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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.3 Rio de Janeiro Jul./Set. 2016

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA/ENDODONTIA

 

Infecção secundária e persistente e sua relação com o fracasso do tratamento endodôntico

 

The relationship between secondary and persistent infections and failure of endodontic treatments

 

Mariane Floriano Lopes Santos LacerdaI; Thais Machado CoutinhoI; Deborah BarrocasI; Janderson Teixeira RodriguesI; Fábio VidalI

 

I Programa de Pós-graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil

 

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo da presente revisão de literatura foi discutir a relação entre a infecção secundária e a infecção persistente e o insucesso endodôntico. Material e Métodos: Foi realizada uma pesquisa bibliográfica abrangendo artigos de revisão e de pesquisa, a partir de buscas em bases de dados SciELO, Periodicos CAPES, PubMed e MedLine utilizando os seguintes descritores: endodontia, periodontite periapical, infecção. Foram incluídos artigos publicados no período de 1990 a 2016 e escritos nas línguas inglesa e portuguesa. Além disso, os artigos foram selecionados após a leitura do seu resumo e a verificação da adequação do mesmo ao conteúdoa dessa revisão. Resultados: A literatura atual parece concordar que a desinfecção inadequada do sistema de canais radiculares e mecanismos de adaptação e resistência microbiana desempenham papel importante no insucesso endodôntico. Porém, a mesma ainda é controversa com relação ao papel do E. faecalis nesses casos de insucesso. Conclusão: Pode-se concluir, dentro das limitações do presente estudo, que o respeito às técnicas endodônticas é fundamental para obter sucesso e que novos estudos, utilizando proteômica, podem contribuir para esclarecer quais os principais micro-organismos envolvidos, bem como seu mecanismo de ação.

Palavras-chave: Endodontia; Periodontite periapical; Infecção.


 

ABSTRACT

Objective: The aim of the present literature review was to discuss the relationship between secondary infections and persistent infections and endodontic treatment failure. Materials and Methods: We conducted a literature search including review articles and original research by searching the SciELO, Periódicos CAPES, PubMed and Medline databases using the following descriptors: endodontics, apical periodontitis, and infection. We included articles that were published between 1990 and 2016, and written in either English or Portuguese. Articles were selected after reading their abstracts and verifying their relevance to the review content. Results: The current literature seems to agree that inadequate disinfection of the root canal system, along with mechanisms of bacterial adaptation and resistance play an important role in endodontic treatment failure. However, there is still controversy regarding the role of Enterococcus faecalis in these failures. Conclusion: From the present study's findings, we can conclude that strict compliance to the proper endodontic techniques is fundamental for treatment success. Additionally, we believe that further studies using proteomic techniques may help fill the gaps regarding the main microorganisms associated with endodontic treatment failure as well as their mechanisms of action.

Descriptors: Endodontics; Apical periodontitis; Infection.


 

Introdução

Micro-organismos presentes no sistema de canais radiculares (SCR) têm se mostrado como a principal causa de insucesso da terapia endodôntica, tanto devido a seus produtos metabólicos, como pelo efeito do biofilme que pode colonizar os canais acessórios, ístmos, deltas apicais e túbulos dentinários, dificultando sua eliminação pela instrumentação, uso de substâncias irrigadoras e de medicação intracanal.1

Apesar de a terapia endodôntica ter se demonstrado um procedimento previsível e com altas taxas de sucesso,2,3 fracassos podem ocorrer após o tratamento, seja por persistência da infecção, seja por recontaminação do SCR em algum momento após a intervenção endodôntica.3 Tem sido demonstrada uma taxa de insucesso de 14%-16% para tratamentos primários.4 Nesses casos, a doença se caracteriza por sinais e sintomas típicos da presença de lesão perirradicular, a qual pode surgir, persistir ou recorrer após o tratamento.5

Para compreender a patogênese da lesão perirradicular e, assim, desenvolver estratégias eficientes para tratamento endodôntico, é necessário entender a composição do biofilme presente no sistema de canais radiculares de dentes infectados.4,6

Com o advento da biologia molecular, inúmeras técnicas vêm sendo empregadas para detectar os micro-organismos presentes nas infecções e, ainda, identificar o tipo de patógeno mais prevalente em cada uma das situações clínicas, o que permite inter-relacionar espécies específicas com sinais e sintomas ou até mesmo com o fracasso endodôntico.5,7

Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo apresentar, por meio de uma revisão de literatura, as causas mais comuns do fracasso da terapia endodôntica, bem como os aspectos microbiológicos das infecções secundárias e persistentes.

