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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.4 Rio de Janeiro Out./Dez. 2016

 

Artigo de Revisão de Literatura/Periodontia

 

Aspectos clínicos, microbiológicos e tratamento periodontal em pacientes fumantes portadores de doença periodontal crônica: revisão de literatura

 

Clinical and microbiological aspects of periodontal treatment in smoker patients with chronic periodontal disease: literature review

 

Gabriela Alessandra da Cruz Galhardo CamargoI; Mariana Gouvêa Latini AbreuI; Renata dos Santos CordeiroI; Marcio Alves CrespoII; Letícia de Faria WenderosckyIII

 

I Departamento de Periodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal Fluminense, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil
II Departamento de Radiologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal Fluminense, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil
III Departamento de Biologia Molecular, Faculdade de Biomedicina, Universidade Federal Fluminense, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: o propósito deste estudo foi avaliar, através da revisão de literatura, os aspectos clínicos (índice de placa, índice gengival, profundidade de sondagem, recessão gengival e nível clínico de inserção) e microbiológicos (presença qualitativa e quantitativa de periodontopatógenos) e a resposta de pacientes tabagistas à terapia periodontal. Material e Métodos: foram selecionados artigos científicos publicados entre os anos de 1978 a 2014, através dos bancos de dados MEDLINE, PUBMED e LILACS. Resultados: existem divergências em relação à influência do tabagismo nos parâmetros clínicos e microbiológicos. Conclusão: baseado nos estudos avaliados pode-se concluir que há diferenças clínicas e microbiológicas significativas no paciente tabagista e comprometimento da resposta à terapia periodontal.

Descritores: Periodontite; Microbiologia; Tabagismo.


 

ABSTRACT

Objective: the aim of this study was to evaluate, through literature review, clinical aspects (plaque index, gingival index, probing depth, gingival recession and clinical attachment level) and microbiological (qualitative and quantitative presence of periodontal pathogens) in smokers patients and the response to periodontal therapy. Material and Methods: it was selected scientific articles published between the years 1978 and 2014. We were selected scientific articles from MEDLINE, PUBMED and LILACS databases. Results: there are controversies between tobacco and clinical and microbiological parameters. Conclusion: based on the evaluated studies we can conclude that there are significant clinical and microbiological differences in smoking patients and impaired response to periodontal therapy.

Descriptors: Periodontitis; Microbiology; Tobacco.


 

Introdução

A Doença Periodontal (DP) é uma infecção crônica produzida por bactérias gram-negativas, em níveis elevados, causada por acúmulo de componentes microbianos do biofilme dental que se acumulam no interior dos tecidos do periodonto.1 Trata-se de doença sítio-específica, que evolui continuamente com períodos de exacerbação e de remissão, resultando em resposta inflamatória e imune do hospedeiro à presença do biofilme dental. Existem alguns fatores de risco, como diabetes e tabagismo que podem modificá-la, aumentando sua prevalência e gravidade.2

O hábito de fumar está diretamente associado a alterações locais e sistêmicas. As alterações sistêmicas estão relacionadas à maior prevalência e incidência de neoplasias, doenças cardíacas e pulmonares, além de redução das respostas imune e inflamatória do indivíduo. Enquanto, o efeito local do cigarro na cavidade bucal pode aumentar o risco à doença periodontal e o aparecimento de câncer bucal.3

Evidências clínicas mostram que fumantes possuem maior perda óssea, maior número de bolsas profundas e são mais susceptíveis ao desenvolvimento de lesões de bifurcação.4 Entretanto, podem apresentar menor inflamação gengival do que não fumantes.5

Produtos químicos e toxinas da fumaça do cigarro podem retardar a cicatrização por inibir funções celulares básicas.6 A revascularização do osso e tecidos moles é prejudicada pelo tabagismo, uma vez que, os componentes voláteis dos cigarros denominados acroleína e acetaldeído inibem a fixação e proliferação de fibroblastos gengivais.7 Os fibroblastos expostos à nicotina produzem menos fibronectina e colágeno e mais colagenase gerando efeitos negativos nas funções e influenciando na cicatrização de feridas assim como na progressão da periodontite.7

