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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 n.4 Sao Paulo Oct./Dec. 2016

 

Artigo original (convidado)

 

Impacto das condições de saúde bucal sobre a qualidade de vida de crianças com deficiências visuais e auditivas

 

Impact of oral health conditions on quality of life of children with visual and hearing impairments

 

 

Maria del Carmen PeñaI; Jenny AbantoII; Karla HerreraIII; Luciana Butini OliveiraIV; Marcelo BöneckerV; Zaida MoyaVI

I Especialista em Odontopediatria pela Universidade Católica de Santa Maria (Arequipa-Peru)
II Pós-doutora em Odontopediatria pela Fousp - Professora da Fundecto-Fousp
III Especialista em Odontopediatria pela Universidade Científica del Sur (Lima-Peru)
IV Pósdoutora em Odontopediatria pela Fousp – Professora da graduação e pósgraduação da Faculdade São Leopoldo Mandic
V Professor livredocente em Odontopediatria pela Fousp - Professor titular de Odontopediatria da Fousp
VI Professora da Disciplina de Odontopediatria da Universidade Católica de Santa Maria (Arequipa-Peru)

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar o impacto das condições bucais na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (QVRSB) de crianças com deficiências visuais e auditivas. Materiais e Métodos: Pais/ cuidadores de 60 crianças responderam as versões peruanas dos questionários ECOHIS e P-CPQ para crianças de 3 a 5 anos e de 6 a 14 anos, respectivamente. A cárie dentária, necessidade de tratamento dentário, traumatismos dentários e maloclusões foram avaliados. Resultados: Os modelos finais ajustados para o ECOHIS e P-CPQ mostraram que a alta gravidade de cárie e o aumento nos índices ceod+CPOD, respectivamente, tiveram um impacto negativo na QVRSB das crianças (p<0,001). Crianças com necessidades de tratamento graves mostraram um impacto negativo no domínio de sintomas orais para o ECOHIS (RR=1.90; p=0.016), enquanto qualquer necessidade de tratamento teve um impacto negativo na QVRSB (p<0,001). Conclusões: A alta experiência de cárie e a necessidade de tratamento dentário estão associadas com um impacto negativo sobre a QVRSB de crianças com deficiências visuais e auditivas, enquanto que os traumatismos dentários e maloclusões não têm impacto. Programas de educação em saúde bucal devem ser direcionados na busca de novas estratégias para prevenir cárie dentária e seu tratamento em pacientes com deficiências sensoriais.

Descritores: criança; saúde bucal; qualidade de vida; transtornos da visão; perda auditiva.


 

ABSTRACT

Purpose: To assess the impact of oral conditions on the oral-health-related quality of life (OHRQoL) of children with visual and hearing impairments. Materials and Methods: Parents/ caregivers of 60 children answered the Peruvian versions of the ECOHIS and the P-CPQ, for children aged 3 to 5 years and 6 to 14 years, respectively. Dental caries, dental treatment needs, traumatic dental injuries and malocclusions were assessed. Results: The final adjusted models for ECOHIS and P-CPQ showed that high severity of caries and the increase in dmft+DMFT, respectively, had a negative impact on children's OHRQoL (p<0.001). Children with severe treatment needs showed a negative impact on the symptoms' domain of the ECOHIS (RR=1.90; p=0.016), whereas any dental treatment need had a negative impact on total P-CPQ-scores (p<0.001). Conclusions: High caries experience and severity and dental treatment needs are associated with a negative impact on OHRQoL of children with visual and hearing impairments, whereas TDIs and malocclusions do not. Oral health education programs should be directed to seek new strategies for prevention of this dental caries and their treatment in patients with sensorial impairments.

Descriptors: children; oral health; quality of life; vision disorders; hearing loss.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Estes resultados refletem a alta demanda de necessidade de tratamento odontológico para a cárie dentária nesta população, e também de que os programas de educação em saúde bucal sejam direcionados às estratégias para a prevenção de doenças bucais em pacientes com deficiências visuais e auditivas.

