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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Uma discussão sobre o efeito da rhBMP-2 no aumento ósseo alveolar

 

A discussion on the effect of rhBMP-2 in the alveolar bone augmentation

 

 

Patricia Cristina Matos RobbsI;Diogo Moreira RodriguesII;Telma AguiarIII;Eliane Porto BarbozaIV

 

I Especialista em Implantodontia Professora do Curso de Especialização em Implantodontia – Cencro/RJ
IIDoutorando em Odontologia pela UFF Mestre em Periodontia
III Doutor em Periodontia Mestre em Endodontia Professor Associado da UFF
IVDoutor e mestre em Periodontia Professor Associado da UFF

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi apresentar uma revisão da literatura sobre a proteína óssea morfogenética tipo 2 (BMP-2) e seu efeito no aumento ósseo alveolar. A proteína óssea morfogenética (BMP) foi identificada, em 1965, por um norte-americano chamado Marshal Urist, que mostrou que essa proteína, extraída da cortical óssea bovina, poderia induzir a formação de novo osso quando implantada em locais não ósseos. Atualmente, muitos trabalhos têm estudado a regeneração óssea através do uso de BMPs em substituição aos enxertos ósseos. O presente estudo conclui que a proteína óssea morfogenética é capaz de induzir neoformação óssea de maneira eficaz, tornando-se uma alternativa na substituição dos enxertos ósseos e a necessidade da descoberta de novos carreadores facilitando a estabilidade mecânica da BMP-2 no leito receptor.

Palavras-chave: proteína morfogenética óssea; fator de crescimento; remodelação óssea.


ABSTRACT

The aim of this paper is to review the literature about bone morphogenetic protein type 2 (BMP-2) and on the effect in the alveolar bone augmentation. In 1965, the BMP was isolated by Marshal Urist, who showed that this protein extracted from bone narrow could induce bone neoformation when implanted in sites without bone cells. Recently, a lot of studies have been looking for bone regeneration using BMPs without bone grafts. The present study it was concluded that the bone morphogenetic protein induces bone neoformation, being an alternative as a substitute to bone grafts and that new carrier discovery is necessary to smooth stability of this carriers in receptor site.

Keywords: morphogenetic bone protein; growth factor; bone remodeling.


 

 

Introdução

O aumento quantitativo de tecido ósseo, com o objetivo de reabilitar o paciente com implantes, se realiza através de varias técnicas e diferentes tipos de materiais, incluindo osso autógeno, osso alógeno, hidroxiapatita e substitutos ósseos compostos. O osso autógeno apresenta os resultados mais previsíveis, enquanto outros biomateriais possuem diferentes índices de sucesso e sua utilização deve seguir critérios rígidos de seleção, baseando-se no conhecimento da biologia, da formação e reparo ósseo.

Na busca por um biomaterial que possa substituir o enxerto ósseo adequadamente, a rhBMP-2 apresenta-se como uma nova alternativa.

O objetivo dessa revisão é discutir pesquisas sobre o uso da rhBMP-2 no aumento ósseo alveolar.

 

Revisão da Literatura

O biomaterial ideal para aumento ósseo deve promover osteogênese, possuindo ou permitindo a incorporação de citocinas ou fatores de crescimento responsáveis pelo mecanismo de osseoindução. Além disso, esse biomaterial deve permitir a angiogênese e a osteocondução, ser de fácil manipulação e aplicabilidade, apresentar estrutura física capaz de manter o espaço para a formação óssea e não gerar resposta imune. O tratamento de escolha para a maioria dos defeitos ósseos é o enxerto autógeno, que preenche basicamente todos estes requisitos. Os benefícios do enxerto autógeno nem sempre compensam os riscos de um procedimento cirúrgico adicional. Nesses casos a utilização de um biomaterial pode ser uma alternativa 1.

A BMP, do inglês Bone Morphogenetic Protein, foi primeiramente descrito por Marshall Urist, em 1960 2. A BMP e outros fatores de crescimento ósseo podem ser encontrados em pequenas quantidades em células do periósteo, células mesenquimais, nas fibras colágenas e células não colágenas da matriz óssea. A quantidade de BMP encontrada normalmente na matriz óssea é cerca de 1-2mg/kg de osso mineralizado 3,4. O papel de osteoindução é desempenhado pela proteína óssea morfogenética que, atuando sobre as células mesenquimais, as transformam em células osteoprogenitoras capazes de formar osso 5. A formação de cartilagem e osso induzido pela BMP é um processo complexo de múltiplos estágios, que envolve a ação de vários fatores de crescimento produzidos localmente e de hormônios disponíveis sistemicamente 6.

Vinte anos mais tarde, em 1988, WOZNEY et al. identificaram a sequência genética da proteína óssea morfogenética. O estudo de MARDEN et al. 1 demonstrou pela primeira vez que uma única BMP recombinante (rhBMP-2) reconstituída com matriz óssea colagenosa insolúvel foi suficiente para reparar defeitos por craniotomia em rato. O mecanismo pelo qual a rhBMP-2 acelera a regeneração óssea pode ser explicado pela conversão de células pluripotenciais em osteoblastos e está diretamente relacionada à dose da proteína osseoindutiva 7.

