SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.70 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.70 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da adaptação de cones de guta-percha no segmento apical de canais ovais

 

Evaluation the adaptation of guta-percha in apical segment of long oval canals

 

 

Juliana de Oliveira Zóffoli I; Ernani da Costa Abad II; Bernardo Mattos Almeida III; Luciana Armada IV

I Mestre em Endodontia pela Unesa/RJ
II Doutor em Odontologia pela UFRJ. Coordenador do Projeto Trauma da Unesa/RJ
III Mestre em Endodontia pela Unesa/RJ. Professor da Especialização em Endodontia da Unesa/RJ
IV Doutora em Fisiopatologia Clínica e Experimental. Professora do Programa de Pós-graduação em Odontologia Unesa/RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve por finalidade avaliar, in vitro, o grau de adaptação de cones de guta-percha no segmento apical de canais ovais longos de 40 primeiros pré-molares inferiores, obturados pela técnica de compactação lateral da guta-percha (TCL) e de Schilder (TS). Cortes a 1, 3 e 5 mm aquém do ápice radicular perpendiculares, ao longo eixo do dente, revelaram superfícies que foram analisadas com auxílio de estereomicroscópio e as imagens avaliadas através de um software. A média da área do terço apical não preenchida por guta-percha a 1 mm grupo 1 = 38,72% e grupo 2 = 22,64%; a 3 mm grupo 1 = 30,32% e grupo 2 =15,80%; a 5 mm grupo 1 = 57,38% e grupo 2 = 26,42%. A técnica de Schilder foi mais eficaz.

Palavras-chave: Canal oval longo; técnica obturadora; guta-percha.


ABSTRACT

The present study aimed to evaluate in vitro the degree of adaptation of gutta-percha in the apical segment of the long oval canals first 40 premolars, filled by lateral compaction technique of gutta-percha (TCL) and Schilder (TS). Cuts at 1, 3 and 5 mm below the apex perpendicular to the long axis of the tooth surfaces revealed that analyzed with stereomicroscope and images evaluated through software. The average area of the apical third not filled with gutta-percha to the 1 mm group 1 = 3 8.72% and G roup 2 = 2 2.64%, the 3 m m g roup 1 = 3 0.32% a nd G roup 2 = 15.80% , the 5 mm group 1 = 57.38% and group 2 = 26.42%. Schilder's technique was more effective.

Keywords: long oval canal; technique obturator; guta-percha.


 

 

Introdução

A necrose pulpar caracteriza-se pela perda da capacidade de defesa tecidual da polpa dental, que não oferece resistência à invasão bacteriana, favorecendo assim o desenvolvimento de uma infecção no sistema de canais radiculares LOPES & SIQUEIRA (10). Desta forma com a presença de uma alteração patológica irreversível no tecido pulpar, é necessário realizar o tratamento endodôntico cujo objetivo principal é prevenir ou tratar uma infecção no sistema de canais, visando o reparo das estruturas perirradiculares e o reestabelecimento da função dentária normal ROLDI et al. (14).

Todas as etapas do tratamento endodôntico são fundamentais para o sucesso. A obturação do sistema de canais radiculares é o desfecho deste conjunto de procedimentos intracanais, que visa perpetuar o estado de desinfecção atingido durante o preparo químico e mecânico e minimizar os riscos de uma nova infecção através do preenchimento de todo o espaço intrarradicular, antes ocupado pelo tecido pulpar LOPES & SIQUEIRA (10).

Existem várias técnicas diferentes de obturação do sistema de canais radiculares, mas nenhuma delas tem se mostrado superior às demais JOHNSON & KULLID (8). As técnicas de compactação lateral da guta-percha (TCL) e de Schilder (TS) (compactação vertical da guta-percha aquecida) têm sido usadas amplamente. Contudo, os canais radiculares apresentam diferentes formas que podem influenciar na qualidade da obturação.

A presença de canais ovais longos torna todas as etapas do tratamento endodôntico mais difíceis. A realização de um preparo químico e mecânico circular pode não debridar as áreas de recessos, que aparecem presentes em cortes transversais de canais ovais.

Além disso, a qualidade da obturação pode ser influenciada negativamente pela forma do canal WU et al. (17). A presença de espaços vazios no canal radicular pode permitir a proliferação dos micro-organismos remanescentes ou a colonização do canal por novos patógenos provenientes da cavidade bucal LOPES & SIQUEIRA (10).

O presente estudo teve por finalidade avaliar, in vitro, o grau de adaptação de cones de guta-percha no segmento apical de canais ovais longos, obturados pela TCL e pela TS.

