade de conversar com os químicos que desenvolveram a primeira resina bulk-fill de baixa tensão de contração de polimerização e auto-nivelamento do mercado, uma equipe brilhante, liderada pelos doutores Xiaoming Jin e Bernard Koltisko. Na ocasião Xiaoming Jin, me fez a seguinte pergunta: se você encontrasse o gênio da lâmpada e tivesse direito a um desejo odontológico, o que pediria? Sem pensar duas vezes disse: uma resina composta que eu não precise inserir em incrementos, que não produza os efeitos indesejáveis da contração de polimerização e tenha boas propriedades mecânicas. Ele ficou pensativo e disse: estamos trabalhando nisso! No mesmo dia, tive um encontro com outro químico, que também se tornou um grande amigo, Skip Bertrand, que me apresentou ao protótipo da SDR, veio com um manequim, e pediu para que utilizasse e apresentasse minha opinião. Fiquei encantado com a facilidade de aplicação, mas como pesquisador, pensei: este negócio não tem como funcionar, impossível. Chegando ao Brasil, recebi um e-mail com uma proposta para desenvolver um projeto de pesquisa na Universidade Guarulhos para avaliar o material e propus a realização de testes em cavidades clinicamente relevantes, 'para provar que o material não funcionava'. Por incrível que pareça, os resultados foram significativamente melhores do que a técnica incremental convencional. Vim saber alguns anos depois, que o projeto de desenvolvimento da Surefil SDR Flow estava pronto para ser descontinuado, e quando a empresa recebeu os meus resultados foi dado continuidade ao projeto, o que resultou no lançamento da primeira resina bulk-fill do mercado, em 2009".

André Reis apresentou o primeiro trabalho científico sobre a resina no encontro da International Association for Dental Research, que aconteceu em Miami naquele mesmo ano. Depois do seu lançamento, o material rapidamente recebeu aprovação dos clínicos e diversos outros pesquisadores publicaram resultados favoráveis. "Outros fabricantes se apressaram para não ficar de fora desta nova classe de materiais. Sobre empregabilidade, aceitabilidade e eficácia? A técnica incremental está com os dias contados. Desde 2009 não aplico mais a técnica incremental em dentes posteriores na minha prática clínica. Utilizo a resina composta Surefil SDR Flow há sete anos, e esta prática clínica é apoiada por estudos clínicos de longo prazo e dezenas de pesquisas laboratoriais", enaltece André.

Questionado sobre sua avaliação quanto às resinas bulk-fill, o professor da UFU e coordenador do Capes, Carlos José Soares, acredita muito nesta modalidade de resina composta. "Pela facilidade de uso e pelos resultados de diversos estudos laboratoriais do nosso grupo e nos achados que a literatura recente e volumosa tem expressado sobre este tema. Estas resinas que surgiram há poucos anos ganham espaço por duas características fundamentais: simplificação de protocolo e redução das tensões de contração de polimerização. A possibilidade de inserção em único incremento para as resinas na forma de pastas ou de viscosidade regular restaurando dentina e esmalte ou então no preenchimento da dentina com o uso das resinas flow ou de baixa viscosidade e posterior recobrimento com resinas convencionais superam algumas limitações da técnica incremental convencional. Quanto à aceitabilidade vejo que ela é crescente e irreversível por parte dos clínicos. O ganho de tempo e, mais que isso, a simplificação de protocolo agrega benefícios ao profissional e ao paciente. Imagine o ganho de 20 a 30 minutos em cada procedimento extenso no atendimento de crianças; em condições de maior dificuldade de manutenção do controle do campo operatório; e em casos de dentes tratados endodonticamente, tudo isso é extremamente relevante. Entendo que em breve este benefício será incorporado no serviço público com ganho de eficiência e produtividade. Não tenho dúvida de que o futuro da Odontologia restauradora adesiva passa pela simplificação não apenas para ganho de tempo, mas por reduzir etapas onde a ocorrência de falhas também seja reduzida. Neste horizonte as resinas bulk-fill são grandes aliadas."

