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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2012

 

Barodontalgia

 

Uma dor aguda intensa gerada na subida ou descida de aeronaves e causada pela diferença de pressão atmosférica no dente acomete pessoas em todo o mundo, porém muitas delas não sabem a causa e podem confundi-la com outras dores provenientes de regiões da face, principalmente o ouvido. A barodontalgia (";baro"; - prefixo de origem grega que indica pressão) pode levar à vertigem, incapacitação e finalização prematura do voo, quando acomete os pilotos. Esta condição ocorre pela diferença de pressão atmosférica entre o ar do ambiente e o existente em cavidades dentárias, que expande e procura uma via de escape, o que pode levar à compressão das terminações nervosas da polpa, osso ou ligamento periodontal.

Cíntia de Assis

 

 

De acordo com a doutoranda em Endodontia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marilia Fagury Videira Marceliano- Alves, em seu artigo intitulado ";A barodontalgia em voo e o diagnóstico diferencial de dor odontogência: relato de caso"; (Rev. Odontol., Unesp. 2012; 41 (4): 287-91), a barodontalgia é um sintoma e não uma condição patológica e, na maioria dos casos, é a exacerbação de uma condição oral subclínica pré-existente, como cárie dentária, restaurações mal adaptadas, pulpite, necrose pulpar, periodontite apical, bolsas periodontais, dentes retidos, fratura radicular e cistos periapicais.

Apesar da evolução da Odontologia nos últimos 60 anos, pouco se encontra na literatura sobre a barodontalgia e a maioria dos dados existentes são provenientes do meio militar.

Os fenômenos fisiológicos e patológicos relacionados com as mudanças barométricas podem ocorrer durante voos, mergulhos, escaladas de montanha, em câmaras hiperbáricas ou outras pressões ambientais. Se a dor ocorre durante a subida ou descida (voo ou mergulho) depende inteiramente da patologia relacionada. Para Dra. Marilia Marceliano-Alves, a pressurização das cabines de avião ajuda a reduzir a prevalência da barodontalgia, porém em aviões comerciais esta corresponde à pressão equivalente a altitudes de 5 mil a 10 mil pés, sendo que a literatura relata que a barodontalgia pode ocorrer em altitudes de 2.000 metros ou 5 mil pés. ";A subida rápida de um helicóptero (4.000m/min) está relacionada com uma alteração circulatória aguda sistêmica brusca e os mecanismos fisiológicos podem ter dificuldades em compensar, por isso tal fato pode também estar correlacionado com a ocorrência de barodontalgia";, explica.

 

Barodontalgias dentais e não dentais

Segundo a 1º Tenente Dentista da Odontoclínica de Aeronáutica Santos Dumont - Rio de Janeiro (OASD), Marilia Marceliano-Alves, geralmente, a dor na subida está relacionada com a doença de polpa vital e a dor na descida com a necrose pulpar ou barotrauma facial (trauma barométrico relacionado aos seios paranasais e ouvido). ";Dor relacionada à doença periapical pode aparecer durante a subida, bem como na descida, porém a literatura relata que a maioria dos casos ocorreu durante a subida. Já o barotrauma facial inclui barotite média (barotrauma do ouvido médio), barotrauma otítico externo e barossinusite (barotrauma sinusal)";, acrescenta. De acordo com a 1º Ten Dent Aer Marilia, a barotite média é a inf lamação traumática da área do ouvido médio pela diferença de pressão entre o ar na cavidade pré-tímpano (tuba de Eustáquio) e a atmosfera. ";A barotite externa é causada por lesão da mucosa de revestimento do canal auditivo externo e do tímpano. Barossinusite é a inf lamação de um ou mais seios paranasais pela diferença de pressão, geralmente negativa, entre o ar na cavidade nasal e a atmosfera circundante. O diagnóstico correto é muito importante, pois indica qual o profissional que se deve procurar no acometimento da dor, um dentista ou otorrinolaringologista";, esclarece.

Uma polpa saudável não é afetada pela mudança barométrica, no entanto existem casos de barodontalgia em dentes tratados endodonticamente, restaurações defeituosas, lesões cariosas, restaurações profundas e, principalmente, em casos de pulpite. ";A pulpite é a principal causa relatada de barodontalgia no voo e pode se manifestar através de uma dor aguda penetrante ou pulsátil. A literatura descreve várias teorias para explicar o mecanismo da ocorrência da barodontalgia na polpa dentária inflamada (reversível ou irreversível), como: isquemia do tecido pulpar, aumento da pressão do gás existente na cavidade pulpar, devido à expansão do ar pelo aumento da altitude";, comenta a 1º Ten Dent Aer Marilia.