A rhBMP-2 tem sido associada a uma esponja absorvível de colágeno, formando o composto rhBMP-2/EAC, pois a rhBMP-2 na forma líquida é rapidamente dissolvida e degradada por via proteolítica. Tal composto não possui resistência estrutural suficiente para suportar a compressão dos tecidos moles quando utilizado sozinho. Portanto, a aplicação tópica de rhBMP-2/EAC em defeitos ósseos alveolares deve estar associada a biomateriais que devem servir de "mantenedores de espaço". Esses biomateriais incluem hidroxiapatita, vidro bioativo, beta fosfato de tricálcio, osso bovino mineralizado e/ou desmineralizado, polímeros biodegradáveis e outros. 8,9,10,11.

BARBOZA et al. 8 avaliaram o aumento ósseo do rebordo alveolar. Defeitos críticos foram produzidos nas mandíbulas de cães. No primeiro estudo 8, hidroxiapatita (HA) associada à rhBMP-2/EAC (rhBMP-2/EAC/HA), grupo teste e rhBMP-2/EAC, grupo controle, foram comparados. O grupo teste apresentou aumento ósseo clínico relevante. No entanto, muitas partículas remanescentes de HA ainda foram observadas. O grupo controle não mostrou aumento ósseo significativo. No segundo estudo, além do grupo controle (rhBMP-2/EAC) dois tipos de biomateriais, vidro bioativo – rhBMP-2/EAC/VB e matriz de osso desmineralizado/ mineralizado – rhBMP-2/EAC/MODM, foram utilizados como grupo teste. Nos sítios que receberam rhBMP-2/ EAC/MODM e rhBMP-2/EAC/VB, houve aumento do rebordo alveolar de 4,4 + 1,3 e 4,6 + 1,5 mm, respectivamente. Os autores concluíram que a associação desses biomateriais com rhBMP-2/EAC produziu significativo aumento clínico e histológico do rebordo alveolar.

Em estudo randomizado 12, avaliaram o aumento do rebordo alveolar em 80 pacientes. Os autores utilizaram rhBMP-2/EAC nas concentrações de 0,75mg/ml e 1,50mg/ ml, em defeitos com perda óssea vestibular de > 50% imediatamente após extração. Nos grupos em que foram utilizados rhBMP-2/EAC na concentração de 1,5mg/ml, houve aumento ósseo significativo. A densidade óssea e o aspecto histológico do osso neoformado foram semelhantes ao osso nativo. O estudo de MCKAY et al. 13, em rebordo alveolar êdentulo, também demonstrou que o uso de rhBMP-2/EAC na concentração de 1,5mg/ml induziu formação óssea quantitativa e qualitativamente significativa, demonstrando que o osso neoformado é biologicamente similar ao osso nativo, possibilitando a reabilitação com implantes e próteses dentárias.

LEE et al. 14 observaram que Beta Fosfato Tricalcio (BFT), quando usado como carreador de rhBMP-2, promove aumento ósseo em área pós extração. Essas observações vêm de encontro aos achados de KIM et al. 15, que concluíram que BFT, utilizado como carreador, promove maior formação óssea comparado com rhBMP-2/EAC. Segundo os autores, a integridade estrutural do BFT como carreador reduz a compressão e fornece uma estrutura favorável a formação óssea.

O aumento do rebordo alveolar em maxila atrófica foi avaliado por FREITAS et al. 16. O grupo teste recebia rhBMP-2/EAC 1,5mg/ml INFUSE R Bone Graft – Medtronic (Minneapolis, MN, USA). Osso autógeno particulado da região retromolar mandibular foi utilizado como grupo controle. Os autores observaram que não houve diferença clínica significativa no aumento ósseo horizontal entre os dois tratamentos. No entanto, os autores concluíram com esse estudo que rhBMP-2/EAC parece uma alternativa para o aumento da maxila atrófica anterior.

Uma revisão sistemática, FREITAS et al. 18, que avaliaram 7 artigos sobre o uso da rhBMP-2/ACS no aumento ósseo alveolar, conclui que o aumento ósseo é dose-dependente nas concentrações de 0,43,0,75 e 1,5mg/ml. Nessas doses o complexo rhBMP-2/ACS induz formação óssea sendo o osso neoformado histologicamente compatível e com mesmo padrão de formação do osso autógeno.

 

Discussão

No início dos anos 70, URIST 2 demonstrou que matriz óssea desmineralizada poderia induzir a formação de tecido ósseo e cartilaginoso introduzindo um novo conceito, na formação óssea. Vinte anos mais tarde, WOZNEY et al. identificaram a sequência genética da proteína óssea morfogenética (rhBMP), proporcionando a possibilidade de acesso a grandes quantidades desse biomaterial. No entanto, a utilização das rhBMP requer um carreador por apresentarem um peso molecular relativamente baixo, serem de fácil difusão nos fluidos corporais e por difundirem-se rapidamente na própria vascularização do local 17. As rhBMP também necessitam de um mantenedor de espaço, quando utilizadas para aumento de rebordo alveolar.

