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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.70 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Efeitos da fumaça de cigarro na morfologia da glândula parótida de ratos

 

Effects of cigarette smoke on the morphology of the parotid gland of rats

 

 

Walter Borges Leal Filho I; Jainara Delane Silva Pinheiro I; Lorena Bezerra Barros I; Karinne Sousa de Araújo II; Isidra Manoela Sousa Portela Santos III; Antônio Luís Martins Maia Filho IV; Charllyton Luis Sena da Costa V

I Graduandos em Odontologia da Faculdade Integral Diferencial (FACID- DeVry) - PI
II Doutoranda em Biotecnologia pela UFPI. Mestra em Engenharia Biomédica pela Univap. Professora de Patologia do Curso de Odontologia da FACID- DeVry
III Mestra em Biologia Oral pela USC. Professora de Histologia e Embriologia da FACID-DeVry
IV Doutor em Engenharia Biomédica pela Univap. Professor de Fisiologia da FACID-DeVry
V Doutor em Biotecnologia pela UFPI. Professor de Química Farmacêutica da FACID-DeVry

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar as alterações morfológicas nas glândulas parótidas de ratos expostos à fumaça de cigarro por meio da análise histomorfométrica dos ácinos serosos. Foram utilizados 14 ratos Wistar, machos, divididos em dois grupos. Os animais do grupo experimental foram expostos à queima de 4 cigarros por cerca de 30 minutos, duas vezes ao dia, seis dias por semana durante 60 dias consecutivos. Os animais do grupo controle não foram expostos à fumaça de cigarro. A análise estatística dos dados demonstrou que a área dos ácinos serosos dos animais do grupo controle foi significativamente superior.

Palavras-chave: glândula parótida; ácinos serosos; fumaça de cigarro.


ABSTRACT

The aim of this study was to determine the morphological changes in the parotid glands of rats exposed to cigarette smoke by histomorphometric analysis of serous acini. 14 male Wistar rats were divided into two groups were used. The animals of the experimental group were exposed to burning cigarettes 04 for about 30 minutes twice a day, six days a week over a period of 60 consecutive days. The control group were not exposed to cigarette smoke. Statistical analysis of the data showed that the area of the serous acini of the control group was significantly higher.

Keywords: parotid gland, serous acini; cigarette smoke.


 

 

Introdução

O tabagismo é atualmente um dos principais problemas de saúde pública e consiste em uma das únicas causas evitáveis de morte. É considerado fator de risco para seis das oito principais patologias que causam a morte (1).

A inalação do fumo provocado pela combustão deste produto (e até mesmo o seu consumo sob outras formas) é considerada a principal causa de morte em todo o mundo e uma das maiores ameaça à Saúde Pública. Apesar do generalizado conhecimento destes fatos, grande parte da população mundial continua a consumir tabaco de uma forma regular. Mais detalhadamente, são cerca de mil e duzentos milhões de fumantes no planeta (um terço da sua população com mais de 15 anos de idade) dos quais cinco milhões morrem anualmente. Esta quantia, quando somada aos 600 mil indivíduos que morrem por causas associadas ao tabagismo passivo, resulta na marca de seis milhões de mortes por ano, média de uma morte a cada seis segundos (2).

Segundo BASSETO et al. (3), na Europa, Japão e Estados Unidos da América, 80-90% e 55-80% de neoplasias do pulmão em homens e mulheres, respectivamente, são atribuídos ao cigarro. Seus estudos ainda afirmam que relatórios têm sugerido uma associação entre o tabagismo e experiência de cárie em crianças pequena.

A fumaça do cigarro possui uma fase gasosa e uma particulada. A fase gasosa é composta por monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído e acroleína, entre outras substâncias. Algumas produzem irritação nos olhos, nariz, garganta e levam à paralisia dos movimentos dos cílios dos brônquios. A fase particulada contém nicotina e alcatrão, que concentra 48 substâncias cancerígenas, entre elas arsênico, níquel, benzopireno, cádmio, chumbo, além de resíduos de agrotóxicos aplicados nos produtos agrícolas e substâncias radioativas (4).

A nicotina é uma das muitas substâncias absorvidas por fumantes ativos e passivos e que está sendo evidenciada como sendo o agente farmacológico de ação aguda mais importante, o qual é tão viciante quanto tóxico à maioria dos órgãos, sendo considerada a substância mais importante do tabaco devido ao seu potencial tóxico, podendo ser absorvida na cavidade oral pelos tecidos moles, aderir-se às superfícies dentárias ou encontrar-se no plasma (5,6). A glândula parótida representa a maior glândula salivar; apresenta morfologia irregular, em forma de cunha, e é unilobular. A glândula parótida é uma glândula puramente serosa e ainda é a única que contém muitas células de gordura. A unidade secretora consiste nos ácinos e também apresenta células mioepiteliais, ducto intercalar, ducto estriado e ducto excretório (7).