 

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as deficiências são problemas em função do corpo ou alteração da estrutura corporal.1 Neste sentido, as deficiências sensoriais são quando um dos sentidos: visão, ouvido, tato, gosto, olfato e/ou consciência espacial já não está funcionando em sua capacidade normal. Neste sentido, as duas deficiências sensoriais mais frequentes são as visuais e auditivas.2

A prevalência das crianças com deficiências visuais em todo o mundo se estima em 19 milhões, e ao redor de 90% dos cegos do mundo vivem em países com baixos níveis socioeconômicos.3 A respeito da incapacidade auditiva, 360 milhões de pessoas no mundo tem esta condição e 9% são crianças.4 Ambos transtornos tem um efeito profundo na vida da pessoa afetada, em suas famílias e na sociedade.2

Além disso, alguns estudos tem observado maior frequência de problemas de saúde bucal em indivíduos com deficiências visuais ou auditivas5-9, talvez devido à pobre higiene oral e aos altos níveis de doença periodontal, quando comparado àqueles que não possuem estas deficiências. A saúde bucal é parte da saúde geral sendo essencial para a qualidade de vida dos indivíduos. Assim, é conveniente que a criança com deficiência sensorial tenha condição de saúde bucal que lhe permita falar, mastigar, reconhecer o sabor dos alimentos, possa sorrir, estar livre de dor e relacionar-se com outras pessoas sem nenhuma restrição.

O conceito da qualidade de vida relacionada à saúde bucal (QVRSB) refere-se ao impacto que a saúde bucal pode causar no bem-estar do individuo.10 É importante avaliar o impacto que problemas de saúde bucal tem na qualidade de vida em todas as pessoas da sociedade, inclusive em pessoas que possuem necessidades especiais, para planejar tratamentos dentais adequados, de acordo com o perfil de cada população. Vale ressaltar que na literatura odontológica existem poucos estudos que avaliaram o impacto das condições da saúde bucal na qualidade de vida das crianças com deficiências sensoriais.11

Frente ao exposto, o objetivo do estudo foi avaliar o impacto da experiência de cárie dental, necessidade de tratamento dental, lesões dentárias traumáticas e as maloclusões na QVRSB de crianças com deficiências visuais e auditivas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade Católica de Santa Maria (Arequipa-Peru). Todos os pais/tutores receberam informações sobre a finalidade do estudo e assinaram os formulários de consentimento para participar no estudo.

Coleta de amostra

Foi realizado um estudo transversal em uma amostra de conveniência de 60 crianças com deficiências visuais e auditivas, entre 3 a 14 anos de idade, que estudavam em duas escolas públicas especiais da cidade de Arequipa, Peru. Foram incluídas crianças de ambos os sexos, sem doenças sistêmicas associadas e com o consentimento dos pais.

Foi realizada uma reunião com pais/tutores onde a pessoa que passava a maior parte do tempo com a criança foi convidada a responder um questionário a respeito do impacto das condições de saúde bucal na QVRSB. Foi utilizado o questionário ECOHIS para crianças de 3 a 5 anos de idade e o questionário P-CPQ para crianças e jovens de 6 a 14 anos de idade. As entrevistas foram realizadas presencialmente por dois entrevistadores cegos para os exames clínicos bucais das crianças, e foram treinados na leitura e entoação de cada pergunta e na opção de respostas aos instrumentos de QVRSB. Além disso, foram recolhidos dados sobre condições econômicas (medido em termos do salário mínimo peruano – SMP, que corresponde a aproximadamente US$ 220.00 por mês) e condições sócio-demográficas.

Um único odontopediatra treinado realizou o exame intrabucal de cada criança utilizando equipo odontológico com fonte de luz artificial, espelhos bucais, e sondas periodontais. O examinador foi submetido a duas sessões de exercícios de treinamento por um período total de 6 horas. Nessas sessões foram trabalhados os critérios de diagnóstico para cárie dentária, traumatismo dentário e maloclusão por meio de dentes de banco de dentes e imagens de casos clínicos. Houve um intervalo de uma semana entre as duas sessões. Os valores de kappa intra-examinador foram de 0,98 para cárie dental, 0,95 para traumatismo dentário e 0,97 para maloclusão.