Da mesma forma, o professor titular da FFOE UFC, Vicente Sabóia descreve que, "as resinas bulk-fill possuem modo de aplicação mais simples e passos operatórios mais curtos, o que torna o trabalho mais rápido, sendo bastante atrativa para os clínicos. Um compósito bulk-fill ideal seria aquele que exibisse pouco estresse de contração de polimerização e mantivesse, ao mesmo tempo, um elevado grau de polimerização por toda a restauração. Para atingirem um bom desempenho clínico, tais compósitos contêm monômeros modificados e partículas que permitem elevada transmissão de luz que possibilitam a inserção de uma única camada e a fotopolimerização adequada até uma profundidade de 4-5 mm. Uma inovação dentro da categoria das resinas bulk-fill foi o desenvolvimento de uma resina que possui modificadores especiais que reagem à energia sonora (SonicFill - Kerr Co., Orange, CA, EUA), transmitida por meio de um equipamento específico de ultrassom acoplado ao terminal do equipo. O acionamento do equipamento faz com que a viscosidade do material diminua em até 87%, fazendo com que esse escoe facilmente para dentro da cavidade preenchendo-a por completo. Isso permite uma inserção ainda mais rápida e uma boa adaptação nas paredes da cavidade. Quando a energia sonora é interrompida, a resina composta retorna para um estado mais viscoso, que é perfeito para escultura. As resinas bulk-fill têm apresentado bons resultados em ensaios laboratoriais com relação às propriedades de polimerização, formação de fendas, resistência de união à dentina, deflexão de cúspides, microinfiltração na parede cervical de restaurações classe II, além de menor tensão de contração e maior resistência à fratura. Esses materiais têm se mostrado promissores para restaurações de dentes posteriores, no entanto, os trabalhos clínicos ainda necessitam de maior tempo de avaliação".

A utilização das resinas bulk-fill também é defendida fora do Brasil. Doutora em Dentística pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) e professora associada, responsável pelo laboratório de pesquisa e ensino em Materiais Dentários no Departamento de Odontologia da Faculdade de Ciências Médicas e de Saúde da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, Ana Raquel Benetti conta que, na Dinamarca, resinas compostas são o material de escolha para restaurar dentes permanentes. "A técnica restauradora empregando resina bulk-fill é bem aceita na prática clínica dinamarquesa devido à praticidade e rapidez da técnica e o respaldo das pesquisas científicas. O uso de resinas bulk-fill é uma alternativa interessante, por exemplo, no tratamento de pacientes que têm dificuldade em manter a boca aberta por períodos prolongados e onde o risco de contaminação da cavidade é maior. Adicionalmente, o ganho de tempo clínico minimiza o desconforto do paciente frente a um tratamento restaurador mais prolongado. Vale ressaltar que maior translucidez e concentração de fotoiniciador de algumas resinas bulk-fill podem implicar em menor tempo de trabalho. A translucidez aumentada e/ou a limitada oferta de cores também têm implicações estéticas, mas como esses materiais são indicados para restaurações posteriores, um resultado satisfatório pode ser obtido na grande maioria dos casos. Apesar disso, em minha opinião, o Cirurgião-Dentista não necessita mudar sua prática se ele está satisfeito com os resultados obtidos com a resina composta convencional", considera.

O professor da Universidade CEU Cardenal Herrera, Salvatore Sauro, afirma que estas resinas fotopolimerizam em espessuras de 4 a 5 mm. "Isto parece apropriado devido às propriedades de alta transmissão de luz, resultantes da redução de reflexão de luz na interface entre partícula e matriz orgânica da resina, tanto pelo decréscimo do conteúdo de partículas ou pelo aumento do tamanho destas partículas. Reivindica-se ainda que as resinas bulk-fill também geram pouca tensão de contração de polimerização na interface resina e dentina/esmalte. As bulk-fill de alta viscosidade contém maior conteúdo de partículas inorgânicas em comparação com as resinas fluidas, as quais apresentam melhor adaptação às paredes cavitárias, embora exibam maior contração de polimerização e menores propriedades mecânicas quando comparadas às resinas que podem ser esculpidas. Com isto, devido às propriedades mecânicas específicas das resinas bulk-fill fluidas, uma camada final de 2 mm de espessura realizada com resinas de alta viscosidade é recomendada, especialmente quando for realizar restaurações de áreas de grandes estresses como, por exemplo, superfícies oclusais de dentes posteriores. Entretanto, somente algumas resinas bulk-fill 'especiais' são capazes de atingir polimerização adequada em profundidade de 4 a 5 mm, até mesmo quando se empregam aparelhos com alta irradiância, com intensidade de luz > 1000 mW/cm2. Também há possíveis problemas sobre contração volumétrica, estresse de contração e propriedades mecânicas de todas as bulk-fills fluidas e esculpíveis disponíveis atualmente no mercado".

