SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.73 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.3 Rio de Janeiro Jul./Set. 2016

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA/DENTÍSTICA

 

Critérios clínicos para decisão entre substituição ou reparo de restaurações em resina composta – revisão de literatura

 

Clinical criteria for decisions between the replacement and repair of restoration in composite resin restorationsliterature review

 

Mariana Dias Flor RibeiroI; Flávia Bittencourt PazinattoII

 

I Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba, São Paulo, Brasil
II Departamento de Prótese Dentária, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil

 

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Objetivo: Este estudo objetivou analisar os critérios USPHS e USPHS modificados e oferecer subsídios para a decisão clínica entre o reparo e a substituição das restaurações em resina composta. Material e Métodos: Utilizou-se um levantamento bibliográfico através do Portal de Periódicos CAPES, PubMed, Cochrane e Medline utilizando as seguintes palavras-chave: USPHS, avaliação clínica, resina composta, restauração dental permanente. A partir dessa pesquisa, foram selecionados trabalhos publicados entre 2000 e 2016. Resultados: Os estudos avaliados indicaram que os critérios mais prevalentes nas restaurações insatisfatórias são "cáries secundárias" e "perda da forma anatômica". Além disso, a maioria dos estudos avaliados indica o reparo de restaurações com falhas pequenas e localizadas como estratégia para o aumento da longevidade das restaurações em resina composta. Conclusão: Os critérios USPHS auxiliam na correta decisão clínica entre substituição ou reparo de restaurações em resina composta. O reparo de compósitos é uma alternativa que deve ser realizada sempre que possível.

Palavras-chave: Materiais Dentários; United States Public Health Service; Restauração dentária permanente.


 

ABSTRACT

Objective: This study aimed to analyze the United States Public Health Service (USPHS) and USPHS modified criteria and offer subsidies for clinical decisions between the repair and replacement of composite resin restorations. Material and Methods: We have selected, through a literature search, papers published between 2000 and 2016 on CAPES Journal Portal, PubMed, Cochrane, and Medline. The keywords used were as follows: USPHS, clinical trial, composite resin, and permanent dental restoration. Results: The evaluated studies indicated that the most prevalent criteria on unsatisfactory restorations are the "secondary caries" and "loss of anatomical shape." In addition, majority of the evaluated studies indicate the repair of restorations with minor and localized failures as a strategy to increase the longevity of composite resin restorations. Conclusion: The USPHS criteria assist in the correct clinical decision between the replacement and repair of composite resin restorations. Repairing the restoration is a clinical alternative that should be performed whenever it is possible.

Keywords: Dental Materials; United States Public Health Service; Permanent dental restoration.


 

Introdução

Estudos mostram que apesar de toda a evolução na área odontológica, a cárie dentária continua sendo a principal doença oral.1 Com isso, o tratamento restaurador é um aliado dos cirurgiões-dentistas para o tratamento das sequelas da doença cárie.2

Até pouco mais de 10 anos, o amálgama era muito utilizado na clínica odontológica para restauração de dentes posteriores, entretanto, seu uso vem sendo cada vez menor.3 Lindberg 4 sugere que esse fato pode ser devido a sua falta de propriedades adesivas e estéticas, além de ter potenciais efeitos na saúde geral, como: toxicidade e danos em nível celular e orgânico, devido à presença de mercúrio em sua composição. Em contrapartida, as resinas apresentam como principais vantagens: ausência de toxicidade, presença de biocompatibilidade e estética.5

Com isso, as resinas compostas vêm sendo muito utilizadas como materiais de escolha para restaurações em dentes permanentes. 6 Apesar de seu amplo uso, clinicamente as restaurações em resina composta ainda apresentam falhas e, por isso, muitas vezes, indica-se a sua substituição ou reparo.

