SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.73 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.3 Rio de Janeiro Jul./Set. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL/PATOLOGIA ORAL

 

Expressão da laminina 332 em vasos de carcinomas de células escamosas orais

 

Expression of laminin 332 in vessels of oral squamous cell carcinomas

 

Lorena De AngeliI; Letícia Côgo MarquesI; Eline Manhães Reid-SilvaII; Marcos da Silva PachecoI; Karla Loureiro de Almeida CoburnII; Willian Grassi BautzI-III; Liliana Aparecida Pimenta de BarrosIV; Letícia Nogueira da Gama-de-SouzaII

 

I Departamento de Morfologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil
II Departamento de Morfologia, Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil
III Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Experimental, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
IV Departamento de Clínica Odontológica, Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil

 

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Objetivo: Analisar expressão da cadeia γ2 da laminina 332 na membrana basal de vasos de carcinoma de células escamosas orais (CCE) e seu aspecto de continuidade para detecção de possíveis processos invasivos vasculares, importante evento na progressão da doença. Ainda, associar os aspectos clínicos do paciente e da lesão com os achados microscópicos. Material e Métodos: Foi realizada técnica imuno-histoquímica para detecção da cadeia γ2 da laminina 332 em 16 casos de CCE, sendo oito Bem Diferenciado e oito Moderadamente Diferenciado. Os aspectos microscópicos avaliados foram expressão da molécula na membrana basal de vasos e o seu aspecto de continuidade. Possíveis associações entre dados clínicos e achados microscópicos foram avaliadas. Resultados: Um total de 15 casos (93,75%) apresentaram vasos com expressão da cadeia γ2. Em CCE Bem Diferenciados, 85,71% das lesões apresentaram vasos com perda de continuidade da membrana basal, enquanto que em CCE Moderadamente Diferenciados 100% dos casos tiveram vasos com esse aspecto. Em relação às associações entre aspectos clínicos e integridade da membrana basal vascular, nos CCE Bem Diferenciados foram observadas correlações positivas da perda de continuidade com o gênero e idade acima de 60 anos (p < 0,0001). Para CCE Moderadamente Diferenciado, as associações foram com gênero masculino (p < 0,0001), hábito de fumar (p < 0,0001) e idade < 60 anos (p < 0,0001). Conclusão: Nossos dados sugerem que a expressão da cadeia γ2 em estruturas vasculares está presente em lesões de CCE e pode estar associada ao comportamento mais agressivo da doença.

Palavras-chave: Carcinoma de células escamosas orais; Laminina 332; Cadeia γ2.


 

ABSTRACT

Objective: 1) To analyze the γ2 chain expression of laminin 332 in the basement membrane of vessels of oral squamous cell carcinoma (OSCC), and the appearance of continuity, to identify possible vascular invasive procedures which are important events in the disease progression. 2) To examine the association between clinical aspects from patients and microscopic findings from lesions. Material and Methods: Immunohistochemistry was performed to detect γ2 chain of laminin 332 in 16 cases of OSCC; of which, eight were classified as being "Well Differentiated" and eight as being "Moderately Differentiated." Microscopic aspects were evaluated, including the expression of the molecule in the basement membrane of vessels and the appearance of continuity. Results: 15 cases (93.75%) showed vessels with γ2 chain expression. In OSCC defined as being "Well Differentiated," 85.71% of lesions presented with loss of vessel continuity of the basement membrane, whereas in OSCC defined as being "Moderately Differentiated," 100% of presented vessels with this aspect. Regarding associations between clinical aspects of patients and integrity of the vascular basement membrane, in OSCC defined as being "Well Differentiated," positive correlations were observed between loss of continuity and both gender and age >60 years (p < 0.0001). For OSCC defined as being "Moderately Differentiated," positive associations were observed for being male (p < 0.0001), currently smoking (p < 0.0001) and being <60 years old (p < 0.0001). Conclusion: Our data suggest that the γ2 chain expression in vascular structures is present in OSCC and is associated with more aggressive disease.

Descriptors: Oral squamous cell carcinomas; Laminin 332; γ2 chain.