FERRAGUT et al. (8) demonstraram que os componentes tóxicos do cigarros irão causar uma mudança morfológica da glândula parótida, acarretando uma atrofia das suas células, podendo afetar sua função. Diante do exposto, o problema da pesquisa foi: a exposição de ratos à fumaça de cigarro pode desencadear alterações na morfologia da glândula parótida? Tendo como hipótese que os efeitos da exposição de ratos à fumaça de cigarro causam atrofia da porção secretora das glândulas parótidas.

O estudo justifica-se por demonstrar os efeitos do consumo do cigarro que podem desencadear alterações morfológicas e funcionais nas glândulas salivares causando uma redução significante na taxa de fluxo salivar de indivíduos fumantes, alterando a produção e qualidade da saliva, e, com isso, interferindo na saúde bucal.

O objetivo deste trabalho foi verificar as alterações morfológicas nas glândulas parótidas de ratos expostos à fumaça de cigarro por meio da análise histomorfométrica dos ácinos serosos.

 

Material e Método

Este trabalho está de acordo com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais e os princípios éticos da experimentação animal emitidos pelo Conselho Nacional de Experimentação Animal (CONEA), conforme Lei Federal n° 11.794, de 08 de outubro de 2008. O protocolo de pesquisa obteve parecer favorável da Comissão de Ética em Uso de Animais – CEUA/FACID em 03 de março de 2013, conforme processo n° 003/13.

O universo de estudo foram 14 roedores da espécie Rattus norvegicus, da linhagem Wistar, machos, mantidos desde o nascimento no Biotério da Faculdade Integral Diferencial (FACID), com 60 dias de idade e peso médio de 300g.

Os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos de sete animais, sendo o grupo experimental exposto à fumaça de cigarro e o grupo controle utilizado como padrão, não sendo exposto.

Para a exposição dos animais à fumaça do cigarro, foi utilizada uma câmara de inalação construída de madeira (100x44x44cm) hermeticamente fechada com uma tampa de vidro, dividida em dois compartimentos iguais por uma tela de aço. Um dos compartimentos foi utilizado para a combustão de quatro cigarros, os quais ficaram dispostos em um suporte de gesso; e o outro, para a acomodação dos animais, que ficaram dentro de sua gaiola. No compartimento de queima dos cigarros foi conectada uma fonte de ar (compressor de ar com um fluxo de 10 L/min) que permitiu a combustão dos cigarros e a condução da fumaça para o compartimento de exposição. Este compartimento, por sua vez, contém pequenos orifícios para a drenagem do ar, por onde era feita a exaustão.

Os animais do grupo experimental foram expostos à queima de 4 cigarros por cerca de 30 minutos, duas vezes ao dia, seis dias semanais por um período de 60 dias consecutivos. Os animais do grupo controle não foram expostos à fumaça de cigarro.

Os cigarros utilizados foram adquiridos comercialmente, produzindo em cada queima 10 mg de alcatrão; 0,8 mg de nicotina e 10 mg de monóxido de carbono (segundo o fabricante). A escolha deste produto deu-se pela grande adesão entre os fumantes e por possuir alto teor de nicotina em sua composição. Durante todo o experimento foi utilizada a mesma marca e o mesmo lote de cigarro.

Após o período de 60 dias, os animais foram eutanasiados eutanasiados de acordo com os princípios éticos adequados para a dissecação das amostras que foram submetidas à análise. Os animais receberam a aplicação de anestésico Tiopental Sódico, via intraperitoneal, na dose de 0,05 ml/100g. Após cinco minutos, foi realizada a aplicação de cloreto de potássio 19,1%, via intraperitoneal, em dose única de 0,4 ml/100g.

Logo após a eutanásia, foi realizada a dissecação e retirada da glândula parótida. Em seguida, os cadáveres foram congelados em freezer para posterior descarte pelo técnico responsável pelo biotério da Instituição.

Cada amostra recebeu uma identificação, e, em seguida, as peças cirúrgicas foram submetidas à fixação em solução de formol a 10% por 48h e depois encaminhadas para procedimentos de inclusão em parafina histológica. Obtidos os blocos, foram realizados cortes longitudinais com espessura de 4 micrômetros em um micrótomo rotativo, resultando em cortes semisseriados que foram submetidos à coloração pela Hematoxilina- Eosina (H. E.), para estudo histomorfológico sob microscopia de luz. As lâminas foram numeradas de acordo com o número do animal e subgrupo ao qual pertencia.