 

Material e Métodos

A presente revisão de literatura foi delineada a partir de uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida por meio de revisão sistemática quantitativa de resultados de várias pesquisas. Para tanto, foram selecionados estudos relacionados a infecções endodônticas secundárias e persistentes, bem como fracasso do tratamento endodôntico. Para identificação dos estudos, utilizaram-se fontes eletrônicas e busca manual.

A partir de bases de dados SciELO, Periodicos CAPES, PubMed e MedLine foi feita a catalogação eletrônica. A busca compreendeu artigos catalogados no período entre o ano de 1990 a 2016, utilizando-se de várias combinações de palavras-chave conforme descrito a seguir: Endodontic treatment and microbiology or (n= 28 artigos); root canal and microbiota or ( n = 12 artigos); secundary endodontic infection and failed or (n = 15 artigos); persistent endodontic infection and failed or (n = 26 artigos); post-treatment and failure or ( n = 19 artigos).

A busca manual foi realizada por quatro revisores, independentemente, após a leitura do título, resumo, palavras-chave e a verificação da adequação do mesmo ao conteúdo dessa revisão. Quando as informações contidas nos títulos e resumos foram insuficientes, os artigos foram lidos na íntegra. Para seleção dos artigos, foram verificadas as listas de referências de estudos clínicos possivelmente utilizáveis e também por meio de busca cruzada, pela análise nas bases de dados de estudos clínicos de autores, no intuito de identificar outros estudos relevantes. Os artigos foram armazenados em um software para gerenciamento de referências (Mendeley21) que permitiu o compartilhamento dos arquivos entre os revisores e ainda possibilitou a marcação no texto e anotações dos resultados da leitura dos artigos.

Tanto a busca eletrônica, quanto manual foram executadas mediante critérios de inclusão e exclusão estabelecidos previamente. Como critério de inclusão, os artigos deveriam apresentar estudo in vitro, in vivo, revisão de literatura ou sistemática. Deveriam estar relacionados à microbiota endodôntica e deveriam ter sido publicados na língua inglesa. Foram excluídos os artigos com experimentos laboratoriais em simuladores artificiais de dentes, desenvolvidos em animais, case reports, ausência de informação microbiológica, insucessos de tratamentos de origem não bacteriana, idioma de origem não inglesa, ausência de resumo ou somente a presença de abstract, desenvolvidos em dentes decíduos, casos de infeção endodôntica primária (Tabela 1).

 

 

 

Os revisores avaliaram a qualidade dos estudos baseados nos mesmos critérios. Para cada estudo selecionado, foram calculados os números de amostras, tabulados os métodos de identificação das bactérias, a forma de tratamento do canal radicular e eficácia do protocolo instituído sobre as bactérias endodônticas. A combinação destes fatores proporcionou um novo conjunto de artigos que foram utilizados na presente revisão (Figura 1).

 

 

 

Revisão de Literatura

Insucesso Endodôntico

Insucesso endodôntico pode ser definido como a incapacidade do tratamento endodôntico em eliminar os micro-organismos existentes no SCR, tornando esta microbiota residual incompatível com o estado de saúde do indivíduo e impossibilitando o reparo dos tecidos perirradiculares, resultando na existência de lesões perirradiculares pós-tratamento. Estas lesões são classificadas como: emergente (surgiu após tratamento), persistente (persistiu após o tratamento) ou recorrente (recidivou após o tratamento).8,9

As causas do insucesso, na maioria das vezes, estão relacionadas a fatores microbianos, sendo didaticamente divididos em infecção persistente e secundária. Na verdade, estas entidades não são diferenciadas clinicamente, a não ser em situações peculiares como surgimento de lesões ou abscesso perirradicular agudo em dentes anteriormente vitais. Os motivos que levam a esta falha nos protocolos de desinfecção podem estar relacionados à incapacidade técnica do profissional, condutas inadequadas, resistência dos micro-organismos e localização inacessível da microbiota, dificultando a ação de instrumentos e soluções antimicrobianas. 10,11 Basmadjian-Charles et al.,1 por meio de uma metanálise, verificaram que dentre os principais fatores associados aos quadros de fracasso da terapia endodôntica destacavam-se a existência de lesão perirradicular prévia e o limite de obturação do tratamento efetuado.

