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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.70 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Condutas de biossegurança relacionadas aos trabalhos protéticos utilizadas por cirurgiões-dentistas de Porto Velho (RO)

 

Conducts of biosafety related to prosthetic work used by dentists of Porto Velho (RO)

 

Juliana Vieira Frezza Bernardes CohenI;Mariella Vieira Pereira LeãoII;Silvana Soléo Ferreira dos SantosII

I Biomédica; Mestra em Biologia Odontológica
II Professoras Assistentes Doutoras de Microbiologia e Imunologia da Universidade de Taubaté

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A veiculação de micro-organismos por moldes, modelos e próteses torna essencial adotar medidas de biossegurança. Avaliar as condutas de biossegurança, utilizadas por dentistas de Porto Velho (RO), no trabalho com moldes, modelos e próteses. Questionário relativo às condutas de biossegurança que envolvem trabalhos protéticos. Estavam corretamente vacinados 62,2% dos dentistas, todos utilizavam avental, luva e máscara, mas a adesão aos óculos e gorro foi menor. A desinfecção dos moldes, modelos e próteses era realizada, respectivamente, por 59, 43,66 e 66,38% dos participantes com glutaraldeído, hipoclorito ou álcool em imersão por 10 minutos. A aplicação das normas de biossegurança em Porto Velho está aquém do esperado para que haja redução no risco de infecção cruzada.

Palavras-chave: biossegurança; próteses; desinfecção.


 

ABSTRACT

The carriage of microorganisms by molds, models and prosthesis makes it essential the adoption of biosecurity measures. To assess biosecurity actions conducted by dentists of Porto Velho (RO) at work with prosthetic devices. The voluntaries were requested to answer a questionnaire regarding their biosecurity actions. All dentists use apron, glove and mask, and with less frequency, glasses and hats; 62.2% were properly vaccinated. Disinfection of prosthetic devices was performed by 59, 43.7 and 66.4% of participants with immersion for ten minutes in glutaraldehyde, hypochlorite and alcohol, respectively. The implementation of biosecurity standards in the Porto Velho was minor than expected to reduce the risk of cross-infection.

Keywords: biosecurity; prosthesis; disinfection.


 

 

Introdução

Informações sobre biossegurança têm sido transmitidas em cursos formais e textos de orientação profissional, mas geralmente não se traduz em conhecimento realmente aprendido e aplicação sistemática 16. Qualquer procedimento odontológico, desde um simples exame clínico até cirurgias complexas, deve seguir normas de biossegurança e o cirurgião-dentista e sua equipe devem conhecê-las e, obrigatoriamente, aplicá-las dentro das normas estabelecidas pelos órgãos oficiais responsáveis 5.

No Brasil, o Ministério da Saúde (2006) define as precauções-padrão que auxiliam os profissionais nas condutas técnicas adequadas, por meio de medidas para proteger a sua saúde e a da sua equipe. Estas condutas funcionam como um conjunto onde, qualquer item negligenciado, compromete a biossegurança como um todo 17, ou seja, facilita a ocorrência de infecção cruzada.

Estudos sobre condutas de biossegurança realizados na cidade de Taubaté, SP, 11, Porto Alegre - RS 7, Florianópolis - SC 8 e Cascavel - PR 5 constataram que os cirurgiões-dentistas nem sempre seguem as normas preconizadas para controle de infecção cruzada quer seja por negligencia e/ou dificuldades em implantar os métodos, a despeito de demonstrarem preocupação com a possível contaminação durante o atendimento.

Diante da importância do tema acima abordado, este trabalho teve por objetivo avaliar o comportamento de cirurgiões-dentistas da cidade de Porto Velho (RO) em relação aos cuidados de biossegurança com moldes, modelos e peças protéticas.

 

Material e Método

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Faculdade de São Lucas - protocolo nº 638). O cálculo amostral foi realizado utilizando o programa BioEstat 5.0 com Power de 0,8 e nível de significância 0,05. Após consentimento livre e esclarecido, foram avaliadas as condutas de biossegurança dos cirurgiões-dentistas do município de Porto Velho - Rondônia por meio de questionário contendo perguntas sobre condutas básicas de biossegurança e questões específicas sobre as condutas de biossegurança com moldes, modelos e peças protéticas.

 

Resultados

Foram incluídos no presente estudo 71 cirurgiões-dentistas (CD), sendo 27 homens e 44 mulheres, com média de idade de 34±10 anos. Destes, 88,7% disseram atualizar-se profissionalmente no mínimo anualmente e 96% acreditavam na possibilidade de ocorrência de infecção cruzada entre o consultório e o laboratório de prótese. Apesar disso, somente 62,2% disseram ter tomado as três doses da vacina para hepatite B.