 

Introdução

Na cavidade oral e faringe foram diagnosticados 42.440 novos casos de câncer e 8.390 mortes foram estimadas em 2014 nos EUA.1 O carcinoma de células escamosas oral (CCE) é o câncer oral mais comum, com 90-95% dos casos. Representa a sexta neoplasia mais frequente em homens e a oitava em mulheres.2 Em 2014, houve no Brasil o surgimento de 11.280 novos casos em homens e mais de 4 mil em mulheres.3 Vários fatores de risco participam do desenvolvimento do CCE, com papel de destaque para consumo excessivo de álcool e tabaco. Esses hábitos estão envolvidos em, aproximadamente, 90% das manifestações de câncer oral no mundo.4

Quando as lesões são diagnosticadas em estágios mais avançados, além de aspectos da doença e do paciente, o comprometimento de estruturas adjacentes deve ser avaliado cuidadosamente. Por ser uma neoplasia maligna que apresenta capacidade de invadir e destruir os tecidos, possibilitando migração para locais distantes,5 a invasão linfovascular deve ser considerada no prognóstico do paciente. Esse tipo de processo invasivo vem sendo associado a condições piores da doença, bem como às elevadas taxas de recorrência, comportamento agressivo, metástases e baixa sobrevida.6

Embora a detecção da invasão linfovascular seja importante, as lâminas coradas com técnica de rotina (Hematoxilina e Eosina-HE) representam desafio na detecção do processo, principalmente porque os tecidos podem estar desorganizados ou já bastante remodelados. Portanto, a utilização de biomarcadores representa ferramenta de grande valor diagnóstico, pois permite a detecção de condições específicas nas diferentes estruturas das lesões.

Constituindo a parede dos vasos existe uma importante estrutura denominada membrana basal, uma especialização da matriz extracelular (MEC). A membrana basal é formada por uma rede tridimensional de macromoléculas incluindo, colágenos, laminina, entactina, nidogênio e proteoglicano de heparan sulfato. Diversas funções já foram descritas para essa estrutura como suporte, ancoragem celular, determinação da polaridade celular, organização de proteínas na membrana plasmática, promoção da sobrevivência e via para a migração celular.7

Das diversas moléculas da membrana basal, as lamininas formam um grupo amplo de glicoproteínas compostas pelas cadeias α, ß e γ,8 e um total de dezessete isoformas com diferentes combinações dessas cadeias já foram descritas.9 A laminina 332 (α3ß3γ2) é uma das mais estudadas e representa importante componente da membrana basal na interface epitélio-conjuntivo.10 Tem sido associada com a progressão do tumor em uma variedade de neoplasias epiteliais malignas.11 Sua presença também foi descrita na membrana basal de vasos sanguíneos.12

Lesões com comportamento agressivo possuem alta capacidade de produzir enzimas que degradam componentes da MEC favorecendo a invasão tumoral.13,14 Assim, a investigação de aspectos microscópicos invasivos em lesões de CCE oral poderá contribuir para o entendimento sobre o comportamento da doença, responsável por altos índices de mortalidade e morbidade.

O presente estudo buscou avaliar a expressão da cadeia γ2 da laminina 332 em vasos de CCE oral em uma amostra populacional brasileira. Também foram realizadas associações de dados clínicos dos pacientes e das lesões com os achados microscópicos com intuito de traçar um perfil clínicopatológico mais detalhado da doença na população estudada.

 

Material e Métodos

Toda amostra utilizada pertence ao Serviço de Anatomia Patológica do Curso de Odontologia/Universidade Federal do Espírito Santo. As amostras foram obtidas a partir de biópsias incisionais ou excisionais de diferentes locais da cavidade oral de pacientes que procuraram atendimento no Programa de Prevenção e Diagnóstico de Câncer e Lesões de Boca, desenvolvido pelas disciplinas de Estomatologia e Cirurgia Buco-Maxilo-Facial II. O material obtido foi fixado em formaldeído 10% e incluído em parafina. Para as análises microscópicas, foram preparadas lâminas histológicas, submetidas às técnicas HE para diagnóstico histopatológico, e imuno-histoquímica para análise da cadeia γ2 da laminina 332. Durante a seleção da amostra, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente ou responsável; prontuário do paciente devidamente preenchido contendo gênero, idade e fator de risco (tabaco); dados da lesão: localização anatômica e diagnóstico histopatológico e material suficiente para análise microscópica. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (processo número CAAE: 45995815.9.0000.5060).

