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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Histórico do monitoramento e avaliação da Estratégia de Saúde da Família no Brasil

 

History of monitoring and evaluation of the Family Health Program in Brazil

 

 

Claudia Gomes PereiraI;Sonia GroismanII

 

I Mestre em Clínica Odontológica da FO/UFRJ
IIProfessora Titular do Departamento de Odontologia Social e Preventiva da FO/UFRJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Estratégia de Saúde da Família representa hoje o eixo central da Atenção Básica no Brasil, solucionando 80% dos problemas de saúde da população. O processo de avaliação vem sendo inserido a partir do conhecimento das demandas de saúde da população e do planejamento das ações. O objetivo do estudo foi descrever a inserção dos programas de avaliação na Atenção Básica e descrever o primeiro ciclo do PMAQ-AB. Conclui-se que melhorias no acesso e na qualidade dos serviços de saúde dependem de políticas públicas voltadas à gestão descentralizada, da contratação de profissionais capacitados, do planejamento das ações e do monitoramento das políticas setoriais adotadas.

Palavras-chave: monitoramento; avaliação dos serviços de saúde; Estratégia de Saúde da Família; atenção básica.


ABSTRACT

The Family Health Strategy currently represents the central axis of Primary Care in Brazil, solving 80% of the population's health problems. The evaluation process has been inserted in primary care over time, after the population's demands are known and health actions are planned. The goal of this study was to describe the insertion of the monitoring and evaluation programs in Primary Care and describe the first cycle of PMAQ-AB [Brazilian acronym]. It can be concluded that improvements in access and quality of health services depend on public policies for decentralized management, hiring qualified professionals as well as planning of actions and monitoring of the public policies adopted.

Keywords: monitoring; health services evaluation; Family Health Program; Primary health care.


 

 

Introdução

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) representa hoje a nova lógica de organização do Sistema Único de Saúde (SUS) 7.

A avaliação é, muitas vezes, associada a aspectos negativos como punição daqueles que não alcançaram determinado resultado, entretanto avaliar é uma forma de participação da construção e do aperfeiçoamento do SUS. Deve ser um processo dinâmico, permanente, sistemático, articulado às ações implementadas, visando a definição dos problemas, a reorientação das estratégias desenvolvidas e a organização dos serviços de saúde 21.

Neste sentido, a utilização da avaliação da qualidade constitui-se ferramenta importante para a qualificação das ações e do cuidado a saúde dos indivíduos, da família e da comunidade 18.

 

Material e Método

• Processo Avaliativo no Âmbito da Atenção Primária

RA Atenção Primária em Saúde no Brasil vem buscando meios para inserir o processo de avaliação e acompanhamento sistemático de resultados alcançados, como parte do processo de planejamento e programação das ações 6.

Em 1999 foi proposto o Pacto de Indicadores da Atenção Básica, que se tornou um instrumento de referência para o monitoramento e avaliação da atenção primária em todo o território nacional 9. O Pacto pela Saúde, firmado em 2006, expressa sua relevância no processo de avaliação e monitoramento de programas e serviços da Atenção Básica, pela inclusão de indicadores de saúde bucal: cobertura populacional estimada das ESB na ESF e Média da Ação Coletiva de Escovação Supervisionada 1.

As informações sobre o território e a epidemiologia são utilizadas na realização do diagnóstico das condições de saúde-doença das populações. A partir daí, a ESF planeja suas ações e acompanha o impacto das mesmas. Para tal, foi desenvolvido o Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), avaliado a partir do Programa de Melhoria da Qualidade da Estratégia de Saúde da Família (AMQ-ESF).

Desenvolvido em 2005 pela Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) e o MS, o AMQ foi concebido como um instrumento de autoavaliação da qualidade dirigida para gestores, coordenações e equipes de saúde da família. A construção dessa iniciativa levou em consideração as necessidades e expectativas dos profissionais que atuam nas equipes de SF e dos usuários dos serviços, dando origem a parâmetros que avaliassem a maior parte das ações da ESF 2.

O AMQ utiliza a metodologia de avaliação quantitativa, baseada em padrões de qualidade, entretanto a proposta incorpora um processo de trabalho qualitativo, fomentando o debate e a formação de consensos, à medida que descreve os padrões de qualidade a serem alcançados 18.

O projeto busca estreitar a relação entre os campos da avaliação e da qualidade no âmbito da ESF, possibilitando aos atores envolvidos nos municípios, ferramentas facilitadoras para o diagnóstico situacional e o planejamento de intervenções para o alcance das situações desejadas 6.