Instrumentos para coletar dados de qualidade de vida

A versão peruana da ECOHIS12 foi utilizada para avaliar a QVRSB das crianças de 3-5 anos de idade. Nesse questionário avalia-se a experiência dos problemas de saúde bucal da criança ao longo de sua vida por meio de relatos de seus pais/cuidadores. O ECOHIS contem 13 perguntas distribuídas na seção de impacto na criança e seção de impacto na família.

A versão peruana do P-CPQ13 foi utilizada para avaliar a QVRSB das crianças entre 6 e 14 anos de idade. São consideradas a frequência de eventos nos últimos três meses. O P-CPQ contem 45 perguntas correspondentes a seis domínios.

O escore total e de cada domínio do ECOHIS e P-CPQ é calculado como uma simples soma dos códigos de resposta.O escore total final pode variar de 0 a 52 e de 0 a 180, para o ECOHIS e PCPQ, respectivamente. Escores mais altos indicam um maior impacto negativo na QVRSB das crianças.

Exame intrabucal

A cárie dentária foi mensurada utilizando os índices ceod e CPOD, segundo os critérios da OMS.14 O índice ceod foi categorizado de acordo com a gravidade de carie dentária descrita em estudos prévios de QVRSB15,16: ceod 0 = livre de cárie; ceod 1-5 = baixa gravidade; o ceod ≥ 6 gravidade alta. Para a maioria das crianças com dentição mista, o índice de cárie foi obtido por meio da soma das pontuações de CPOD e ceod. O CPOD/ceod foi também categorizado de acordo com a gravidade de cárie dentária14,17: CPOD/ceod 0 = livre de cárie; CPOD/ceod 1-4 = baixa gravidade CPOD/ceod ≥ 5 de alta gravidade.

A necessidade de tratamento dentário foi avaliada individualmente para cada dente presente segundo critérios da OMS14: restauração de uma superfície, de duas ou mais superfícies, coroa protética, endodontia, extração dental, uso de selantes e remineralizacão.

Os tipos de traumatismos dentários em incisivos anteriores superiores foram avaliados de acordo a classificação proposta por Glendor et al.19 Lesões não complicadas foram definidas como aquelas em que o tecido pulpar não estava exposto e o dente não estava deslocado (fratura coronal em esmalte, fratura coronária envolvendo esmalte e dentina, concussão, sub luxação). As lesões complicadas incluíram a exposição do tecido pulpar e/ou deslocamento do dente (fratura complicada da coroa, fratura da raiz, luxação lateral, luxação extrusiva, luxação intrusiva, avulsão).

As maloclusões foram avaliadas mediante o índice de maloclusão recomendado pela OMS18, divididas em três categorias: [0] Sem maloclusão; [1] maloclusão leve: anomalias menores tais como uma ou mais inclinações ligeiras de dentes ou apinhamento ligeiro ou espaçamento, que perturbam o regular alinhamento dos dentes; [2] maloclusão moderada/severa: anomalias serias geralmente consideradas como inaceitáveis e que afetam à aparência facial, ou uma importante redução na mastigação, função ou impedimentos da fala; concretamente, a presença de uma ou mais das seguintes condições dos quatro incisivos anterior maxilares: sobre mordida horizontal estimada em 9 mm ou mais; sobre mordida horizontal mandibular; mordida cruzada anterior igual ou superior a um dente completo; mordida aberta; o deslocamento da linha media estimada a mais de 4mm; e espaçamento estimado a mais de 4 mm.

Análise dos dados

A análise dos dados foi feita utilizando o software STATA 9.0 (Stata Corp. College Station, TX, EE.UU.). Inicialmente, a análise descritiva avaliou as medidas de tendência central (médias, desvio padrão e variação observada) para o escore total e domínios do ECOHIS e P-CPQ.

