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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

A saúde oral e os transtornos alimentares entre adolescentes

 

The Oral Health and eating disorders among adolescents

 

 

Daniela Salvador Marques de LimaI; Sara GrinfeldI; Larissa Cunha Alves de HolandaI; Sara GrinfeldII; Viviane ColaresIII

I Mestrandas em Hebiatia pela Universidade de Pernambuco (UPE/FOP)
II Departamento de Odontologia Clínica e Preventiva (UFPE)
III Doutora em Odontopediatria; Professora Adjunta da UPE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os transtornos alimentares são severas perturbações no comportamento alimentar que podem apresentar além de várias alterações sistêmicas relacionadas ao comprometimento do estado nutricional, causar alterações na cavidade bucal. O objetivo foi investigar a relação entre saúde bucal e transtornos alimentares entre adolescentes através da revisão da literatura. Observou-se uma prevalência de 33,1% para possíveis transtornos alimentares entre adolescentes, destacando-se feminino em 90 a 95% dos casos. Verificou-se que os transtornos alimentares de ordem comportamental têm efeitos sobre a saúde bucal e ocorrem principalmente entre a população adolescente. A alteração bucal de maior frequência é a erosão dental, em geral relacionada a episódios de regurgitação. O cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional a realizar o diagnóstico, contribuindo para o tratamento.

Palavras-chave: adolescente; transtornos da alimentação; saúde oral.


ABSTRACT

The eating disorders are characterized by severe disturbances in eating behavior that may present as well as several systemic changes related to impairment of nutritional situation, can cause changes in the oral cavity. The objective of this study was to investigate the relationship between oral health and eating disorders among adolescents through review of the literature. Were incorporated 15 articles to met the criteria established in the methodology. There was a prevalence of 33.1% for possible eating disorders among adolescents, especially females present in 90 to 95% of cases. It was verified that eating disorders are behavioral-order effects on oral health and occur mainly among the adolescent population that is most vulnerable. The change of mouth more frequently among patients with eating disorders dental erosion is usually related to episodes of regurgitation. As a result of oral abnormalities caused by eating disorders, the dentist can be the first professional to perform the diagnosis, contributing significantly to the treatment of eating disorders.

Keywords:adolescent; eating disorders; Oral Health.


 

 

Introdução

A adolescência começa com a puberdade, fase em que ocorrem mudanças morfológicas e psicológicas que se aproximam da condição de adulto. São considerados adolescentes, segundo a Organização Mundial de Saúde 1, os indivíduos entre 10 e 19 anos de idade e jovens os indivíduos de 15 a 24 anos. Alguns aspectos do comportamento dos adolescentes e jovens podem ter implicações no seu crescimento e na sua saúde 1,2.

A juventude é um período propenso ao desenvolvimento da insatisfação com o próprio corpo. Diante de muitas mudanças físicas, da pressão psicológica exercida pelo grupo e da sedução dos meios de comunicação, o jovem encontra-se numa busca pelo padrão ideal de beleza, exigindo uma readaptação à imagem corporal. Desta forma, este é o segmento da população com maior vulnerabilidade a apresentar algum tipo de transtorno alimentar, em decorrência do momento vivido de construção da identidade, e de não possuir critérios e valores próprios que lhes permitam escapar das pressões dos modelos estéticos vigentes 3.

Os transtornos alimentares são quadros psiquiátricos que conduzem a severos danos psicológicos e sociais com aumento da morbidade e mortalidade, principalmente entre adolescentes e adultos jovens. Podem se manifestar de diversas formas, intensidades e gravidades. Os sintomas variam desde uma preocupação excessiva com o peso e a forma corpórea até episódios de ingestão exagerada de alimentos que não visam apenas saciar a fome, mas atendem a uma série de estados emocionais ou situações estressantes. A etiologia das alterações do comportamento alimentar é considerada multifatorial, envolve componentes genéticos, neuroquímicos, psicológicos, socioculturais e nutricionais 4.

Assim, os transtornos alimentares caracterizam-se por severas perturbações no comportamento alimentar que podem levar ao emagrecimento extremo (caquexia) ou à obesidade, entre outros problemas físicos e incapacidades. Na descrição de transtornos alimentares do Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais 5, os mais reconhecidos transtornos de conduta alimentar são: anorexia nervosa, bulimia e transtornos alimentares não específicos. Os diferentes transtornos alimentares compartilham alguns sintomas em comum, tais como desejar uma imagem corporal perfeita e favorecer uma distorção da realidade diante do espelho. Isto ocorre porque, nas últimas décadas, ser fisicamente perfeito tem se convertido em um dos objetivos principais das sociedades desenvolvidas. É uma meta imposta por novos modelos de vida, nos quais o aspecto físico parece ser o único sinônimo válido de êxito, felicidade e inclusive de saúde 5,6.

Os transtornos alimentares podem apresentar além de várias alterações sistêmicas relacionadas ao comprometimento do estado nutricional, alterações na cavidade bucal. A ocorrência e severidade dependem do tipo e tempo de duração do transtorno apresentado pelo paciente 4,7 .