Quanto ao uso do equipamento de proteção individual, todos os participantes relataram sempre utilizar avental, luva e máscara, entretanto somente 74,6% sempre utilizavam óculos de proteção e 88,73% gorro. Quando avaliada as condutas de biossegurança relativas aos trabalhos protéticos, somente 59% dos CD disseram realizar desinfecção dos moldes antes do envio ao laboratório de prótese, 43,66% desinfetavam o modelo recebido do laboratório de prótese e 66,38% submetiam as peças protéticas ao processo de desinfecção previamente a sua instalação no paciente. Não demonstraram conhecimento sobre o desinfetante adequado para cada material a ser desinfetado, mas disseram utilizar glutaraldeído 2% (40,8%), hipoclorito 1% (32,4%) e álcool 70% (26,8%). Quanto ao método de desinfecção utilizado, foi observada diferença significativa (p < 0,05) de CD que utilizavam a imersão (Figura 1).

 

 

 

O tempo de exposição utilizado pode ser observado na figura 2. Houve diferença significativa (p,0,05) para os CD que utilizam o tempo de dez minutos.

 

 

 

Com relação às moldeiras, 85,94% dos dentistas as esterilizavam antes de utilizar em outro paciente, entretanto, 14,08% somente a desinfetavam e 1,4% somente a lavavam.

 

Discussão

Prevenir a infecção cruzada no consultório odontológico tem sido um grande desafio para o cirurgião-dentista (CD), entretanto, é fundamental a observação dos procedimentos de biossegurança dentro da prática diária nos ambientes odontológicos 2-6tanto pelo dentista, quanto pelos auxiliares, pacientes e protéticos, pois são considerados como alvo todos os que estão envolvidos no atendimento clínico ou laboratorial 12.

Os resultados do presente trabalho demonstraram que, apesar de conhecer o risco de ocorrência de contaminação durante a prática odontológica, muitos dos cirurgiões-dentistas (CD) de Porto Velho - RO ainda não estão protegidos contra a hepatite B, ou por não terem sido vacinados ou por não terem completado as três doses da vacina, que deve obedecer ao seguinte esquema: primeira dose; segunda dose 30 dias após a primeira e a ultima dose 180 dias após a primeira 20.

Resultado semelhante foi observado por GARCIA et al. 8 em trabalho realizado em Florianópolis (SC), onde somente 73,4% dos dentistas tinham o esquema vacinal completo.

Embora tenha sido observada total adesão ao uso do avental, máscara e luvas pelos participantes desse trabalho, ainda há negligencia quanto ao uso de óculos de proteção e gorro.

Apesar disso, este trabalho demostra uma melhor adesão ao uso de luvas do que o realizado por JUNIOR et al. 10onde, embora 93,6% dos cirurgiões-dentistas utilizassem luvas descartáveis, 16,7% só a utilizam em procedimentos considerados críticos e de GALVANI et al. 7 onde os profissionais com mais de dez anos de formados não usavam luvas.

Os óculos de proteção protegem contra os micro-organismos e evitam traumas de vários tipos. Evitam também que o profissional toque nos olhos carregando contaminações 12. A menor adesão a este equipamento de proteção individual também foi observada por SILVA et al. 19 e GALVANI et al. 7.

O gorro confere uma barreira efetiva para o profissional, sua equipe e paciente. Protege contra gotículas de saliva, aerossóis e sangue contaminados 14. A frequência de uso do gorro foi maior que o encontrado para o uso de óculos de proteção, existindo ainda aqueles profissionais que usam somente às vezes ou nunca utilizam. Outros trabalhos também demostram a falta de utilização do gorro 10,19,5, demostrando que ainda não há plena adesão de alguns profissionais a todo o equipamento de proteção necessário para o atendimento odontológico.

A desinfecção é o processo que elimina micro-organismos na forma vegetativa. Esse processo só deve ser indicado na impossibilidade de submeter o material ao processo de esterilização 14. A desinfecção de moldes tem sido defendida em todo o mundo por muitos anos, porém o cumprimento das orientações não tem sido observado 15.

Segundo JORGE 9, as moldagens devem ser lavadas com água para remoção de sangue, saliva e detritos e desinfetadas de acordo com o material.

