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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE

 

Prevalência de fissuras labiopalatinas em um hospital de referência do nordeste do Brasil

 

Prevalence of cleft palate in a hospital of reference in northeastern of Brazil

 

 

Pedro Diniz RebouçasI; Madiana Magalhães MoreiraII; Maria Lúcia Bomfim ChagasIII; José Ferreira da Cunha FilhoIII

I Mestrando em Odontologia da FO de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas
II Acadêmica de Odontologia da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará
III Núcleo de Atendimento Integrado ao Fissurado (NAIF) do Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza (CE)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O propósito deste trabalho foi verificar a ocorrência de fissuras labiopalatais em pacientes atendidos no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) em 15 anos. Foram analisados dados quanto ao sexo e tipo de fissura verificando-se que 50,38% dos pacientes eram do sexo masculino e que 80% dos casos apresentaram fissura transforame. Relacionando as variáveis, é notória a prevalência do sexo feminino nas fissuras pós-forame (62%) e fissuras pré-forame unilateral direita (87,5%). Confirmando relatos da literatura, houve uma leve predileção pelo sexo masculino, a fissura transforame foi a mais prevalente e o lado esquerdo foi o mais acometido. Os pacientes fissurados necessitam de um uma equipe multi e interdisciplinar no diagnóstico, planejamento e proservação do caso.

Palavras-chave: Fenda labial; Fissura palatina; Prevalência.


ABSTRACT

The purpose of this study was to verify the occurrence rates in patients with cleft lip/palate treated at the Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) in 15 years. Data regarding sex and type of cleft were surveyed and was found that 50.38% of patients were male and 80% of cases had tranforamen cleft. Relating the variables, there is a notorious prevalence of females in the post- foramen fissures (62%) and right unilateral clefts pre-foramen (87.5%). Confirming reports in the literature, there was a slight predominance of males, the transforamen fissure is the most prevalent fissure in general and the left side was more affected. The cleft patients require a multidisciplinary team for diagnosis, treatment and following.

Keywords: Cleft lip; Cleft palate; Prevalence.


 

 

Introdução

As malformações do crânio e da face constituem uma importante categoria dentre os defeitos congênitos, pois comprometem as funções estomatognáticas do indivíduo, como fonação, sucção, mastigação, deglutição e respiração. Dentre essas malformações, as fissuras labiopalatinas são consideradas as alterações de face mais frequentemente estudadas nas últimas décadas, em razão de sua grande incidência, especialmente no Brasil, onde a ocorrência é de 1:673 nascimentos. 1,2.

As fissuras labiopalatinas são deformidades congênitas que acometem o terço médio da face e possuem seu mecanismo de formação explicado por meio da Embriologia. Nessa anomalia, ocorre uma sequência de alterações no desenvolvimento e/ou da maturação dos processos embrionários entre a sexta e a oitava semana de vida embrionária, quando acontece a falta ou a insuficiência da fusão dos processos nasais com os processos maxilares e estes entre si 3.

A etiologia das fissuras labiopalatinas é bastante complexa por ser de ordem multifatorial, envolvendo a participação de fatores genéticos e ambientais, principalmente os fatores teratogênicos, que atuam no período relevante do desenvolvimento embrionário humano 3. Na maioria das vezes, quando a etiologia é de origem genética, as fissuras labiopalatinas vêm acompanhadas de síndromes ou são consequências destas 4.

A forma de apresentação das fissuras labiais e fendas palatinas é bastante variável, sendo necessário classificá-las em grupos. No Brasil, a classificação mais adotada é a proposta por SPINA et al. 5 e tem como ponto de referência o forame incisivo. Dessa forma, podem-se classificar as fissuras labiopalatinas em três grupos: fissura pré-forame incisivo unilateral (direita ou esquerda) ou bilateral; fissura transforame incisivo unilateral (direita ou esquerda) ou bilateral e fissura pós-forame incisivo 6,7,8.

