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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2014

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Tratamento restaurador atraumático: percepção dos dentistas e aplicabilidade na atenção primária

 

Atraumatic restorative treatment: dentists’perceptions and its potential use in primary care

 

 

Ana Claudia ChibinskiI; Márcia Helena BaldaniI; Denise Stadler WambierI; Alessandra Souza MartinsII; Léo KrigerIII

I Professoras Doutoras da Disciplina de Saúde Coletiva do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
II Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UEPG
II Cirurgião-dentista, Divisão de Saúde Bucal da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná – SESA/PR

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo identificou a aplicabilidade do Tratamento Restaurador Atraumático (ART) na Atenção Primária à Saúde no Paraná. Aplicou-se um questionário a 97 profissionais de 85 municípios (54,6% dentistas; 28,9% gestores). A maioria utiliza restaurações atraumáticas (76,0%), mas só 12,4% receberam capacitação e a indicação preferencial é dentes decíduos. Pontos positivos: maior número de restaurações realizadas (64,4%) e percepção positiva dos profissionais (49,3%). Barreiras: falta de treinamento (50,5%) e preferência por restaurações convencionais (49,5%). Concluiu-se que, mesmo reconhecendo benefícios, o ART é subutilizado na Atenção Primária à Saúde, sendo necessários programas de educação continuada.

Palavras-chave: cárie dentária; odontologia em saúde pública; conduta na prática dos dentistas.


ABSTRACT

This research identified the applicability of Atraumatic Restorative Treatment (ART) in Primary Health Care in Paraná. A questionnaire was applied to 97 professionals from 85 cities (54,6% dentists; 28,9% managers). Most of them use atraumatic restorations (76,0%), although only 12,4% received training. The main indication is for deciduous teeth. The positive aspects pointed were the possibility of carrying on a larger number of restorations (64,4%) and a positive perception of ART (49,3%). The barriers were the lack of training (50,5%) a nd the preference for conventional restorations (49,5%). It was concluded that even recognizing the benefits, ART is underused in Primary Health Care and training programs are necessary.

Keywords: dental caries; public health dentistry; dentists practice patterns.


 

 

Introdução

O estado do Paraná está situado na região sul do Brasil a qual, junto com a região sudeste, apresenta os menores índices de prevalência de cárie dentária aos 12 anos de idade (2,06 e 1,72, respectivamente)2. Em 2014, 98% dos municípios paranaenses são beneficiados com a fluoretação das águas de abastecimento público e 40% da população é atendida por equipes de saúde bucal na Estratégia Saúde da Família, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde 2.

A reorganização da Atenção Primária à Saúde e a capacitação dos profissionais da saúde bucal são diretrizes da Política Estadual de Saúde Bucal, estabelecidas pelo governo do Estado do Paraná para a gestão 2011-2014. Nesse contexto, com o objetivo de ampliar e consolidar as diversas ações em prol da saúde bucal da população, bem como organizar de maneira articulada e resolutiva a atenção odontológica do Estado, foi lançada em abril de 2014, a Rede de Atenção à Saúde Bucal do Paraná.

Em consonância com as metas estabelecidas, nos anos anteriores foram organizadas inúmeras atividades para atualização e orientação dos profissionais da saúde pública sobre medidas de controle das doenças bucais. Quanto à cárie dentária, essa permaneceu na pauta de prioridades no estado, pois mesmo com o substancial declínio apontado nos levantamentos epidemiológicos nacionais de 2003 e 2010 1,2, alguns grupos de indivíduos não foram tão beneficiados. Em sete anos, a redução na prevalência de cárie no Brasil foi de 26,2% aos 12 anos e de 13,9% aos 5 anos. Mas o que realmente chama a atenção é o alto percentual de dentes decíduos sem tratamento, cerca de 80% tanto em 2003 quanto em 2010 1. Além disso, em 2010, Curitiba, capital do Paraná, apresentou a maior média de dentes decíduos cariados, perdidos e restaurados aos cinco anos de idade entre as capitais na região Sul (ceo-d=2,46), sobressaindo-se o componente cariado 2.

Com o objetivo de planejar e implementar ações para melhorar essa condição, não somente visando a dentição decídua mas também procurando abranger outras faixas etárias e grupos não assistidos, a Divisão de Saúde Bucal da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná promoveu encontros para discutir o estágio atual do diagnóstico de cárie e tratamento minimamente invasivo, com destaque ao Tratamento Restaurador Atraumático (ART), estratégia que envolve prevenção, controle e tratamento da doença cárie.