Os reparos são procedimentos minimamente invasivos, implicando na correção de um leve defeito e na subsequente adição de material restaurador, possibilitando a recuperação da restauração.7 Podem ser um tratamento alternativo à substituição de restaurações com defeitos localizados, desde que sejam clinicamente aceitáveis e acompanhados de um bom planejamento, pois eles preservam mais as estruturas dentais sadias, reduzindo custos e tempo clínico. Entretanto, quando os defeitos das restaurações já não são incipientes e envolvem fratura da estrutura da resina composta, profundo manchamento da interface dente-restauração e cárie secundária, a substituição da restauração é indicada.8

Para tal decisão, a determinação de critérios clínicos detalhados foi necessária para distinguir restaurações falhas que podiam ser reparadas ou que deviam ser substituídas. Assim, foram desenvolvidos os critérios United States Public Health Service (USPHS) e, posteriormente, os critérios USPHS modificados.9,10

Desta forma, para avaliar e decidir entre a substituição completa de uma restauração de resina composta ou o seu reparo, esse manuscrito objetiva demonstrar os critérios (parâmetros clínicos) utilizados que contribuem para a decisão clínica do cirurgião-dentista quando o assunto é prognóstico de restauração em resina composta.

 

Material e Métodos

Com base na revisão bibliográfica, preconizada em um recente estudo de Araújo et al.,11 foram utilizados artigos científicos selecionados no portal de periódicos CAPES, Pubmed, Cochrane, Medline publicados entre 2000 e 2016. Inicialmente, somente títulos, resumos e palavras-chave foram avaliados como critério de seleção dos estudos. As palavras-chave utilizadas em português, com sinônimos em inglês, foram: Materiais Dentários, United States Public Health Service, Restauração Dentária Permanente. Foram excluídos os trabalhos que abordavam especificamente dentes decíduos, restaurações em amálgama, restaurações em cimento de ionômero de vidro, restaurações indiretas ou outros que não contemplavam os critérios de seleção. Foram elaboradas tabelas comparando os resultados principais dos estudos avaliados levando-se em consideração os critérios USPHS e USPHS modificados, a fim de se compor a prevalência das decisões por substituição ou reparo nas restaurações. A revisão conteve-se, principalmente, à restauração de dentes posteriores e limitou-se a trabalhos que não utilizaram os critérios FDI,7 como forma de padronizar o trabalho e avaliar apenas os critérios USPHS e USPHS modificados.

Para compor essa revisão de literatura, foram analisados 22 artigos na íntegra que abordavam os critérios USPHS e/ou modificados e suas decisões quanto ao reparo ou à substituição das restaurações em resina composta. Quanto aos tipos de estudos apresentados, a maior parte refere-se a trabalhos de pesquisa clínica (72,7%), enquanto o restante refere-se a revisões de literatura (27,3%).

 

Revisão de Literatura

Muito já foi elucidado quanto ao sucesso dos compósitos à base de resina composta na restauração de dentes nos últimos 15 anos, indicando suas principais vantagens como estética, módulo de elasticidade semelhante à dentina, resistência à flexão, biocompatibilidade, custo, menor tempo clínico e preparos cavitários menos invasivos, em comparação com as restaurações de amálgama de prata.5 Entretanto, esses compósitos podem apresentar algumas desvantagens, como infiltração marginal, pigmentação, contração de polimerização, baixa resistência à abrasão, possibilidade de formar trincas no esmalte e sensibilidade ao longo do tempo.5,12

Dessa forma, ao se observar que as restaurações em resina composta, apesar de serem amplamente indicadas, apresentavam um tempo de vida limitado, pois tendiam a falhar ao longo de um período de tempo clínico, foi detectada a necessidade de se criar parâmetros de avaliação e diagnóstico das restaurações em resina composta.

Como essa problemática de avaliação das restaurações em geral havia sido percebida, já em 1971, Cvar e Ryge criaram os critérios USPHS (United States Public Health Service). O desenvolvimento desses critérios suplantou a dificuldade de padronização de dados das observações clínicas das restaurações, possibilitando sua avaliação em escalas de qualidade. Isso permitiu auxiliar na decisão clínica entre quando substituir ou reparar uma restauração.13

Critérios USPHS e USHPS Modificados

Em 1971, Cvar e Gunnar Ryge classificaram vários parâmetros para a avaliação clínica dos materiais restauradores, intitulado de "Criteria for the clinical evaluation of dental restorative materials" (Critérios para a avaliação clínica de materiais restauradores) que rapidamente tornaram-se universalmente aceitos e que, por terem sido usados no Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos (United States Public Health Service), ficaram conhecidos como critérios USPHS. Esses parâmetros clínicos foram reavaliados no ano de 2005 como um método standard (padrão ouro) para a avaliação clínica de restaurações com compósitos.10

De acordo com Santoro,13 o segundo sistema foi uma variação do USPHS, intitulado "Standards of quality of dental care" (Padrões de qualidade no atendimento odontológico), utilizado pela California Dental Association (CDA).