Na análise imuno-histoquímica, foram realizados cortes seriados com 3μ de espessura e processados para detecção da cadeia γ2 utilizando-se o anticorpo Laminin γ2 na diluição de 1:100 (B-2, gerado em camundongo, Santa Cruz). Inicialmente, as lâminas sofreram desparafinização em xilol e reidratação em série decrescente de etanol. Foi realizada remoção de pigmento formólico com hidróxido de amônio a 10% em etanol 95%, durante 10 minutos. Em seguida, passou-se para recuperação antigênica com solução tampão de citrato pH 6,4 a 95ºC. O bloqueio da peroxidase endógena foi realizado com solução de peróxido de hidrogênio e o bloqueio de anticorpos inespecíficos com solução de BSA 1%. A incubação do anticorpo primário ocorreu durante 16 horas a 4º C. Passou-se para incubação do anticorpo secundário e terciário pelo Sistema Reveal (Springer, Biogen), conforme instruções do fabricante. A revelação foi realizada com cromógeno Diaminobenzidina (DAB) e contracoloração com hematoxilina de Mayer. Entre as etapas foram feitas passagens em solução tampão de PBS. Como controle negativo da imunomarcação, foi realizado o mesmo processamento, porém com substituição do anticorpo primário por PBS.

Para análise microscópica dos vasos, foi utilizada a objetiva de 100x e em cada lâmina foram capturadas 10 imagens de campos aleatórios que serviram como área representativa do corte. Para evitar que um mesmo vaso fosse avaliado mais de uma vez ou alguma estrutura deixasse de ser avaliada, cada imagem foi dividida em seis campos com o auxílio de grade e as estruturas identificadas com um "X" (Figura 1). O aspecto microscópico inicial considerado foi: presença ou ausência de expressão da cadeia γ2 na membrana basal de estruturas vasculares. Quando presente, a membrana basal foi classificada como contínua ou descontínua. Por fim, nos casos de descontinuidade, foi definido o percentual de vasos com perda de continuidade de sua membrana basal em relação ao número total de vasos com imunomarcação, sendo estabelecidos dois grupos: grupo 1 com até 60% dos vasos com membrana basal descontínua e grupo 2 com mais de 60%. Todos os dados foram computados utilizando o programa Microsoft Office Excel 2007. Um total de três avaliadores passou por etapas de calibração e testes cegos para que o estudo fosse realizado de forma homogênea e imparcial.

 

 

 

Após a coleta de dados, foram estabelecidas as associações entre características microscópicas e parâmetros clínicos. Os dados clínicos (idade, sexo e exposição ao tabaco) foram examinados e cada variável foi comparada com o perfil imuno-histoquímico. Os dados coletados foram organizados em tabelas. As análises estatísticas e construção dos gráficos foram realizados com o Software GraphPad (La Jolla, CA, USA). Foi aplicado o teste exato de Fisher sendo considerados significativos os dados com p < 0,05.

 

Resultados

Inicialmente, foram selecionados 23 casos de CCEs, porém sete amostras foram excluídas por não apresentarem material suficiente para análise imuno-histoquímica. Do total de 16 casos, oito foram diagnosticados como CCE Bem Diferenciado e oito como CCE Moderadamente Diferenciado. Nas lesões bem diferenciadas, o local mais acometido foi o assoalho bucal (50%) seguido de rebordo alveolar (25%). Já em CCE Moderadamente Diferenciado, a localização anatômica de maior acometimento foi a língua e associações entre língua e gengiva (50% cada). Nos dois tipos de lesões, foi observado maior acometimento em homens (87,5% Bem diferenciado e 75% Moderadamente diferenciado) e fumantes (100% Bem diferenciado e 75% Moderadamente diferenciado). A média de idade foi de 58,68 anos (Tabela 1).

 

 

 

A análise microscópica da expressão da cadeia γ2 nas estruturas vasculares mostrou variações. Foi possível identificar vasos que não apresentavam a marcação (Figura 2C* e D seta), vasos que apresentavam marcação e membrana basal contínua (Figura 2 e seta) e vasos imunomarcados com membrana basal descontínua (Figura 2F*). Ainda o controle negativo mostra ausência de marcação nos tecidos (Figura 2B) e em lâminas coradas com HE é possível identificar vasos (Figura 2A seta), mas não aspectos relacionados à organização de sua parede.