A adoção de uma estratégia de baixo custo, simples e resolutiva permite ampliar a atenção odontológica alcançando diferentes grupos populacionais 4. Contudo, o conhecimento limitado e a falta de preparo técnico-científico dos profissionais, apontados em alguns estudos, tornam-se entraves para a utilização do ART 3,6,15, sendo fundamental detectar as razões que limitam a inserção desse procedimento em maior escala.

Ainda que apoiado pela Organização Mundial da Saúde desde 1994 e amplamente pesquisada, a estratégia ART, por suas características de instrumentação manual e realização de restaurações fora da clínica odontológica, sofre contínuos questionamentos sob diversos aspectos 6. Os currículos de Odontologia, em sua maioria, estão centrados principalmente nas práticas restauradoras tradicionais, contribuindo para a falta de preparo profissional para o uso de métodos alternativos. Acrescenta-se ainda que as equipes de saúde bucal estão compostas por cirurgiões-dentistas de diferentes idades e formação acadêmica e nem todos os profissionais tiveram contato com os procedimentos conservadores durante seu curso de graduação. Todas essas variáveis, bem como a compreensão e comprometimento dos gestores, podem determinar maior ou menor aceitação e aplicação do ART nos serviços de atenção à saúde bucal dos municípios.

Assim, o presente estudo objetivou identificar a percepção dos profissionais de saúde bucal quanto à aplicabilidade das restaurações atraumáticas (RAs) enquanto parte da estratégia ART nos serviços de Atenção Primária à Saúde do estado do Paraná.

 

Material e Método

Este estudo, de caráter exploratório, foi conduzido no segundo semestre de 2012 durante uma série de oficinas de Inovação da Gestão do Processo de Trabalho, promovidas pela Divisão de Saúde Bucal da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná nas quatro Macro Regiões administrativas do estado. Nesse período, foram realizadas duas oficinas temáticas sobre mínima intervenção e a estratégia ART para o controle da doença cárie, uma em Curitiba e outra em Londrina, direcionadas a gestores e profissionais de saúde bucal atuantes nos serviços de Atenção Primária do estado.

Antes do início das oficinas, um questionário estruturado foi aplicado aos presentes pelos professores convidados como palestrantes. O instrumento foi previamente testado por profissionais do município de Ponta Grossa-PR e contava com questões voltadas a identificar o município de origem do participante; o cargo que o mesmo ocupava na atenção em saúde bucal deste município e o tempo que ocupava este cargo; o ano de graduação (caso o participante fosse graduado em Odontologia) e a especialidade que o mesmo possuía (caso houvesse alguma). Outras questões angariaram informações referentes à estratégia ART, por meio de questões que objetivaram observar a aplicação ou não da técnica nos municípios, bem como os grupos aos quais a mesma era direcionada e possíveis resultados percebidos. As barreiras que limitam a aplicação da estratégia ART também foram abordadas na ferramenta.

O estudo foi conduzido num período de 45 dias, em três momentos de coleta de dados com cada sujeito da pesquisa. Uma equipe de três nutricionistas treinadas sob a supervisão do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública-USP conduziu a aplicação do Recordatório de 24 horas (R24h), que foi administrado três vezes com intervalos de cerca de 15 dias. Os dias da semana foram variados em cada aplicação para evitar a repetição de ingestão associada a determinados dias da semana. Registros fotográficos de utensílios e porções para inquéritos dietéticos foram utilizados 17. Os dados permitiram a produção de estimativas sobre a ingestão de líquidos (mililitros por dia).

Um instrumento para identificar a frequência e a quantidade de bebidas consumidas foi elaborado, pré-testado e aplicado no terceiro momento. O adolescente respondeu seis perguntas, para cada bebida: água, leite, suco natural, suco ou bebida artificial, refrigerante e café ou chá, sendo primeiramente perguntado "Qual a quantidade de (nome da bebida) ingerida nos últimos 15 dias?", com seis alternativas para resposta: menos de um copo por dia, 1 copo por dia, 2 copos por dia, 3 copos por dia, 4 copos por dia, 5 ou mais copos por dia. Para auxiliar o respondente, foi apresentada uma ilustração com desenhos representativos de um copo e uma xícara. Além das seis perguntas foi coletada informação sobre a fonte de água utilizada para beber. Para o desenvolvimento do instrumento foi consultada a lista de bebidas ingeridas produzida em um estudo de calibração de questionário de frequência alimentar realizado na população de adolescentes do mesmo município que expressava as características de consumo da população do estudo 18.