Os parâmetros de avaliação inicialmente propostos por Cvar e Ryge refletiam as qualidades estéticas e o comportamento funcional das restaurações, sendo representados por cinco características: cor da restauração, alteração da cor da margem cavo-superficial, forma anatômica, adaptação marginal e o diagnóstico de cárie dentária.

De Faria14 explora em seu trabalho que, no início da década de 80, alguns investigadores aumentaram o número de categorias USPHS para além das cinco originalmente propostas, considerando a inclusão dos seguintes parâmetros: avaliação da oclusão, da sensibilidade pós-operatória, da fratura e da retenção das restaurações, da relação com o periodonto, entre outros, originando assim os Critérios USPHS Modificados, aprovados em 2005. Esses critérios classificam a resina composta como aceitável ou não aceitável, objetivando sua manutenção, reparo ou substituição.

Em 2007, novos critérios foram aprovados pelo FDI World Dental Federation.7 Esses critérios têm como base os critérios USPHS, mas com pequenas alterações.15 Optamos, nessa revisão, pela ênfase somente nos critérios USPHS, de modo a tornar a revisão mais clara.

Cvar e Ryge9 orientavam para que, inicialmente, se identificassem os principais componentes do julgamento clínico que têm impacto sobre o desempenho clínico de uma restauração e, posteriormente, qualificassem de acordo com a escala em comum que criaram, contendo os escores Alfa, Bravo e Charlie.

Segundo Bayne e Schmalz,16 quase tão logo os artigos originais sobre diretrizes USPHS foram publicados, Ryge resolveu expandir o número de níveis de classificação, incluindo o critério Delta (D).

Na tabela 1 são apresentados os critérios USPHS e USPHS modificados, além de seus escores, conforme a literatura científica estudada. Em relação aos escores, Alfa refere-se ao que está totalmente satisfatório na restauração, Bravo refere-se a algo parcialmente satisfatório, clinicamente aceitável e Charlie e Delta a algo insatisfatório, clinicamente inaceitável. Desta forma, quando a restauração encontra-se com o escore Alfa, não é necessário realizar reparos e faz-se a manutenção da restauração; quando há o escore Beta, indica-se o reparo da mesma e quando há o escore Charlie e Delta, orienta-se para que se realize a sua substituição.17

 

 

 

Diante disso, a importância da criação das diretrizes USPHS fundamenta-se no fato de que esse sistema de avaliação clínica consiste de passos que definem características intraorais chaves a serem avaliadas em qualquer ensaio clínico; descrevem ou classificam os estágios de variação das características clínicas; fornece um sistema de calibração para que os avaliadores que possam estar envolvidos nos ensaios clínicos utilizem esse sistema.16

Quando Decidir por Reparo ou Substituição

Vários autores afirmam que restaurações que apresentam pequenos defeitos ou falhas são tratadas rotineiramente por substituição pela maioria dos clínicos. 8,18-20

Um ponto negativo da substituição é a remoção de quantidade de estrutura sadia do dente e ampliação do preparo cavitário. 21 Em adição a isso, o custo geral de uma substituição pode ser mais elevado do que o custo de tratamentos alternativos, tais como reparo ou remodelamento de restaurações.19 Popoff8 indica que a remoção total da estrutura da resina composta é indesejável e inapropriada, exceto quando há presença de fratura da estrutura do material, profundo manchamento da interface dente-restauração e cárie secundária.

Segundo Hickel et al.,22 baseando-se nos critérios USPHS, há algumas orientações e critérios auxiliares na decisão clínica após avaliação das restaurações estéticas diretas, estando resumidas a seguir:

• Nenhuma abordagem: indicado apenas em caso de pequenas deficiências, por exemplo: margem com coloração desfavorável, sem desvantagens clínicas se não for tratada.

• Remodelação: indicado quando as deficiências são ajustáveis, por exemplo: remoção de saliências, recontorno de superfícies, alisamento e polimento de superfície.

• Reparo: indicado em caso de defeitos localizados, que são clinicamente insatisfatórios e não aceitáveis.