O composto rhBMP-2/EAC não possui resistência estrutural suficiente para suportar a compressão dos tecidos moles. Os trabalhos de BARBOZA et al. 8,9 apresentaram aumento significativo do rebordo alveolar quando vários biomateriais foram associados à rhBMP-2/EAC. No entanto, o aumento do rebordo alveolar deveu-se não somente à quantidade substancial de osso neoformado, mas também à presença de biomateriais remanescentes.

A rhBMP-2 parece ser uma alternativa promissora para o aumento ósseo do rebordo alveolar. A dose e a otimização do carreador pode ampliar a eficácia, uso e aplicação clínica 18. O desafio hoje é encontrar maneiras de aplicá-las com sucesso em humanos. As BMP apresentam diversas possibilidades de aplicação na Odontologia, Ortopedia e em outras áreas de conhecimento que envolvam a diferenciação celular por representarem um grupo distinto de fatores indutores, capazes de estimular a diferenciação de células mesenquimais em células especializadas, induzindo a neoformação e o reparo de tecido ósseo. Trabalho realizado por WIKESJÖ et al. 11, utilizando implantes revestidos com rhBMP-2, concluiu que houve uma indução de formação óssea local clinicamente relevante, incluindo aumento vertical do rebordo alveolar e osseointegração.

Talvez uma das alternativas futuras esteja na aplicação destes indutores não através de carreadores, mas diretamente sobre os implantes ou material de preenchimento em membranas capazes de favorecer o aumento ósseo alveolar para reabilitações bucais complexas.

 

Conclusão

O uso de BMP-2 é uma alternativa aos enxertos ósseos autógenos no aumento ósseo alveolar. No entanto, a quantidade de osso neoformado, após sua aplicação, depende principalmente do sistema carreador.

 

Referências

1. MARDEN, LJ, et al. Recombinant human bone morphogenetic protein- 2 is superior to demineralized bone matrix in repairing craniotomy in rats. J. Biomed. Mater. Res. 1994; 28 (10): 1127-38.         [ Links ]

2. URIST, MR. Bone: Formation by auto induction. Science. 1965; 150: 893-7.

3. FORELL, EB, STRAW, RC. Bone morphogenetic proteins and bone derived growth factors. Vet. Comp. Orthop. Traumatol. 1993; 6: 166-70.

4. LIND, M, ERIKSEN, EF, BUNGER, C. Bone morphogenetic protein-2 but not bone morphogenetic protein-4 and -6 stimulates chemotactic migration of human osteoblast, human marrow osteoblast, and U2-OS cells. Bone. 1996; 18: 53-60.

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9. BARBOZA, EP, DUARTE, MEL, NETO, LG, et al. Ridge augmentation following implantation of Recombinant Human Bone Morphogenetic Protein-2 in the dog. 2004.

10. PONTUAL, MAB, MAGINI, RS. (coord.). Plasma rico em plaquetas (PRP) e fatores de crescimento – das pesquisas científicas à clínica odontológica. São Paulo: Livraria Santos Editora; 2004.

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13. MCKAY, WF, PECKHAM, SM, BADURA, JM. A comprehensive clinical review of recombinant human bone morphogenetic protein-2 (INFUSE ® Bone Graft). 2007; 729-34.

14. LEE, JH, RYU, MY, BAEK, HR, et al. The Effects of Recombinant Human Bone Morphogenetic Protein-2-Loaded Tricalcium Phosphate Microsphere – Hydrogel Composite on the Osseointegration of Dental Implants in Minipigs. Artificial Organs. 2014; 38 (2): 149-58.

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17. MAZZONETTO, R, NASCIMENTO, FFA. O Uso da Proteína Óssea Morfogenética Recombinante Humana 2 (rhBMP-2) na Implantodontia. In: ZÉTOLA, A.; SHIBLI, J. A.; JAYME, S. J. (Coord.). Implantodontia Clínica Baseada em Evidência Científica: ABROSS 2010 – IX Encontro Internacional da Academia Brasileira de Osseointegração. São Paulo: Quintessence; 2010, 277-84.

18. FREITAS, RM, SUSIN, C, SPIN-NETO, R, et al. Horizontal ridge augmentation of the atrophic anterior maxilla using rhBMP-2/ACS or autogenous bone grafts: a proof-of-concept randomized clinical trial. J. Clin. Periodontol (40). 2013; 968-75.

 

 

Endereço para correspondência:
Patricia Cristina Matos Robbs
Rua Gavião Peixoto, 70, sala 1207
Icaraí Niterói/RJ, Brasil – CEP: 24230-100
e-mail:
p.robbs@hotmail.com

 

Recebido em 16/06/2014
Aprovado em 16/07/2014