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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.3 Rio de Janeiro Jul./Set. 2016

 

COMUNICAÇÃO BREVE/DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR E DOR OROFACIAL

 

Placas estabilizadoras em pacientes portadores de DTM: relato de dois casos

 

Stabilization splints in patients with Temporomandibular Disorders: report of two cases

 

Daísa Gouvêa de LimaI; Dhelfeson Willya Douglas de OliveiraII; Evandro Silveira de OliveiraI; Patrícia Furtado GonçalvesI; Olga Dumont FlechaI

 

I Departamento de Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Minas Gerais, Brasil
II Departamento de Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Objetivo: Apresentar dois casos de pacientes portadores de DTM com significativa instabilidade oclusal. Relato de casos: caso 1 - gênero feminino, 16 anos, dentada; caso 2 - gênero feminino, 60 anos, portadora de próteses. Ambas as pacientes, quando manipuladas, apresentavam grande diferença da máxima intercuspidação habitual para a relação cêntrica. O tratamento proposto para os casos foi o uso de placa estabilizadora. Conclusão: A placa estabilizadora acarretou bons resultados, havendo remissão total dos sintomas.

Palavras-chave: Articulação temporomandibular; Transtornos da articulação temporomandibular; Má oclusão de Angle Classe III; Oclusão dentária; Prótese dentária.


 

ABSTRACT

Objective: To present the cases of two patients with temporomandibular disorders with significant occlusal instability. Case reports: case 1 was a 16-year-old partially dentulous female patient. Case 2 was a 60-year-old female patient with prostheses. Both patients, when on examination, showed a large difference in maximum intercuspation and centric relation. The proposed treatment for both cases was the use of rigid temporomandibular dysfunction appliances. Conclusion: The rigid temporomandibular dysfunction appliance showed good results, with total remission of the symptoms in both cases.

Keywords: Temporomandibular joint; Temporomandibular joint disorders; Malocclusion angle class III; Dental occlusion; Prosthetic dentistry.


 

Introdução

A Disfunção Temporomandibular (DTM) é considerada a principal causa de dor não dentária na região orofacial.1 A mesma pode afetar indivíduos dentados e edentados, portadores ou não de próteses.2 Blanco-Hungría et al.3 em uma análise da literatura revelam que a DTM acomete numa proporção maior o gênero feminino do que o gênero masculino, com uma razão que varia de 3:1: a 5:1, com a idade média variando entre 30 e 40 anos.

Entretanto, a etiologia da DTM não está totalmente elucidada, pois se acredita que tenha caráter multifatorial, podendo estar atribuída a fatores oclusais, neuromusculares e emocionais. Os sinais e sintomas da DTM estão frequentemente relacionados a queixas de dores crônicas de cabeça e nas estruturas orofaciais, sendo comum pacientes com DTM relatarem dor nas regiões pré-auriculares, na face, têmporas, durante a abertura oral, na mastigação e na fala, podendo também apresentar ruídos articulares.1

Os indivíduos que apresentam uma discrepância entre Relação Cêntrica (RC) e Máxima Intercuspidação Habitual (MIH), maior do que 2 mm, podem ser considerados como portadores de fator de risco para DTM.4 Também é comum pacientes desdentados totais apresentarem DTM devido a alterações oclusais, instabilidade das próteses e iatrogenias.5

Um dos recursos largamente utilizados para tratar pacientes que apresentam instabilidade oclusal e que sejam portadores de DTM é a placa oclusal. Os dois tipos de placas mais utilizados são: a placa estabilizadora/miorrelaxante e a placa reposicionadora.6 O uso de placa com finalidade estabilizadora em indivíduos que apresentam grande instabilidade oclusal é um tema pouco explorado na literatura. São escassos os relatos sobre sua efetividade clínica na redução ou eliminação dos sintomas dolorosos dos músculos associados ao sistema estomatognático e sinais e sintomas de distúrbios relacionados à oclusão.