São inúmeras alterações e complicações bucais ocasionadas pelos distúrbios alimentares, portanto o cirurgião-dentista torna-se um dos primeiros profissionais capazes de detectar e diagnosticar a anorexia e a bulimia. É necessário, portanto, que ele esteja apto a diferenciar os distúrbios alimentares para um diagnóstico exato e, também, para transmitir confiança ao paciente, a fim de que se potencialize o atendimento clínico 7. Este estudo teve como objetivo investigar a relação entre saúde bucal e transtornos alimentares entre adolescentes através da revisão da literatura.

 

Material e Método

Trata-se de um estudo exploratório descritivo e bibliográfico, construído mediante publicações de artigos em periódicos nacionais e internacionais referentes à temática saúde bucal e transtornos alimentares na adolescência.

A estratégia de pesquisa bibliográfica foi desenvolvida através da consulta à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), identificando- se artigos publicados nas revistas indexadas nas seguintes bases de dados: Medline, Lilacs e SciELO.

De forma combinada foram utilizados os descritores: ";adolescente";, ";transtornos da alimentação"; e ";saúde oral";, reconhecidos pelo vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde). Considerou-se como critério de inclusão os artigos publicados nos idiomas Inglês, Português e Espanhol, que abordavam a faixa etária de 10 a 19 anos e que disponibilizavam resumo. Em seguida, o texto completo de cada estudo, que preencheu os critérios estabelecidos, foi considerado para a análise final.

 

Resultados

Ao relacionar os descritores, foram recuperados artigos das bases de dados Lilacs 2 e Medline 10. Após a análise crítica da literatura, excluíram-se publicações que não apresentavam relevância para o tema: A saúde bucal e os transtornos alimentares entre adolescentes. Desta forma, foram selecionadas seis publicações que atenderam aos critérios de inclusão definidos neste estudo. Adicionalmente, foram consultados sete artigos em formato eletrônico que foram referenciados nos artigos selecionados das bases de dados, bem como dados da Organização Mundial de Saúde e da 4ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Perfazendo um total de 15 artigos.

Nos artigos analisados, observou-se uma prevalência de 33,1% para possíveis transtornos alimentares entre adolescentes, sendo mais frequente a bulimia nervosa (38,2%). Foi observada ainda uma associação significante entre sintomas de transtorno alimentar e gênero, destacando-se feminino em 90 a 95% dos casos.

 

 

 

Discussão

Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais 5, a anorexia nervosa é um transtorno alimentar caracterizado pela recusa do indivíduo em manter um peso adequado a sua estatura, medo intenso de ganhar peso e uma distorção da imagem corporal, além da negação da própria condição patológica. A anorexia pode ser do tipo restritiva ou purgativa. No tipo restritiva, não ocorrem episódios de comer compulsivamente, práticas como vômito autoinduzido e uso de medicamentos. Já a anorexia do tipo purgativa apresenta episódios de alimentação compulsiva e uso de laxantes e diuréticos. Bulimia nervosa é caracterizada por episódios repetidos de compulsão alimentar seguidas de condutas compensadoras inadequadas. Os transtornos alimentares não específicos se referem aos casos que apresentam sintomas que não se correspondem com os critérios de diagnóstico tradicionais completos de anorexia e bulimia. Este último é mais frequente que os demais e em alguns casos são enfermidades autolimitadas 5,6,7.

A adolescência é um período propenso ao desenvolvimento da insatisfação com o próprio corpo. Diante de muitas mudanças físicas, da pressão psicológica exercida pelo grupo e da sedução exercida pelos meios de comunicação. Em um estudo realizado na cidade do Recife, por XIMENES et al. 8, foi encontrada uma prevalência de 33,1% para possíveis transtornos alimentares em adolescentes de 12-16 anos. No mesmo estudo, a prevalência de sintomas de bulimia nervosa foi de 38,2%. A incidência dos transtornos aumenta quando relacionada à condição socioeconômica menos favorecida. Foi observada uma associação significante, na população afetada, entre mucosite, queilites, hipertofia das glândulas salivares e os transtornos alimentares, bem como sua associação com tecidos duros, principalmente com a erosão dental. Muitas vezes, estes fenômenos podem ser o primeiro sinal clínico que detecta a presença do transtorno, assim o cirurgião-dentista é potencialmente o primeiro profissional da saúde a diagnosticar a doença.

RANALLI & ELDERKING 9 apontaram a adolescência como sendo o período em que escolhas em relação à saúde podem ter repercussões para toda a vida. GARDINER & ARMBRUSTER 10 acrescentaram que o conhecimento da patologia é necessário e a mudança de atitudes no desenvolvimento de comportamentos saudáveis na adolescência é crucial, porque os padrões de comportamentos desenvolvidos na adolescência podem formar a base para a saúde futura. Segundo JONES et al. 11, a adolescência é conhecida por ser a principal fase de desenvolvimento desses transtornos.