 

Material e Método

Foram selecionados 40 primeiros pré-molares inferiores humanos, com apenas um canal radicular, presente em única raiz completamente formada e reta, adquiridos através do Banco de Dentes da Universidade Estácio de Sá.

Após o processo de desinfecção e dissolução de matéria orgânica, as amostras selecionadas foram catalogadas através de exame visual, de acordo com sua anatomia externa, e armazenadas em soro fisiológico. Foram realizadas radiografias no sentido mésio-distal e vestíbulo-lingual, onde os 5 mm apicais de cada elemento dentário foram marcados com uma linha. Dois examinadores diferentes em momentos isolados determinaram a medida desta linha. Todos os elementos selecionados apresentavam o diâmetro vestíbulo-lingual ≥ a duas vezes o diâmetro mésio-distal, o que caracteriza canais ovais longos.

Após o acesso coronário foi realizado exploração inicial com lima tipo Kerr (K) #15 (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) no comprimento do dente na radiografia (CDR) menos 1 mm.

O acesso radicular foi realizado com brocas de Gates Gliden 2, 3 e 4 (Dentsply-Maillefer) usadas em CDR menos 5,7 e 9 mm, respectivamente. A odontometria foi realizada com a inserção de uma lima #15 dentro do canal, até que sua ponta fosse vista no forame apical sem ultrapassá-lo. A instrumentação seguiu a técnica de Movimento de Rotação Alternada (MRA), proposta por LOPES & SIQUEIRA (10), sendo realizada até uma lima K # 45 (Dentsply-Maillefer). O step-back foi realizado até uma lima K #60 a 3 mm do comprimento de trabalho previamente determinado. Para irrigação foram utilizados 30 ml de hipoclorito de sódio a 2,5% e agulhas NaviTip (Ultradent, South Jordan, UT) e para remoção do smear layer foi realizada uma irrigação com EDTA a 17% (Biodinâmica, Ibiporã, Paraná, Brasil) durante 3 minutos. Para a obturação foram usados como cones principais, cones acessórios FM convencionais (Dentsply-Maillefer), calibrados em 45 com ajuda de régua calibradora Intermedium (Angelus, Brasil) e lâmina de bisturi e que através dos critérios tátil, visual e radiográfico alcançavam o comprimento de trabalho. Como cones acessórios foram usados cones de guta-percha F (Dentsply-Maillefer). O cimento obturador usado foi Sealer 26 (Dentsply-Maillefer).

Metade das amostras (n = 20) foi obturada através da TCL, onde foi usada uma média de 4 a 5 cones acessórios. A outra metade foi obturada através da TS, onde somente foi realizada a etapa do downpack, deixando um remanescente apical de aproximadamente 7 mm. Após a obturação, as amostras ficaram armazenadas em 100% de umidade em estufa a 37°C durante uma semana.

Para avaliar a qualidade da obturação foram realizados três cortes perpendiculares ao longo eixo do dente. O primeiro corte de 1 mm e outros dois cortes de 2 mm cada, resultando em cortes à 1,3 e 5 mm do ápice radicular.

Os milímetros a serem cortados foram delimitados com auxílio de microscópio ótico. Para a análise, as coroas foram fixadas com cera utility (Newwax, Brasil) a base do estereomicroscópio LEICA LED3000 NVI (Leica Microsystems, Heerbrugg, Suíça). A cada corte, várias fotomicrografias eram realizadas em aumentos de 16, 48 e 80X com auxílio da câmera LEICA DFC 290 HD (Leica Microsystems). Com auxílio do software Leica Application Suite LAS versão 3.6, dois examinadores analisaram as fotomicrografias separadamente e cegos quanto ao grupo analisado. Os parâmetros determinados foram: área total do terço apical, área do terço apical preenchida por guta-percha, área do terço apical não preenchida por guta-percha. Os resultados foram analisados estatisticamente através do teste Mann Whitney para comprar as diferentes técnicas. A significância estatística foi de p < 0,05.

 

Resultados

Na avaliação do percentual da área do terço apical não preenchida por guta-percha a 1 mm do ápice radicular, a TCL apresentou média de 38,72% e o desvio padrão de 15,49. Já na TS a média foi de 22,64% e o desvio padrão de 11,62. A TS apresentou menor percentual de área não preenchido por guta-percha quando comparado a TCL (Figura 1). Esta diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,0020).

