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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.70 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Percepção dos responsáveis sobre fatores preditores do medo odontológico infantil e aceitação do uso da abrasão a ar

 

Caregivers'perceptions of predictors of children's dental fear and acceptance of the use of air abrasion

 

 

Lívia Azeredo Alves AntunesI;Rafael de Lima PedroII;Leonardo dos Santos AntunesIII;Lucianne Cople MaiaIV

I Professora Assistente do Departamento de Formação Específica da FO/UFF, Pólo Universitário de Nova Friburgo
II Doutorando em Odontopediatria do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da FO/UFRJ
III Professor Assistente do Departamento de Formação Específica da FO/UFF, Pólo Universitário de Nova Friburgo
III Professora Adjunta do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da FO/UFRJ

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O objetivo deste artigo é avaliar a percepção de responsáveis sobre fatores preditores do medo odontológico e aceitação do uso de uma nova tecnologia para remoção do tecido cariado em suas crianças. Entrevista a partir de um questionário semiestruturado com 105 responsáveis por crianças, de 2 a 12 anos, atendidas na Clínica de Odontopediatria, a respeito do nível de medo/apreensão, conhecimento e importância de novos estudos e autorização para utilização de novas tecnologias. Os dados foram analisados descritivamente e utilizando o teste Exato de Fisher (p<0,05). Embora os responsáveis tenham poucas informações sobre os métodos alternativos de remoção de cárie, eles são receptivos ao uso dos mesmos em seus filhos.

Palavras-chave: criança; ansiedade ao tratamento odontológico; abrasão dental por ar.


 

ABSTRACT

The purpose this article is to evaluate the caregivers'perception of predictors of dental fear and acceptance of use a new technology for removal of caries in their children. Interview using a semi-structured questionnaire with 105 caregivers for children 2 to 12 years attending at Clinic of Pediatric Dentistry. The data were about dental fear/ apprehension; knowledge and importance of new studies and permission to use new technologies. Data were analyzed descriptive and using the Fisher’s Exact test (p <0.05). A lthough t he c aregivers have little information about alternative methods of caries removal, they are receptive to use them in their children.

Keywords: child; dental anxiety; dental air abrasion.


 

 

Introdução

O comportamento das crianças ainda é um dos obstáculos na Odontopediatria 1, sendo o controle deste, um elemento chave para o sucesso do tratamento 2,3. Conhecer a criança, conseguir conquistá-la é, desde tempos distantes, objetivo para tornar o processo de tratamento dentário mais agradável para ambas às partes1. Em 1875, Raymond já dizia que "ficar nas boas graças da criança é quase igual à metade do trabalho que tem que ser feito". Logo para isso, métodos de controle de comportamento são postulados a fim de se adequar a criança 1.

Entretanto, há situações durante o tratamento dentário, que fogem do campo de atuação do cirurgião-dentista, como o equipamento por ele utilizado. O avanço da tecnologia, dos conhecimentos científicos do processo de formação da cárie, além do desenvolvimento dos materiais dentários adesivos veio para auxiliar o tratamento, facilitando o manejo do comportamento da criança 4.

As novas tecnologias de remoção de tecido cariado vêm surgindo com intuito de substituir a velha e obsoleta forma convencional de preparo cavitário – a alta rotação – além de proporcionar satisfação e conforto ao paciente 5. Uma dessas técnicas inovadoras é o sistema de abrasão a ar, criado por Robert B. Black, em 1945, com intuito de eliminar fatores responsáveis pelo desconforto e dor no preparo cavitário como vibração, barulho, temperatura, pressão 6.

Assim, diante das diversas vantagens, e suas várias indicações de uso 7, além da possibilidade de realização de cerca de 80% dos preparos cavitários sem necessidade de anestesia 8 o que é de grande relevância para pacientes adultos e crianças, o sistema de abrasão a ar voltou a se tornar uma opção válida 9.

Assim, este trabalho tem por intuito avaliar a percepção dos pais sobre o comportamento das crianças frente a diversas variáveis preditoras de ansiedade e medo ao tratamento odontológico, bem como avaliar a aceitação de nova tecnologia para remoção de cárie, a abrasão a ar.

