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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Colonização bacteriana em próteses dentárias e métodos de higienização

 

Bacterial colonization of denture and sanitation methods

 

 

Dayana Campanelli MoraisI;Aline Borburema NevesII;Luiza Seabra MartinsIII;Eduardo S. LyraIV;Maria José Santos AlencarV

 

I Especialista em Prótese Dentária pela UFRJ
II Mestranda em Odontologia pela Uerj
III Mestranda em Periodontia pela UFRJ
IVAluno de Especialização em Implantodontia pela Universidade São Leopoldo Mandic/RJ
V Professora Doutora do Departamento de Prótese e Materiais Dentários da FO/UFRJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão de literatura, analisando a microbiologia do biofilme presente nas próteses totais e seus diversos métodos de higienização para prevenir algumas patologias que estão relacionadas com sua formação. Foi utilizado o banco de dados Pubmed e os descritores prosthodontics, microbiology, denture e biofilm. Dentre todos os estudos avaliados, a utilização do hipoclorito de sódio, a 2% e a 0,05%, associado ou não ao sabão de coco, se apresenta como uma forma eficaz de higienização da prótese, diminuindo o biofilme e algumas espécies patogênicas. Concluímos que a indicação do agente de limpeza protética deve ir ao encontro da necessidade do paciente, sendo sempre um com o melhor custo benefício, de fácil utilização e biocompatível.

Palavras-chave: colonização bacteriana; próteses dentárias; métodos de higiene.


ABSTRACT

This article aims to make a literature review, analyzing microbiology of this biofilm in complete dentures and its various cleaning methods to prevent some diseases that are related to their training. We used the Pubmed database and prosthodontics descriptors, microbiology, and denture biofilm. Among all the studies evaluated the use of sodium hypochlorite, 2% and 0.05%, with or without the coconut soap, is presented as an effective way of cleaning the prosthesis, reducing the biofilm and some pathogenic species. We conclude that the indication of prosthetic cleaning agent should meet the needs of the patient, always one with the best value for money, easy to use and biocompatible.

Keywords: bacterial colonization; denture; sanitation methods.


 

 

Introdução

A identificação de patógenos na dentição humana é um assunto em destaque na literatura, porém, ainda há poucos estudos descrevendo a microbiota de pacientes edêntulos e a placa bacteriana presente nas próteses dentárias 12. Um recente trabalho de TAKEUCHI et al. 14 teve como objetivo quantificar e identificar as bactérias presentes na resina acrílica de próteses. Espécies como Lactobacillus, Propionibacterium, Actinomyces, Streptococcus mutans e outras pertencentes à família e gênero de Olsenella, Bacillus, Citrobacter, Enterobacteriaceae, Pantoe, Peptoniphilus, Klebsiella e Pseudomonas foram isoladas de próteses totais e obturadores dento maxilares. TELES et al. 15 compararam as mudanças na recolonização bacteriana de próteses e dentes. Avaliando o biofilme presente nas próteses antes da limpeza profissional, grandes contagens e proporções de Streptococcus mitis, Streptococcus oralis e S. mutans foram encontradas, sendo que as duas primeiras espécies apresentaram proporções crescentes no primeiro dia. Apesar do aumento em ambos os grupos, as espécies Neisseria mucosa, Veillonella parvula e Eikenella corrodens se apresentaram mais tardiamente nas próteses. Sendo assim, apesar de um similar número total de espécies, as proporções são diferentes entre os grupos e o biofilme presente nas próteses, após a limpeza, é menos complexo que na dentição natural. Ao analisar a distribuição do biofilme nas superfícies internas e externas de próteses totais superiores, PARANHOS et al. 10 apresentaram como resultado quantidades similares de biofilme em ambas as superfícies, principalmente na região dos dentes posteriores, rugosidade palatina e inclinação interna vestibular da flange disto vestibular, ou seja, maiores em regiões irregulares. Porém, após instrução de como realizar a higiene das próteses totais, esses níveis foram reduzidos, comprovando que a mesma se apresentou extremamente eficaz.