Na avaliação a 3 mm do ápice radicular, a TCL apresentou a média de 30,32% e o desvio padrão de 15,49. Já na TS a média foi de 15,80% e o desvio padrão de 12,28. A TS apresentou menor percentual de área não preenchido por guta-percha quando comparado a TCL (Figura 2). Esta diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,0026).

Na avaliação a 5 mm do ápice radicular, a TCL apresentou a média de 57,38% e o desvio padrão de 33,49. Já na TS a média foi de 26,42% e o desvio padrão de 12,92. A TS apresentou menor percentual de área não preenchido por guta-percha quando comparado a TCL (Figura 3). Esta diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,0066).

 

Discussão

São diversos os trabalhos que demonstram como a complexidade anatômica e morfológica do primeiro pré-molar inferior pode dificultar o tratamento endodôntico e influenciar o prognóstico JOHNSON & KULLID (8); ÇALISKAN et al. (5); LU et al. (11); CLEGHORN et al. (3); VELMURUGAN & SANDHYA (15); KHEDMAT et al. (9). A possível presença de canais ovais longos nestes elementos dentários é um fator que aumenta ainda mais a complexidade anatômica e, consequentemente, a dificuldade do tratamento endodôntico em todas as etapas. Tais fatos justificam a escolha do primeiro pré-molar inferior no presente estudo.

Foi possível observar, durante a análise das nossas imagens, um padrão mais arredondado no ápice radicular e mais oval em direção coronal. No primeiro corte a 1 mm do ápice, a maioria das secções transversais analisadas se apresentavam de forma mais arredondada, enquanto nos outros cortes, a 3 mm e a 5 mm, o padrão mais oval já predominava. Segundo WU et al. (16), isso se deve ao fato de que o maior diâmetro tende a diminuir apicalmente. Portanto, o canal tende a se tornar menos oval e mais arredondado quanto mais próximo da região apical. Nossos achados estão de acordo com a literatura de KHEDMAT et al. (9); MARTOS et al. (12); VELMURUGAN & SANDHYA (15).

Ainda não se sabe ao certo quais técnicas e sistemas são os ideais para conseguir um preparo químico e mecânico que seja capaz de abranger todas as paredes de canais ovais longos, sem enfraquecê-las. Assim, durante a etapa de preparo químico e mecânico deste estudo, optamos por utilizar a técnica manual por ser a mais usada por dentistas e por ser possível de ser aplicada em todos os casos e para todos os tipos de elementos dentários.

Na busca por uma obturação melhor em canais ovais longos, maximizando a quantidade de guta-percha, o presente estudo usou somente cones acessórios de guta-percha calibrados, na função de cones principais. Acredita-se que uma melhor adaptação de cones acessórios calibrados pode acontecer, isso porque, segundo DE DEUS (6) e LOPES & SIQUEIRA (10), cones acessórios apresentam um formato mais cônico, sendo mais compatíveis com as técnicas de preparo químico e mecânico atuais. A alternativa ideal para melhorar a adaptação da guta-percha seria diminuir a quantidade de cimento, de acordo com ALVARES (1); PAIVA & ANTONIAZZI (13); LOPES & SIQUEIRA (10); JOHNSON & KULILD (8).

Através do presente estudo foi verificada uma maior porcentagem de área não preenchida por guta-percha no grupo da TCL para todos os três cortes ao ser comparado ao grupo da TS. Acredita-se que tal fato tenha ocorrido devido à maximização da quantidade de guta-percha e da minimização do cimento obturador. WU et al. (17) acharam os mesmos resultados, exceto a 2 mm do ápice. Este resultado pode ser justificado por WU et al. (16), que afirmam que os diâmetros tendem a diminuir apicalmente e o canal a se apresentar mais arredondado.

O nosso estudo apresentou melhores resultados, em todos os cortes, para a técnica de compactação vertical, o que pode ser justificado devido à força de compressão exercida durante a condensação mais próxima ao terço apical. O mesmo foi relatado por JARRETT et al. (7), em estudo em que a compactação vertical da guta-percha aquecida apresentou melhores resultados tanto a 2 quanto a 4 mm do ápice.

Nas imagens referentes à TCL não foi possível observar muitos cones acessórios. Isso pode ser justificado devido ao fato de que como cone principal foi escolhido um cone acessório calibrado, por este ser mais cônico, sendo mais compatível com a técnica de preparo químico e mecânico usadas. Contudo, JOHNSON & KULILD (8) relatam que exatamente por estes cones acessórios serem mais cônicos, não permitem a inserção de um número maior de cones. Enquanto na TS, estes por serem mais cônicos são melhores porque como reproduzem a conicidade do canal, permitem melhor desenvolvimento da pressão hidráulica. Assim, o ideal seria usar na TCL cones padronizados e na TS cones acessórios calibrados.

