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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2014

 

RELATO DE CASO CLÍNICO / ORIGINAL ARTICLE

 

Sedação inalatória com óxido nitroso/oxigênio: uma opção eficaz para pacientes odontofóbicos

 

Nitrous oxide/oxygen inhalation sedation: an effective option for odontophobic patients

 

 

Bruna Lavinas Sayed PiccianiI; Monique Gonçalves HumelinoII; Bruna Michalski dos SantosIII; Geneci de Oliveira CostaIII; Vanessa de Carla Batista dos SantosIV; Geraldo Oliveira Silva-JúniorV; Fernanda Barja FidalgoVI; Luciana Freitas BastosVII

I Professora Adjunta do Departamento de Patologia da UFF, Professora do Centro Odontológico Para Pacientes Especiais (Cope) da ABO-RJ
II Graduanda em Odontologia da FO/Uerj
III Professoras do Cope da ABO-RJ
IV Professora do Cope da ABO-RJ, Doutoranda em Patologia da UFF
V Professor Adjunto do Departamento de Formação em Ciências Básicas da UFF
VI
Professora Adjunta do Departamento de Odontologia Preventiva e Comunitária da Uerj
VII Preventiva e Comunitária da Uerj Diretora do Setor de Odontologia da Policlínica Piquet Carneiro da Uerj

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O medo é o principal obstáculo para o atendimento odontológico seguro e de sucesso. A utilização da sedação inalatória vem se mostrando eficaz para o controle de comportamento destes pacientes. Entretanto, no Brasil, ainda poucos cirurgiões-dentistas são habilitados e lançam mão desta ferramenta. O objetivo deste relato é demonstrar um caso de paciente odontofóbico atendido com sucesso através da sedação inalatória. Esta técnica é eficaz para o tratamento odontológico de pacientes odontofóbicos, permitindo a colaboração do paciente e diminuindo os riscos de emergências médicas.

Palavras-chave: sedação inalatória, medo, ansiedade, odontofobia, pacientes especiais.


ABSTRACT

The fear is the main obstacle to a safe and successful dental care. The use of inhalation sedation has proved effective for controlling behavior of these patients. However, in Brazil, yet few dentists are enabled, and lay hold of this tool. The objective of this report is to demonstrate a case of odontophobia patient treated successfully by inhalation sedation. This technique is effective for dental treatment of odontophobic patients, allowing the patient’s collaboration and decreasing the risk of medical emergencies.

Keywords: inhalation sedation, fear, anxiety, odontophobia, patients with special needs.


 

 

Introdução

O medo de dentista constitui um obstáculo comum para o tratamento odontológico, gerando emergências médicas e problemas sistêmicos graves, devido à péssima condição de saúde oral destes indivíduos. As técnicas de abordagem comportamental representam a primeira opção para controlar o temor do paciente, entretanto, geralmente estas técnicas não conseguem minimizar este sentimento, principalmente em procedimentos cirúrgicos e em pacientes que apresentam algum trauma relacionado ao tratamento odontológico 1. A sedação consciente com uso do óxido nitroso e oxigênio (N2O/O2) pode ser uma opção quando as técnicas de controle comportamental não são eficazes, reduzindo o medo e permitindo o atendimento 1.

O óxido nitroso (N2O) é um gás incolor, de cheiro adocicado, com baixa solubilidade sanguínea, que rapidamente é difundido através das membranas alveolares, elevando as concentrações alveolar e cerebrais em segundos2. A primeira saturação do sangue e do cérebro com N2O ocorre de 3 a 5 minutos após o início do uso, devido à rápida substituição de N2 por N2O dos alvéolos e do sangue. O N2O possui efeito ansiolítico, relaxante e levemente analgésico, auxiliando no tratamento de pessoas que possuem histórico de experiência negativa com algum tipo de tratamento dentário. O real efeito do N2O no sistema nervoso central (SNC) ainda não está totalmente esclarecido, sendo relatado depressão do SNC, principalmente no córtex cerebral 3,4. A sedação inalatória permite a titulação da sedação, podendo ser reduzida ou aprofundada de acordo com a resposta clínica do paciente e é extremamente segura, não apresentando contra indicação absoluta. A utilização da sedação consciente influencia de forma decisiva no comportamento de pacientes odontofóbicos, reduzindo a ansiedade e o medo com o decorrer das consultas 5, 6, 7. O objetivo deste relato é demonstrar um caso de paciente odontofóbico atendido com sucesso através da sedação inalatória com N2O/O2.