Salvatore comenta que, em um artigo recente de Hanan Al Sunbul, Nick Silikas e David C. Watts (Dent Mater. 2016 Aug;32(8):998-1006), muitas resinas convencionais e resinas bulk-fill foram investigadas e demonstrou-se um comportamento diferente de contração, o qual estava fortemente relacionado com diferentes sistemas de monômeros e partículas de suas composições. "A natureza do material determina a quantidade de força e grau de polimerização e o estresse resultante. Estes autores também relatam que os resultados para as resinas bulk-fill estavam na porção de menor tensão e estresse de polimerização, e que os materiais fluidos representavam a porção com maiores resultados de estresse e tensão de polimerização. Entretanto, um dos objetivos mais importantes e problemáticos entre clínicos do mundo todo é a polimerização profunda em procedimentos com bulk-fill. Muitos clínicos utilizam sistemas de polimerização que provem intensidade de luz entre 512mW/cm2 e 300mW/cm2. Nestas circunstâncias críticas, a utilização de bulk-fills é em vão, uma vez que não acontecerá uma polimerização confiável em profundidades maiores que 2 mm. Com isto, a primeira recomendação, quando utiliza-se estas resinas, é que se usem aparelhos de polimerização que pertençam ao grupo daqueles que já foram comprovados em estudos in vivo e in vitro, como o Bluephase (Ivoclar Vivadent), VALO (Ultradent) e outros poucos modelos. Ainda, os Cirurgiões-Dentistas devem se certificar que a ponta do sistema de fotopolimerização está livre de resíduos resinosos, o que causaria redirecionamento da luz, prejudicando a energia entregue às restaurações de resina. Então, uma das regras mais importantes a ser considerada para se atingir um alto grau de eficiência (polimerização ótima) de resinas bulk-fill modernas é que os clínicos devem manter a ponteira de seus sistemas de fotopolimerização sempre em ótimo estado. Outra regra importante para se ter em mente é que sistemas de fotopolimerização rápida (fotopolimerização de três a cinco segundos) não possuem penetração tão profunda quanto sistemas de cura lenta (>30s). Além do mais, a luz nem sempre é emitida em ângulo próximo a 90 graus da fonte emissora. Isto reduzirá o nível de polimerização em muitas situações clínicas como, por exemplo, em restaurações de superfícies linguais de dentes anteriores, em superfícies vestibular e lingual de dentes posteriores, em superfícies distais de dentes posteriores e em caixas mesiais e distais de cavidades de Classe II. É importante considerar, no entanto, que após aplicação em bloco de resinas compostas pode-se induzir contração cumulativa adicional em comparação com a técnica de camadas com pequenos incrementos (< 2 mm). Também, a reação de polimerização em resinas com 4 mm de espessura pode produzir aumento excessivo de temperatura (até 76,9°C no interior da resina) durante a reação de polimerização, o que pode causar injúrias pulpares quando em cavidades profundas. Tem-se relatado que resinas compostas fluidas com baixo conteúdo de partículas apresentam maior aumento de temperatura que resinas híbridas com a mesma distribuição de partículas", esmiúça o professor.