No estudo realizado por XIMENES et al. , foi encontrada uma prevalência de 17,4% entre adolescentes com 14 anos com sintomas de transtornos alimentares na cidade de Recife, sendo observada uma associação significante entre sintomas de transtorno alimentar e gênero, com a prevalência mais elevada no gênero feminino. Foram encontradas, ainda, alterações bucais como queilite (44,0%), mucosites (100%), erosões dentais (100%), bruxismos (100%) e prevalência de cárie alta (89%) neste grupo de adolescentes.

Considerando a classificação dos transtornos alimentares, pode-se afirmar que a anorexia purgativa, comparada com a bulimia nervosa, apresenta complicações bucais menos intensas e menos comuns. Na bulimia nervosa, o vômito autoinduzido gera um ambiente ácido na cavidade oral, sendo uma alteração secundária que nem todos os casos clínicos de anorexia apresentam. É de extrema importância que o cirurgião-dentista esteja apto a diferenciar os distúrbios alimentares e conhecer quais doenças geram mais alterações na cavidade bucal 7.

SEABRA et al. 13 afirmaram que pacientes com distúrbios alimentares apresentam emagrecimento significativo e regurgitam com frequência provocando erosão dental, o que causa uma destruição significativa nos tecidos duros das coroas dos dentes. OHM et al. 14 destacaram ainda que esse padrão erosivo está relacionado à frequência e durabilidade do transtorno e que estes indivíduos também estão mais susceptíveis à ataque de cárie do que os que não apresentam transtornos de alimentação.

Para ROBB; SMITH (1996) apud TRABERT & MOREIRA 2, os critérios de diagnóstico para erosão dental resultante de episódios de regurgitação caracterizam-se por erosões severas nas faces palatinas dos dentes anteriores superiores e erosão moderada nas faces vestibulares destes mesmos dentes; faces linguais dos dentes anteriores inferiores e posteriores não afetadas; erosão com aspecto semelhante às faces palatinas dos dentes anteriores, nos dentes posteriores superiores; erosão variável nas faces oclusais e vestibulares dos dentes posteriores superiores e inferiores; restaurações com aspecto de ilhas e superfície com erosão sem manchas.

RYTOMAA et al. 15 apontaram que nem todos os pacientes com transtornos alimentares bulímicos apresentam erosão dental e que a quantidade de saliva é um fator que deve ser levado em consideração. A saliva reduz a acidez, portanto, em pacientes com fluxo salivar baixo, a acidez permanece principalmente no dorso da língua, favorecendo a erosão dos dentes superiores.

Outros sinais clínicos bucais, decorrentes da prática de indução de vômito, são: lesões de cárie, fissuras angulares, queilose (afecção dos lábios e ângulos da boca), disgeusia (distorção ou diminuição do paladar), hipertrofia das glândulas salivares, hipersensibilidade e hipossalivação, eritema do palato, faringe e gengiva 4,7.

Para TRAEBERT & MOREIRA 2, o cirurgião-dentista, na anamnese, deve investigar o assunto de forma cautelosa e ao mesmo tempo obter informações a respeito da doença, como hábitos alimentares e possíveis problemas gastrintestinais. Ainda, é necessário que o profissional esteja apto a diferenciar os distúrbios alimentares e conhecer quais doenças gera mais efeitos à cavidade bucal, além de possibilitar uma abordagem ampla, a fim de que outros profissionais da área da saúde se tornem engajados na cura e resolução das complicações referentes a doenças como a anorexia e a bulimia nervosa.

AMORAS et al. 4 relataram que a principal estratégia para prevenir o desenvolvimento de novas lesões nos tecidos bucais é remover o agente causal. Nas manifestações dos transtornos alimentares, a medida seria o tratamento da condição médica por equipe multidisciplinar. Entretanto, tal medida pode demandar tempo e, nesses casos, o cirurgião-dentista, como profissional inserido na equipe, desempenha importante função no tratamento e acompanhamento odontológico. O diagnóstico precoce e a instituição de estratégias adequadas para controlar o desenvolvimento e progressão das manifestações bucais favorecem bem-estar, autoestima e minimizam os danos às estruturas bucais. Profissionais de saúde podem desempenhar um papel importante na educação dos seus pacientes.

 

Conclusão

Os transtornos alimentares de ordem comportamental têm efeitos sobre a saúde bucal e ocorrem principalmente entre a população adolescente, grupo etário vulnerável.

A alteração bucal de maior frequência entre os pacientes com transtornos alimentares é a erosão dental, principalmente relacionada a episódios de regurgitação.

A abordagem multiprofissional se faz necessária para uma intervenção adequada, visando o estabelecimento da saúde futura. Na equipe de saúde, em decorrência das alterações bucais ocasionadas pelos transtornos alimentares, o cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional a realizar o diagnóstico, contribuindo significativamente para o tratamento dos transtornos alimentares.

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência:
Daniela Salvador Marques de Lima
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