A Regressão de Poisson com variância robusta foi realizada para associar os escores totais e domínios individuais do ECOHIS e P-CPQ com a cárie dentária, traumatismos, maloclusões e condições sócio-demográficas. Realizou-se uma análise de regressão univariada de Poisson para selecionar as variáveis com um valor de p ≤ 0,05. As razões de taxas (RR) e intervalos de confiança do 95% (IC 95%) foram calculados.

 

RESULTADOS

De um total de 72 crianças convidadas para participar do estudo, 12 foram eliminadas da amostra porque tinham doenças sistêmicas associadas. Assim, a amostra final foi composta por 60 crianças e seus pais que aceitaram participar no estudo (taxa de resposta positiva = 83.3 %). Desses, 20 pais de crianças de 3 a 5 anos responderam o ECOHIS e 40 pais de crianças de 6-14 anos responderam o P-CPQ. A idade média (desvio padrão) foi de 4,5 (0,61) e 11.78 (2.32), para crianças de 3-5 e 6-14 anos de idade, respectivamente. A tabela 1 mostra as características sócio-demográficas e clínicas da amostra segundo o ECOHIS e P-CPQ.

Em geral, a maioria dos questionários foi respondida pelas mães (96,0%). Todos os questionários ECOHIS e P-CPQ; foram totalmente respondidos e também não houve respostas do tipo "não sabe". Todos os respondentes (100%) informaram que seus filhos tinham um impacto em ao menos um dos domínios ECOHIS e P-CPQ. Os maiores escores do ECOHIS e P-CPQ foram 31 e 81, respectivamente. A tabela 2 mostra a média, o desvio padrão e o intervalo observado para os escores totais e domínios individuais do ECOHIS e P-CPQ.

A análise univariada não ajustada considerando as condições sócio-demográficas e clínicas mostrou que a estrutura familiar, renda familiar, necessidades de tratamento dental, a gravidade do traumatismo dentário, a gravidade das maloclusões e gravidade da cárie dental, se correlacionaram com alguns domínios individuais e escores totais do ECOHIS (p<0,05) (Tabela 3).

O modelo multivariado final ajustado para o ECOHIS (Tabela 4) mostrou que, crianças com alta experiência de cárie em comparação com as crianças com baixa gravidade de cárie, tinham 1,65; 2,24; 2,29 e 1,73 vezes mais probabilidade de ter um impacto negativo sobre o domínio da função da criança, domínio psicológico, domínio da função da família e escores totais do ECOHIS, respectivamente. As crianças com restaurações, endodontias, extrações e necessidades de tratamento mostraram um impacto negativo sobre o domínio de sintomas orais (RR=1,90; p=0,016). Para o escore total do ECOHIS, crianças com deficiência auditiva tiveram um impacto negativo na QVRSB (RR = 1,10; p = 0,028) em comparação às crianças com problemas visuais.

Em relação ao P-CPQ, a análise univariada não ajustada considerando cada condição sócio demográfica e condições clinicas mostrou que, possuir casa própria, a estrutura familiar, renda familiar, necessidades de tratamento dentário, a presença e gravidade dos traumatismos dentários, a gravidade das maloclusões e o índice CPOD + ceod se correlacionaram com alguns domínios individuais e escores totais de P-CPQ (P<0,05) (Tabela 5).

O modelo multivariado final ajustado para o P-CPQ (Tabela 6) mostrou que, quanto maior a idade da criança, pior será o impacto negativo sobre os sintomas orais e o domínio do bem-estar emocional (p<0,05). As crianças que moravam com outros membros da família tiveram um impacto positivo no domínio das limitações funcionais, domínio de bem-estar emocional, domínio de bem-estar social, domínio do impacto familiar e escore total do P-CPQ (p<0,05).