Os percentuais de insucesso reportados variam amplamente, devido principalmente aos diferentes métodos de análise empregados e às diferentes definições do que seria sucesso endodôntico. Eriksen et al.12 avaliaram o percentual de sucesso de dentes submetidos ao tratamento endodôntico em pacientes residentes na cidade de Oslo (Noruega) e constataram que 64% dos espécimes submetidos ao tratamento apresentaram sucesso após a terapia, sendo que apenas 41% apresentaram obturações consideravelmente satisfatórias, estando no limite de obturação preconizados pela literatura (1-2 mm aquém do ápice).

Um estudo realizado por Siqueira Jr.9 avaliou o percentual de casos de sucesso de tratamentos efetuados nas clínicas de Endodontia de uma faculdade de Odontologia no estado de Pernambuco (Brasil), encontrando um índice de 82,9% de sucesso e concluindo que é possível diminuir as chances de fracasso quando se controlam rigorosamente todas as etapas da conduta clínica. Partindo da visão de que o fracasso na maioria das vezes é proveniente de condutas indevidas ou tratamentos inadequados, Chueh et al.10avaliaram dentes tratados endodonticamente em um serviço de Odontologia em Taiwan e observaram que 70% dos casos, num total de 1085, apresentavam obturação dos condutos radiculares consideradas deficientes.

Diante desta possibilidade de fracasso da terapia, os profissionais que realizam Endodontia devem ter em mãos opções que visem aumentar a capacidade de desinfecção dos canais radiculares, repercutindo no maior percentual de sucesso dos casos realizados.

Infecção Secundária

A infecção secundária é aquela que se origina após a intervenção profissional e caracteriza por apresentar uma microbiota formada por micro-organismos que não estavam presentes ao início do tratamento,13,14 portanto tais patógenos provavelmente tiveram acesso ao canal durante o tratamento, entre as consultas ou após a obturação, devido à quebra na cadeia asséptica como nos casos de cárie remanescente, mau uso do isolamento absoluto, instrumentos contaminados, dentes mantidos abertos para drenagem e fratura ou perda do material restaurador.15Caso consigam se adaptar e proliferar, uma infecção secundária será estabelecida. 13,15,16

Microbiologia da Infecção Secundária

A infecção secundária pode se apresentar como um biofilme misto, com uma menor diversidade ao se comparar com a infecção primária ou até mesmo apresentar uma única espécie.4,7,14 Estudos utilizando método de cultura têm mostrado que a infecção secundária pode ser composta por apenas uma espécie e em sua maioria Gram-positivas facultativas 4,13 e que, dependendo da fonte de micro-organismos, essa infecção pode possuir espécies orais e não orais.14

Espécies como Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus species, Escherichia coli, Candida species e Enterococcus faecalis são típicas da infecção secundária por não serem normalmente encontradas na infecção primária.14,15,17

Infecção Persistente

A infecção persistente é aquela que, como o próprio nome diz, se manteve, apesar dos procedimentos de desinfecção e das alterações drásticas do microambiente, após a utilização de medicações intracanais, substâncias irrigadoras e da ação de instrumentos mecânicos. Sua etiologia está associada tanto aos micro-organismos da infecção primária quanto aos da infecção secundária.16,17

A infecção persistente é considerada como a principal causa da maioria dos problemas endodônticos, como exsudação e sintomatologia persistentes, flare-up e fracasso do tratamento endodôntico.14,17,18 Essa constatação baseia-se no fato que a maioria dos canais com periodontite apical apresentam infecção intrarradicular e que há maior prevalência de insucesso quando bactérias intrarradiculares são detectadas no momento da obturação.17

Microbiologia da Infecção Persistente

A microbiota associada à infecção persistente normalmente é composta por uma única espécie ou por um número menor de espécies, quando comparada à infecção primária. Apresenta predominância de bactérias anaeróbias Grampositivas, como Streptococcus sp., Parvimona micra, Actinomyces spp., Propionibacterium spp., Pseudoramibacter alactolyticus, Lactobacilos sp., Olsenella uli, E. Faecalis14 e infecções fúngicas, particularmente causada por Candida albicans. Ocasionalmente, bactérias Gram negativas podem fazer parte da microbiota encontrada na infecção persistente. Nesses casos, as mais comuns são bacilos anaeróbios como Fusobacterium nucleatum, Prevotella sp. e Campylobacter rectus. Tais micro-organismos são capazes de se adaptar a condições ambientais bastante desfavoráveis.14,15