O AMQ teve seu auge em 2006, quando mais de 542 municípios aderiram ao projeto, mas apenas 84 destes concluíram todas as fases do processo (sensibilização, capacitação, preenchimento dos cadernos, alimentação do aplicativo informatizado e realização das matrizes de intervenção) 6. Em 2009, este número subiu para 1047 municípios cadastrados e no Estado do Rio de Janeiro 12 municípios contratualizaram.

• Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Avaliação da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ)

Lançado em 2011, o PMAQ - AB tem como objetivo incentivar os gestores a melhorar a qualidade dos serviços de saúde oferecidos aos cidadãos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) por meio das equipes de Atenção Básica à Saúde. A meta é garantir um padrão de qualidade por meio de um conjunto de estratégias de qualificação, acompanhamento e avaliação do trabalho das equipes de saúde. Esse processo vincula o repasse de incentivos financeiros às equipes que aderirem ao PMAQ-AB e atingirem melhora no padrão de qualidade no atendimento 12.

Foram contemplados, ao longo do instrumento, aspectos importantes da Política Nacional de Atenção Básica, tais como: saúde da mulher, saúde da criança, saúde bucal, saúde mental, atenção às doenças crônicas, Programa Saúde na Escola, atenção domiciliar, práticas integrativas e complementares e atenção às doenças negligenciadas.

A avaliação das equipes de saúde é composta por três partes: uso de instrumento de autoavaliação (10% da nota de avaliação), desempenho em resultados em 24 indicadores de saúde (20% da nota de avaliação), desempenho nos padrões de qualidade verificados por avaliadores externos que visitaram a equipe (70% da nota de avaliação).

Ao invés de focar no processo de trabalho, foca nos resultados, no alcance de metas. E ao invés de trabalhar com uma forma de avaliação não punitiva ou isenta de premiações, como na AMQ, atrela recursos financeiros como incentivo.

Inscreveram-se no PMAQ 17.482 equipes de saúde que estão em 3.972 municípios com compromisso de melhorar os serviços de saúde ofertados para população.

Por meio da construção de um padrão de qualidade comparável nos níveis nacional, regionais e locais, o programa favorece maior transparência e efetividade das ações governamentais direcionadas à atenção básica em saúde em todo o Brasil. O processo de certificação das equipes é feito a partir da distribuição dos municípios em estratos que levam em conta aspectos sociais, econômicos e demográficos, assegurando equidade na comparação.

O programa está organizado em quatro fases complementares, que funcionam como um ciclo contínuo de melhoria do acesso e da qualidade da AB (Adesão e Contratualização; Desenvolvimento; Avaliação Externa e Recontratualização). A fase de Desenvolvimento está organizada em quatro dimensões: autoavaliação, monitoramento, educação permanente e apoio institucional. A avaliação externa consiste no levantamento de informações para análise das condições de acesso e de qualidade das Equipes da Saúde da Família participantes do programa. Busca reconhecer e valorizar os esforços e resultados das ESF e dos gestores municipais de saúde na qualificação da Atenção Básica. O Ministério da Saúde em parceria com Instituições de Ensino e Pesquisa realiza visita às equipes para a avaliação de um conjunto de aspectos, desde a infraestrutura e insumos até questões ligadas ao processo de trabalho.

Finalmente, a fase de recontratualização deve ocorrer após a certificação por meio da pactuação das equipes e dos municípios com a inserção de novos padrões e indicadores de qualidade.

Os indicadores são essenciais nos processos de monitoramento e avaliação, pois permitem acompanhar o alcance das metas e auxiliam no processo de tomada de decisão, além de contribuírem para a melhoria contínua dos processos organizacionais e para a análise comparativa do desempenho. Para o período 2013 – 2015 foram definidos 67 indicadores, sendo eles universais ou específicos.

Todos os indicadores pactuados serão apurados e avaliados anualmente e seus resultados comporão o Relatório Anual de Gestão e serão disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

 

Discussão

É possível perceber que a partir da incorporação de ferramentas de avaliação na atenção básica, passou a ocorrer a participação efetiva dos profissionais da equipe na elaboração do planejamento e nas ações desenvolvidas. A experiência de vivenciar cada etapa da organização e do planejamento democratizou o processo e ampliou as responsabilidades, as competências e as possibilidades, fazendo com que esses profissionais incorporassem de forma inovadora a coparticipação.

É fundamental que se conduzam esforços para melhorias na gestão descentralizada, de forma a conseguir implementar políticas que impactem positivamente o perfil da Saúde e a qualidade de vida da população 10.

É necessário também o desenvolvimento de sistemas de informação integrados e confiáveis, que possibilitem a análise das desigualdades em saúde, permitindo assim a definição de prioridades, seguido de um efetivo planejamento das ações em saúde e posterior monitoramento das políticas setoriais adotadas.

