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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 n.3 Sao Paulo Jul./Sep. 2016

 

Artigo original

 

Perfil epidemiológico dos pacientes portadores de fraturas de face

 

Epidemiological profile of patients with facial fractures

 

 

Nickollas MendesI; Bruna Caroline de Brito FerreiraII; Rodrigo BraccoIII; Marco Aurelio Tavelin MartinsIV; Eduardo Vasquez da FonsecaV; Daniel Falbo Martins de SouzaVI

 

I Residente de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – Cirurgião-Dentista
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – Cirurgião-Dentista
III Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Conjunto Hospitalar do Mandaqui, Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo - residente 3
IV Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e assistente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Conjunto Hospitalar do Mandaqui
V Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial - Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial do Conjunto Hospitalar do Mandaqui
VI Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Fousp - Coordenador da Residência de Cirurgia e Traumatologia do Conjunto Hospitalar do Mandaqui





Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Fraturas faciais foram provocadas principalmente por acidentes de trânsito (37,3%), e por agressões físicas (33%), vitimando predominantemente pacientes do gênero masculino (83,7%). Ocorreram mais frequentemente na faixa etária entre 21 e 30 anos (38,2%). A frequência de homens e mulheres vitimados entre a primeira e a terceira décadas de vida foi bastante similar. As fraturas mandibulares isoladas foram significativamente predominantes (48%), seguidas pelas zigomáticas (19,7%) e pelas nasais (19,7%). As agressões físicas foram mais frequentemente responsáveis pelas fraturas mandibulares, zigomáticas, nasais, maxilares e frontais, enquanto as fraturas panfaciais e Le Fort resultaram mais frequentemente de aci-dentes de trânsito.

Descritores: fixação interna de fraturas; fraturas mandibulares; fraturas maxilares; fraturas ósseas.


 

ABSTRACT

Facial fractures were mainly caused by traffic accidents (37.3%) and physical abuse (33%), victimizing mostly male patients (83.7%). Occurred more frequently in the age group between 21 and 30 years (38.2%). The frequency of men and women victimized between the first and third decades of life was very similar. Isolated mandibular fractures were significantly predominant (48%), followed by zygomatic (19.7%) and the nose (19.7%). The assaults were most often responsible for mandibular fractures, zygomatic, nasal, maxillary and frontal, while the panfaciais fractures and Le Fort resulted more often aci-teeth transit.

Descriptors: dfracture fixation, internal; fracture fixation; mandibular Fractures; maxillary fractures.


 

 

INTRODUÇÃO

Os traumatismos físicos, notadamente os decorrentes de acidentes de trânsito e agressões físicas, estão entre as dez principais causas de morte e morbidade em todo o mundo, conforme dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2012.1 A região da cabeça e pescoço é uma das mais acometidas, e as fraturas de face, isoladas ou associadas à politraumatismos estão entre os traumas físicos mais frequentes2, devido à maior exposição e à projeção anterior da face. Lesões de cabeça e de face já corresponderam à metade de todas as mortes por causa traumática.3

Fraturas faciais podem evoluir com graves sequelas morfofuncionais4 e pior qualidade de vida representada por prejuízos psicológicos, sociais e econômicos.5 Além disso, acarretam altos custos no âmbito de saúde pública em termos de tratamento, que chegam a equivaler, no Brasil, a valores entre 4% e 7% do orçamento em saúde.

Os dados disponíveis sobre a epidemiologia das fraturas da face são oriundos, na sua maioria, de levantamentos realizados especialmente em serviços ligados a instituições de ensino de ciências da saúde, no intuito de aprimorar tanto o diagnóstico quanto o manejo dessas lesões, uma vez que grande parte das sequelas pode ser evitada com a instituição do tratamento adequado imediatamente após o trauma.2 Os dados epidemiológicos das fraturas faciais também são fundamentais para o planejamento e a avaliação de saúde coletiva, especialmente se considerarmos a diversidade etiológica dessas fraturas5, bem como a influência que fatores geográficos, sociais e econômicos podem exercer sobre o padrão dessas fraturas.6

Já está bem documentado na literatura que as fraturas faciais ocorrem com frequência significativamente maior em homens jovens, entre a segunda e terceira décadas de vida, geralmente em decorrência de acidentes de trânsito ou de agressões físicas (que se alternam como a causa mais frequente nos diferentes estudos), e que a topografia mais frequentemente acometida, isolada ou associada a outros sítios, é a mandíbula. Todavia, mudanças socioculturais, como a maior longevidade do ser humano, a propagação de hábitos deletérios como o abuso de álcool e de drogas ilícitas, a participação da população feminina em atividades e esportes mais violentos, resultam em mudanças também no perfil epidemiológico dessas lesões de face.