Este artigo tem como objetivo apresentar o relato de dois casos de pacientes portadores de DTM, com significativa instabilidade oclusal, submetidos a tratamento temporário através de placas estabilizadoras, para redução de dores musculares e articulares.

 

Relato de caso

Caso 1

Paciente do gênero feminino, 16 anos, encaminhada por seu cirurgião-dentista, procurou tratamento na clínica de DTM e Dor Orofacial do Departamento de Odontologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Ao exame clínico inicial, constatou-se que a paciente era totalmente dentada, com apenas os terceiros molares ausentes, com oclusão tipo classe III de Angle7 (Figura 1A) e desvio mandibular na abertura e fechamento. A palpação foi realizada de acordo com o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD)8 apresentando dor intensa em ambos os lados no músculo masseter, no esternocleidomastóideo, na articulação temporomandibular, no feixe inferior do pterigoideo lateral, no tendão do temporal e ainda dor na abertura oral máxima e nas lateralidades direita e esquerda.

Para verificar se a classe III era esquelética (verdadeira) ou postural (falsa), a mandíbula da paciente foi manipulada para a posição de RC, quando então apresentou clinicamente uma relação de topo a topo nos dentes anteriores (Figura 1B), sendo detectada significativa diferença de MIH para RC. A paciente foi considerada como portadora de uma classe III postural apresentando, portanto, evidente instabilidade oclusal.

O tratamento temporário adotado foi o uso de uma placa estabilizadora superior rígida com edentações, com o intuito de estabilizar a oclusão em RC e promover o relaxamento muscular e a estabilidade articular (Figura 1C). Os modelos foram montados em articulador semiajustável com o uso do arco facial. Foi recomendado o uso da placa 24 horas por dia, sendo removida apenas para a alimentação, se necessário, e para realizar a higienização.

 

 

 

A paciente foi submetida a consultas posteriores para ajuste da placa e reavaliação usando o RDC, sendo relatada a completa remissão dos sintomas cerca de uma semana após a instalação da placa, sem a necessidade de prescrição de terapia medicamentosa. Após 35 dias de utilização, o uso da placa foi interrompido para que a paciente pudesse dar início ao tratamento ortodôntico.

Caso 2

Paciente do gênero feminino, 60 anos, compareceu à clínica de DTM e Dor Orofacial da UFVJM encaminhada por seu cirurgião-dentista, queixando-se de dor nos músculos da mastigação, otalgia, cefaleia e, ocasionalmente, apresentando apertamento. A paciente é portadora de Prótese Total (PT) superior a, aproximadamente, 30 anos e de prótese parcial removível (PPR) inferior, classe I de Kennedy, há cerca de 15 anos.

Durante a anamnese, a paciente relatou que logo após a reabilitação com a PT passou a sentir dores e desconforto esporadicamente, mas como os sintomas eram suportáveis ela conviveu com os mesmos durante vários anos, continuando dessa maneira a usar a prótese. Entretanto, nos últimos cinco anos esses sintomas se intensificaram o que a levou a procurar ajuda profissional. Na avaliação clínica e manipulação da mandíbula em RC, foi constatado que as próteses foram construídas com oclusão tipo classe III de Angle7 (Figura 2A), com diferença para MIH.

O exame de palpação foi realizado de acordo com o RDC8 revelando a presença de dor intensa nos músculos masseter, esternocleidomastóideo, temporal e feixe inferior do pterigóideo lateral, dor no tendão do temporal, nas regiões mandibular posterior e submandibular anterior, em ambos os lados. Pode-se observar também deflexão para o lado esquerdo durante a abertura. Ao avaliar as próteses, as mesmas apresentaram grande instabilidade, falta de retenção e suporte labial, diferença de MIH para RC maior que 2 mm (Figura 2A e 2B) e redução da dimensão vertical de oclusão. Além disso, foi diagnosticada a necessidade de cirurgia pré-protética para exérese de hiperplasia traumática no rebordo superior da paciente.