Siqueira et al.,15 através de análise com método de cultura e biologia molecular, detectaram 103 espécies de bactérias e 6 espécies de fungos mesmo após instrumentação e medicação intracanal. Já nas amostras pós-tratamento endodôntico foram observados cinco filos e 41 gêneros, sendo que o maior número de espécies encontradas foi Firmicutes, seguida por Proteobacteria e Actinobacteria. Diante desses achados, os autores concluíram que tais micro-organismos interferem diretamente no sucesso do tratamento endodôntico.

Evidências científicas atuais permitem classificar a microbiota persistente em: microbiota encontrada imediatamente após término do tratamento endodôntico (momento da obturação) e microbiota de dentes com canais tratados (retratamento). A infecção persistente antes da obturação endodôntica caracteriza-se por infecção única ou mista, tendo entre 1 a 5 espécies por canal, 102; a 105 células bacterianas por canal, com 42% da amostra composta por bactérias não cultiváveis. Nos casos de retratamento, as características são similares, porém um pouco mais exacerbadas e deve levar-se sempre em consideração a qualidade do tratamento endodôntico realizado. Dentes que apresentam tratamento inadequado evidenciam uma maior variedade de espécies, entre 2 a 30 espécies, em contrapartida, os dentes com tratamento endodôntico adequado apresentam entre 1 a 5 espécies. Em ambos os casos, observa-se entre 10³ a 107 células bacterianas, sendo 55% de bactérias não cultiváveis. O E. faecalis apresenta uma alta prevalência, sendo encontrado em até 90% dos casos de infecção persistente em dentes com canal tratado.15

Mecanismos de Resistência Microbiana

Muitas são as estratégias que podem contribuir para a resistência microbiana. Bactérias têm a capacidade de adesão na parede do canal radicular e, através do processo de multiplicação, aumentam a densidade e se organizam sob a forma de biofilme, tornando-se mais resistentes.15,19

Em associação a esta capacidade, a localização bacteriana também é um fator primordial para conferir resistência, permitindo a perpetuação da irritação dos tecidos perirradiculares. A infecção em áreas de ramificações, ístmos ou outras irregularidades e a invasão bacteriana no interior dos túbulos dentinários dificultam ou impossibilitam completamente a ação dos instrumentos endodônticos e a atividade antimicrobiana tanto da solução irrigadora quanto da medicação intracanal.15

Em relação às alterações do microambiente, as mesmas são decorrentes da drástica redução de nutrientes no interior do canal. Mesmo assim, os nutrientes necessários para a manutenção da infecção podem ser adquiridos pelas bactérias através de fluidos coronários ou apicais, oriundos da microinfiltração tanto da saliva quanto de fluidos de tecidos perirradiculares e exsudato inflamatório. 8,15 O tecido pulpar necrosado remanescente, localizado em regiões de difícil acesso dos instrumentos endodônticos, também poder servir como uma fonte de nutriente para as bactérias.15

A redução exacerbada de nutrientes acarreta no desenvolvimento de algumas estratégias microbianas como a estimulação da capacidade de expressão genética e a produção de proteínas de estresse, como heat-shock, que proporcionam o aumento da citotoxidade e, consequente, aumento do dano tecidual. Além da habilidade de se manter por longos períodos de escassez de nutrientes, bactérias persistentes precisam resistir aos distúrbios causados na comunidade bacteriana, alcançar o máximo de densidade populacional, ter acesso aos tecidos perirradiculares e ter atributos de virulência que são capazes de ser modificar juntamente com a alteração do microambiente.9,11