O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo epidemiológico de pacientes portadores de fraturas faciais tratados em um hospital terciário do SUS na cidade de São Paulo entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo retrospectivo de caráter epidemiológico foi realizado no Conjunto Hospitalar do Mandaqui (CHM), situado no município de São Paulo/SP, caracterizado como hospital geral de nível terciário, e configurado como referência para politraumatizados na Zona Norte do referido município. A realização do estudo foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CHM sob o protocolo CAAE 51011015.4.0000.5551.

Os dados de análise para a determinação do perfil epidemiológico de fraturas faciais foram coletados nos prontuários de pacientes tratados no CHM no período entre 1º de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2015, com a devida autorização do Setor de Arquivo Médico da referida instituição.

Foram incluídos no estudo dados apenas de prontuários de pacientes com fraturas faciais que contivessem as informações propostas pelo protocolo de estudo previamente estabelecido, a saber: etiologia do trauma, gênero e idade do paciente, topografia das fraturas faciais e tratamento instituído.

Não foram coletados dados de prontuários de pacientes com fraturas dento-alveolares. Foram excluídos do estudo os prontuários que não contemplassem os dados propostos pelo protocolo.

Desse modo, foram coletados os dados de 478 prontuários de pacientes com fraturas faciais, os quais foram submetidos a análises descritivas, representadas pela distribuição de frequências absolutas e/ou percentuais em cada uma das variáveis estudadas. Quando aplicável, a Prova do Qui-quadrado (X2) de uma amostra foi empregada para verificar o nível de diferenças entre as categorias de cada variável, adotando-se a probabilidade de 95% (p < 0,05) para rejeição de hipótese de nulidade.

 

RESULTADOS

A distribuição das frequências relativas à etiologia das fraturas faciais de 478 pacientes tratados entre 2011 e 2015 no CHM evidenciou que os acidentes de trânsito (37,3%) e as agressões físicas (33,%) foram, juntos, a causa de 70% dos casos de fraturas faciais, conforme representação da Figura 1.

Ressalte-se que, na variável "acidentes de trânsito", foram incluídos os acidentes automobilísticos, motociclísticos e ciclísticos e os casos de atropelamentos, e que 57,3% desses acidentes de trânsito foram representados por acidentes motociclísticos, frequência essa significativamente maior (X2 = 113,93; p < 0,001) do que os demais acidentes de trânsito, a saber: acidentes automobilísticos: 27,5%; acidentes ciclísticos: 10,5%; atropelamentos: 4,7%.

Com relação às quedas, 62,9% foram casos de quedas da própria altura. Outras causas incluíram dois casos de acidentes domésticos, um caso de fratura patológica e uma tentativa de suicídio.

A frequência de pacientes do gênero masculino (83,7%) foi significativamente maior (p < 0,001).

Observa-se na Figura 2 que, com relação à faixa etária, a maior frequência de traumas ocorreu na terceira década de vida (38,2%). Também se observa que a frequência de ocorrência de traumas a partir da quinta década de vida passou a ser relativamente mais frequente entre as mulheres, embora essas frequências tenham sido bastante similares entre homens e mulheres em todas as faixas etárias, à exceção da quarta década de vida, quando a ocorrência de traumas entre as mulheres foi notadamente mais reduzida do que entre os homens.

No sentido de tentar explorar melhor alguma eventual relação entre a etiologia das fraturas faciais, o gênero e a idade dos pacientes, elaborou-se a Tabela 1, na qual se observa que as frequências relativas às diferentes etiologias das fraturas faciais foram sempre significativamente maiores entre os homens, exceção feita às quedas, cuja ocorrência se mostrou relativamente mais equilibrada em relação às mulheres. Também se evidencia na Tabela 1 que as fraturas faciais decorrentes de acidentes de trânsito, notadamente os motociclísticos, ocorreram em homens bastante jovens.

 

 

 

 

 

A frequência de fraturas mandibulares foi significativamente maior (X2 = 850,10; p < 0,001) em relação às demais topografias das fraturas faciais, conforme representado na Figura 3. Nessas fraturas mandibulares, os segmentos acometidos, de forma isolada ou associada, incluíram o corpo (31,6%), o ângulo (29,4%), a sínfise (18,7%), a parassínfise (9,3%), o côndilo (8,8%) e o ramo (2,2%).