Desta forma, percebe-se que apesar da grande quantidade de espécies presentes nas próteses, a higiene por parte do paciente é de fundamental importância na redução dos níveis de placa bacteriana. O presente artigo, que se fundamenta numa revisão de literatura, tem como objetivo analisar os diversos métodos de higienização associando-as à microbiologia da placa bacteriana presente nas próteses dentárias.

 

Material e Método

Utilizando o banco de dados Pubmed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e os descritores prosthodontics, microbiology, denture e biofilm, de um total de noventa e quarto resultados, os mais relacionados com o tema proposto foram analisados e incluídos na revisão de literatura. Os artigos selecionados foram datados desde o ano 2000 a 2012.

 

Revisão de Literatura

Num artigo recente de ANDRADE et al. 2, trinta voluntários higienizaram suas próteses utilizando escova e pasta, grupados aleatoriamente, usando: 1) Corega menta - grupo controle; 2) 0,2% de cloramina T; 3) 1,0% de cloramina T; 4) flúor tensoativo 0,01%. Cada creme dental foi utilizado durante 7 dias. Como conclusão, todos os cremes dentais apresentaram resultados semelhantes. Já no trabalho de CRUZ et al. 6, oitenta usuários de próteses totais foram divididos em quatro grupos, sendo o grupo I) escovação com água (grupo controle); II) limpeza com comprimidos efervescentes (Corega Tabs); III) limpeza com dispositivo ultrassônico (Ultrasonic Cleaner, modelo 2840D); IV) associação de comprimidos efervescentes e dispositivo de ultrassom. Os grupos escovaram suas próteses com uma escova Bitufo e água, três vezes ao dia, antes de aplicar os tratamentos. O biofilme foi coletado no início e após 21 dias.

Ao compará-los, percebe-se que todos foram eficazes, em relação à capacidade de remoção do biofilme, e superiores ao grupo controle. Sendo assim, tais métodos experimentais podem ser utilizados como auxiliares na higiene de próteses.

Para avaliar a incidência de S. mutans em próteses totais maxilares, ANDRÉ et al. 3 separaram os 77 participantes em dois grupos, o primeiro utilizando uma pasta experimental para limpeza de próteses – grupo teste, e o segundo um dentifrício convencional, e analisou a eficácia de três enxaguantes bucais (Plax, Cepacol e Periogard). Como resultado, o segundo grupo não apresentou diminuição na incidência de S. mutans, enquanto no grupo teste esse decréscimo foi percebido. Em se tratando de enxaguantes bucais, ambos os grupos se apresentaram positivos em ação antimicrobiana, sendo o Periogard o colutório mais eficaz, mesmo em maiores diluições. VIEIRA et al. 16 analisaram a eficiência de métodos de limpeza na diminuição de espécies de Candida. Foram utilizados dois peróxidos alcalinos, hipoclorito de sódio ou água destilada. Nesse trabalho, o hipoclorito de sódio foi o método mais eficaz na limpeza das próteses, pois, após seu uso, não foram identificadas células viáveis de tal espécie.

Para observar eficácia de comprimidos efervescentes e dispositivos ultrassônicos na diminuição de espécies de Candida e S. mutans, ANDRADE et al. 1 dividiram 77 participantes da pesquisa em quatro grupos, sendo o primeiro o grupo controle, higienizando suas próteses com água; o segundo grupo utilizou comprimidos efervescentes; o terceiro, dispositivo ultrassônico (Ultrasonic Cleaner, modelo 2840 D) e o quarto, comprimidos efervescentes e dispositivo ultrassônico.

Tais autores concluíram que os comprimidos efervescentes foram eficazes na diminuição de S. mutans e anaeróbios, entretanto, tais métodos não foram eficazes contra C. albicans.

Apesar de demonstrar uma pequena atividade antimicrobiana, a limpeza ultrassônica não se mostra tão eficaz quanto à utilização de tabletes efervescentes.

Ao compararmos os trabalhos de CRUZ et al. 6 e o estudo de ANDRADE et al. 1, percebe-se que, apesar de todos os métodos apresentarem uma boa eficácia na remoção do biofilme, quando tal biofilme foi analisado em níveis microbiológicos, percebe-se que somente o uso dos tabletes efervescentes apresenta uma atividade antimicrobiana significante. Desta forma, não somente a remoção do biofilme das próteses deve ser levada em consideração, como também a diminuição nos níveis dos patógenos que a formam.