 

Material e Método

Previamente a sua realização, este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Local. Desse modo, todos os responsáveis participantes foram informados do objetivo do estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido através do qual deram autorização para utilização de suas respostas.

Para a realização do estudo, uma amostra de 105 responsáveis por crianças entre 2 e 12 anos de idade que procuraram por atendimento na Clínica de Odontopediatria de uma Instituição Pública de Ensino Superior do Rio de Janeiro foi selecionada, incluindo apenas pais ou responsável legal pelas crianças, e que responderiam por apenas um filho, no caso o que já tivesse tido contato com o sistema de alta rotação ou baixa rotação.

Todos os responsáveis foram entrevistados por um único examinador, com um roteiro de entrevista em uma sala reservada, após a finalização do exame odontológico de triagem das crianças. O formulário de entrevista consistiu de questões abertas e fechadas, contendo os seguintes itens: grau de parentesco e escolaridade dos responsáveis, sexo e idade das crianças, fatores preditores do medo odontológico infantil, percepções dos responsáveis frente às antigas e novas tecnologias de remoção de tecido cariado. Foram questionadas também sobre interesse em pesquisas de novas tecnologias para remoção de tecido cariado, suas características e autorização para utilização destas em suas crianças; como, por exemplo, um novo método de abordagem da lesão cariosa, o sistema de abrasão a ar.

Todas as respostas das questões abertas foram reorganizadas em categorias de análise 10, sendo posteriormente inseridas e analisadas, juntamente com as respostas das questões fechadas, no programa SPSS (versão 16.0). Os resultados foram apresentados de forma descritiva, a partir de suas frequências absolutas e relativas e, quando possível, utilizaram-se o teste Exato de Fischer, com nível de significância de 5%. (Gráfico 1). Itens que geram medo ou apreensão antes da consulta odontológica.

 

Resultados

Dos 105 responsáveis que participaram dessa pesquisa, 85 (81%) eram mães, 9 (8,5%) pais e 11 (10,5%) possuíam outro grau de parentesco. No que diz respeito à escolaridade, 42 (40%) possuíam o ensino fundamental, 52 (49,5%) o ensino médio e 11 (10,5%) o ensino superior, completo ou não. Em relação às crianças, 60 (57,1%) eram do sexo feminino, 81 (77,1%) tinham idade escolar, compreendida entre 6 e 12 anos.

Um total de 78 responsáveis (74,3%) relatou que suas crianças não tinham medo de ir ao dentista, apesar de que 52 responsáveis (49,5%) informaram que as crianças ficavam apreensivas antes da consulta odontológica. De acordo com a percepção dos pais, em relação às queixas das crianças, os itens que mais geravam apreensão ou medo antes de uma consulta eram principalmente a anestesia (63,5%) seguida pela visão e/ou barulho do motor (51,9%) e medo de sentir dor (46,2%) (Gráfico 1).

Das crianças que já haviam usado o motor (n = 70) 40% se queixaram do mesmo após procedimentos diversos (p < 0,05) (tabela I).

A maioria dos responsáveis entrevistados (n = 82, 78,1%), não conhecia nenhum outro método alternativo para remoção de tecido cariado, além da alta rotação. No entanto, 98 (93,3%) acham importante estudo para substitutos do uso do motor, mesmo aqueles responsáveis que não receberam queixas de suas crianças após tratamentos odontológicos diversos (p > 0,05) (tabela II).

Levando em consideração às características que os responsáveis esperam que fosse diferente da técnica convencional, 47 (44,8%) anseiam por uma técnica sem dor, 45 (42,85%) sem barulho e 28 (26,7%) por um método rápido, dentre outras.

Quando questionados se dariam autorização para a utilização de uma nova técnica como a abrasão a ar, após breve esclarecimento e explicação de como este método funcionava, 37 (35,2%) responsáveis não autorizariam o seu uso em suas crianças contra 68 (64,8%) que permitiriam. Dos que não autorizaram 34 (79%) condicionaram a comprovação de sua eficácia, enquanto dos que permitiriam 59 (95,2%) somente aceitariam se esta proporcionasse um conforto maior, sem dor, barulho ou anestesia e que fosse algo que não gerasse medo (p < 0,05) (tabela III).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

O comportamento da criança é componente importante no sucesso do tratamento em Odontopediatria, sendo necessário além da habilidade técnica, que o profissional conquiste a cooperação do paciente e que a mantenha 2,3. Esse comportamento infantil tem sido considerado negativamente influenciável pelo medo durante o tratamento odontológico 11.