 

Relato de Caso Clínico

Paciente do sexo feminino, 22 anos, melanoderma, foi encaminhada ao Centro Odontológico para Pacientes Especiais da Associação Brasileira de Odontologia – RJ, com queixa de lesões cariosas e dor em diversos elementos dentários. A mesma alega não realizar tratamento dentário desde os 10 anos de idade, devido trauma de atendimento odontológico. A paciente tentou realizar o tratamento dentário em sete serviços odontológicos diferentes, não conseguindo colaborar para realização do atendimento. Durante anamnese, apresentou sudorese, tremores, taquicardia, vertigem e desmaio. Aos exames intraoral e radiográfico observaram-se extensas lesões cariosas e restos radiculares (Figura 1), sendo necessário exodontias dos elementos dentários (Figura 2). Diante do quadro, optou-se pela sedação consciente inalatória com N2O/O2 para reduzir o grau de ansiedade. A paciente apresentou boa aceitação quanto ao uso da máscara e do equipamento (Figura 1). A monitorização dos sinais vitais, como saturação de oxigênio (O2), frequência cardíaca, ritmo cardíaco e pressão arterial, foi realizada antes, durante e após a realização da sedação (Figura 2). Os elementos dentários foram extraídos em cinco sessões quinzenais sobre o uso de 60% de N2O/O2, ocorrendo diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial em todas as consultas (Tabela I) e (Figura 2). A paciente encontra-se em fase de confecção protética, não sendo necessário o uso da sedação.

 

 

 

 

 

Discussão

O medo é uma situação frequente na Odontologia e geralmente se associa a uma ansiedade relacionada aos procedimentos que serão realizados, sendo estes os fatores principais para desencadear emergências médicas. Para conter o medo, possuímos diversas técnicas, como o uso da sedação consciente por óxido nitroso (N2O) e oxigênio (O2). A analgesia inalatória com óxido nitroso é uma técnica bastante utilizada em muitos países, sendo ainda pouco empregada no Brasil 8.

A utilização desta técnica em pacientes odontofóbicos é uma excelente indicação, pois a sedação consciente possui potencial ansiolítico, diminui o metabolismo basal (retardando a absorção dos anestésicos locais), ajuda a manter a pressão arterial e a glicemia em níveis aceitáveis e permite que o paciente permaneça consciente, melhorando sua colaboração 9.

A concentração de N2O pode variar de 10% a 70%. A titulação (possibilidade de escrever a dose em porcentagem, com a qual o paciente foi sedado) é definida pela administração de pequenas quantidades da droga que irão aumentando gradativamente, até que o efeito clínico desejado seja observado. A possibilidade de titulação permite o controle dos efeitos de forma imediata 10. No nosso caso, a sedação foi realizada com sucesso com dose de 60% N2O, devido à alta ansiedade da paciente.

A utilização da mistura óxido nitroso/oxigênio leva a um estado mínimo de depressão de consciência que melhora a cooperação do paciente, diminuindo sua ansiedade sem que efeitos colaterais importantes sejam notados 9. O uso do óxido nitroso, de maneira correta, reduz os movimentos inesperados; possibilita o aumento do tempo de trabalho, uma vez que o paciente se torna mais cooperativo e reduz a reação contrária do paciente em relação ao atendimento odontológico 11. Os sinais vitais do paciente são verificados antes, durante e após a analgesia inalatória. A monitorização dos sinais vitais da paciente mostrou a diminuição da frequência cardíaca assim como a da pressão arterial, após submeter-se à sedação consciente. Este fato corrobora com a literatura, que mostra o aumento da segurança clínica durante o atendimento odontológico.

A máscara nasal utilizada para a inspiração do N2O/O2 deve ser de material flexível, permitindo assim uma melhor adaptação e respeitando o perfil do paciente, evitando desta maneira possíveis vazamentos 12. Devido sua baixa solubilidade, o óxido nitroso pode provocar efeitos de aumento da pressão e/ou volume em cavidades. Como efeito adverso, pode ocorrer também a produção de estímulo simpático que aumenta os efeitos indesejáveis dos vasoconstritores, levando a picos hipertensivos; aumento da pressão no ouvido médio, podendo provocar efeitos pós-operatórios adversos na audição; e aumento indesejável na pressão intraocular. Os efeitos colaterais pós-operatórios mais comuns são náuseas e vômitos 13. Em nossa paciente não foi observado efeito colateral pós-operatório, apenas no transoperatório riso excessivo e diminuição da audição, levando a uma diminuição da concentração de N2O.

Devido a sua pouca solubilidade no sangue e nos tecidos, o uso de sedação por N2O/O2 permite que o paciente esteja em um estado de consciência próximo ao normal, permanecendo responsivo a estímulos externos. Por essa característica, sua ação é muito rápida e, consequentemente, sua eliminação também. Deste modo, o paciente estará liberado para a execução de suas tarefas diárias logo após a inalação, por alguns minutos, de oxigênio a 100% 11. A paciente em questão após cinco minutos de oxigênio a 100% foi liberada de todas as consultas, sendo realizado o teste de Trieger antes e após o procedimento.