A utilização de NitrAdine™ (comprimidos de limpeza) foi avaliada por SILVA-LOVATO et al. 13, apresentando-se eficiente na remoção do biofilme de próteses totais e com uma significativa ação antimicrobiana, ou seja, a recomendação deste método de limpeza de prótese pode auxiliar a prevenção de estomatites.

PUSATERI et al. 11, utilizando proteínas antifúngicas da saliva humana e clorexidina, apresentaram como resultado em seu trabalho uma inibição do crescimento do biofilme.

Ao avaliar o importante micro-organismo responsável por infecções nosocomiais, Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA), LEE et al. 8 demonstraram que os agentes utilizados apresentaram uma redução no número de bactérias. Mesmo em tempos diferentes, o hipoclorito de sódio a 2% (NaOCl 2%) se mostra eficaz na redução de tal biofilme até abaixo do nível de detecção, em uma exposição por volta de um minuto.

Utilizando duas formulações diferentes de dentifrícios (D1 e D2), PANZERI et al. 9 analisaram a eficiência de tais produtos na higiene de próteses totais. Apesar de ambos diminuírem significantemente o biofilme, em comparação com o grupo controle que somente utilizou água para higiene, nenhum foi eficaz na diminuição de C. albicans ou outras espécies de cândida, e o primeiro dentifrício – D1 – apresentou redução de S. mutans, enquanto D2 se mostrou intermediário.

Quando avaliou a eficácia do EDTA tetrassódico na diminuição do biofilme proveniente de saliva ou culturas puras de C. albicans, DEVINE et al. 7 demonstrou que este composto apresentou uma desinfecção dos discos de polimetil metacrilato (PMMA) de bases de dentaduras e das escovas de dente, agindo, inclusive, em vírus como herpes simplex e polio. Tal método é de baixo custo, rápido efeito e biocompatível, podendo ser utilizado nos cuidados odontológicos.

Comparando duas pastas dentais, uma específica para próteses e outra popularmente utilizada – pasta padrão – ANDRUCIOLI et al. 4 observaram a remoção do biofilme das próteses e se as lesões de candidíase crônica atrófica no palato dos pacientes participantes da pesquisa regrediram. A diminuição do grau de biofilme e do eritema foi significante em ambos os grupos. BARNABÉ et al. 5 avaliaram a redução de S. mutans, C. albicans e estomatite protética utilizando hipoclorito de sódio a 0,05% associado à escovação das próteses com sabão de coco. Com resultado altamente significante, houve redução da estomatite protética. Já os níveis S. mutans apresentaram redução, porém não significante, e os de C. albicans não apresentaram redução. Tal associação, porém, se mostrou eficaz na redução do biofilme.

 

Conclusão

Dentre todos os estudos avaliados, a utilização do hipoclorito de sódio, tanto a 2% quanto a 0,05%, associado ou não ao sabão de coco, se apresenta como uma forma eficaz de higienização da prótese, diminuindo tanto o biofilme quanto algumas espécies patogênicas.

Porém, concluímos que, além da avaliação da redução do biofilme, mais estudos devem ser desenvolvidos visando analisar a eficiência dos métodos de higiene na diminuição dos níveis de patógenos específicos. Como prática clínica, a indicação do agente de limpeza protética deve ir ao encontro da necessidade do paciente, sendo sempre um com o melhor custo benefício, de fácil utilização e biocompatível. Indicações como remoção noturna da prótese e utilização de escovas específicas para próteses devem ser realizadas de maneira individualizada, observando as necessidades específicas de cada caso.

 

Referências

1. ANDRADE, IM, CRUZ, PC, DA SILVA, CH, et al. Effervescent tablets and ultrasonic devices against Candida and mutans streptococci in denture biofilm. Gerodontology. 2011; 28 (4): 264-70. doi: 10.1111/j.1741- -2358.2010.00378.x. Epub 2010 May.         [ Links ]

2. ANDRADE, IM, SILVA-LOVATO, CH, DE SOUZA, RF, et al. Trial of experimental toothpastes regarding quality for cleaning dentures. Int. J. Prosthodont. 2012; 25 (2): 157-9.