Outras evidências científicas

A professora adjunta do Departamento de Dentística da UEPG, Alessandra Reis, reforça que é cada vez mais frequente a busca pelos pacientes por restaurações estéticas, tanto em dentes anteriores quanto em posteriores, e a resina composta geralmente é o material de escolha quando não há desgaste excessivo da estrutura dental, devido ao fácil acesso, custo relativamente baixo e possibilidade de preparos mais conservadores. "Uma característica inerente dos materiais resinosos – a contração de polimerização (Rutterman et al., 2010, Oliveira et al., 2012) - pode gerar tensões no substrato dental (Stansbury et al., 2005), falhas adesivas da interface dente-restauração, descoloração marginal, cárie adjacente à restauração (Braga e Ferracane 2004, Ferracane 2008), deflexão de cúspide (Kwon et al., 2012), sensibilidade pós-operatória e microfissuras de esmalte (Ferracane 2008). Para minimizar estes efeitos deletérios recomenda-se o uso da técnica incremental para inserção da resina composta. Outra desvantagem das resinas compostas convencionais é a sua limitada profundidade de polimerização. Conforme aumenta a espessura do incremento da resina composta, há uma redução gradativa no grau de conversão da resina composta, e com isto redução nas propriedades mecânicas do material (Rueggeberg et al., 1994; Rueggeberg et al., 1999). Estas duas características inerentes das resinas compostas (contração de polimerização e limitada profundidade de polimerização) requerem que sua aplicação ou inserção na cavidade seja realizada em incrementos. Assim, a restauração de resina composta convencional deve ser realizada em incrementos que idealmente não deveriam ter mais do que 1 mm de espessura (Rueggeberg et al., 1994) para assegurar ótima polimerização mesmo em condições adversas, como intensidade ou tempo de exposição inferiores aos recomendados pelo fabricante. No entanto, 2 mm de espessura é considerado aceitável, desde que a intensidade de luz e o tempo de exposição totalizem uma densidade de energia em torno de 16-24 J/cm2 (Rueggeberg et al., 1999). Por outro lado, a técnica de inserção incremental possui alguns inconvenientes (Ferracane 2008), como a possibilidade de ocorrer contaminação ou incorporação de bolhas entre as camadas, além de necessitar de um maior tempo clínico para execução (Abbas et al., 2003, Lazarchik et al., 2007), que por sua vez aumenta os custos envolvidos na confecção da restauração. Desta forma, uma resina composta ideal seria aquela que pudesse ser efetivamente fotoativada e atingisse propriedades mecânicas satisfatórias para uso clínico quando inseridas em um único incremento".

Alessandra declara que esta é a razão pela qual diversos fabricantes já tentaram (com gerações anteriores de resinas) e mais atualmente reeditaram este conceito produzindo novas resinas compostas bulk-fill com diferentes tecnologias das utilizadas no passado. "Estas novas resinas compostas bulk fill, permitem a inserção de incrementos de espessura de até 4 mm, de uma única vez, quanto que as atuais podem ser de baixa ou alta viscosidade, sendo que as de baixa viscosidade requerem a cobertura por um incremento de resina composta convencional, que não se faz necessário quando se utiliza as resinas compostas bulk-fill de alta viscosidade. A facilidade e a rapidez proporcionada por esta técnica a tornou muito popular, mas por outro lado os clínicos se sentem muito inseguros quanto ao seu emprego já que conhecem as limitações das resinas compostas convencionais. Questionamentos sobre os mecanismos pelos quais as resinas bulk-fill têm melhor profundidade de polimerização e como elas foram capazes de reduzir os efeitos deletérios advindos da contração de polimerização comparativamente às resinas compostas convencionais são bastante pertinentes e devem ser elucidados. Basicamente, a melhoria profundidade de polimerização das resinas bulk-fill foi melhorada por meio dos seguintes mecanismos: 1. Aumento da translucidez da matriz monomérica através de alterações nos índices de refração matriz-carga e redução do uso de pigmentos ou agentes opacificadores que absorvem a luz e assim reduzem sua passagem para regiões mais profundas (Bucuta et al., 2014); 2. Melhoria na eficácia da polimerização através do uso de maior concentração de iniciadores ou mediante o uso de diferentes co-iniciadores com maior potência tais como o Irgacure 819 e o Ivocerin. Diversos estudos laboratoriais atestam que a maioria das resinas bulk-fill atuais possuem uma adequada cura e profundidade de polimerização (Alshali et al., 2013, Abed et al., 2015, Fronza et al., 2015), microdureza (Flury et al., 2012, Czasch e Ilie 2012), além de reduzida eluição monomérica (Alshali et al., 2015, Cebe et al., 2015) e deformação plástica (El-Safty et al., 2012) comparativamente que as resinas compostas convencionais e desta forma, neste quesito, podem ser utilizadas com segurança desde que os outros fatores envolvidos, tais como tempo de exposição e intensidade de luz da unidade fotoativadora, sejam adequados para uma adequada conversão monomérica."

