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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2012

 

Entrevista

Do especialista para o clínico

 

O clínico Marcelo Traitel entrevista Dr. Bernardo Ballarin, especialista em Biossegurança pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e cirurgião-dentista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

 

1. Defina o termo biossegurança.

Biossegurança é o conjunto de medidas orientadas para a prevenção, diminuição ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, tecnologia ou prestação de serviços visando à saúde do homem, do meio ambiente e a qualidade dos resultados. Os cirurgiões- dentistas e sua equipe, incluindo aqui ASBs, THDs e TPDs, estão constantemente sujeitos à exposição a materiais biológicos no exercício de suas funções e, neste contexto, deve se inserir a Biossegurança.

2. O que é risco ocupacional e quais os riscos ocupacionais encontrados em um consultório odontológico?

Risco ocupacional é a possibilidade de ocorrência de incidentes que possam afetar negativamente a saúde, segurança ou bem-estar do trabalhador em suas atividades laborais. Condições ambientais de insegurança, como, por exemplo, instalações precárias e excesso de trabalho, aumentam este risco. Trabalhadores inexperientes, como estagiários e funcionários novos no setor, estatisticamente estão mais sujeitos a se envolver e a envolver os outros em acidentes. Isto porque não conhecem bem as rotinas e não reconhecem adequadamente os riscos.É função dos gestores e demais responsáveis pelo serviço providenciar treinamento e supervisionar a ambientação dos novos funcionários. Na outra ponta, funcionários muito antigos também apresentam estatisticamente um risco ocupacional maior, causados pelo excesso de confiança e por negligenciar determinadas normas de segurança. Os diversos riscos ocupacionais, que podem existir em um consultório, podem ser didaticamente divididos em riscos físicos, químicos, ergonômicos e biológicos. Riscos físicos são, por exemplo, ruídos altos da caneta de alta rotação ou do ultrassom, a luz do fotopolimerizador, temperaturas elevadas de instrumentos ou radiação ionizante do aparelho de RX. Riscos químicos podem ser causados por amalgamadores, desinfetantes, gases medicinais entre outros. Dentre os riscos ergonômicos podemos citar a má postura, movimentos repetitivos ou layout inadequado do consultório. O risco biológico ocorre pela exposição constante dos trabalhadores a materiais e artigos potencialmente infectantes.

3. Quais são os materiais perfurocortantes e como eles devem ser descartados?

Materiais perfurocortantes são todos os objetos contendo cantos, bordas, pontos ou protuberâncias rígidas e agudas capazes de cortar ou perfurar. São exemplos desses objetos: bisturis, agulhas de injeção, agulhas de sutura, tubetes de vidro fraturados, brocas, limas endodônticas, pontas diamantadas entre outros. Devem ser descartados em recipientes rígidos, estanques, resistentes à ruptura, punctura e vazamento, identificados e passíveis de fechamento quando sua capacidade útil tiver sido atingida. As tradicionais caixas de papelão devem ser mantidas afastadas de locais úmidos, pois não garantem sua integridade quando molhadas. Não devem ser nunca esvaziadas nem reaproveitadas e, após serem fechadas, devem ser lacradas, com fita crepe, manuseadas pelas alças e descartadas dentro de sacos brancos devidamente identificados. Não devem nunca ser comprimidas nem carregadas junto ao corpo. Um dos fatores necessários à transmissão de doenças é a via de inoculação e os materiais perfurocortantes, pela sua natureza, têm um potencial muito grande de inocular micro-organismos patológicos. Por isso, são de longe os resíduos mais perigosos e devem ser manuseados com extremo cuidado por toda a equipe. Todo material perfurocortante deve ser descartado assim que não for mais necessário para o procedimento, de preferência por quem o utilizou. Agulhas nunca devem ser reencapadas manualmente, assim como as brocas de Gates e de Largo devem ser sempre desconectadas do contra-ângulo assim que utilizadas. Outro procedimento de segurança recomendado é quebrar com um porta-agulha, a ponta das agulhas utilizadas para irrigação em cirurgias, uma vez que o bisel das mesmas não é necessário nestes procedimentos e, obviamente, descartá-las em local apropriado. As agulhas descartáveis devem ser desprezadas juntamente com as seringas quando descartáveis, sendo proibido reencapá-las ou proceder a sua retirada manualmente.