• Substituição: indicado em caso de problemas generalizados ou graves e de intervenção necessária, onde o reparo não é viável.

Desta forma, reparo tem sido sugerido como uma alternativa à substituição por preservar a estrutura dental22,23 além de ser de simples confecção e prover também um aumento da longevidade clínica das restaurações, o que é positivo tanto ao profissional quanto ao paciente.8

Essa abordagem, que se refere ao reparo de uma restauração defeituosa, tem sido considerada uma opção menos invasiva e restringe-se ao local do defeito.20 Por isso, o reparo pode ser realizado nos seguintes casos: descoloração marginal superficial, correção de cor, defeitos marginais, fratura da restauração, fratura do dente. Além disso, tem como base a filosofia de "Odontologia minimamente invasiva".24 Fernández et al.20 sugerem que é possível dobrar a meia-vida da restauração original com o mínimo de intervenção e, consequentemente, aumentar a vida útil da base dentinária.

As vantagens do reparo sobre a substituição são enumeradas: redução de efeitos potencialmente deletérios à polpa dental, redução da dor, na maioria dos casos sem anestesia local, menos risco de danos iatrogênicos aos dentes adjacentes, preservação da resistência mecânica do dente, redução do tempo de tratamento, redução de custos, melhor aceitação do paciente, aumento da longevidade da restauração.22,24

A tabela 2 retrata os principais critérios descritos em pesquisas clínicas e em revisões de literatura a respeito da decisão por reparo ou substituição de restaurações em resina composta.

 

 

 

Discussão

A forma mais frequentemente aceita e citada de avaliação das restaurações clínicas é a que utiliza os critérios USPHS ou USPHS modificados.14 Esses critérios detalhados são necessários para distinguir entre restaurações falhas que podem ser reparadas ou que devem substituídas.22

Para compor essa revisão de literatura, foram analisados 22 artigos na íntegra que abordavam os critérios USPHS e/ ou modificados e suas decisões quanto ao reparo ou a substituição das restaurações em resina composta.

Quanto aos tipos de estudos apresentados, a maior parte referiu-se a trabalhos de pesquisa clínica (72,7%), enquanto o restante referiu-se a revisões de literatura (27,3%). Em relação aos períodos dos estudos (nos casos de pesquisa clínica), estudos com um maior tempo de acompanhamento tendem a obter dados mais consistentes, apresentam maior relevância clínica e diminuem os riscos de viés, pois estudos de acompanhamento em longo prazo fornecem mais informações sobre a durabilidade clínica dos compósitos.25 Assim, estudos com período igual ou superior a 4,5 anos de acompanhamento foram os mais sólidos analisados nessa revisão.6,12,20,25-30

Além de conhecer sobre os critérios envolvidos na restauração a ser avaliada, conforme afirmam De Andrade et al.,12 há que se ter ciência de que os fracassos iniciais, aqueles que são encontrados depois de semanas ou meses, devem ser diferenciados das falhas tardias, que ocorrem após vários anos de acompanhamento clínico. Eles citam que, em geral, os fracassos iniciais são o resultado de falhas de tratamento, seleção errada do material indicado para a restauração ou presença de sintomatologia pós-operatória como dor ou desconforto. Nesta revisão de literatura, nenhum estudo citou a sensibilidade pós-operatória como critério mais prevalente.

Ao analisar os artigos, os dados a respeito dos critérios e escores foram dispostos em porcentagem e percebeu-se que os critérios mais comuns de falhas nesses artigos foram: cárie secundária (52,3%); fratura (33,3%); pigmentação marginal (28,5%); forma anatômica (23,8%); adaptação marginal (23,8%) e cor da restauração (9,5%).

De acordo com Santoro,13 cárie secundária, bem como pigmentação da interface em restaurações de resina composta estão relacionadas ao preparo cavitário incorreto, contração de polimerização e coeficiente de expansão térmica diferente da estrutura dental. Esses fatores são sugeridos como responsáveis pela ocorrência de infiltração marginal, que pode resultar em formação de lesão cariosa.