 

 

 

Dos 16 casos avaliados, 15 (93,75%) apresentaram vasos com expressão da cadeia γ2. O único caso em que não foi observada marcação ocorreu em CCE Bem Diferenciado. Em análise comparativa, dos oito casos de CCE Bem Diferenciado, 87,5% eram homens e desses, 85,5% tiveram expressão (p < 0,0001). A única mulher encontrada também apresentou expressão. Todos os casos estavam associados ao hábito de fumar. Em relação à idade (Figura 3, gráficos A, B e C), 75% tinham menos ou até 60 anos (p < 0,0001). Já dos oito casos de CCE Moderadamente Diferenciado, 75% eram homens e também fumantes. Já em relação à idade, metade tinha até 60 anos (Figura 3, gráficos D, E e F). Para os sete casos de CCE Bem Diferenciados com expressão da cadeia γ2, 85,71% apresentaram vasos com perda de continuidade. Desses, 66,66% tiveram até 60% de vasos com esse aspecto (Figura 4, gráfico A). Já para os oito casos de CCE Moderadamente Diferenciados, 100% tiveram vasos com descontinuidade. Ainda, sete casos foram classificados no grupo com mais de 60% de vasos com esse achado microscópico (Figura 4, gráfico E).

 

 

 

 

 

Em relação às associações entre gênero, hábito de fumar e idade com integridade da membrana basal em CCE Bem Diferenciado, foi possível observar que dos seis casos que tiveram perda de continuidade, cinco foram encontrados em homens, sendo 60% classificados no grupo 1. Já a única mulher apresentou mais de 60% dos vasos com perda de integridade (Figura 4, gráfico B, p < 0,0001). Todos os seis casos relataram hábito de fumar e desses, 67% pertenceram ao grupo 1 (Figura 4, gráfico C). Em relação à idade, 3 pacientes com < 60 anos foram classificados no grupo 1 (Figura 4, gráfico D, p < 0,0001). Já em CCE Moderadamente Diferenciado, os achados foram: dos oito casos, seis acometeram homens, sendo 84% classificados no grupo com mais de 60% dos vasos com perda de integridade (Figura 4, gráfico F, p < 0,0001). Ainda, seis pacientes relataram hábito de fumar e 84% também pertenceram ao grupo 2 (Figura 4, gráfico G, p < 0,0001). Por fim, dos quatro casos com idade < 60 anos, todos foram classificados no grupo 2 (Figura 4, gráfico H, p < 0,0001).

 

Discussão

O estudo buscou determinar associações entre o perfil clínico de pacientes acometidos pelo CCE e a expressão da cadeia γ2 da laminina 332 em estruturas vasculares. Com aumento do conhecimento sobre aspectos genéticos e proteicos, a busca por novos biomarcadores passou a ser uma estratégia terapêutica relevante para melhor compreensão do comportamento do câncer e como opção para futuras terapias.15

Quanto aos achados clínicos, a maioria dos casos de CCEs foram diagnosticados em homens, com hábito de fumar e na faixa etária entre a 4ª e 6ª década de vida. Esses dados estão em concordância com estudos sobre o câncer oral, que revelaram acometimento maior em pacientes tabagistas. A literatura destaca que tanto o tabaco quanto o álcool são fatores que aumentam o risco para o desenvolvimento do CCE.16,17 Em relação à localização anatômica, o assoalho foi o mais acometido, semelhante ao estudo de Ribeiro.18 Esse achado difere da maioria dos relatos da literatura, que apresentam a língua como local mais frequente.19,20 Ainda sobre a localização anatômica, observamos variação entre os dois tipos de CCE. Para os casos Bem Diferenciados, o local mais frequente foi o assoalho, já para as lesões moderadamente diferenciadas, o mais comum foi a associação de duas localizações anatômicas.