Conforme os dados apresentados na Tabela 2, as agressões físicas foram responsáveis pelas maiores frequências de fraturas mandibulares, zigomáticas, nasais, maxilares e frontais, enquanto as fraturas panfaciais e Le Fort foram mais frequentemente provocadas por acidentes de trânsito.

Dos 478 prontuários estudados, 461 (96,4%) explicitaram que os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico. Todas as fraturas orbitais, panfaciais, frontais, Le Fort, 98,4% das fraturas mandibulares, 87,2% das fraturas zigomáticas, e 3,8% das fraturas nasais foram tratadas com redução e fixação interna estável (RED + FIE). As fraturas nasais foram predominantemente tratadas com redução e estabilização (RED + EST), procedimento também instituído para 1,6% das fraturas mandibulares e para 5,1% das fraturas zigomáticas.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Neste estudo foi possível evidenciar que fraturas faciais decorreram significativamente de acidentes de trânsito (37,3%), notadamente acidentes motociclísticos, e de agressões físicas (33,0%), vitimando predominantemente pacientes do gênero masculino (83,7%). Ocorreram mais frequentemente na faixa etária entre 21 e 30 anos (38,2%). A frequência de homens e mulheres vitimados da primeira a terceira décadas de vida foi bastante similar; na quarta década de vida, houve sensível redução de mulheres vitimadas que, ao contrário, a partir da quinta década de vida, passaram a ser acometidas mais frequentemente por fraturas faciais. As fraturas mandibulares isoladas foram significativamente predominantes (49,9%), seguidas de longe das zigomáticas (19,7%) e das nasais (19,7%). As agressões físicas foram mais frequentemente responsáveis pelas fraturas mandibulares, zigomáticas, nasais, maxilares e frontais, enquanto as fraturas panfaciais e Le Fort resultaram mais frequentemente de acidentes de trânsito.

Diversos estudos epidemiológicos sobre fraturas faciais vêm sendo publicados com populações de diferentes localidades tanto do Brasil quanto do mundo, e os dados apresentados por tais estudos ora podem ser corroborados pelos dados deste levantamento, ora se mostram de certa forma divergentes. Todos, contudo, convergem para ocorrência significativamente maior de fraturas faciais em homens e em pacientes na faixa etária correspondente à terceira década de vida.

Em levantamento realizado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo entre junho e dezembro de 2003 envolvendo 164 pacientes, Wulkan et al.7 relataram predominância do gênero masculino (78%). Diferente de nossos dados, a principal causa das lesões foi às agressões físicas (48,8%) seguidas de quedas (26,2%). Enquanto os acidentes motociclísticos foram causa de 21,4% das fraturas faciais de nosso levantamento, os referidos autores reportaram taxa de 3,1%, e essa diferença parece refletir o grande aumento do uso de motocicletas como meio de transporte desde 2003 até o período de 2011-15. As fraturas de mandíbula foram as mais frequentes (21,9%), e a taxa de ocorrência bastante menor do que a nossa se deve ao fato de os autores terem incluído no estudo não apenas fraturas faciais, mas também contusões faciais. Foi observada frequência quase duas vezes maior de fraturas Le Fort e panfaciais (17,8%) do que em nosso levantamento.

Em estudo epidemiológico realizado na cidade de Montes Claros/MG, no período de 2006 e 2007, Freitas et al.8 relatam que 81% dos pacientes eram homens, que os acidentes automobilísticos foram responsáveis pela maioria dos traumas (17%), e que as fraturas mais comuns foram as mandibulares (45%), seguidas das malares (22%) e das maxilares (17%).

Estudo conduzido por Motta2 em um pronto-socorro de hospital-escola na cidade de Campinas/SP, envolvendo 136 pacientes, também evidenciou predomínio do gênero masculino (76%) em amostra cuja média de idade foi de 29,7 anos (variação de 4 a 83 anos). Os fatores etiológicos mais frequentes foram as quedas (27,8%) e as agressões físicas (26,3%), ocasionando predominantemente fraturas nasais (50%), seguidas pelas fraturas do complexo órbito-zigomático (24,3%). Nas fraturas mandibulares, o côndilo foi o local mais afetado (28,6%). Importante ressaltar que 23% dos pacientes da amostra de Motta se encontravam etilizados no momento do trauma, e que a associação entre fratura facial e uso de álcool já foi consistentemente referida na literatura.9 Não incluímos esse dado em nosso protocolo de estudo já que se trata de informação colhida no momento do atendimento, mas não no momento do trauma, e que pode ser omitida pelo paciente. De toda forma, esse índice de pacientes etilizado talvez justifique o fato de as quedas terem sido fator etiológico predominante na amostra de Mota.