Após o preparo e obtenção das lâminas histológicas, foi realizada a análise e registro fotográfico das mesmas em microscópio óptico acoplado a um computador. Após aquisição das fotomicrografias digitais das glândulas parótidas, as imagens foram importadas para o software Image J, versão 1.47.

Em cada amostra, foi calculada randomicamente a área de cinco unidades secretoras (ácinos serosos) da glândula parótida (Figura 4). Em seguida, os dados foram importados para o software Excel® para cálculo da média das áreas dos ácinos de cada subgrupo (controle e experimental), para posterior comparação intergrupos.

Os resultados obtidos referentes à análise morfométrica dos ácinos das glândulas parótidas foram expressos como médias ± desvios padrão (M ± DP). Esses resultados foram apresentados por meio de tabelas e gráficos e submetidos à análise estatística.

As variáveis obtidas no estudo foram analisadas com o auxílio do programa GraphPad InStat® versão 3.1 (Figura 4). Realizou-se o teste T de Student para análise dos dados. O nível de significância estabelecido foi de 5% (p < 0,05).

 

Resultados

Os dados da análise histomorfométrica dos ácinos serosos das glândulas parótidas dos animais do grupo controle e do grupo exposto à fumaça de cigarro estão expressos no Gráfico 1.

Após análise dos dados referentes à morfometria das porções secretoras das glândulas parótidas, pode-se observar que os animais do grupo controle e experimental apresentaram as médias das área dos ácinos serosos iguais a 84,48 ± 13,78 μm² e 50,97 ± 5,01 μm², respectivamente.

A análise estatística dos dados demonstrou que, após o período de 60 dias, a média da área dos ácinos serosos dos animais do grupo controle foi significativamente superior (p < 0,05), quando comparada à média da àrea dos ácinos serosos dos animias que foram expostos à fumaça de cigarro. Assim pode-se verificar que a exposição de ratos à fumaça de cigarro promoveu redução do volume das células acinares com consequente redução da área dos ácinos serosos das glândulas parótidas.

 

 

 

Discussão

Estes achados estão em concordância com o estudo de FERRAGUT et al. (8), que ao observarem a arquitetura do tecido da glândula parótida e submandibular em ratos, após exposição passiva ao cigarro, os autores verificaram que o citoplasma e núcleo das células das glândulas parótidas estavam atrofiados. Os núcleos estavam picnóticos e hipercorados, uma descoberta que caracterizou a condensação da cromatina tipicamente vista nos processos de apoptose. A glândula submandibular apresentou características semelhantes às da glândula parótida. Em sua conclusão os autores afirmaram que o tabagismo passivo causou mudanças estruturais substanciais nas glândulas salivares, que podem afetar significativamente a sua função.

Em estudo utilizando culturas de células de glândula parótida humana para indicar danos no DNA ocasionados por nicotina, GINZKEY et al. (9) encontraram, como resultados, células acinares de glândulas parótidas atrofiadas e alterações citoplasmáticas, após o terceiro dia de exposição. O estudo demonstrou que a exposição da glândula parótida à nicotina promoveu dano ao DNA. Estes resultados estão de acordo com os encontrados na presente pesquisa, uma vez que a exposição dos animais à fumaça de cigarro desencadeou atrofia dos ácinos serosos das glândulas parótidas.

CALDEIRA et al. (10) estudaram e caracterizaram as alterações celulares da mucosa da bochecha de ratos submetidos ao tratamento com nicotina sistêmica a longo prazo, demonstraram que, após 90 dias de tratamento, os resultados revelaram um epitélio oral contendo células atípicas, que foram caracterizadas pela atrofia, desorganização da membrana celular e danos nos tecidos. Concluindo que a administração sistêmica da nicotina danifica a integridade celular da mucosa oral, prejudicando a função do tecido. Tais resultados corroboram com os dados verificados no presente estudo, no qual também foi observada uma redução da área dos ácinos e uma delimitação irregular nas porções secretoras das glândulas parótidas dos animais que foram expostos à fumaça de cigarro (Figuras 1 e 2).

Após pesquisa em fumantes passivos, ou seja, pessoas que convivem no mesmo ambiente de fumantes, foi constatado que a concentração de nicotina salivar nesse grupo aumentou significativamente, podendo indicar que a exposição à fumaça de cigarro pode aumentar os riscos de agravos à saúde (11). Os resultados encontrados no presente estudo também demonstraram que a exposição passiva à fumaça de cigarro promoveu absorção sistêmica de nicotina, levando a mudanças morfológicas nas glândulas salivares.