4. Quais as responsabilidades do CD em relação aos resíduos de saúde?

O gerenciamento de resíduos de saúde, em especial os de serviços odontológicos, é um tema controverso que necessita de aprofundamento de estudos, em especial no que se refere a seus impactos ambientais. Como são resíduos que causam risco à saúde pública e ocupacional, equivalente aos resíduos dos demais estabelecimentos de saúde e como tais devem ser tratados. Seus responsáveis técnicos devem seguir o estabelecido na RDC/Anvisa n. 306, de 07 de dezembro de 2004, ou a que vier a substituí-la. Pela legislação vigente, os serviços de saúde são os responsáveis pelo correto gerenciamento de todos os resíduos por eles gerados, chamados resíduos de serviços de saúde (RSS), desde o momento de sua geração até a sua destinação final. Assim sendo, entre outras obrigações, o responsável técnico pelo estabelecimento seja clínica ou consultório, deve: providenciar um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), implantá-lo, prover capacitação e o treinamento de forma continuada para o pessoal envolvido no gerenciamento de resíduos e manter cópia do PGRSS disponível para consulta da autoridade sanitária competente. Além disso, o responsável técnico deve exigir da empresa contratada para coleta dos RSS, comprovação de capacitação e treinamento de seus funcionários, em relação ao transporte, tratamento e disposição final destes resíduos, requerer documento de cadastro emitido pelo órgão responsável de limpeza urbana para a coleta e o transporte dos resíduos e também a apresentação de licença ambiental para o tratamento ou disposição final dos RSS. É importante, também, manter registros para eventuais fiscalizações, que no caso de consultórios e clínicas é feito pela Vigilância Sanitária Municipal.

5. Qual a forma correta de se administrar o descarte de resíduos em nosso consultório?

Consultórios dentários, segundo a classificação atual, produzem basicamente quatro tipos de resíduos: A) biológico; B) químico; C) comum e E) perfurocortante. Resíduos biológicos, segundo a Anvisa, são, entre outros, recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, peças anatômicas (órgãos e tecidos) e outros resíduos provenientes de procedimentos cirúrgicos. Enquadram-se nesta categoria, portanto, gaze e roletes de algodão usados, dentes e raízes dentárias, luvas e campos cirúrgicos, por exemplo. Devem ser acondicionados em saco branco leitoso, que devem ser substituídos quando atingirem 2/3 de sua capacidade ou pelo menos uma vez a cada 24 horas. Estes resíduos podem ser dispostos, sem tratamento, em local devidamente licenciado para disposição final de RSS. Resíduos químicos são os que contêm substâncias que podem apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Podemos citar, basicamente, o amálgama e os resíduos de processamento radiográfico. Os resíduos de amálgama devem ser acondicionados em recipientes sob selo d'água, identificados, com tampa rosqueada e vedante. Resíduos, como revelador e fixador radiográficos, devem ser acondicionados em recipientes identificados, com tampa rosqueada e vedante também e devem ser encaminhados à firma contratada para realizar a coleta para que seja dado o destino correto. Quando o volume justificar, por exemplo, em clínicas de radiologia odontológica, tais resíduos podem processados por firmas especializadas, para sua neutralização e recuperação da prata. Resíduos comuns são os que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico nem à saúde nem ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domiciliares. São eles: embalagens, papel toalha, copos descartáveis, resíduos de áreas administrativas, entre outros. Se separados de forma adequada, podem inclusive ser submetidos à reciclagem. O manejo e descarte dos resíduos perfurocortantes devem ser feitos como já foi explicado anteriormente.