A ação do tabaco no periodonto predispõe o indivíduo à doença periodontal. Os mecanismos pelos quais o tabaco interfere significativamente nas condições periodontais estão relacionados à alteração do fluxo sanguíneo gengival, diferença no número de vasos sanguíneos na gengiva marginal, diminuição na resposta imunológica e aos efeitos citotóxicos da nicotina, que prejudicam a inserção de fibroblastos à superfície radicular. Além disso, o fumo pode reduzir os níveis séricos de vitamina C, um importante nutriente para o processo de cicatrização.8

O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão de literatura sobre os aspectos clínicos e microbiológicos em pacientes tabagistas frente aos diversos tipos de resposta a terapia periodontal.

 

Revisão de Literatura

Efeitos Sistêmicos do Tabaco

O consumo de cigarro pode provocar alteração da resposta imunológica do paciente frente à agressão bacteriana. Martinez e Rossa Júnior9 pesquisaram os efeitos biológicos dos metabólitos do fumo nos fibroblastos e observaram que parte dos efeitos nocivos associados ao tabaco pode ser resultante de sua interação com células que compõe o periodonto. Sistemicamente, o fumo pode influenciar no sistema imunológico, alterando assim a susceptibilidade dos tecidos periodontais à ação da placa microbiana. Os subprodutos do tabaco podem alterar a cicatrização, pois podem ocasionar danos às células normais dos tecidos periodontais.

A nicotina tem sido associada a várias alterações celulares que podem contribuir para o início e posterior progressão da doença periodontal e, de acordo com Lima et al.,10 o desequilíbrio da concentração de nicotina pode levar alterações na resposta inflamatória. Baixa concentração de nicotina pode estimular a quimiotaxia dos neutrófilos, no entanto, altas concentrações podem prejudicar a fagocitose. Os neutrófilos são a primeira linha de defesa do organismo e embora ocorra maior aumento no número de neutrófilos na circulação periférica dos fumantes, sua função está prejudicada, ou seja, os neutrófilos apresentam menor quimiotaxia, fagocitose e aderência.

Cury et al.11 concluíram que o fumo possui diferentes efeitos deletérios aos tecidos periodontais, tais como: vasoconstrição nos tecidos gengivais, efeito deletério em leucócitos, diminuição de nível sérico de anticorpos e suas substâncias citotóxicas prejudicam fibroblastos. Leonel e Tomita12 citaram decréscimo na viabilidade linfocitária, na produção de anticorpos, diminuição significante de imunoglobulina e estímulo na degranulação de mastócitos.

Em relação à produção de anticorpos nos fumantes ocorre uma diminuição dos níveis de anticorpos salivares (IGA) e séricos (IgG) para P. intermedia e F. nucleatum, além de possuírem uma redução nos linfócitos, debilitando o sistema defensivo do hospedeiro.11

Aspectos Clínicos do Periodonto de Pacientes Tabagistas

A doença periodontal em pacientes tabagistas apresenta- se com sinais clínicos pouco evidentes, como: eritema diminuído e sangramento tecidual pouco aparente. Essas alterações devem-se aos efeitos da nicotina no tecido periodontal, que dificulta a chegada das células inflamatórias no tecido e no sulco gengival, comprometendo o sistema de defesa local.10 Para Bergstrom e Preber,13 o desenvolvimento do processo inflamatório em fumantes é retardado, quando comparados ao desenvolvimento em não fumantes. Entretanto, Bastiaan et al.14 analisaram durante dez dias o índice gengival em pacientes fumantes e não fumantes e não observaram diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) entre os grupos, com média 0,51 para fumantes e média de 0,54 para não fumantes.

Em relação ao acúmulo de placa, Ramos et al.15 avaliaram que o índice em não fumantes foi maior para todas as faces, sendo 21,7% na mesial, 21% na distal, 17,8% na palatina/lingual e 11,7% na vestibular. Enquanto que os fumantes apresentaram 17,7%, 16%, 15,3% e 10,3%, respectivamente. Em contrapartida, Aquino et al.16 encontraram média de 62% de índice de placa para fumantes e 66% para não fumantes, sem diferença estatisticamente significativa.