O tratamento proposto foi o uso de uma placa estabilizadora rígida durante o período de uso das próteses (Figura 2C). Após realizar o registro de mordida em RC, os modelos foram montados em articulador semiajustável com auxílio do arco facial. A placa foi confeccionada para o arco superior sobre a PT, com edentações para facilitar o uso durante a alimentação, se fosse confortável. Foi necessário que a placa fosse ajustada com uma periodicidade semanal, quando então era novamente realizada a palpação (como sugerida no RDC), até que a musculatura fosse desprogramada e adequada à posição de RC. Estimou-se o uso da placa estabilizadora durante o período necessário para que a paciente pudesse realizar a cirurgia pré-protética e, posteriormente, a substituição das próteses antigas por novas, sendo que as mesmas serão confeccionadas sob os registros de uma musculatura e articulação equilibradas e com a ausência de sintomas.

A paciente foi orientada quanto ao uso e a higienização da placa, não sendo prescrita qualquer farmacoterapia para suporte. Após uma semana de instalação da placa, a paciente relatou que houve remissão dos sintomas, o que acarretou em melhorada função mastigatória, anteriormente comprometida.

 

 

 

Discussão

Este estudo apresentou um tratamento temporário e paliativo, com uma abordagem conservadora e reversível em dois pacientes distintos, sendo uma jovem dentada, não usuária de prótese e uma paciente idosa portadora de PT superior e PPR inferior, que apresentavam a instabilidade oclusal como um fator em comum. Ambas utilizaram a placa estabilizadora alcançando resultados que mostraram melhora significativa na função mastigatória, redução da dor e do desconforto, assim como obtenção de estabilidade oclusal.

No caso 1, o fator que caracterizava a instabilidade oclusal, levando a uma classe III postural, era a impossibilidade de a paciente mastigar em RC, pelo fato da posição de topo dos dentes anteriores não fornecer a estabilidade necessária. Como a placa restabeleceu a condição adequada, promovendo estabilidade articular e muscular, a paciente relatou remissão dos sintomas.

Semelhante ao que pode ser observado no caso 2 é comum encontrar pacientes que permanecem com as mesmas próteses por vários anos. As próteses inadequadas que apresentam contatos prematuros e provocam um movimento mandibular para que haja um engrenamento dentário, muitas vezes à custa de uma hiperfunção muscular, podem constituir fator etiológico das DTMs. Quando as PTs apresentam má adaptação da base, podem provocar contrações musculares constantes do paciente na tentativa de estabilizar as próteses, podendo também gerar dor e disfunção muscular. A paciente do segundo caso relatou que houve remissão dos sintomas com o uso da placa estabilizadora, o que acarretou em melhora da função mastigatória, anteriormente comprometida, permitindo dessa forma que as próteses a serem confeccionadas sejam realizadas com o sistema estomatognático sadio e assintomático.

Em ambos os casos, a instabilidade oclusal foi eliminada com uso da placa e o equilíbrio músculo esquelético restabelecido. A placa estabilizadora permite que os côndilos se encontrem em sua posição musculoesqueleticamente mais estável, no momento em que os dentes apresentam contatos uniformes e simultâneos. Objetiva eliminar qualquer instabilidade ortopédica entre a posição oclusal e articular, removendo o fator instabilidade como causa da DTM.6

É importante ressaltar que nos casos apresentados a placa foi utilizada como tratamento paliativo com a finalidade de tratar apenas os sintomas e não as causas. Os tratamentos mais utilizados para o controle da DTM descritos na literatura são: placa oclusal, ajuste oclusal por desgaste seletivo, tratamento ortodôntico, reabilitação, farmacoterapia, terapia cognitivo/ comportamental, terapia verbal, biofeedback, fisioterapia, cirurgia e outros. Entre estes tratamentos, aparelhos oclusais e ajuste oclusal são os mais divulgados e utilizados pelos clínicos. A placa oclusal estabilizadora apresenta evidências de boa qualidade como uma intervenção segura e efetiva para controlar a dor miofascial mastigatória, tanto em curto como em longo prazo.9