Kraft et al.10 analisaram os dados de 10.724 fraturas faciais em 5.329 pacientes de diferentes países da Europa, e observaram maior frequência de fraturas orbitais (27,0%), seguidas de fraturas zigomáticas (23,8%) e mandibulares (23,5%). Diferentemente do que se observa no Brasil, a principal causa dessas fraturas foram os acidentes esportivos (32,9%) seguidos de acidentes domésticos e de lazer (28,7%) e de acidentes de trânsito (21,5%). Os traumas ocorreram predominantemente em pacientes na faixa etária entre 20 e 40 anos.

Na Holanda, van Hout et al.11 procederam à análise retrospectiva de 394 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico por fraturas maxilofaciais entre 2005 e 2010. Com relação ao gênero dos pacientes, relataram proporção de três homens para cada mulher, com pico de ocorrência das lesões na segunda e terceira décadas de vida. As fraturas mandibulares e zigomáticas foram as mais frequentes, e a causa mais comum foi o acidente de trânsito (42%), principalmente representado pelos acidentes ciclísticos. Assim como na Holanda ciclistas do gênero masculino representam grupo de risco particular para fraturas faciais, e na cidade de São Paulo prevalecem os motociclistas do gênero masculino, como observamos também em nosso levantamento, o que se explica por se tratar de meios de transportes socioculturalmente eleitos por homens mais jovens nos diferentes locais.

Os 248 casos de fraturas faciais atendidos no Departamento de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital de urgências de Goiânia no período de janeiro a julho de 2013 foram analisados por Vasconcelos et al.12. A frequência desses traumas foi de 45,7% na faixa etária de 20 a 35 anos, acometendo predominantemente pacientes do gênero masculino (79,4%) e decorreram principalmente de acidentes de trânsito (44,3%), notadamente de acidentes motociclísticos, que equivaleram a 61% dos acidentes de trânsito, como em nossa amostra. Os autores registraram 27,9% de fraturas decorrentes de agressões físicas, mais frequentes nas mulheres (71,4%) do que nos homens (54,5%). Nossos achados evidenciaram taxa pouco maior (33%) de agressões físicas como causa dos traumas faciais, mas que predominaram entre os homens (87,1%). Essa discrepância aponta a violência doméstica como um dos eventuais fatores a serem observados em Goiânia, de modo a prevenir traumas faciais em pacientes femininos.

Ressalte-se que, em amostra composta por 277 pacientes atendidos no ano de 2010 no Pronto Atendimento do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Trabalhador de Curitiba/ PR13, a causa mais frequente de fraturas faciais foram justamente as agressões físicas, que ocorreram em frequências semelhantes entre homens (33,3%) e mulheres (32,9%). Nessa amostra de Curitiba, as agressões físicas foram prevalentes em todas as faixas etárias de 10 a 59 anos, com pico entre 30 e 39 anos. Nas faixas etárias extremas (0 a 10 e 60 a 79 anos), as quedas representaram a causa mais frequente de fraturas. De fato, parece esperado que a queda da própria altura possa ser causa mais frequente entre crianças pequenas (devido ao processo de locomoção, equilíbrio e atenção ainda em desenvolvimento) e entre idosos (devido a alterações na propriocepção, fraqueza muscular, tremores e reflexos diminuídos), mas não observamos frequências prevalentes de queda nessas faixas etárias em nossa amostra; 50% dos casos de queda da própria altura foram observados em pacientes entre 30 e 50 anos, o que talvez possa decorrer de outros fatores, como o uso abusivo de bebidas alcoólicas, conforme mencionado por Wulkan et al. As fraturas nasais foram as mais frequentes na amostra de Curitiba, o que não surpreende, já que a causa predominante foram as agressões físicas. De fato, a maior frequência de fraturas nasais em nossa amostra foi devido a agressões físicas.