Bergström, Eliasson e Preber13 compararam a altura do osso interproximal entre fumantes e não fumantes e observaram que os fumantes tiveram maior perda óssea em relação aos não fumantes, com diferença estatisticamente significativa (Teste de Pitman's, p < 0,01), sendo a média da distância da junção cemento-esmalte até a crista óssea de 1,71 +/- 0,08 mm em fumantes e de 1,55 +/- 0,05 mm em não fumantes. Haffajee e Socransky17 investigaram o relacionamento do fumo com o padrão do nível de inserção clínica na doença periodontal, a partir de pacientes fumantes, ex-fumantes e não fumantes, e identificaram que pacientes fumantes possuíam perda de inserção de 0,6 - 0,8 mm a mais do que pacientes não fumantes, concordando com o estudo realizado por Bergström, Eliasson e Preber.13 Chen et al.18 avaliaram a média da perda de inserção acumulada ao longo de dez anos em 178 pacientes, sendo 148 fumantes e 30 não fumantes e mostraram que pacientes fumantes com idade < 49 anos apresentaram média de 25,7 mm em comparação com os não fumantes no qual a média foi de 11,6 mm. Para Lima et al.,11 a perda óssea média foi de 3,33 mm para fumantes e 2,24 mm em não fumantes, comprovando que o cigarro acarreta em maior perda óssea.

Haffajee & Socransky17 evidenciaram que pode existir um efeito local do fumo sobre os tecidos periodontais, pois observaram maior profundidade de sondagem na região na qual o contato dos componentes do cigarro foi maior. Os autores observaram média de profundidade de sondagem de 3,47 mm para fumantes, enquanto que para os ex-fumantes foi de 3,27 mm e os que nunca fumaram obtiveram média de 3,15 mm. Chen et al.18 estudaram o número médio de sítios por pessoa, no qual houve piora em relação à profundidade de sondagem e perda de inserção ao longo de 10 anos, sendo que os tabagistas tiveram piora de 1,5 mm de profundidade de sondagem em comparação com os não fumantes que apresentaram 1,4 mm, sem diferença significativa.

Por outro lado, alguns autores discordaram desses estudos, afirmando que a relação do fumo com a doença periodontal não mostra ser tão relevante, uma vez que, não houve diferença estatisticamente significativa em relação aos fumantes e não fumantes. Aquino et al.16 mostraram que a profundidade de sondagem entre fumantes e não fumantes foi semelhante, ou seja, 4,65 mm para ambos. Bergstrom, Eliasson e Dock19 realizaram um estudo prospectivo de 10 anos, entre 1982 e 1992, e observaram que, em 1992, ou seja, dez anos depois do início do estudo, a média para fumantes foi de 41,6 mm e 6,6 mm para não fumantes, com diferença estatisticamente significativa (p < 0,001).

Ramos et al.15 observaram que os não fumantes apresentaram maior resultado para recessão gengival de 2 mm (55,9%), seguido dos fumantes leves (37,3%) e de fumantes pesados (20%), no entanto, sem significância estatística (p > 0,05).

A influência do tabagismo sobre a etiologia da doença periodontal é controversa. Em relação aos parâmetros clínicos analisados (índice de placa, profundidade de sondagem, índice de sangramento gengival, recessão gengival e nível de inserção clínica), alguns autores mostram que o fumo é um fator modificador e outros demonstram não haver diferenças clínicas entre fumantes e não fumantes.

Aspectos Microbiológicos em Pacientes Fumantes

Haffajee & Socransky17 afirmaram que, juntamente com a idade e gênero, o tabagismo representa cerca de 31% da variação no nível médio de inserção óssea. Neste sentido, a análise da microbiota subgengival e supragengival de indivíduos fumantes tem sido realizada na tentativa de correlacionar a colonização por determinadas espécies bacterianas e o aparecimento dos efeitos deletérios da doença periodontal.

O fumo exerce influência na presença de micro-organismos na placa, favorecendo a colonização e crescimento de espécies como as do complexo vermelho, Porphyromonas gingivalis e Tanerella forsythia e do complexo laranja, Prevotella intermedia, Prevotella nigrescens, Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus e Parvimonas micra, associadas à doença periodontal. 20-22

Zambon et al.23 afirmaram que o tabagismo aumenta a probabilidade de infecção subgengival por algumas espécies de bactérias. Os autores encontraram maior número de bactérias como Aggregatibacter actinomycetemcomitans (78%), Bacteroides forsythus (64%) e Pophyromonas gingivalis (60%), em fumantes, se comparados aos não fumantes, cujas porcentagens foram 24%, 40%, 42%.