No presente estudo pouco mais da metade dos profissionais entrevistados afirmaram sempre submeter o molde ao processo de desinfecção. COTRIM et al. 4observaram que apenas 22% dos CD efetuavam a desinfecção dos moldes. Um discreto aumento na adesão a este procedimento (34%) foi observado por BÔAS & QUIRINO 2 e PANG & MILLAR 15, onde 48% dos profissionais participantes costumavam submeter os moldes à desinfecção. Estes resultados demonstram que ao longo dos anos, provavelmente pela melhora no ensino de biossegurança e aumento na fiscalização, mais CD tem procurado submeter os moldes ao processo de desinfecção.

Quanto à desinfecção do modelo recebido do laboratório de prótese, somente 36,62% dos profissionais do presente estudo afirmam sempre desinfetar o modelo. Esse resultado demonstra haver um menor cuidado com o modelo quando comparado ao molde. MAJEWSKI et al. 12 observaram que apenas 6,6% dos profissionais de laboratórios de prótese sempre desinfetam o modelo e, no mesmo ano, CAMPANHA et al. 3 observaram que 90% dos técnicos de prótese nunca realizaram a desinfecção dos modelos.

Convém salientar que os modelos de gesso obtidos a partir de moldes que não sofreram tratamento desinfetante podem se tornar contaminados e, assim, passíveis de transmitir micro-organismos a quem os manipula 18.

Mesmo com o baixo número de CD, desse trabalho, que desinfetavam os modelos, quando buscamos dados de trabalhos realizados em anos anteriores, verificamos que somente 4% 4 e 6,8% 2 dos profissionais respeitavam este procedimento de biossegurança. Isto demonstra que, embora lentamente, os CD estão aderindo cada vez mais às condutas necessárias para evitar a transmissão de micro-organismos.

Entre os resultados obtidos por esse estudo, podemos observar maior preocupação dos CD com a desinfecção do trabalho protético do que dos moldes ou modelos dos participantes. Resultado muito diferente do encontrado neste estudo foi observado por COTRIM et al. 4, onde apenas 6% dos cirurgiões-dentistas afirmaram sempre desinfetar o trabalho protético. No mesmo estudo, os autores concluíram que existe a possibilidade de ocorrer infecção cruzada durante a manipulação de trabalhos protéticos, devido à presença de grande quantidade de micro-organismos na pedra-pomes utilizada no polimento das peças. BÔAS & QUIRINO 2 observaram que a desinfecção dos trabalhos protéticos era realizada por 50% dos cirurgiões-dentistas e, após a prova no paciente, apenas 27,2% realizava o procedimento.

Quanto ao desinfetante de escolha para realizar a desinfecção dos moldes foi o glutaraldeído 2%, seguido pelo hipoclorito 1% e álcool 70%.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em março de 2007, publicou um informe técnico sobre o uso do glutaraldeído em estabelecimentos de assistência em saúde, onde explica sua toxicidade e efeitos adversos, no mesmo ano no Estado de São Paulo foi publicada uma resolução sobre a restrição do uso do glutaraldeido, porém em Rondônia o uso do desinfetante não foi restringido, sendo este talvez o motivo para um número expressivo de profissionais que o utilizam 1.

Quanto à técnica utilizada para desinfecção, observou-se que, apesar da baixa utilização, a imersão foi a técnica mais citada. De acordo com SANTOS et al. 18, a imersão é a técnica mais indicada pois atinge uma maior superfície de contato que o método de aspersão.

Poucos profissionais utilizavam o tempo preconizado 14, ou seja, dez minutos, para a desinfecção de moldes, modelos e peças protéticas. A variação excessiva quanto ao tempo de exposição aos desinfetantes, observada no presente estudo, demonstra a falta de conhecimento dos CD quanto a este quesito.

Apesar de os resultados do presente estudo ser, na sua maioria, melhor que aqueles desenvolvidos anteriormente no Brasil, demonstrando uma maior adesão dos CD às normas de biossegurança, ainda há muito a ser conquistado, e isto só será possível por meio de uma educação continuada e fiscalização sistemática.

 

Conclusão

A aplicação das normas de biossegurança pelos profissionais da cidade de Porto Velho (RO) está aquém do esperado para que haja redução no risco de infecção cruzada.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Juliana Vieira Frezza Bernardes Cohen
Rua 21 de Abril, 158 – Jardim Bandeirantes
Ouro Preto do Oeste/RO, Brasil – CEP 76920-000

e-mail:
julianafrezza@yahoo.com.br

Recebido: 11/04/2013
Aceito:14/05/2013