 

Conclusão

Com base nas descrições apontadas, pode-se concluir que o monitoramento e a avaliação são ferramentas importantes para a APS, sendo utilizadas principalmente como parâmetro para a qualidade da assistência à saúde. Sabe-se, no entanto, que a realidade dos serviços de saúde ainda tem em seu cotidiano as ações de promoção e prevenção à saúde deterioradas em razão da grande e incansável demanda espontânea.

É necessário que os gestores utilizem essa ferramenta para a avaliação de políticas implementadas no nível local e que a definição de metas possa, de fato, refletir o compromisso dos mesmos em melhorar seus resultados e consequentemente a saúde da população.

 

Referências

1- BORDIN, D, FADEL, CB. Pacto pela saúde no Brasil: uma análise descritiva da progressão dos indicadores de saúde bucal. Rev. odontol. UNESP. 2012; 41 (5): 305-11.         [ Links ]

2- CAMPOS, CEA. A melhoria contínua da qualidade nos marcos do Projeto AMQ-ESF. Revista Brasileira Saúde da Família. 2007; ano VIII (13).

3- COLUSSI, CF, CALVO, MCM, FREITAS, SFT. A Programação Linear na avaliação do desempenho da Saúde Bucal na Atenção Primária. Einstein (São Paulo). 2013; 11 (1): 95-101.

4- FISCHER, TK. Indicadores de atenção básica em saúde bucal: associação com as condições socioeconômicas, provisão de serviços, fluoretação de águas e a estratégia de saúde da família no Sul do Brasil. Rev. bras. epidemiol. 2010; 13 (1): 126-38.

5- HARZHEIM, et al. Quality and effectiveness of different approaches to primary care delivery in Brazil. BMC Health Services Research. 2006; 6:156. doi:10.1186/1472-6963-6-156. This article is available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/6/156.

6- Ministério da Saúde (BR). A melhoria contínua da qualidade nos marcos do Projeto AMQ-ESF. Revista Saúde da Família. 2007; ano VIII (13). Brasília: Ministério da Saúde.

7- Ministério da Saúde (BR). Atenção Básica e o Saúde da Família, Diretriz Conceitual. Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2000.

8- Ministério da Saúde (BR). Diretrizes da política nacional de saúde bucal. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

9- Ministério da Saúde (BR). Indicadores da Atenção Básica no Pacto pela Saúde e os novos fluxos da pactuação. Revista Saúde da Família. 2007; Ano VIII (13). Brasília: Ministério da Saúde.

10- Ministério da Saúde (BR). Informe sobre os resultados das etapas do processo de Pactuação de Prioridades, Objetivos, Metas e Indicadores de Monitoramento e Avaliação do Pacto pela Saúde, biênio 2010 – 2011 e revisão dos Termos de Compromisso de Gestão – TCG. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

11- Ministério da Saúde (BR). Instrumento de Avaliação Externa da Saúde Referências :: Mais Perto de Você- Acesso e Qualidade. Programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica (PMAQ). Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

12- Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Instrutivo do Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB, 2ª versão. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

13- Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria Nº 1.234, de 4 de abril de 2013.

14- Ministério da Saúde (BR). Programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).

15- Ministério da Saúde (BR). Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família- PROESF. 2008; 3. Brasília: Ministério da Saúde.

16- Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Revista Brasileira de Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

17- Ministério da Saúde (BR). Saúde da família no Brasil: uma análise de indicadores selecionados: 1998-2005/2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios).

18- Ministério da Saúde (BR). Departamento de Atenção Básica. Seminário de apresentação dos resultados iniciais da implantação do projeto de Avaliação para a Melhoria da Qualidade (AMQ) da estratégia Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 19- Ministério da Saúde (BR). Secretaria de A

tenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. SIAB: Manual do Sistema de Informação de Atenção Básica. 1ª edição. 4ª reimpressão. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

20- SZWARCWALD, CL, MENDONÇA, MHM, ANDRADE, CLT. Indicadores de atenção básica em quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro, 2005: resultados de inquérito domiciliar de base populacional. Ciênc. Saúde Coletiva. 2006; 11 (3): 643-55.

21- TAKEDA, S, TALBOT, Y. Avaliar, uma responsabilidade. Ciência e Saúde Coletiva, ABRASCO. 2006; 11 (3).

 

 

Endereço para correspondência:
Claudia Gomes Pereira
Rua Geminiano Gois, 1060/505, Freguesia Rio de Janeiro/RJ, Brasil
CEP: 22743-670
e-mail:
dinha_odontoufrj@yahoo.com.br

 

Recebido em 02/07/2014
Aprovado em 04/08/2014