A aferição do peso corporal e da estatura dos adolescentes foi efetuada por meio de balança digital com capacidade para 150 kg, sensibilidade de 100 gramas (Balança Digital Solar Tanita) e estadiômetro portátil (Estadiômetro Portátil Bodymeter 208 Seca). Os adolescentes foram pesados com roupas leves e descalços.

Para medir a estatura foi utilizado um estadiômetro com escala em milímetros, fixado na parede. Para esta medição os indivíduos estavam de pés juntos, calcanhares encostados na parede, em postura ereta, olhando para frente, sem fletir ou estender a cabeça, que foi posicionada no plano de Frankfurt. Depois que a barra horizontal do estadiômetro foi abaixada e apoiada sobre a cabeça, realizou-se a leitura em centímetros. O pesquisador responsável pela aferição foi treinado no Departamento de Nutriçao da FSP-USP e a consistência intraexaminador medida pelo coeficiente de correlação foi considerada alta (r = 0,997).

Dados socioeconômicos a respeito dos participantes foram obtidos a partir do estudo anterior 16, no qual foi aplicado o Critério de Classificação Econômica Brasil 19, que estima o poder de compra das pessoas e famílias urbanas. O Critério de Classificação Econômica Brasil leva em consideração a posse de itens e o grau de instrução do chefe da família, classificando as famílias nas classes A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E.

Foram realizados testes estatísticos a fim de comparar os dados da amostra e da subamostra para verificar se eram similares em relação à idade, peso, estatura, IMC, ingestão de guloseimas, açúcar e refrigerantes.

Os dados coletados no R24h foram todos aferidos em mililitros (mL) e receberam um código atribuído para cada faixa aferida. Foram considerados os seguintes intervalos de ingestão: ≤ 1 copo (0 a 300mL) ou ≤ 1 xícara (0 a 150mL), > 1 a ≤ 2 copos (301 a 600mL) ou > 1 a ≤ 2 xícaras (151 a 300mL), > 2 copos (601mL ou +) ou > 2 xícaras (301mL ou +). Os mesmos critérios foram aplicados para as respostas obtidas por meio da medida de seis itens.

Para apresentar os resultados da aferição da quantidade ingerida de líquidos os dados coletados por meio do R24h foram separados em seis categorias: água, leite, suco natural, suco ou bebida artificial, refrigerante e café ou chá, seguindo a mesma divisão das questões apresentadas na medida de seis itens.

Os dados coletados por meio do método de referência (R24h) foram comparados com os dados obtidos por meio da medida autoaplicável. A correspondência entre as respostas, em nível individual, foi verificada por meio da concordância simples, e da estatística Kappa quando a distribuição entre as respostas mostrou equilíbrio, ou seja, quando foi observada proximidade entre os valores apresentados nas categorias de resposta obtidas por meio do método de referência. Foi utilizada a correlação de Pearson para comparar os valores de ingestão e os valores de peso e IMC dos adolescentes. O programa Stata 12.0 foi usado para a análise estatística.

 

Resultados

O questionário foi respondido por 97 profissionais de saúde bucal de 85 municípios do estado do Paraná, correspondendo correspondendo a todos os que estavam presentes no início das oficinas temáticas. A maior proporção deles foi composta por cirurgiões-dentistas atuantes na Atenção Primária à Saúde (54,6%) sendo que, dentre estes, 26 (26,8%) trabalhavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 27 (27,8%) em Unidades de Saúde da Família (USF). Os cirurgiões-dentistas gestores somaram 28 participantes (28,9%) e os Auxiliares e Técnicos em Saúde Bucal foram 6 (6,2%).

Os profissionais que relataram que a estratégia ART é utilizada em seus municípios contabilizaram 75,3% do total de participantes (Figura 1). Dentre estes, 46,6% relataram que a técnica é aplicada em toda a rede de atenção básica do município e 47,9% afirmaram que é utilizada de forma isolada, por alguns profissionais ou serviços específicos. Apesar de referirem à aplicação da estratégia em seus municípios, apenas 12 (12,4%) relataram que houve capacitação sobre o tema nos últimos três anos, em seu município ou na Regional de Saúde à qual pertenciam.