Para a 1º Ten Dent Aer Marilia, um ponto importante a ser considerado é que as paredes dos dentes são de tecido duro e quanto ocorre o aumento da pressão dentro da cavidade pulpar pode haver isquemia e levar à ocorrência de dor e necrose. ";A literatura considera que a necrose pulpar, com ou sem periodontite periapical, é responsável por 18,5% dos casos de barodontalgia. É possível que a dor devida à necrose pulpar, seja induzida pelo aumento da pressão do ar no interior da lesão óssea quando o paciente em voo";, analisa.

Outra situação que os cirurgiões-dentistas precisam considerar são as restaurações desadaptadas, porque em casos de polpa viva as alterações barométricas podem forçar os fluidos para fora dos túbulos dentinários, causando sensibilidade. ";Em casos de tratamento endodôntico incompleto ou de polpa necrosada, o ar existente na cavidade pulpar pode expandir e ser forçado a sair, devido ao aumento de pressão, levando ao enfisema periapical. Em casos de abscessos, o conteúdo necrótico de dentro do canal pode extruir para os espaços perirradiculares, causando dor e infecções ósseas";, orienta a 1º Ten Dent Aer Marilia. ";Também a fratura vertical da raiz, terceiros molares impactados e cistos podem estar relacionados a episódios de barodontalgia. As alterações na pressão atmosférica podem causar dor devido à elevação da pressão do ar na linha de fratura e na bolsa periodontal e/ou lesão óssea. A barodontalgia em casos de dentes impactados é provavelmente devido à elevação da pressão intraóssea";, comenta a CD.

A manutenção da saúde oral da população, principalmente de pilotos e aeronavegantes, é de extrema importância para que se evitem episódios de barodontalgia no ar. Para a doutoranda em Endodontia pela Uerj e parceira de pesquisa da 1° Ten Dent Aer Marilia, Maj Dent Aer Rosana Belchior Miranda, o diagnóstico diferencial entre dor odontogênica e barodontalgia em voo é o melhor caminho para se buscar o profissional certo para cada caso. ";Quando nos deparamos com casos de pilotos e aeronavegantes que relataram ocorrência de barodontalgia, devido a problemas endodônticos, o protocolo é o atendimento em sessão única com a realização de uma excelente obturação do sistema de canais radiculares, bem como a restauração do dente o mais brevemente possível, para se evitar novos episódios de dor dentária em voos";.

De acordo com a 1° Ten Dent Aer Marilia, os cirurgiões- dentistas devem conhecer as causas para a correta assistência dos aeronavegantes que sofreram episódios de barodontalgia, bem como estar preparados para o uso de medidas preventivas e curativas, para reduzir a incidência e a gravidade desta condição. ";Para os aeronavegantes, especificamente, uma avaliação anual criteriosa é obrigatória, isto é, a inspeção de saúde no Centro de Medicina Aeroespacial (RJ), onde é realizada a avaliação multidisciplinar com a realização de exames clínicos e radiográficos, objetivando a investigação de possíveis moléstias que podem levar ao aparecimento de patologias, seja em voo ou na atividade laboral de cada profissional";, finaliza.

 

Primeiros relatos dos sintomas de barodontalgia

De acordo com dados do artigo ";A barodontalgia em voo e o diagnóstico diferencial de dor odontogência: relato de caso"; (Rev. Odontol., Unesp. 2012; 41 (4): 287-91), os primeiros casos de barodontalgia datam de 1923, mas foi na Segunda Guerra Mundial, com o uso do avião subsônico, que a sua incidência se tornou mais expressiva. Os pilotos espanhóis da chamada ";Esquadrilha Azul"; foram os primeiros a relatar dor aguda nos dentes, que perdurava por alguns segundos e diminuía gradualmente até desaparecer, após o pouso da aeronave. Diversas causas foram relatadas como responsáveis por estes episódios, dentre as quais as condições pulpares e os dentes retidos.

Na década de 1940, os incidentes mais comuns ocorreram durante simulações em câmara de alta altitude, os quais estavam relacionados à exposição da polpa dentária, a dentes restaurados recentemente e a doenças periapicais.

Ainda segundo o artigo, após a Segunda Guerra Mundial, a Marinha Americana testou 12 mil de seus pilotos quanto às consequências das diferenças de pressão no organismo, no solo e em altitudes, e observaram o surgimento de barodontalgia entre 1.500 e 3.500 metros de altura. No mesmo período, a Força Aérea Americana registrou 114 indivíduos dos 1.176 (9,7%) aeronavegantes com relatos de um ou mais destes episódios em seus voos.