Nas lesões de CCE Bem Diferenciado com expressão da laminina 332, 85,5% eram homens, 100% da amostra apresentaram hábito de fumar e 75% com idade até 60 anos. Já para os casos de CCE Moderadamente Diferenciado e com expressão da laminina, a amostra compreendeu 75% de homens fumantes e 50% com idade até 60 anos. A média de idade dos casos foi de 58,68 anos. Estudo feito por Ono21 em CCE localizados na língua demonstrou que 63% eram indivíduos do gênero masculino com média de idade de 58,9 anos. Já Souza et al.22 avaliaram 30 casos de CCEs orais e encontraram 74,2% das lesões em homens e média de idade de 60 anos.

Trabalhos vêm demonstrando que a laminina 332 desempenha papel importante na adesão celular, posicionando as células epiteliais. Sua ligação com a integrina α6β4 forma hemidesmossomos compondo uma estrutura estável e firme com intensa estabilidade na superfície basal do tecido epitelial.23 Dentro do contexto da tumorigênese, sabe-se que o CCE oral tem como característica invasão celular no tecido conjuntivo subjacente e posterior migração para formar metástases. A laminina 332 estimula células tumorais humanas na formação de finas saliências no bordo dianteiro das membranas, formando uma protrusão do citoesqueleto denominada "lamellipodia". Análises in vitro demonstraram que as protrusões conduzem ao aumento da migração e invasão.24

Embora a maioria dos trabalhos busca analisar a expressão da laminina 332 na interface epitélio-conjuntivo11,25 sua expressão também já foi observada em vasos. Estudo realizado em gliomas humanos demonstrou a expressão da cadeia γ2 e sua associação com a angiogênese tumoral.26 Quanto ao perfil da membrana basal nas estruturas vasculares analisadas, 87,5% dos casos de CCE Bem Diferenciado apresentaram imunoexpressão e, nesses, houve perda de continuidade em 85,7%. Já nos casos de CCE Moderadamente Diferenciado, 100% da amostra apresentaram a marcação e perda de continuidade. O que demonstra a preferência de expressão da cadeia γ2 da laminina 332 em lesões com comportamento invasor, estando em concordância com outros trabalhos.27,28

Como já descrito na literatura, a interação das células endoteliais e adesão a componentes da MEC são fatores considerados críticos para a manutenção da integridade vascular. Algumas atividades, como proliferação e migração fazem parte da angiogênese, processo essencial para diferentes condições, sejam elas fisiológicas, como a cicatrização de feridas, ou patológicas, como o crescimento tumoral.29 A modificação do sistema vascular nos tecidos afetados pelo câncer está fortemente envolvida na progressão dessa doença, sendo que o aumento da angiogênese pode resultar em metástases.17

Para os sete casos de CCE Bem Diferenciados com expressão da cadeia γ2, seis apresentaram vasos com perda de continuidade. Desses, 66,66% tiveram até 60% de vasos com esse aspecto. Já nas lesões de CCE Moderadamente Diferenciados, todos os casos tiveram vasos com perda de continuidade. Esses achados novamente reforçam que quanto mais agressiva a lesão, mais modificado estará o microambiente tumoral. Para invadir os vasos, as células tumorais inicialmente devem aderir à laminina presente na membrana basal para em seguida secretar as próprias enzimas proteolíticas ou até mesmo induzir as células hospedeiras a elaborar proteases que clivam componentes das membranas basais epiteliais e vasculares.5

Quando realizadas as associações entre aspecto da membrana basal vascular e dados clínicos, observamos que em CCE Bem Diferenciado com membrana basal descontínua, a maioria foi diagnosticada em homens e 60% deles tiveram os vasos com alterações. Já em CCE Moderadamente Diferenciado, 84% dos homens acometidos apresentaram perda de continuidade da membrana basal vascular. Ainda foi diagnosticada maior porcentagem de descontinuidade em pacientes fumantes. Por fim, todos os casos de pacientes com idade superior a 60 anos apresentaram a maioria dos vasos com aspecto de descontinuidade.

Vários parâmetros clínicopatológicos vêm sendo analisados e implicados no prognóstico, recorrência e sobrevivência de pacientes com CCE. Trabalho realizado por Grimm30 demonstrou que lesões de CCE com tamanho aumentado, comprometimento de linfonodos, invasão microvascular e envolvimento linfático tiveram mau prognóstico. Ainda, quando realizada análise multivariada, a invasão microvascular foi detectada como um dos fatores prognósticos independentes no estabelecimanto da sobrevida dos pacientes.