E quanto às tensões desenvolvidas durante a contração de polimerização? Quais foram os mecanismos desenvolvidos para minimizar estes efeitos? A professora da UEPG responde que "sabe-se que a composição da resina composta e que a técnica de inserção são fatores primários empregados para reduzir o desenvolvimento de tensões da contração de polimerização (Ferracane, 2011; Gao et al., 2012) e seus consequentes efeitos deletérios. Neste quesito, diversos tipos de modificações foram realizadas na dependência da marca comercial do produto. Por exemplo, no material SDR® bulk-fill, a molécula de UDMA foi modificada de adição de grupamentos fotoativos, que gerou menores tensões de polimerização que outras resinas compostas de baixa viscosidade de resinas compostas convencionais (Ilie et al., 2011). Outros sistemas aumentam a concentram de partículas de carga, empregam partículas de carga pre-polimerizadas à semelhanças das resinas compostas microparticuladas e alguns ainda empregam outros tipos de modificações não reveladas pelas empresas. Estas modificações têm mostrado resultados satisfatórios nos estudos laboratoriais, por vezes melhores ou por vezes similares àqueles observados com as resinas compostas convencionais que requerem inserção incremental. Estes estudos mostram que estas resinas bulk-fill apresentam tensões de contração de polimerização similar ou reduzida, comparativamente às resinas compostas convencionais que usam técnica incremental (Al Sunbul et al., 2016; Rosatto et al., 2015). A integridade marginal (Campos et al., 2014; Al-Harbi et al., 2016) e infiltração marginal (Francis et al., 2015, Furness et al., 2014) é semelhante àquela observada com as resinas convencionais, porém observa-se reduzida deflexão cuspídea com as resinas compostas bulk-fill (Francis et al., 2015; Bahery et al., 2016). Os mecanismos envolvidos nestes resultados não estão bem elucidados e são dependentes da marca comercial do produto. Ainda são poucos os estudos clínicos sobre o tema, porém os existentes apontam que as resinas compostas bulk-fill apresentam resultados semelhantes em termos de sensibilidade pós-operatória e eficácia clínica, quando comparados com as resinas empregadas na técnica incremental quando utilizadas em dentes posteriores (Costa et al. 2016; Van Dijken et al. 2016).

A professora da Universidade de Copenhagen, Ana Raquel, conta que "em nosso laboratório investigamos cinco resinas bulk-fill (de alta e baixa viscosidade) quanto à profundidade de polimerizacão, contracão e formação de fendas marginais em cavidades de Classe II* (Benetti et al. 2015). Quando comparadas à resina composta convencional, apenas um pequeno aumento quanto à contracão volumétrica e profundidade de polimerizacão foi constatado para as resinas bulk-fill de alta viscosidade (Tetric EvoCeram Bulk Fill, SonicFill). Em contrapartida, as resinas bulk-fill de baixa viscosidade (x-tra base, Venus Bulk Fill, SDR) mostraram significativamente maior contracão e profundidade de polimerizacão. Interessantemente, a formação de fendas marginais foi semelhante àquela observada para a resina composta convencional (Tetric EvoCeram), com exceção das resinas x-tra base e Venus Bulk Fill onde maiores fendas foram constatadas em nosso estudo. Em parceria com Trinity College Dublin, na Irlanda, observamos que as resinas bulk-fill de baixa viscosidade (SDR, x-tra base) recobertas com resina composta convencional (GrandioSO) resultaram em significativamente menor deflecção das cúspides ao restaurar cavidades de Classe II em pré-molares, em comparação com à técnica incremental, empregando a mesma resina composta convencional (Moorthy A et al. 2012). A técnica restauradora com resina bulk-fill foi introduzida no ensino de graduação em Odontologia na Universidade de Copenhague há aproximadamente dois anos, quando os resultados de acompanhamento clínico de três anos de uma resina bulk-fill de baixa viscosidade (SDR) recoberta com resina composta convencional (Ceram X) mostraram resultados comparáveis à técnica restauradora incremental com a mesma resina composta. Esses resultados, em parceria entre as escolas de Odontologia da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, e da Universidade de Umeå, na Suécia, foram confirmados após cinco anos de acompanhamento clínico das restaurações (van Dijken JW et al. 2016)".

Perspectivas sobre resinas bulk-fill são otimistas

Alessandra Pereira de Andrade, avalia as expectativas em relação aos compósitos bulk-fill como animadoras. "Pois a aceitação mostra-se efetiva pela praticidade, pela possibilidade em algumas cavidades da utilização da técnica de monoincremento de até 5mm, diminuindo assim problemas da técnica de inserção incremental. Algumas empresas devem otimizar as propriedades óticas de suas resinas bulk-fill visto que algumas marcas comerciais apresentam alta translucidez que facilita a polimerização em maior profundidade, porém apresentam um aspecto acinzentado após o término da restauração. Vale salientar que uma atenção adicional aos equipamentos de fotopolimerização utilizados deve ser empregada. Por serem realizadas polimerizações de camada de até 5mm de espessura, são necessários fotopolimerizadores com potência mínima de 800mW/cm2, sendo o idealmente desejada uma potencia de 1000mW/cm2", reforça.