6. Quais as formas corretas de se esterilizar instrumentais atualmente?

Todo artigo crítico, pelo grande risco de transmissão de patógenos, deve ser esterilizado. Artigos críticos são instrumentos ou produtos utilizados em procedimentos invasivos com penetração de pele ou mucosas, incluindo também todos os artigos que estejam diretamente conectados com esses sistemas. Esses processos devem seguir um fluxo previamente determinado, de modo a evitar o cruzamento de artigos não processados, com artigos desinfetados ou esterilizados. O fluxo consiste em: pré-limpeza, limpeza, secagem, inspeção visual, embalagem, esterilização e armazenamento. Após e remoção e descarte adequado de todo resíduo perfurocortante pelo profissional que o utilizou, os artigos podem ser recolhidos para a limpeza. A limpeza é a remoção mecânica de sujidades, com o objetivo de reduzir a carga microbiana, a matéria orgânica e os contaminantes de natureza inorgânica, de modo a garantir o processo de desinfecção e esterilização, além da manutenção da vida útil do artigo. Neste momento é importante destacar a importância da utilização dos equipamentos de proteção individual (EPIs), como: luvas de borracha de cano longo, gorro, máscara, óculos de proteção, avental impermeável e calçados fechados. O manuseio dos artigos deve ser cuidadoso para evitar acidentes ocupacionais. Os instrumentos que têm mais de uma parte devem ser desmontados, as pinças e tesouras devem ser abertas. A limpeza deve ser realizada imediatamente após o uso do artigo. Idealmente, deve-se fazer a imersão em solução contendo detergente enzimático, mantendo os artigos totalmente imersos. O preparo da solução e o tempo de permanência do material imerso devem seguir as orientações recomendadas pelo fabricante. A limpeza pode ser manual ou automatizada. A utilização de lavadoras ultrassônicas pode agilizar e torna o processo mais seguro por minimizar os riscos ocupacionais. O enxágue deve ser realizado em água corrente, garantindo a total retirada das sujidades e do produto utilizado na limpeza. Os artigos que contêm lúmen devem ser enxaguados com bicos de água sob pressão. Com os instrumentais limpos, deve ser feita uma inspeção visual, que serve para se verificar a eficácia do processo de limpeza e as condições de integridade do artigo. Se necessário, deve-se proceder novamente à limpeza ou ao descarte/manutenção do artigo. A secagem é uma importante etapa para se evitar a possibilidade de corrosão dos artigos. Pode ser realizada com a utilização de pano limpo e seco, exclusivo para esta finalidade, secadora de ar quente/frio, estufa regulada para este fim ou ar comprimido. A embalagem deve permitir a penetração do agente esterilizante e proteger os artigos de modo a assegurar a esterilidade até a sua abertura. Para esterilização em autoclave, a embalagem mais indicada é o papel grau cirúrgico, por sua eficiência e praticidade. Pinças e tesouras devem ser esterilizadas com suas articulações abertas. O fechamento do papel grau cirúrgico deve promover o selamento hermético da embalagem e garantir sua integridade. A faixa de selagem deve ter ao menos 1 cm ou reforçada por duas ou três faixas menores. Deve-se promover o selamento deixando uma margem livre, o que facilitará a abertura asséptica do pacote. As embalagens devem ser identificadas antes da esterilização, que deve conter a data e validade da esterilização e nome do funcionário responsável pelo processamento do artigo. O reaproveitamento de embalagens para o processamento de artigos odontológicos é contraindicada. Todos os artigos críticos termorresistentes devem ser autoclavados. Os padrões de tempo, temperatura e pressão para esterilização em autoclave variam de acordo com o aparelho e encontram-se dentro de: 121° C a 127° C (1 atm pressão) por 15 a 30 minutos e 132° C a 134° C (2 atm pressão) por quatro a sete minutos de esterilização. O material, devidamente embalado, deve ser colocado na câmara da autoclave desligada, não ultrapassando 2/3 de sua capacidade total e sem encostar-se às laterais, dispondo-se os pacotes de modo que o vapor possa circular livremente e atinja todas as superfícies do material. Embalagens compostas por papel e filme devem ser colocadas com o papel para baixo. Deve-se fechar o equipamento e selecionar o ciclo desejado, caso seja possível. Após a conclusão do ciclo, deve-se abrir o equipamento e aguardar que a temperatura caia a 60o C para a retirada do material. Nesta etapa, o profissional deve utilizar todos os EPIs. Atualmente, a esterilização em estufas é proibida, pois as mesmas permitem a interrupção durante o processo, não permitem registros confiáveis e seu monitoramento biológico é complexo. O glutaraldeído também está proibido, entre outros motivos por sua toxicidade para o operador. Artigos termossensíveis, quando houver a necessidade de seu reprocessamento, devem ser encaminhados a firmas especializadas para esterilização com óxido de etileno ou raios gama. Para finalizar, é importante que o processo de esterilização seja comprovado por meio de monitoramento físico, químico e biológico. O monitoramento físico consiste na observação e registro dos dados colhidos nos mostradores dos equipamentos. O monitoramento químico é realizado com o uso de indicadores que avaliam o ciclo de esterilização, pela mudança de cor, na presença da temperatura, tempo e vapor saturado. Podem vir na própria embalagem ou na forma de fita adesiva. As fitas adesivas para autoclave apresentam listas brancas diagonais que se tornam pretas após a esterilização. A Vigilância Sanitária recomenda, ainda, que o monitoramento biológico seja feito uma vez por semana ou sempre que a autoclave retorne da manutenção. Os pacotes contendo os indicadores devem ser colocados em locais aonde o agente esterilizante chega com maior dificuldade, como próximo à porta, junto ao dreno e no meio da câmara. Para estes sistemas existem estufas incubadoras próprias.