3. ANDRE, RF, ANDRADE, IM, SILVA-LOVATO, CH, et al. Prevalence of mutans streptococci isolated from complete dentures and their susceptibility to mouthrinses. Braz. Dent. J. 2011; 22 (1): 62-7.

4. ANDRUCIOLI, MC, DE MACEDO, LD, PANZERI, H, et al. Comparison of two cleansing pastes for the removal of biofilm from dentures and palatal lesions in patients with atrophic chronic candidiasis. Braz. Dent. J. 2004; 15 (3): 220-4. Epub 2005 Mar 18.

5. BARNABÉ, W, DE MENDONÇA NETO, T, PIMENTA, FC, et al. Efficacy of sodium hypochlorite and coconut soap used as disinfecting agents in the reduction of denture stomatitis, Streptococcus mutans and Candida albicans. J. Oral Rehabil. 2004 May; 31 (5): 453-9.

6. CRUZ, PC, ANDRADE, IM, PERACINI, A, et al. Effectiveness of chemical denture cleansers and ultrasonic device in biofilm removal from complete dentures. J. Appl. Oral Sci. 2011;19 (6): 668-73.

7. DEVINE, DA, PERCIVAL, RS, WOOD, DJ, et al. Inhibition of biofilms associated with dentures and toothbrushes by tetrasodium EDTA. J. Appl. Microbiol. 2007; 103 (6): 2516-24.

8. LEE, D, HOWLEFTT, J, MORDAN, N, et al. Susceptibility of MRSA biofilms to denture-cleansing agents. FEMS Microbiol. Lett. 2009; 291 (2): 241-6.

9. PANZERI, H, LARA, EH, PARANHOS, HDEF, et al. In vitro and clinical evaluation of specific dentifrices for complete denture hygiene. Gerodontology. 2009; 26 (1): 26-33. Epub 2008 May 15.

10. PARANHOS, HF, DA SILVA, CH, VENEZIAN, GC, et al. Distribution of biofilm on internal and external surfaces of upper complete dentures: the effect of hygiene instruction. Gerodontology. 2007; 24 (3): 162-8.

11. PUSATERI, CR, MONACO, EA, EDGERTON, M. Sensitivity of Candida albicans biofilm cells grown on denture acrylic to antifungal proteins and chlorhexidine. Arch Oral Biol. 2009; 54 (6): 588-94. Epub 2009 Feb 27.

12. SACHDEO, A, HAFFAJEE, AD, SOCRANSKY, SS. Biofilms in the edentulous oral cavity. J. Prosthodont. 2008; 17 (5): 348-56.

13. SILVA-LOVATO, CHY, WEVER, B, ADRIEAENS, E, et al. Clinical and antimicrobial efficacy of NitrAdine ™ - based disinfecting cleaning tablets in complete denture wearers. J. Appl. Oral Sci. 2010; 18 (6): 560-5.

14. TAKEUCHI, Y, NAKAJO, K, SATO, T, et al. Quantification and identification of bacteria in acrylic resin dentures and dento-maxillary obturator- prostheses. Am. J. Dent. 2012; 25 (3): 171-5.

15. TELES, FR, TELES, RP, SACHDEO, A, et al. Comparison of microbial changes in early redeveloping biofilms on natural teeth and dentures. J. Periodontol. 2012; 83 (9): 1139-48.

16. VIEIRA, AP, SENNA, PM, SILVA, WJ, et al. Long-term efficacy of denture cleansers in preventing Candida spp. biofilm recolonization on liner surface. Braz. Oral Res. 2010; 24 (3): 342-8.

 

 

Endereço para correspondência:
Dayana Campanelli Morais
Estrada dos Bandeirantes, 2698, casa 49 Rio de Janeiro/RJ, Brasil
CEP: 22775-110
e-mail:
dayanacampanelli@gmail.com

 

Recebido em 20/06/2014
Aprovado em 21/07/2014