O uso da sedação consciente aumenta o limiar da dor e tolerância para procedimentos longos, porém não dispensa o uso de anestésico local para a realização do procedimento odontológico 14. Uma vez que o controle da dor fica sob a responsabilidade dos anestésicos locais 4. Entretanto, o paciente permanece relaxado diante da situação, de forma que as queixas sobre desconforto proporcionado pelo tratamento são menores e o mesmo consegue voltar para as próximas consultas mais tranquilo 14. Em nosso relato, a paciente retornou para as consultas de remoção de sutura e confecção da prótese mais confiante e calma, permitindo à manipulação oral sem o uso da sedação.

A sedação consciente por N2O/O2 possui muitas vantagens, como: início rápido de ação após sua administração; efeito clínico máximo de 3 a 5 minutos; a profundidade da sedação é facilmente alterada para mais ou para menos; duração da ação pode ser variável, de acordo com o profissional que administra; permite ser gradualmente dosado, possibilitando a titulação e o tempo de recuperação total do paciente após o término da sedação é de 3 a 5 minutos, em oxigênio a 100% 9. Estas são vantagens que vem consolidando o seu uso na Odontologia, sendo essencial o conhecimento aprofundado desta técnica e a necessidade de habilitação do profissional para utilização de forma satisfatória. Além disso, os medicamentos, assim como o equipamento de emergência, devem estar sempre próximos do profissional e dentro do seu tempo de validade. Em qualquer caso de emergência relacionado ao uso da analgesia inalatória com N2O/O2, é indispensável à administração imediata de oxigênio 2,3.

 

 

 

Conclusão

Com o relato deste caso, ficam perceptíveis os efeitos benéficos da sedação consciente com a mistura N2O/O2 em tratamentos odontológicos de pacientes odontofóbicos, permitindo a colaboração do paciente e diminuindo os riscos de emergências médicas no consultório odontológico.

 

Referências

1. ANDRADE, S. C., SANTOS, B. R. Mitos e verdades sobre o óxido nitroso. Rev. ABO Nac. 2004; 12 (5): 306-8.         [ Links ]

2. BRUNICK, A., CLARK, M. S. Nitrous oxide and oxygen sedation: an update. Dent Assist. 2013; 82 (4): 14-9.

3. AMERICAN DENTAL ASSOCIATION. Guidelines for the use of sedation and general anesthesia by dentists. 2012: 1-14.

4. MALAMED, S. F. Sedação na Odontologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.

5. OGLE, O. E., HERTZ, M. B. Anxiety control in the dental patient. Dent Clin North Am. 2012; 56 (1): 1-16.

6. NATHAN, J. E. Behavioral management strategies for young pediatric dental patients with disabilities. ASDC J. Dent. Child. 2001; 68: 89-101.

7. WILSON, K. E. Overview of paediatric dental sedation: 2. Nitrous oxide/oxygen inhalation sedation. Dent Update. 2013; 40 (10): 822-4, 826-9.

8. ALLEN, E. M., GIRDLER, N. M. Attitudes to conscious sedation in patients attending an emergency dental clinic. Prim. Dent. care. 2005; 12 (1): 27-32.

9. PATEL, S. Is nitrous oxide a safe agent to use in conscious sedation for dentistry? SAAD Dig. 2010; 26: 23-6.

10. BRUNICK, A., CLARK, M. Nitrous oxide and oxygen sedation: an update. Dent. Assist. 2010; 79 (4): 22-3, 26, 28-30.

11. DONALDSON, M., DONALDSON, D., QUARNSTROM, F. C. Nitrous oxide-oxygen administration: when safety features no longer are safe. J. Am. Dent. Assoc. 2012; 143 (2): 134-43.

12. RAMACCIATO, J. C., RANALI, J., MOTTA, R. H. L. Biossegurança na sedação inalatória com óxido nitroso. Rev. APCD. 2004; 58 (2): 374-8.

13. RYDING, H. A., MURPHY, H. J. Use of nitrous oxide and oxygen for conscious sedation to manage pain and anxiety. J. Can. Dent. Assoc. 2007; 73 (8): 711.

14. JACKSON, D. L., JOHNSON, B. S. Inhalational and enteral conscious sedation for the adult dental patient. Dent. Clin. North Am. 2002; 46 (4): 781-802.

 

 

Endereço para correspondência:
Bruna Lavinas Sayed Picciani
Hospital Universitário Antônio Pedro, Departamento de Patologia, 4º andar
Rua Marques de Paraná, 303 - Centro
Niterói/RJ, Brasil - CEP: 24033-900

e-mail:
brunapicciani@yahoo.com.br

 

Recebido em 28/03/2014
Aprovado em 30/04/2014