Na Figura 2 estão incluídos os grupos (73 profissionais) que utilizam a estratégia ART nos seus municípios. Observa- se que a maior frequência de indicação é para dentes decíduos, tanto de crianças pré-escolares (90,4%) quanto escolares (87,7%). Uma proporção bem menor mencionou que o ART é utilizado como estratégia de intervenção em dentes permanentes: 35,6% em escolares; 31,5% em adolescentes e 23,3% em adultos ou idosos. A percepção positiva dos profissionais dos serviços quanto à estratégia (menor estresse, tratamentos não invasivos, etc.) foi relatada por 64,4% dos trabalhadores; a percepção positiva dos pacientes também foi citada por 49,3% deles; o aumento no número de restaurações atraumáticas em dentes que potencialmente acabariam extraídos foi citado por 42,5% dos profissionais.

De acordo com os profissionais que participaram da pesquisa, as principais barreiras que limitam a aplicação da estratégia ART nos serviços de atenção básica (Tabela I) são relacionadas à resistência dos profissionais atribuída a alguns fatores como a inexistência de monitoramento ou avaliação dos resultados, a falta de treinamento dos profissionais para a utilização da técnica, a maior confiança dos profissionais ao utilizarem brocas e restaurações convencionais e a crença dos profissionais de que os resultados obtidos com ART são inferiores aos obtidos com restaurações convencionais. A não aceitação por parte dos pacientes foi citada em pequena proporção. Alguns participantes perceberam barreiras relacionadas à estrutura dos serviços como falta de material adequado ou de pessoal auxiliar. Três participantes alegaram que não existem barreiras para a utilização da estratégia em seus municípios.

 

Discussão

Ao longo dos seus 25 anos de existência, a estratégia ART está sendo gradativamente incluída no serviço público de saúde bucal e currículos de Odontologia de vários países 11. Porém, mesmo frente aos estudos que apontam os benefícios da estratégia ART para as populações 11,17,18,20, na América Latina essa estratégia tem sido subutilizada (20).

Os formuladores das políticas públicas de saúde bucal do estado do Paraná têm demonstrado interesse em promover a inserção e ampliação da estratégia ART nos serviços de Atenção Primária. Sua utilização também é incentivada no âmbito federal, pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, por considerar que existem evidências científicas de efeito 3. Considera-se que essa estratégia é uma intervenção adequada e com potencial para reduzir a alta demanda de tratamento restaurador convencional, característica das populações assistidas pela rede pública de saúde bucal 6.

A Rede de Atenção à Saúde Bucal do Paraná visa, entre outras ações, a atualização e capacitação dos profissionais de saúde bucal, contando com o envolvimento das universidades públicas estaduais. A necessidade de educação continuada, especificamente voltada para a estratégia ART, foi apontada em estudo de realizado com cirurgiões-dentistas de Curitiba atuantes na Estratégia Saúde da Família 5.

No presente estudo, a maioria dos profissionais entrevistados relatou que o ART é utilizado em seus municípios e a indicação predominante é para dentes decíduos de pré-escolares e escolares, sendo pouco utilizadas nos dentes permanentes. Além disso, quase a metade dos participantes atribuiu maior credibilidade ao tratamento convencional. O mesmo foi demonstrado em outro estudo recente envolvendo cirurgiões-dentistas de Unidades Básicas de Saúde do município de São Paulo 5. Para aqueles profissionais, o ART foi considerado tratamento inferior (50%) quando comparado a outras técnicas restauradoras. Em outra pesquisa, um percentual muito baixo de cirurgiões-dentistas atuantes na Estratégia Saúde da Família (12,5%) considerou esse tratamento como definitivo 15. Estes resultados corroboram o esperado de uma formação tradicional, evidenciando a ‘ligação’ entre o cirurgião-dentista e o equipamento odontológico, pois os profissionais sentem-se mais seguros ao empregar as técnicas tradicionais.

A falta de treinamento teórico e prático constitui-se em uma das barreiras mais mencionadas pelo grupo pesquisado para o emprego do ART, fato também verificado entre os profissionais no estudo de Curitiba 5. Dentre os participantes, baixo percentual relata que houve capacitação sobre o tema ART nos últimos três anos, em seus municípios ou em sua região. Diante desta prerrogativa, vários são os estudos que sugerem a organização de cursos de formação em ART voltado para os profissionais como método para incorporar a estratégia de maneira eficaz nos serviços públicos de saúde bucal 4,5,11,15,18,20.