O propósito deste trabalho foi verificar a ocorrência de fissuras labiopalatais em pacientes atendidos pelo Núcleo de Atendimento ao Paciente Fissurado (NAIF) no Hospital Infantil Albert Sabin, no período de 1998 a 2013. Foram levantados dados quanto ao sexo e tipo de fissura, contribuindo assim para o levantamento e divulgação de dados epidemiológicos nessa população.

 

Material e Método

Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Albert Sabin (nº 182.403) de Fortaleza.

Constitui um estudo observacional, transversal e retrospectivo caracterizado pela observação direta de uma amostra composta por uma demanda espontânea de pacientes portadores de fissuras labiopalatais que se apresentaram ao Núcleo de Atendimento Integrado ao Fissurado (NAIF), unidade de atendimento localizada no Hospital Infantil Albert Sabin, durante o período de 1998 a 2013, no qual se realizou o levantamento dos dados quanto ao tipo de fissura, gênero e a relação entre as duas variáveis.

Foram incluídos no estudo: pacientes que possuíam kit ortodôntico com pasta e modelos de estudo, nos quais fosse possível aferir as informações necessárias para o estudo e pacientes que foram acompanhados por modelos de controle quando bebês (0 a 1 ano e 6 meses de nascido) em que fosse possível aferir as informações necessárias para o estudo através da análise desses modelos de controle e/ou dos prontuários desses pacientes.

Foi realizado o cruzamento dos dados para verificação de que nenhum dos pacientes foi incluído duas vezes, através da verificação do nome e do número do prontuário dos mesmos, pois alguns desses pacientes iniciaram seu tratamento ainda bebês e estão em acompanhamento ortodôntico nos dias atuais.

A classificação das fissuras utilizada pelo estudo foi a proposta por SPINA et al. 5, que classifica as fissuras de acordo com a relação com forame incisivo em pré-forame, pós-forame e transforame.

Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva.

 

Resultados

No Hospital Infantil Albert Sabin, de 1998 a 2013, foram cadastrados 395 casos com fissura labial e/ou palatina. Quanto ao gênero, verificou-se que 50,38% dos pacientes eram do sexo masculino e 49,62% eram do sexo feminino (Tabela I).

Quanto ao tipo de fissura, 80% dos casos apresentaram fissura transforame; seguida da fissura pós-forame, que representou 12.66% dos casos; 7,4% apresentaram fissura pré-forame (Tabela II).

A Tabela III relaciona o gênero ao tipo de fissura, sendo notória a prevalência do sexo feminino nas fissuras pós-forame (62%) e fissuras pré-forame unilateral direita (87,5%).

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

Quanto ao gênero, houve uma leve predileção pelo sexo masculino, constituindo 50,38% dos pacientes, confirmando relatos da literatura. MACHÁCOVÁ et al. 9, MARTELLI-JUNIOR et al.10, CYMROT et al. 11 e DI NINNO et al. 12 também verificaram uma maior prevalência em pacientes do sexo masculino, variando a taxa de prevalência entre 53% e 56,35% 9,10,11,12.

A fissura classificada como transforame foi mais comum no sexo masculino e foi o tipo mais frequente, representando 80% de todos os casos de pacientes com fissuras, o que está de acordo com a literatura 11,12,13.

A fissura mais frequente após a transforame foi a pós-forame incisivo, seguida pela pré-forame incisivo, corroborando com diversos outros estudos 11,12,13. Por outro lado, BARONEZA et al. 14 e GARDENAL et al. 15 observaram também que a fissura transforame era a de maior ocorrência, mas seguida pela fissura pré-forame e depois pela do tipo pós-forame incisivo 14,15.

O lado esquerdo foi o mais acometido pela fissura transforame, corroborando achados de outros estudos realizados 11,13,14,16,17. Mas, até hoje, não há estudos que elucidem o porquê dessa maior predileção pelo lado esquerdo. Uma hipótese levantada para este acometimento é a de que pode haver relação entre a proximidade da região com o coração em formação durante o período embrionário, o que poderia aumentar as chances do acometimento de fissuras devido aos batimentos do órgão, mas são necessários mais estudos para constatar a veracidade dessa teoria.