Associação do E. faecalis com a Infecção Persistente

Diversos estudos têm descrito o E. faecalis como importante elemento associado aos casos de infecção persistente ou secundária, chegando a uma prevalência de 90% dos casos, e sendo nove vezes mais comum em infecção persistente/secundária do que em casos de infecção primária.14,15,17 A alta prevalência provavelmente esteja relacionada com algumas das propriedades do E. faecalis como sua excelente capacidade de adaptação a condições adversas; a capacidade de crescimento na forma de biofilme ou colônia única; a capacidade de penetrar nos túbulos dentinários e de resistir ao efeito do hidróxido de cálcio. Além disso, o E. faecalis também apresenta a capacidade de se manter em um estado viável mas não cultivável, que é um mecanismo de adaptação às condições adversas do microambiente, como pouca concentração de nutrientes, alta salinidade e extremo pH, no qual o micro-organismo perde a capacidade de crescimento em cultura, porém mantem sua patogenicidade e viabilidade de voltar a se dividir no momento que o microambiente se tornar novamente favorável.11,19

Estas evidências científicas, por muitos anos, mantiveram o E. faecalis como principal patógeno do fracasso do tratamento endodôntico. Atualmente, no entanto, diferentes estudos têm questionado este fato, pois embora o percentual da sua ocorrência seja alto, o que se observa quando utilizados métodos mais sensíveis, é que a comunidade bacteriana é de aproximadamente 1% da amostra, além de não serem espécies dominantes no retratamento, bem como estarem presentes tanto em casos com lesão quanto em casos sem lesão perirradicular.14,17

 

Discussão

Dados epidemiológicos têm apontado que 30% a 50% dos insucessos da terapia endodôntica convencional estão relacionados às infecções emergentes, recorrentes e persistentes.7

Enquanto a infecção secundária é causada por micro-organismos que não faziam parte da microbiota da infecção primária, tendo sido levados ao SCR ou durante as consultas ou após término do tratamento endodôntico, a infecção persistente é aquela que se manteve mesmo após os procedimentos de desinfecção e às consequentes alterações do microambiente decorrentes do tratamento endodôntico.8

Diversos estudos têm demonstrado que ambas as infecções apresentam uma microbiota mista, porém com menor diversidade, podendo ainda estar presente na forma de infecção monoespécie, com predomínio de bactérias Gram positivas,4,17 as quais necessitam de estratégias suplementares para serem eliminadas ou reduzidas a um número compatível com a cura.11

Essas estratégias suplementares são necessárias pelo fato de o insucesso da terapia estar relacionado não apenas à imperícia ou negligência do profissional, mas principalmente pela capacidade dos micro-organismos se localizarem em regiões inacessíveis aos procedimentos clínicos, à medicação intracanal, substâncias químicas e instrumentação, culminando assim no fracasso da terapia endodôntica.10,11

Recentes pesquisas utilizando biologia molecular suportam a associação entre infecções secundárias e persistentes ao fracasso do tratamento, devido à presença de bactérias em dentes portadores de periodontite apical, após o tratamento.11

Tendo em vista que a infecção secundária muitas vezes é facilitada ou até causada pelo profissional, devem ser tomadas medidas para prevenir a penetração de micro-organismos no canal radicular tanto em dentes vitais como em não vitais através de cuidados, como: remoção de placa e cárie dentária previamente ao acesso, uso do isolamento absoluto, descontaminação do material obturador, dentre outros.5

Em se tratando da infecção persistente, métodos coadjuvantes à terapia endodôntica devem ser implementados. Dentre os mais citados na literatura estão o uso de terapia fotodinâmica, uso de clorexidina como irrigante final e acionamento ultrassônico de solução irrigadora.10,18

Apesar de todas as estratégias para se combater a infecção e evitar a reinfecção, micro-organismos tais como o E. faecalis são capazes de permanecer em estado de latência, com escassez de nutrientes por longos períodos, podendo tornar-se viáveis e patogênicos novamente, quando condições do microambiente tornam favoráveis.14,17

 

Conclusão

Diante disso, torna-se evidente a necessidade de realizar o tratamento endodôntico tomando medidas preventivas contra a reinfecção, bem como avançar nas pesquisas no âmbito da biologia molecular, através de estudos proteômicos, para que se saiba não apenas quais são os micro-organismos envolvidos nas infecções, mas também que seus mecanismos de ação sejam esclarecidos. Dessa forma, novas técnicas de desinfecção associadas a novas medicações tornarão o tratamento endodôntico cada vez mais eficaz e com resultados ainda mais previsíveis.

 

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Endereço para correspondência:
Fábio Vidal Marques
e-mail:
fabiovidalmarques@hotmail.com

 

Recebido: 07/07/2016
Aceito: 20/07/2016