Além disso, as crianças que requerem tratamento dentário (restauração e extração) são 1,32 vezes mais propensas a ter um impacto negativo sobre o domínio dos sintomas (p = 0,045), assim como outras crianças com necessidades de qualquer tratamento (só a restauração e/ou extração), tem um impacto negativo sobre o domínio do impacto familiar e a pontuação total do P-CPQ (p<0,0001). Além disso, as crianças com traumatismo dentário complicado tinham mais probabilidades de experimentar um impacto negativo no domínio do bem-estar emocional (RR = 1,27; p = 0,012).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Neste estudo avaliou-se o impacto da carie dentária, necessidades do tratamento dentário, os traumatismos dentários e as maloclusões na QVRSB das crianças peruanas com deficiências sensoriais de acordo com relato dos pais. Este é o primeiro estudo que avalia o impacto destas alterações bucais em crianças com os dois tipos mais comuns de problemas sensoriais, visuais e auditivos, tanto na pré-escola como no ensino-fundamental.

Um recente estudo avaliou o impacto de algumas alterações bucais na QVRSB de colegiais com deficiências sensoriais, entretanto, limita-se à deficiência visual.11 Além disso, este é o primeiro estudo que utiliza a versão peruana do ECOHIS12 e P-CPQ13 após suas validações.

Segundo o modelo ajustado para o ECOHIS, todas as crianças que tinham experiência de cárie e alta gravidade de cárie mostram um impacto negativo na QVRSB (escores totais do ECOHIS) em comparação às crianças de baixa gravidade. Por outra parte, no modelo multivariado para o P-CPQ o aumento do CPOD + ceod mostrou também um impacto negativo em alguns domínios e nos escores totais. Um estudo de alunos com deficiência visual também observaram que as crianças com experiência de cárie são mais propensas a ter impactos na QVRSB, entretanto, isto ficou demostrado somente por uma analise não ajustada.11

Segundo relato dos pais, os grupos de crianças com necessidades especiais que possuem cárie dentária tem um impacto negativo na QVRSB.17,20 A cárie dentária é uma doença que pode produzir sintomas e limitações funcionais segundo sua gravidade nos níveis de impacto. Assim, a presença de cárie pode afetar a qualidade de vida da família, como se demostrou no presente estudo em ambos os questionários. Alguns recentes estudos que coletaram dados de cuidadores de crianças com necessidades especiais também demostram que os cuidadores têm baixa qualidade de vida, devido a difícil tarefa que tem no cuidado da saúde bucal de seus filhos.17,20,21

Na literatura odontológica não há estudos para avaliar o impacto das necessidades de tratamento dentário na QVRSB das crianças com necessidades especiais. Neste estudo, a gravidade das necessidades de tratamento teve um impacto negativo no domínio dos sintomas orais do ECOHIS. Isto era esperado, considerando que este domínio esta relacionado com a pergunta de dor de dente e, devido à grande experiência de cárie observada em pacientes de 3-5 anos de idade na amostra. Além disso, os resultados do P-CPQ para necessidades de tratamento dentário mostraram maiores níveis de impactos orais comparados ao ECOHIS. Isto se refletiu nos impactos negativos, em alguns domínios e escores totais do P-CPQ, não só nas crianças com necessidades de extração, mas também naqueles com necessidades de restauração. Um estudo que foi realizado com adolescentes com problemas de audição, encontrou uma saúde bucal ruim devido à falta de conhecimento sobre saúde bucal, e uma urgente necessidade de tratamento dentário.5 Além disso, a literatura mostra que as pessoas que tem deficiências visuais e auditivas tem um conhecimento deficiente de como prevenir cárie e doenças periodontais.5,6 Estes resultados refletem a alta demanda de necessidades de tratamento odontológico nesta população, portanto mais programas de educação em saúde bucal devem estar dirigidos em busca de novas estratégias para a prevenção da cárie dentária em pacientes com deficiências visuais e auditivas.