Mjor18 explica, com base em estudos consistentes, que cáries secundárias em geral só se desenvolvem em fendas na interface dente-restauração superiores a 250 μm, ou seja, amplas fendas. Desse modo, cárie secundária não é, necessariamente, resultado de infiltração marginal, mas refere-se a uma lesão de superfície semelhante à lesão de cárie primária em superfícies lisas. Entretanto, Barabanti et al.26 afirmam que a presença de infiltração marginal pode ser considerada um fator predisponente para a presença de cárie secundária.

Em relação à localização dessas lesões cariosas, foi constatado que ocorrem, predominantemente, nas margens gengivais de todos os tipos de Classe II e em restaurações Classe V. Raramente são encontradas em restaurações Classe I ou na parte oclusal das restaurações Classe II.18

Entendemos que uma possível explicação para isso consiste no fato de, nestas regiões citadas, haver pouco esmalte ou somente substrato dentinário para a adesão. Quanto a isso, sabe-se que a dentina é um substrato complexo para a adequada formação da camada híbrida, o que pode interferir negativamente no processo de adesão. Santoro13 afirma que lesões de cáries secundárias advindas de infiltração marginal em geral se desenvolvem em decorrência da deficiência da adesão entre o material restaurador e a estrutura dentária. Ademais, essas áreas são propensas à contaminação pelo fluido gengival ou pela saliva durante a restauração, especialmente se o isolamento absoluto não for utilizado. Consequentemente, deficiências na inserção e adaptação de materiais restauradores podem causar espaços vazios que propiciam o desenvolvimento de cáries secundárias.18

Portanto, é importante analisar as informações disponíveis sobre a natureza da cárie secundária e explorar as possibilidades de prevenção e tratamentos alternativos para substituir ou reparar restaurações que receberam este diagnóstico.18

Conjuntamente, o risco de cárie do paciente deve ser avaliado, pois este influencia diretamente na longevidade da restauração, bem como os materiais e técnicas utilizados e a colaboração do paciente em relação à higiene oral.25 Em adição a isso, os níveis socioeconômico e cultural têm sido observados como fatores que também influenciam a longevidade das restaurações, já que estudos demonstram que doenças bucais como a cárie dentária estão intimamente ligadas aos determinantes sociais em saúde, como renda, moradia, cultura, educação, entre outros.31

O critério fratura (do dente e/ou da restauração) também foi citado como prevalente em 33,3% dos artigos avaliados. 6,19,22,24,32-34 De acordo com Demarco et al.,19o motivo de a fratura ser apresentada como uma das principais razões para falha de restaurações em resina composta pode ser justificado pelo fato de que o material utilizado apresenta um maior módulo de elasticidade e dureza em relação ao dente. Além disso, há a influência do tamanho cavitário (desgaste dental) nessas falhas, sendo que dentes com preparos cavitários maiores apresentam maiores chances de desenvolver fratura ao longo do tempo.19,33

Quanto à pigmentação marginal - presente em 28,5% dos estudos avaliados,2,25-28,35 essa pode estar relacionada à espessura e composição do sistema adesivo utilizado. Sabe-se que a composição química e a espessura do adesivo na interface dente-restauração podem influenciar a degradação do adesivo, resultando em coloração pela absorção e penetração de fluido oral. Além disso, a técnica de inserção incremental da resina composta também pode influenciar a pigmentação marginal, assim como a sensibilidade pós-operatória, visto que esta técnica resulta em formação limitada de "gap" na interface entre resina composta e dente.25

Outro critério muito citado nos estudos avaliados foi a forma anatômica (23,8%).12,20-26,36 Wang et al.37 explicam que a forma anatômica é sustentada pela capacidade de os compósitos resinosos resistirem ao desgaste promovido pelos alimentos e líquidos apresentados na dieta durante o processo mastigatório. Sobre isso, a composição química, o tipo e a quantidade de carga do material resinoso podem influenciar o desgaste das restaurações.