Terapias alternativas também devem ser consideradas. A acupuntura quando comparada com a placa obteve resultados semelhantes na redução da intensidade da dor e na ampliação da abertura oral dos pacientes tratados. Diante dos resultados obtidos, foi considerada como terapia estratégica para o controle da dor crônica relacionada à DTM.10

Sobre os fatores etiológicos das DTMs muito se tem pesquisado, entretanto esta é uma questão de grande debate e que ainda está distante de ser esclarecida. Atualmente, acredita-se que tenha um envolvimento multifatorial sendo a oclusão dentária um dos fatores mencionados, porém ela não pode ser considerada como o único fator de risco. Outros fatores devem ser considerados para tratar pacientes com DTM.1 Foi sugerido que uma discrepância entre RC e MIH, maior do que 2 mm, pode ser considerada fator de risco.4

Mais evidências são necessárias como a realização de estudos coorte, caso controle ou estudos transversais analíticos, investigando cada fator de risco e criando um consenso útil para padronizar e definir condutas clínicas sobre o tratamento e prevenção de DTM de forma segura e eficiente.9

 

Conclusão

Nos casos relatados neste estudo em que os pacientes em questão apresentavam significativa instabilidade oclusal, o tratamento com placas estabilizadoras acarretou bons resultados, havendo remissão total dos sintomas. Cada caso clínico deve ser avaliado individualmente e a primeira opção de tratamento, quando necessária, deve ser uma modalidade reversível e não invasiva. Pesquisas longitudinais com rigor metodológico devem ser realizadas para que se possam ter evidências científicas sobre o assunto, buscando um maior esclarecimento a respeito do papel da oclusão na DTM.

 

Referências

1. Okeson JP, De Leeuw R. Differential diagnosis of temporomandibular disorders and other orofacial pain disorders. Dent Clin N Am. 2011;55:105-20.         [ Links ]

2. Marquezan M, Figueiró C. Alternativa de tratamento de disfunção temporomandibular em um paciente portador de prótese total maxilar e prótese parcial removível mandibular: relato de caso. Rev Dentística online. 2007;7:77-84.

3. Blanco-Hungría A, Blanco-Aguilera A, Blanco-Aguilera E, Serrano-del-Rosal R, Biedma-Velázquez L, Rodríguez-Torronteras A, et al. Prevalence of the different Axis I clinical subtypes in a sample of patients with orofacial pain and temporomandibular disorders in the Andalusian Healthcare Service. Rev Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2016;21:169-77.

4. McNamara JA Jr, Seligman DA, Okeson JP. Occlusion, Orthodontic Treatment, and Temporomandibular Disorders: A Review. J Orofac Pain. 1995;9:73-90.

5. Shibayama R, Garcia AR, Zuim PRJ. Prevalência de desordem temporo- Referências :: mandibular (DTM) em pacientes portadores de próteses totais duplas, próteses parciais removíveis e universitários. Rev Odontol Araç. 2004;25:182.

6. Okeson JP. Tratamento das Desordens Temporomandibulares e Oclusão.

7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 7. Angle EH. Classification of Malocclusion. Dental Cosmos. 1899;41:248-64.

8. Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6:301-55.

9. Januzzi E, Alves BMF, Grossmann E, Leite FMG, Vieira PSR, Flecha OD. Occlusion and temporomandibular disorders: a critical analysis of the literature. Rev Dor. 2010;11:329-33.

10. Grillo CM, Canales GT, Wada RS, Alves MC, Barbosa MR, Berzin F, et al. Could acupuncture be useful in the treatment of temporomandibular dysfunction?. J Acupunct Meridian Stud. 2015;8:192-9.

 

 

Endereço para correspondência:
Daísa Gouvêa de Lima
e-mail:
daisagouvea@gmail.com

 

Recebido: 03/06/2016
Aceito: 06/07/2016