A implementação da estratégia ART pode ser prejudicada pela indisponibilidade de materiais adequados para a realização das restaurações atraumáticas 7,14. Tal afirmação vem ao encontro dos achados do presente estudo, uma vez que alguns profissionais ligados aos serviços de saúde bucal na atenção básica dos municípios do estado do Paraná citam a falta de instrumental adequado ou de cimento de ionômero de vidro como uma das barreiras para a implantação da estratégia ART. O mesmo tem sido observado em outros países emergentes como o Egito 10, México 16 e a Nigéria 9.

RUIZ & FRENCKEN 20 realizaram um estudo para analisar a extensão da inserção da estratégia ART nos sistemas públicos de saúde bucal e os pontos facilitadores e limitantes de sua implementação em países latino-americanos. De acordo com este estudo, a introdução do ART nos serviços públicos de atenção odontológica em países latino-americanos ocorreu, mas ainda encontra-se em fase incipiente. No México, uma exceção à regra latino-americana, a adoção de uma estratégia que utiliza as restaurações atraumáticas no serviço público de saúde como alternativa para amenizar o problema da falta de acesso aos tratamentos restauradores tradicionais já é uma realidade bem sucedida 13. Para que isso ocorresse, foi necessário o desenvolvimento de materiais didáticos, a organização de cursos de formação para dentistas e a incorporação do ART nos currículos de graduação.

No Brasil, não estão disponíveis dados para avaliar o impacto da estratégia ART na qualidade de vida dos pacientes, mas existem alguns estudos que avaliam a percepção dos profissionais sobre a abordagem ART 5,6,15. Tem sido observado que a aplicação das restaurações atraumáticas no serviço público odontológico permite a minimização do número de extrações, a maximização do número de restaurações dentárias e selantes e o aumento da cobertura do tratamento odontológico em populações que necessitam de cuidados 17,18,20.

FRENCKEN et al. 11 sugerem que, além dos cursos de capacitação e do fornecimento de material adequado aos profissionais, a elaboração de um sistema que propicie o acompanhamento dos pacientes tratados seria um passo importante para a inserção da estratégia no serviço público. Esta afirmativa corrobora os dados encontrados no presente estudo, no qual os profissionais indicam a inexistência de monitoramento ou avaliação dos resultados da utilização do ART. Parcerias entre o estado e as universidades no desenvolvimento de projetos que envolvam o monitoramento e avaliação da estratégia ART nos serviços públicos de saúde bucal podem contribuir para um melhor entendimento e maior aplicação da técnica.

A evidência científica atualmente disponível fundamenta e embasa o uso do ART. Revisões sistemáticas recentes comprovaram a efetividade das restaurações atraumáticas em cavidades de uma face em dentes decíduos e permanentes 8 e confirmaram uma performance clínica similar ao amálgama 17. Todavia, é sabido que é necessário certo espaço de tempo (aproximadamente 17 anos) até que a evidência científica publicada seja incorporada à prática clínica 19. Por isso, iniciativas, como a da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, são um esforço inicial que pode trazer evidências científicas para as práticas clínicas dos profissionais de saúde bucal, pois apenas com a incorporação dos conhecimentos produzidos é que haverá modificação na saúde da população.

 

Conclusão

O presente estudo evidenciou que, apesar dos reconhecidos resultados positivos, as restaurações atraumáticas e a estratégia ART são subutilizadas pelos profissionais dos serviços de saúde bucal na Atenção Primária no estado do Paraná. As restaurações atraumáticas são predominantemente utilizadas em dentes decíduos, caracterizando-se como uma estratégia temporária. Apesar da maioria dos profissionais afirmarem que utilizam o ART em suas rotinas, esse uso se faz de forma desorganizada e isolada, não havendo programas e políticas específicas que orientem, direcionem e reforcem a importância do uso da estratégia nos serviços públicos de saúde bucal. Diante disso, torna-se essencial que o estado promova programas de capacitação para incentivar e até mesmo para oferecer esclarecimentos básicos sobre a estratégia ART. Essa iniciativa está proposta na Rede de Atenção à Saúde Bucal do Paraná.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Ana Claudia Chibinski.
Departamento de Odontologia - Campus Universitário de Uvaranas
Av. General Carlos Cavalcanti, 4748
Ponta Grossa/PR, Brasil - CEP 84030-900
e-mail: anachibinski@hotmail.com

 

Recebido em 04/04/2014
Aprovado em 08/05/2014