De forma similar, o critério adaptação marginal foi citado como bem prevalente nas falhas das restaurações (23,8% dos artigos avaliados).12,20,27,33,38 Em geral, os autores associam a problemática da adaptação marginal à infiltração marginal e subsequente formação de cárie secundária. Portanto, para evitar que ocorram esses problemas, é imprescindível um adequado acabamento da margem da cavidade e da interface dente-restauração. Se possível, deixá-las fora da área de estresse mastigatório, pois desse modo, podem-se reduzir as forças e tensões geradas sobre a restauração em resina composta.14

Já o critério alterações de cor da restauração foi o mais prevalente apenas em 9,5% dos artigos avaliados.13,28 E ainda que ele exista, somente quando há grande interferência estética é que pode ser justificável a substituição ou reparo da restauração.22 Para contornar a alteração de cor, o profissional deve atentar aos procedimentos de fotoativação da resina composta e aos procedimentos de acabamento e polimento. 5,10

Além disso, outros fatores citados na literatura como potencialmente relevantes para falhas de restauração podem também estar relacionados ao paciente (ciclos de temperatura e pH da boca, grau de carga oclusal, hábitos parafuncionais, oclusão), ao operador (habilidade técnica, conhecimento), ao dente (disposição na arcada dentária, tamanho cavitário) e aos materiais restauradores (indicação correta, degradação hidrolítica, resistências à flexão, à compressão, à fratura, ao desgaste, módulo de elasticidade e dureza).12,19

Em relação aos tratamentos indicados nos estudos analisados nesta revisão de literatura, o reparo das restaurações insatisfatórias foi o tratamento mais indicado (em 65%), seguido da substituição (20%), enquanto a proservação foi indicada em 15% dos estudos.

No passado, as decisões clínicas dos dentistas orientavam para que se realizasse a substituição da restauração de resina composta defeituosa, contudo, os princípios atuais de Odontologia minimamente invasiva encontram soluções conservadoras para restaurar defeitos pequenos e localizados. 20,30,39

Segundo Demarco et al.19 e Tovo et al.,24 apesar de atualmente as restaurações em resina composta apresentarem alta taxa de sobrevivência, dentistas ainda gastam uma quantidade significativa de tempo substituindo-as quando essas apresentam defeitos, o que contribui para o ciclo restaurador repetitivo.30

Hickel et al.22 afirmam que se o reparo for aplicável, a consideração do custo-benefício é geralmente favorável, além de referir-se a uma abordagem minimamente invasiva.

Cogitamos que o reparo das restaurações insatisfatórias deve ser incentivado, desde que siga os critérios de indicações. Essa é uma importante forma de redução de tempo clínico e gastos do cirurgião-dentista; o que pode, inclusive ter impacto positivo nas decisões governamentais de apoio à saúde bucal e na saúde pública como um todo.

Gordan et al.40 apresentaram os dados de estudos publicados a respeito do reparo de restaurações de resina composta, como segue: restaurações reparadas têm as maiores estimativas de sobrevivência mesmo em comparação com as restaurações que foram substituídas.

Em síntese, defeitos localizados - como fechamento de fendas, adição de novo material após pequenas fraturas, remoção parcial e revestimento de áreas manchadas das restaurações, etc. – podem ser reparados desde que haja suficiente acesso clínico.22 Ao julgar uma restauração, o primeiro passo é decidir se essa é clinicamente aceitável ou não; e em caso de classificação inaceitável, saber optar entre o reparo ou a substituição.22 Assim, visando a preservação máxima da estrutura dental, a substituição das restaurações deve ser corretamente indicada e limitada a razões que realmente a justifiquem.2

Entretanto, no caso em que duas ou mais indicações para o reparo estiverem presentes em uma mesma restauração, é preferível substituir toda a restauração a fazer vários reparos.22

 

Conclusão

Para que ocorra uma avaliação clínica precisa em relação à satisfatoriedade das restaurações em resina composta, é importante o conhecimento com base científica a fim de qualificar os critérios para auxiliar nesse processo, evitando- se a subjetividade de cada profissional.

Apesar de os critérios clínicos de avaliação das restaurações dentais serem subjetivos e imprecisos, há um consenso no meio científico sobre os fatores que indicam a realização do reparo em detrimento à substituição.

Com base no exposto, o reparo de restaurações em resina composta é a alternativa clínica bastante utilizada e que deve ser realizada sempre que possível, pois permite um aumento da longevidade da restauração em resina composta e um menor desgaste de estrutura dental.

 

Referências

1. Sharif MO, Catleugh M, Merry A, Tickle M, Dunne SM, Brunton P, et al. Replacement versus repair of defective restorations in adults: Resin composite. Cochrane Database Syst Rev. 2010;17(2):CD005971.         [ Links ]

2. Cavalcanti MCP, Neto JLC, Guimarães RP, Silva CHC. Desempenho clínico de restaurações dentárias após um, dois e três anos. Int J Dent. 2010;9(4):174-80.