Crianças com deficiência auditiva tiveram um impacto negativo no escore total do ECOHIS em comparação às crianças com problemas visuais. A falta de comunicação entre os surdos parece levar a desigualdades no acesso à atenção médica quando se compara com a população em geral.22 Entretanto, em relação a estudos com grupos sensoriais pode-se observar que os Cirurgiões-Dentistas estão mais dispostos em dar atenção a crianças surdas do que a crianças com deficiências visuais.23 Apesar deste fato sugerir uma melhor QVRSB para crianças com deficiência auditiva, este estudo prévio não identificou a causa. Se considerarmos que a informação para as pessoas com deficiências auditivas se limita à instrução visual, a atenção odontológica e conselhos sobre a saúde oral das crianças com problemas auditivos geralmente requer o uso de sinais ou a ajuda de um interprete quando é necessário, isso poderia complicar os procedimentos de saúde bucal, principalmente o tratamento cirúrgico, afetando sua QVRSB. Por esta razão, um adequado cuidado da saúde bucal e a educação devem ser adaptados para as crianças com problemas auditivos com o apoio dos professores e os pais/cuidadores a fim de melhorar a comunicação dentro desta população, que pode incluir a leitura de lábios, escritura, linguagem visual, sistemas, e a assistência de um interprete devem ser considerados. 8 Em geral, recomenda-se que os programas de saúde bucal para a prevenção e o tratamento das doenças bucais para as crianças com deficiências devem estar baseados em suas características e necessidades individuais bucais segundo sua incapacidade.24

Pode-se observar que as crianças quando moram com outros membros da família tem um impacto positivo em alguns domínios e escores totais do P-CPQ em comparação com aqueles que moram com sua mãe e seu pai. Neste sentido, um estudo anterior tem sugerido que problemas de saúde bucal de crianças com deficiência sensorial poderia estar relacionada à baixa prioridade que os pais têm com seus filhos com deficiências ou a diminuição da importância da saúde bucal8, o que pode conduzir a efeitos negativos sobre a QVRSB. O mesmo estudo também observou que a educação da mãe teve um efeito significativo sobre o estado de higiene oral das crianças com deficiência auditiva.8 Além disso, alguns pais deram balas às crianças com deficiência como recompensa devido à falta de conhecimento em saúde e ao desconhecimento da associação entre os doces e a cárie.25 Todos estes fatos poderiam contribuir para impactos positivos sobre a QVRSB das crianças que vivem com outros membros da família, que não são os pais, se assumirmos que o restante dos membros são mais exigentes com o cuidado da saúde bucal destas crianças. Mesmo assim não se tem enfatizado que é importante que o Cirurgião-Dentista desenvolva um trabalho preventivo para proporcionar a adequada educação dental aos pais das pessoas com deficiências.26

Os traumatismos dentários complicados mostraram um impacto negativo sobre o a QVRSB, entretanto, este impacto foi limitado ao domínio do bem-estar emocional, mas não para os escores totais do P-CPQ. Existem muito poucos estudos que avaliaram o impacto dos traumatismos em grupos de crianças com necessidades especiais. Um estudo anterior em crianças com paralisia cerebral mostrou que os traumatismos dentários que acometeram tecidos duros e polpa tiveram um impacto negativo sobre a QVRSB.20 Outro estudo com adolescentes descreve também um impacto negativo do traumatismo dentário sobre a QVRSB.27

A presença e a gravidade das maloclusões não se associaram com um impacto negativo na QVRSB segundo nossos modelos multivariados ajustados para o ECOHIS e P-CPQ. Estudos anteriores em pacientes com necessidades especiais20 e em crianças, principalmente em crianças em idade pré-escolar, também têm mostrado resultados semelhantes.15,28 Precisam- se mais estudos nesta população de deficientes visuais e auditivos, a fim de confirmar os resultados deste estudo.

 

CONCLUSÕES

A alta experiência da cárie dentária, os altos índices CPOD + ceod e suas necessidades de tratamento dentário estão fortemente associados com um impacto negativo sobre a QVRSB de crianças com deficiências visuais e auditivas, enquanto que os traumatismos dentários e maloclusões não tiveram impacto.

 

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Endereço para correspondência:
Jenny Abanto
Av. Professor Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo – SP
05508-000
Brasil

e-mail:
jennyaa@usp.br

 

Recebido: fev/2016
Aceito: abr/2016