O fumo pode, por si só, ser a causa de xerostomia, uma condição em que o indivíduo tem a sensação de boca seca por disfunção das glândulas salivares, ou seja, déficit de saliva, e que um aumento no número de cigarros pode causar uma severidade maior no grau de xerostomia. Ele também pode causar efeitos sistêmicos como compromisso da quimiotaxia e fagocitose de neutrófilos (orais e periféricos) e uma redução na produção de imunoglobulinas. Comprometendo assim a proteção do corpo contra bactérias e produtos tóxicos (2,12).

CHEDID et al. (13), estudando as características clínicas, tratamento e complicações dos tumores de Warthin da glândula parótida, observaram que 78,6% dos pacientes submetidos à ressecção de cisto adenoma papilífero linfomatoso eram fumantes, demonstrando uma correlação entre o hábito de fumar e a incidência dessa alteração morfológica em glândula parótida.

 

 

 

 

 

Conclusão

Após a implantação da metodologia proposta e observação dos resultados do estudo, pode-se concluir que a exposição de ratos à fumaça de cigarro foi capaz de ocasionar alterações morfológicas na glândula parótida, por promover redução na área dos ácinos serosos, demonstrando que o tabagismo pode desencadear uma atrofia destas estruturas.

 

Referências Bibliográficas

1 MALAFATTI, L., MARTINS, I. Aspectos analíticos da determinação de cotinina em matrizes biológicas. Rev. Brasileira de Toxicologia. 2009; 22 (1-2): 9-20.         [ Links ]

2 LEAL, L. M. Efeitos nocivos do fumo do tabaco sobre o aparelho bucal. [Dissertação de mestrado]. Covilhã: Faculdade de Medicina, Universidade Da Beira Interior; 2011. 32 f.

3 BASSETO, A. P. et al. Modificações na atividade de fosfotirosina, proteína fosfatase e fosfatase ácida em glândula sublingual e fígado de ratos expostos à fumaça de cigarro. Rev. Fac. Odontol. 2001; 9 (2): 49-54.

4 BRASIL, Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Programa Nacional de Controle do Tabagismo. Acessado em: 06/11/2013. Disponível em: http:// www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=dadosnum&link=mundo.htm

5 LIMA, M. V. et al. Estudo histopatológico do efeito da nicotina nos testículos e epidídimos de ratos. Rev. Bras. Clin. Med. 2012; 10 (4): 322-8.

6 MACEDO, R. O. Influência da nicotina na osseointegração [Trabalho de Conclusão de Curso]. Goiás: Faculdade Unidas do Norte de Minas; 2009. 42f.

7 MORIEL, P. et al. Influência do fumo na atividade da amylase salivar e na curva glicêmica. Rev. Nutrição. 2010; 23 (4): 565-72.

8 FERRAGUT, J. M. et al. Epithelial-stromal interactions in salivary glands of rats exposed to chronic passive smoking. Arch. Oral Biol. 2011; 56 (6): 580-7.

9 GINZKEY, C. et al. Nicotine and methyl methane sulfonate in mini organ cultures of human parotid gland tissue. Revista Toxicol. Lett. 2011; 197 (2): 835-40.

10 CALDEIR, E. J. et al. Morphological alterations in the epithelium of the oral mucosa of rats (Rattusnorvegicus) submitted to long-term systemic nicotine treatment. Arch Oral Bio. 2007; 52 (1): 83-9.

11 ELEN, S. G. et al. Exposure to secondhand smoke outside of a bar and a restaurant and tobacco. Exposure biomarkers in nonsmokers. Environ Health Perspect. 2012; 120 (7): 1010-6.

12 SILVA, L. D. Prevalência e fatores associados à xerostomia em idosos: estudo de base populacional em Florianópolis, Santa Catarina [Trabalho de Conclusão de Curso]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2011. 48 f.

13 CHEDID, H. M. et al. Tumor de Warthin da glândula parótida: estudo de 70 casos. Rev. Col. Bras. Cir. 2011; 38 (2): 90-4.

 

 

Endereço para correspondência:
Karinne Sousa de Araújo
Rua Visconde da Parnaíba, 1770/apto. 101; Ininga
Teresina-PI, Brasil - CEP: 64049-570

e-mail:
knnaraujo@yahoo.com

 

Recebido em 09/05/2013
Aprovado em 05/06/2013