Embora esse estudo seja representado por uma amostra de 16 casos de CCE, podemos sugerir que os achados indicam que modificações no microambiente tumoral precisam ser avaliadas e consideradas para melhor definição do prognóstico e sobrevida de pacientes acometidos pela doença. Em se tratando de análises moleculares, os critérios com a seleção da amostra devem ser respeitados para que não haja comprometimento da análise microscópica da imunomarcação nos tecidos.

Além da busca por biomarcadores, também é fundamental a associação dos dados clínicos com os aspectos microscópicos, uma vez que vários fatores em conjunto participam do desenvolvimento e progressão do câncer oral.

 

Conclusão

Os resultados sugerem presença da cadeia γ2 da laminina 332 em estruturas vasculares de CCE. Ainda, a membrana basal dos vasos sofre perda de sua integridade durante a progressão da doença e parece estar associada ao comportamento mais agressivo do CCE. Fatores clínicos, como idade e hábito de fumar, apresentaram associação positiva com as variações estruturais encontradas nos vasos, o que reforça o aspecto multifatorial da carcinogênese oral.

 

Agradecimentos

Esse trabalho recebeu apoio financeiro de Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES). Processos nº: 64772845/2013 e 67659870 006/2014. CNPq Universal Processo nº: 479694 2013-3.

 

Referências

1. Siegel R, Ma J, Zou Z, Jemal A. Cancer Statistics. CA Cancer J Clin. 2014; 64(1):9-29.         [ Links ]

2. Johnson NW, Jayasekara P, Amarasinghe AA. Squamous Cell Carcinoma and Precursor Lesions of the Oral Cavity: epidemiology and Etiology. Periodontol 2000. 2001; 57(1):19-37.

3. INCA: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2014: Incidência de Câncer no Brasil Rio de Janeiro. 2014;25:26-41.

4. Hashibe M, Brennan P, Chuang SC, Boccia S, Castellsague X, Chen C, et al. Interaction between tobacco and alcohol use and the risk of head and neck cancer: pooled analysis in the International Head and Neck Cancer Epidemiology Consortium. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2009;18(2):541-50.

5. Abbas AK, Kumar V, Fausto N. Robbins & Cotran: Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005;174-326.

6. Niimi K, Yoshizawa M, Nakajima T, Saku T. Vascular invasion in squamous cell carcinomas of human oral mucosa. Oral Oncol. 2001;37(4):357-64.

7. Sasaki T, Fassler R, Hohenester E. Laminin: the crux of basement membrane assembly. J. Cell Biol. 2004;164(7):959-63.

8. Colognato H, Yurchenco PD. Form and function: the laminin family of heterotrimers. Dev Dyn. 2000;218(2):213-4.

9.Sato H, Oynagi J, Komiya E, Ogawa T, Higashi S, Miyazaki K. Amino-terminal fragments of laminin γ2 chain retract vascular endothelial cells and increase vascular permeability. Cancer Sci. 2014;105(2):168-75.

10. Aumailley M, Bruckner-Tuderman L, Carter WG, Deutzmann R, Edgar D, Ekblom P, et al. A simplified laminin nomenclature. Matrix Biology. 2005;24(5):326-32.

11. Imura J, Uchida Y, Nomoto K, Ichikawa K, Tomita S, Lijima T, Fujimori T. Laminin-5 is a biomarker of invasiveness in cervical adenocarcinoma. Diagn Pathol. 2012;7(1):105.

12. Wang H, Fu W, Im JH, Santoro SA, Iyer V, DiPersio CM. Tumor cell alpha3beta1 integrin and vascular laminin-5 mediate pulmonary arrest and metastasis. J. Cell Biol. 2004;164(6):935-41.

13. Guo P, Imanishi Y, Cackowski FC, Jarynka MJ, Tao HQ, Nishikawa R, et al. Up-regulation of angiopoietin-2, matrix metalloprotease-2, membrane type 1 metalloprotease, and laminin 5 gamma 2 correlates with the invasiveness of human glioma. Am J Pathol. 2005;166(3):877-90.