Em levantamento realizado em serviço de saúde da rede pública de alta complexidade no município de Campina Grande/PB14, foram registrados 54 casos de traumatismo facial nos meses de novembro e dezembro de 2012, dos quais 79,6% eram homens. As maiores frequências desses traumas ocorreram na segunda (29,6%) e na terceira (24,1%) décadas de vida. Acidentes de trânsito foram à causa mais frequente das fraturas faciais (70,4%), novamente massivamente representados por acidentes motociclísticos, sem diferença entre homens e mulheres, como observado em nossa amostra em que esse tipo acidente foi registrado para 16,7% dos homens e 5,6% das mulheres. As fraturas maxilares foram as mais frequentes (27,9%) no estudo de Campina Grande, seguidas das zigomáticas (21,3%), nasais (16,4%) e mandibulares (16,4%).

Em suma, é consenso mundial que os homens são a principal vítima de fraturas faciais, e que representam entre 70% e 90% desses pacientes. Também é consenso que a proporção entre homens e mulheres vem se aproximando com o passar dos anos: no início dos anos 2000, relatava-se proporção de 11:115, especialmente em culturas mais patriarcais. Mais recentemente se tem relatado proporção de 4-5:1 no Brasil, e estudos epidemiológicos em países mais desenvolvidos referem proporção de 3:1.11 A população feminina das sociedades contemporâneas adota cada vez mais hábitos antes considerados masculinos, como o exercício de esportes mais radicais, o uso abusivo de álcool e de drogas ilícitas, o exercício de atividades profissionais mais arriscadas, e mesmo atitudes mais violentas mediante situações de estresse e ameaça.16

Também há consenso de que essas fraturas são mais frequentes entre o meio da segunda década e o meio da quarta década de vida, o quê mais ou menos independe da causa do trauma. Na maior parte dos estudos epidemiológicos, os acidentes de trânsito representam a principal causa das fraturas faciais e, dependendo da localidade, como uma grande parte das capitais e grandes cidades brasileiras, esses acidentes de trânsito são massivamente representados pelos acidentes motociclísticos. Os acidentes ciclísticos ganham destaque em cidades de países mais desenvolvidos, onde as bicicletas constituem de fato meio de transporte cotidiano. Outros estudos, especialmente brasileiros, referem às agressões físicas, muitas vezes decorrentes de violência doméstica contra a mulher ou contra crianças e adolescentes não denunciadas pelas vítimas, como o fator etiológico preponderante. Em estudos realizados em países europeus, as agressões físicas são fatores etiológicos de fraturas faciais bem menos frequentes.

Embora em diferentes estudos as quedas da própria altura sejam a principal causa de fraturas faciais em crianças pequenas e em idosos, o abuso de álcool e/ou de drogas parece resultar em frequência cada vez mais importante de quedas da própria altura entre jovens adultos.

Os sítios faciais mais acometidos pela fratura mudam consideravelmente de estudo para estudo, embora as fraturas mandibulares, zigomáticas e nasais sejam muito mais frequentes. Ainda não estão claramente estabelecidas associações entre a causa da fratura e o sítio facial lesado, embora fraturas nasais e zigomáticas já tenham sido associadas a agressões físicas.

Em termos da população brasileira, a ocorrência de fraturas faciais, assim como suas sequelas físicas, psicológicas e socioeconômicas podem e devem ser prevenidas por meio de programas que envolvam a educação no trânsito, o uso de substâncias deletérias à consciência, e o combate à violência doméstica e social, bem como por meio de legislações mais firmes, sobretudo no que tange a punição aos infratores.

Dada a frequência importante de casos de fraturas faciais em serviços de emergência de todo o mundo, e considerando a grande morbidade e os prejuízos psicológicos e socioeconômicos delas decorrentes, agregar dados epidemiológicos desses pacientes se torna fundamental para o atendimento inicial a esse tipo de trauma. Além disso, com base nos dados epidemiológicos das fraturas faciais observados tanto neste estudo quanto na literatura pertinente, torna-se evidente que se trata de condição passível de prevenção em parte significativa dos casos, a partir do desenvolvimento de políticas públicas educativas, legislativas e de saúde adequadas.

 

CONCLUSÃO

Na amostra estudada em nosso trabalho, as fraturas faciais foram causadas predominantemente por acidentes de trânsito, especialmente os motociclísticos, e por agressões físicas, vitimando cinco homens para cada mulher, principalmente nas segunda e terceira décadas de vida, e acometendo a mandíbula isoladamente na maioria dos casos; e 96,4 % de todos os pacientes precisaram ser submetidos a intervenções cirúrgicas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Nickollas Mendes
Av. Sagitário, 282 - Apto 201C
Alphaville - Barueri – SP
06473-073
Brasil

e-mail:
dr.nickollas@hotmail.com



Recebido: fev/2016
Aceito: mar/2016