Embora acredite que os trabalhos clínicos apresentem ainda resultados de muito curto prazo, o professor da FFOE/UFC, Vicente Sabóia, diz que "espera-se que restaurações feitas com esses materiais tenham maior tempo de vida clínica. Pesquisas são feitas constantemente e as perspectivas são de que sejam desenvolvidos materiais ainda com melhores propriedades mecânicas e técnica menos sensível para que no final tenhamos restaurações com maior tempo de vida útil".

"Em razão do crescente número de estudos e do desenvolvimento tecnológico na área de materiais dentários há expectativas de melhorias quanto às propriedades físicas das resinas bulk-fill", avalia Ana Raquel, da Universidade de Copenhagen.

André Reis, professor do CEPPE/UNG, é taxativo: "Em um futuro próximo, todas as restaurações em dentes posteriores serão realizadas com compósitos bulk-fill. Não existe volta! A técnica incremental utilizando compósito convencional é coisa do passado. É óbvio que a técnica incremental ainda funciona, mas o que se ganha de tempo clínico e o que temos de melhora na adaptação marginal e adaptação interna da restauração justificam a sua aplicação".

"As resinas bulk-fill devem se tornar mais populares com o passar do tempo e seu uso deve-se virar corriqueiro, principalmente em dentes posteriores. De uma forma genérica, estes materiais ainda possuem limitações estéticas, o que restringem seu uso em áreas amplas em restaurações anteriores", opina a professora da UEPG, Alessandra Reis.

Para Salvatore Sauro, da Universidad CEU Cardenal Herrera, "as perspectivas futuras das resinas bulk-fill são muito positivas. Esta classe de materiais é destinada para conquistar o cenário global da Odontologia estética adesiva, uma vez que o crescente peso financeiro em saúde criou a necessidade de restaurações mais simples e rápidas, mas com durabilidade melhorada. Este último aspecto será possivelmente realizado devido ao baixo estresse de contração que estas resinas compostas devem gerar na interface adesiva. Assim, a utilização destes materiais oferecerá aos clínicos a possibilidade de realizar restaurações com mais longevidade e maior custo-benefício em comparação a restaurações mais laboriosas. Entretanto, pesquisadores e companhias de materiais odontológicos devem manter cooperação mútua para criar novos monômeros de baixa contração e resinas bulk-fill, a fim de gerar materiais restauradores com polimerização e contração de polimerização otimizadas".

"Também concordo que as perspectivas são promissoras, os indicadores de desempenho nos estudos laboratoriais demonstram tendência de sucesso e de efetividade. Porém, reforço que este desempenho é dependente do material, ou seja, resinas compostas com formulações distintas apresentam desempenhos diferenciados. Os clínicos devem estar atentos a informações atualizadas geradas por fontes seguras e responsáveis que o suporte na seleção do material. Tenho convicção de que melhoras virão como o ganho de efetividade de polimerização em profundidades maiores que os 4 a 5 mm que os materiais já apresentam hoje, aliado a adequada translucidez que não comprometa a estética. Pensar em eficiência nos remete a acompanhamento clínico, que ainda são escassos, porém estão sendo realizados neste momento por diversos pesquisadores ao redor do mundo. Os poucos já disponíveis são encorajadores e estimulam o uso. Nosso grupo em Uberlândia está em fase final de um estudo longitudinal de três anos de uso de resinas bulk-fill em condições extrema, ou seja, em dentes severamente destruídos com tratamento endodôntico em pacientes jovens e os resultados são excelentes. Incorporar este material na prática clínica não requer grandes investimentos e muito menos modificações substanciais na conduta clínica. Sugiro aos profissionais que sigam adequadamente a recomendação dos produtos selecionados e que se atualizem com as inúmeras fontes de educação continuada, mas sempre com cuidado, analisando a fonte da informação que está se baseando para construir a sua tomada de decisão", finaliza o professor da UFU, Carlos José Soares.

 

Por Swellyn França