14. Henriques AC, Vasconcelos MG, Galvão HC, de Souza LB, de Almeida Freitas R. Comparative analysis of the immunohistochemical expression of collagen IV, MMP-9, and TIMP-2 in odontogenic cysts and tumors. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2011;112(4):468-75.

15. Mao L. Oral squamous cell carcinoma - progresses from risk assessment to treatment. Chin J Dent Res. 2012;15(2):83-8.

16. Franco EL, Kowalski LP, Oliveira BV, Curado MP, Pereira RN, Silva ME, et al. Risk factors for oral cancer in Brazil: a case-control study. Int J Cancer. 1989;43(6):992-1000.

17. Sivridis E, Giatromanolaki A, Koukourakis MI. The vascular network of tumours - What is it not for? J Pathol. 2003;201(2):173-80.

18. Ribeiro AC, Silva AR, Simonato LE, Salzedas LM, Sundefeld ML, Soubhia AM. Clinical and histopathological analysis of oral squamous cell carcinoma in Young people: a descriptive study in Brasilians. Br J oral Maxillofac Surg. 2009;47(2):95-8.

19. Gervasio OL, Dutra RA, Tartaglia SM, Vasconcellos WA, Barbosa AA, Aguiar MC. Oral squamous cell carcinoma: a retrospective study of 740 cases in a Brazilian population. Braz Dent J. 2001;12(1):57-61.

20. Johnson NW, Jayasekara P, Amarasinghe AA. Squamous cell carcinoma and precursor lesions of the oral cavity: epidemiology and aetiology. Periodontol 2000. 2001;57(1):19-37.

21. Ono Y, Nakanishi Y, Ino Y, Niki T, Yamada T, Saikawa M, et al. Clinicopathologic significance of laminin-5 ϒ2 chain expression in squamous cell carcinoma of tongue: immunohistochemical analysis of 67 lesions. Cancer. 1999;85(11):2315-21.

22. Souza LF, Souza VF, Silva LD, Santos JN, Reis SR. Expression of basement membrane laminin in oral squamous cell carcinomas. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(6):768-74.

23. Marinkovich MP. Tumor microenvironment: laminin 332 in squamous- cell carcinoma. Nat Rev Cancer. 2007;7(5):370-80.

24. Kariva Y, Tsubota Y, Hirosaki T, Mizushima H, Puzon-McLaughlin W, Takada Y, et al. Differential regulation of cellular adhesion and migration by recombinant laminin-5 forms with partial deletion or mutation within the G3 domain of α3 chain. J Cell Biochem. 2003;88(3):506-20.

25. Garg M, Kanojia D, Okamoto R, Jain S, Madan V, Chien W, et al. Laminin-5γ-2 (LAMC2) is highly expressed in anaplastic thyroid carcinoma and is associated with tumor progression, migration, and invasion by modulating signaling of EGFR. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99:62-72.

26. Mizushima H, Koshikawa N, Moriyama K, Takamura H, Nagashima Y, Hirahara F, et al. Wide distribution of laminin-5 gamma2 chain in basement membranes of various human tissues. Horm Res. 1998;50(2):7-14.

27. Katoh K, Nakanishi Y, Akimoto S, Moriya Y, Yoshimura K, Kitajima M, et al. Correlation between laminin-5 ϒ2 chain expression and its clinicopathological significance in squamous cell carcinoma of the tongue. Oncology. 2002;62:318-26.

28. Aoki S, Nakanishi Y, Akimoto S. Prognostic significance of laminin- 5 ϒ2 chain expression in colorectal carcinoma. Dis Colon Rectum. 2002;45:1520-27.

29. Wang L, Dong Z, Zhang Y, Miao J. The roles of integrin β4 in vascular endothelial cells. J Cell Physiol. 2012;227(2):474-8.

30. Grimm M. Prognostic value of clinicopathological parameters and outcome in 484 patients with oral squamous cell carcinoma: microvascular invasion (V+) is an independent prognostic factor for OSCC. Clin Transl Oncol. 2012;14(11):870-80.

 

 

Endereço para correspondência:
Letícia Nogueira da Gama de Souza
e-mail:
leticia.souza@ufes.br

 

Recebido: 09/08/2016
Aceito: 29/08/2016