A fissura pós-forame foi mais prevalente no sexo feminino, representando 62% dos casos, o que é reforçado pelos achados outros estudos 11,15.

Em contrapartida aos nossos resultados, estudos mostram que a fissura pré-forame é mais frequente no sexo masculino. Nosso estudo relatou que 55,17%, das fissuras pré-forame foram encontradas no sexo feminino, o que é similar aos achados de FREITAS E SILVA et al. 13. No entanto, em 2011, DI NINNO et al. 12 e GARDENAL et al. 16 constataram que a maioria dos pacientes portadores de fissura pré-forame eram do sexo masculino.

Os pacientes fissurados necessitam de um uma equipe multi e interdisciplinar no diagnóstico, planejamento, tratamento e proservação do caso. No Estado do Ceará, destaca-se o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), que não só realiza cirurgias corretivas, como também fornece acompanhamento multidisciplinar aos pacientes. Além disso, a Associação Beija-Flor, que oferece suporte a esses pacientes, participa e orienta os mesmos, contando com uma equipe multiprofissional e em contato direto com o HIAS.

 

Conclusão

Ainda que o estudo apresente uma amostra populacional portadora de fissura labiopalatina submetida a tratamento, os resultados são compatíveis com a maioria dos estudos em nascidos vivos. As fissuras transforame são as mais frequentes e acometem mais o sexo masculino, enquanto as pós-forame acometem com maior frequência o sexo feminino.

 

Referências

1. ALTMANN, E. B. C. Fissuras labiopalatinas. 4. ed. Carapicuíba-SP: Ed. Pró-Fono R. Atual. Cient., 1997.         [ Links ]

2. LOPES MAURO, L. D. Análise da ortopedia precoce seguida de duas técnicas cirúrgicas de queiloplastia em pacientes portadores de fissuras labiopalatinas unilaterais. [Tese]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 1986.

3. FUKUOKA, M. N. Genetics in oro-facial growth and diseases. Int. Dental Journal. 1995; 45 (4): 227-44.

4. CAPELOZZA FILHO, L., ALVARES, A. L. G., ROSSATO, C. et al. Conceitos vigentes na etiologia das fissuras labiopalatinas. Rev. Bras. Cirur. 1988; 78 (4): 233-40.

5. SPINA, V., PSILLAKIS, J. M., LAPA, F. S. et al. Classificação das fissuras lábio-palatinas. Sugestão de modificação. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. São Paulo. 1972; 27 (1): 5-6.

6. DA SILVA, O. G., FREITAS, J. A. S., OKADA, T. Fissuras labiopalatais: Diagnóstico e uma filosofia interdisciplinar de tratamento. In: PINTO, V. G. Saúde bucal coletiva. 4. ed. São Paulo: Santos; 2000.

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8. PEREIRA, A. C., DENARDI, L. M. A. Fissuras labiopalatais: Etiologia, epidemiologia e consequências. In: PEREIRA, A. C. et al. Odontologia em saúde coletiva – planejando ações e promovendo saúde. Porto Alegre: Referências :: ArtMed; 2003.

9. MACHÁČOVÁ, E., BÁNSKY, R., ŠPALEKOVÁ, M. et al. Incidence of orofacial clefts in the Slovak Republic. Cent. Eur. J. Publ. Health. 2006; 14 (3): 122-5.

10. MARTELLI-JÚNIOR, H., PORTO, L. V., MARTELLI, D. R. B. et al. Prevalence of nonsyndromic oral clefts in a reference hospital in the state of Minas Gerais, Brazil, between 2000-2005. Braz. Oral Res. 2007; 21 (4): 314-7..

11. CYMROT, M. et al. Prevalência dos tipos de fissura em pacientes com fissuras labiopalatinas atendidos em um Hospital Pediátrico do Nordeste brasileiro. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010; 25 (4): 648-51.

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Endereço para correspondência:
Pedro Diniz Rebouças.
Avenida Vital Brasil, 289 – Areião
Piracicaba/SP, Brasil – CEP: 13414-044
e-mail: pedrodreboucas@gmail.com

 

Recebido em 14/03/2014
Aprovado em 16/04/2014