3. Burke FJ. Amalgam to tooth-coloured materials-implications for clinical practice and dental education: governmental restrictions and amalgam- usage survey results. J Dent. 2004;32(5):343-50.

4. Lindberg A. Resin Composites: Sandwich Restorations and Curing Techniques [dissertation]. Umea, Sweden: Umea University, Faculty of Medicine, Department of Dental Hygienist Education, 2005.

5. Anusavice KJ, Shen CH, Rawls R. Phillips, Materiais Dentários. 12.ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.

6. Pallesen U, Dijken JWV. A randomized controlled 30 years follow up of three conventional resin composites in Class II restorations. Dent Mater. 2015;31(10):1232-44.

7. Hickel R, Peschke A, Tyas M, Mjör I, Bayne S, Peters M, et al. FDI World Dental Federation: clinical criteria for the evaluation of direct and indirect restorations - update and clinical examples. Clin Oral Investig. 2010;14(4):349-66.

8. Popoff DAV. Avaliação clínica de restaurações reparadas por resina composta à base de silorano: Estudo longitudinal randomizado controlado [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Doutorado em Odontologia, 2011.

9. Cvar JR, Ryge G. Criteria for the clinical evaluation of dental materials. US Department of Health Education, and Welfare. Printing Office. 1971;790(244):1-41.

10. Cvar J F, Ryge G. Reprint of criteria for the clinical evaluation of dental restorative materials. 1971. Clin Oral Investig. 2005;9(4):215-32.

11. Araújo JF, Valois EM, Cruz MCFN. Desenhos de estudos epidemiológicos boca-dividida e paralelo: uma revisão da literatura. Rev bras odontol. 2016;73(1):60-3.

12. De Andrade AK, Duarte RM, Medeiros e Silva FD, Batista AU, Lima KC, Monteiro GQ, et al. Resin Composite Class I Restorations: A 54-month Randomized Clinical Trial. Oper Dent. 2014;39(6):588-94.

13. Santoro, C. Avaliação clínica do tratamento restaurador em pacientes adultos da disciplina de Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Doutorado em Odontologia, 2004.

14. De Faria PMMV. Restauração directa de classes II em pré-molares com compósitos: Estudos comparativos, in vivo e in vitro, de duas técnicas restauradoras [tese]. Porto: Universidade Fernando Pessoa, Doutorado em Biotecnologia e Saúde, 2009.

15. Vieira RM, Camargo AS, Irgang L, Erhardt MCG, Demarco FF, De-Souza FHC. Avaliação clínica retrospectiva de restaurações cervicais de resina composta. RFO. 2013;18(3):335-44.

16. Bayne SC, Schmalz G. Reprinting the classic article on USPHS evaluation methods for measuring the clinical research performance of restorative materials. Clin Oral Investig. 2005;9(4):209-14.

17. Turgut MD, Tekçiçek M, Ölmez S. Clinical Evaluation of a Polyacid-modified Resin Composite Under Different Conditioning Methods in Primary Teeth. Oper Dent. 2004;29(5):515-23.

18. Mjor IA. Clinical diagnosis of recurrent caries. J Am Dent Assoc. 2005;136(10):1426-33.

19. Demarco FF, Corrêa MB, Cenci MS, Moraes RR, Opdam NJ. Longevity of posterior composite restorations: Not only a matter of materials. Dent Mater. 2012;28(1):87-101.

20. Fernández E, Martín J, Vildósola P, Oliveira Junior OB, Gordan V, Mjor I, et al. Can repair increase the useful life of composite resins? Clinical trial: Triple-blind controlled – 10 year follow-up. J Dent. 2015;43(2):279-86.

21. Moncada G, Martin J, Fernández E, Hempel MC, Mjör IA, Gordan VV. Sealing, refurbishment and repair of Class I and Class II defective restorations: a three-year clinical trial. J Am Dent Assoc. 2009;140(4):425-32.

22. Hickel R, Brüshaver K, Ilie N. Repair of restorations - Criteria for decision making and clinical recommendations. Dent Mater. 2013;29(1):28-50.