O medo pode ser classificado como concreto proveniente de experiências pregressas como estímulo de dor, cheiro e o sabor desagradável, além de um atendimento mal conduzido 12. Este último, quando realizado na infância, pode gerar consequências que persiste até a idade adulta 13. Desse modo, pode-se perceber a importância de eliminar o medo odontológico dos pacientes infantis procurando atitudes e meios que conquistem e mantenham a colaboração destes pacientes. Muitas vezes, devido ao medo da alta rotação e das diversas características desagradáveis que esta proporciona, vários pacientes relutam em procurar atendimento odontológico, normalmente só o fazendo quando a dor já está presente 15. Isto acaba gerando uma associação entre o tratamento odontológico e dor. Dessa forma, se torna extremamente relevantes estudos que avaliem a percepção dos responsáveis e crianças em relação aos fatores preditores do medo odontológico e o conhecimento e autorização de uso de novas formas para remoção de tecido cariado.

No presente estudo apenas 25,7% das crianças foram descritas como tendo medo do tratamento odontológico, achado concordante com DRUGOWICK 15.

Quase metade dos responsáveis relatou a percepção de que suas crianças ficavam apreensivas ou ansiosas antes de atendimento. Os itens mais descritos foram a anestesia, seguido pela visão ou barulho do motor e o medo de sentir dor. O fato de a anestesia ser o item de mais temor pelas crianças vem concordando com diversos outros estudos 16,17. O barulho ou vibração ocasionado pelo método convencional tem sido também sugerido por WHITE & EAKLE 18 como a razão para aumento da percepção de medo.

A ansiedade do paciente infantil já foi descrita previamente na literatura como fortemente relacionada à ansiedade materna e o seu comportamento frente ao tratamento odontológico, em que esta pode transferir direta ou indiretamente atitudes e sentimentos até mesmo durante o tratamento odontológico 19. No presente trabalho pode-se sugerir a alta prevalência de ansiedade uma vez que a maioria das crianças que procuraram o serviço virem acompanhadas pelas mães.

Tem-se sugerido que pacientes tenderiam a aceitar melhor um tratamento utilizando abrasão a ar comparado com a técnica convencional, por esta reduzir a necessidade de anestesia 9. Na presente pesquisa, a resposta dos responsáveis em relação a uma nova técnica de remoção do tecido cariado foi animadora e, mesmo não tendo contato prévio ou conhecimento, dariam aprovação de utilização em suas crianças. Essa aceitação foi atribuída principalmente às características descritas da técnica de abrasão a ar e pelas vantagens citadas pelo entrevistador de não necessitar de anestesia, ser confortável, proporcionar diminuição dos níveis de dor e que corresponderam as expectativas dessas pessoas para com o surgimento de novas tecnologias.

A eficácia da abrasão a ar já está bem comprovada na literatura por artigos in vitro 20,21, revisões de literatura 22 e casos clínicos 23. No entanto, apesar de já possuírem estudos clínicos que avaliam a aceitação desta técnica em relação à alta rotação 24,25, falta na literatura artigos que o façam avaliando a percepção dos responsáveis, como no presente trabalho. Desta forma, novos estudos clínicos que avaliem esta percepção, tanto dos responsáveis quanto das crianças, após a aplicação clínica da abrasão a ar se tornam necessários.

 

Conclusão

Embora a maioria dos pais não tenha relatado percepção de medo odontológico por parte das crianças e estes ainda não tenham tido informações nem contato com outros métodos alternativos de remoção de cárie, eles são receptivos ao uso dos mesmos em seus filhos, em especial a abrasão a ar, desde que ele tenha características diferentes da alta rotação.

 

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Endereço para correspondência:
Lívia Azeredo Alves Antunes
Rua Doutor Silvio Henrique Braune, 22, Centro, Nova Friburgo
Rio de Janeiro/RJ – CEP: 28625-650

e-mail:
liviaazeredo@vm.uff.br

Recebido: 15/05/2013
Aceito: 17/06/2013