Também foi possível observar que nos canais obturados pela TCL, a guta-percha se apresentava de forma central no canal e em nenhum momento copiou ou se adaptou as irregularidades. Resultado semelhante foi apresentado por COLLINS et al. (4) ao comparar as mesmas técnicas.

 

Conclusão

Concluiu-se que a técnica de compactação vertical da guta-percha aquecida, Técnica de Schilder, adaptou melhor a guta-percha, no segmento apical de canais ovais longos.

 

Referências Bibliográficas

1. ALVARES, S. Endodontia clínica. São Paulo: Livraria e Editora Santos Ltda; 1988. 230-3.         [ Links ]

2. ALVES, D. F., LUCENA, R. G., CAVALCANTE, V. N. Avaliação do selamento apical: Estudo em função do preparo do cone principal de guta-percha. Estudo in vitro. RGO. 2000; (3): 162-4.

3. CLEGHORN, B. M., CHRISTIE, W. H., DONG, C. C. S. The root and root canal morphology of the human mandibular first premolar: A literature review. J. Endod. 2007; (33): 509-16.

4. COLLINS, J., WALKER, M. P., KULILD, J. et al. A comparison of three gutta-percha obturation techniques to replicate canal irregularities. J. Endod. 2006; (32): 762-5.

5. ÇALISKAN, M. K., PEHLIVAN, Y., SEPETÇIOGLU, F. et al. Root canal morphology of human permanent teeth in a Turkish population. J. Endod. 1995; (21): 200-4.

6. DE DEUS, Q. D. Endodontia. 5. ed. Rio de Janeiro: Medsi; 1992. 474-85.

7. JARRETT, I. S., MARX, D., COVEY, D. et al. Percentage of canals filled in apical cross sections- an in vitro study of seven obturation techniques. J. Endod. 2004; (37): 392-8.

8. JOHNSON, W. T., KULLID, J. C. Obturação do sistema de canais radiculares limpos e modelados. In: HARGREAVES, K. M., COHEN, S. Caminhos da polpa. 10. ed. São Paulo: Elsevier; 2011. 324-43.

9. KHEDMAT, S., ASSADIAN, H., SARAVANI, A. A. Root canal morphology of the mandibular first premolars in an Iranian population using cross-sections and radiography. J. Endod. 2010; (36): 214-7.

10. LOPES, H. P., SIQUEIRA J. F. Jr. Endodontia: biologia e técnica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. 951p.

11. LU, T. Y., YANG, S. F., PAI, S. F. Complicated root canal morphology of mandibular first premolar in a Chinese population using the cross section method. J. Endod. 2006; (32): 932-6.

12. MARTOS, J., LUBIAN, C., SILVEIRA, L. F. M. et al. Morphologic analysis of the root apex in human teeth. J. Endod. 2010; (36): 664-7.

13. PAIVA, J. G., ANTONIAZZI, J. H. Endodontia: bases para a prática clínica. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas Ltda; 1993. 665p.

14. ROLDI, A., PEREIRA, R. S., AZEREDO, R. A. Anatomia interna, cavidade de acesso e localização de canais. In: LOPES, H. P., SIQUEIRA, J. F. Jr. Endodontia: biologia e técnica. 2. ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2004. 121-42.

15. VELMURUGAN, N., SANDHYA, R. Root canal morphology of mandibular first premolars in an Indian population: a laboratory study. Int. Endod. J. 2009 (42): 54-8.

16. WU, M. K., R´ORIS, A., BARKINS, D. et al. Prevalence and extent of long oval canals in the apical third. Oral Surg. Oral Med. Oral Pathol. Oral Radiol. Endod. 2000; (89): 739-43.

17. WU, M. K., KASTAKOVÁ, A., WESSELINK, P. R. Quality of cold and warm gutta-percha fillings in oval canals in mandibular premolars. Int. Endod. J. 2001; (34): 485-91.

 

 

Endereço para correspondência:
Juliana de Oliveira Zóffoli
Av. Di Cavalcanti, 111/bl.1, apto. 802 - Barra da Tijuca
Rio de Janeiro/RJ, Brasil - CEP: 22793-320

e-mail:
juliz404@hotmail.com

 

Recebido em 10/05/2013
Aprovado em 11/06/2013