23. Christensen GJ. When and how to repair a failing Restoration. J Am Dent Assoc. 2007;138(12):1605-7.

24. Tovo CB, Castilhos ED, Rodrigues-Junior SA. Repair of composite restorations – Teaching information from dental schools of the State of Rio Grande do Sul (RS), Brazil. RFO. 2011;16(3):301-6.

25. Pazinatto FB, Gionordoli Neto R, Wang L, Mondelli J, Mondelli RF, Navarro MF. 56-month clinical performance of Class I and II resin composite restorations. J Appl Oral Sci. 2012;20(3):323-8.

26. Barbaranti N, Gagliani M, Roulet JF, Testori T, Ozcan M, Cerutti A. Marginal quality of posterior microhybrid resin composite restorations applied using two polymerisation protocols: 5-year randomised split mouth trial. J Dent. 2013;41(5):436-42.

27. Hayashi M, Wilson NH. Marginal deterioration as a predictor of failure of a posterior composite. Eur J Oral Sci. 2003;111(2):155-62.

28. Júnior JBN, Araújo PV, Damas F, Dala-Garcia A, Cortés ME. Clinical evaluation of packable resin Class I restorations after 7 years. Braz J Oral Sci. 2008;7(26):1585-90.

29. Staehle HJ, Wohlrab T, Saure D, Wolff D, Frese C. A 6.5-year clinical follow-up of direct resin composite buildups in the posterior dentition: Introduction of a new minimally invasive restorative method. J Dent. 2015;43(10):1211-7.

30. Opdam NJM, Bronkhorst EM, Loomans BAC, Huysmans MC. Longevity of repaired restorations: a practice based study. J Dent. 2012;40(10):829-35.

31. Fadel CB, Pacheco KTS, Carvalho RB, Bordin D, Ribeiro MDF. Influence of academic training on the understanding of the health-disease process and on the value assigned to the teeth. Rev Bras Pesq Saúde. 2015;17(1):65-72.

32. Dijken JWV, Pallesen U. A randomized controlled three year evaluation of "bulk-filled" posterior resin restorations based on stress decreasing resin technology. Dent Mater. 2014;30(9):e245-51.

33. Manhart J, Chen H, Hamm G, Hickel R. Buonocore Memorial Lecture. Review of the clinical survival of direct and indirect restorations in posterior teeth of the permanent dentition. Oper Dent. 2004;29(5):481-508.

34. El-Deeb HA, Ghalab RM, Elsayed Akah MM, Mobarak EH. Repair bond strength of dual-cured resin composite core buildup materials. J Adv Res. 2016; 7(2):263-9.

35. Popoff DA, de Magalhães CS, de Freitas Oliveira W, Soares LA, de Almeida Santa Rosa TT, Ferreira RC, et al. Two-year clinical performance of dimethacrylatebased composite restorations repaired with a silorane-based composite. J Adhes Dent. 2014;16(6):575-83.

36. Çelik Ç, Arhun N, Yamanel K. Clinical Evaluation of Resin-Based Composites in Posterior Restorations: A 3-Year Study. Med Princ Pract. 2014;23(5):453-9.

37. Wang L, Garcia FC, Amarante de Araújo P, Franco EB, Mondelli RF. Wear resistance of packable resin composites after simulated tooth brushing test. J Esthet Rest Dent. 2004;16(5):303-15.

38. Kim KL, Namgung C, Cho BH. The effect of clinical performance on the survival estimates of direct restorations. Restor Dent Endod. 2013;38(1):11-20.

39. Fernández E, Martin J, Vildósola P, Estay J, de Oliveira Júnior OB, Gordan V, et al. Sealing composite with defective margins, good care or over treatment? Results of a 10-year clinical trial. Oper Dent. 2015;40(2):144-52.

40. Gordan VV, Garvan CW, Blaser PK, Mondragon E, Mjör IA. A long-term evaluation of alternative treatments to replacement of resin-based composite restorations: results of a seven-year study. J Am Dent Assoc. 2009;140(12):1476-84.

 

 

Endereço para correspondência:
Mariana Dias Flor Ribeiro
e-mail:
marianadiasflor@gmail.com

 

Recebido: 09/06/2016
Aceito: 29/07/2016