Através de técnicas moleculares qualitativas e análise da microbiota subgengival, observou-se maior porcentagem da frequência para A. actinomycetemcomitans e C. rectus (p < 0,05) na microflora de pacientes japoneses fumantes portadores de periodontite. Shchipkova et al.,21 através da técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase), observaram que Parvimonas micra e Campylobacter gracilis formaram grande fração da comunidade microbiana subgengival em fumantes, 13% e 12%, do que em indivíduos que nunca fumaram, 7,3% e 3,4%, respectivamente. No mesmo estudo, fumantes demonstraram níveis significativamente maiores de Treponema denticola (14%), Bacteroides forsythus (7%) e Fusobacterium nucleatum (7%), contra os respectivos valores 10%, 1% e 2% de não fumantes.

Além disso, Bagaitkar et al.24 expuseram a bactéria Porphyromonas gingivalis ao extrato de cigarro e observou aumento do antígeno fimbrial A e diminuição da capacidade pró-inflamatória induzida pela bactéria, o que colaborou para um aumento da capacidade de produção de biofilme de Porphyromonas gingivalis, e potencializou sua interação com Streptococcus gordonii, confirmando a suspeita de que o tabagismo potencializa a formação de complexos entre bactérias da microbiota e bactérias anaeróbicas patogênicas envolvidas na periodontite.

Em contrapartida, nos estudos de Aquino et al.,16 não foi observada maior prevalência de periodontopatógenos em pacientes tabagistas. Os autores realizaram uma comparação intragrupo da frequência dos patógenos periodontais: Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Prevotella intermedia, Porphyromonas gingivalis, Tannerella forsythia e Campylobacter rectus em função do hábito de fumar e não houve diferença estatisticamente significativa. A presença de P. intermedia em amostras de mucosa jugal, por exemplo, foi de 31% para não fumantes e 33% para fumantes aproximadamente e a presença de A. actinomycetemcomitans em amostras do sulco gengival foi de 25% para fumantes e 23% para não fumantes.

Na análise da microbiota subgengival, através da tecnologia da hibridização DNA-DNA "checkerboard", em relação a 12 espécies de bactérias periodontopatogênicas, dentre as quais, P. gingivalis, P. intermedia, P. nigrescens, T. forsythensis, A. actinomycetemcomitans, F. nucleatum, T. denticola, Peptoestreptococcus micros, Campylobacter rectus, Eikenella corrodens, Selenomonas noxia e Streptococcus Intermedius, foi observado que, em profundidade de sondagem > 5 mm, P. micros estava presente em 46,7% de fumantes e 43,5% de não fumantes, e em profundidade de sondagem > 6 mm foi encontrada em 27,8% dos fumantes e 25% dos não fumantes. P. gingivalis, em profundidade de sondagem moderada, > 5 mm foi encontrada 66,7% em fumantes e 52,2% em não fumantes e em profundidade > 6 mm foi de 55,6% em fumantes e 37,5% em não fumantes, sem diferença entre o grupo dos fumantes e não fumantes.25

Gomes et al.,26 através da técnica de RT- polymerase, detectaram e quantificaram Porphyromonas gingivalis, Parvimonas micra, Pneumosintes dialister, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, no controle de placa supragengival sobre o número de bactérias subgengivais e concluíram que tanto fumantes quanto não fumantes apresentaram redução semelhante da contagem de bactérias totais ao longo do tempo. As reduções do início até 180 dias por profundidade periodontal foram para Parvimonas micra de 87% para não fumantes e 95% para fumantes (profundidade de bolsa de 3 a 5 mm) e 85% para não fumantes e 86% para fumantes (profundidade de bolsa > que 6 mm). Para Porphyromonas gingivalis a redução foi de 92% para não fumantes e 96% para fumantes (profundidade de bolsa de 3 a 5 mm) e 93% para não fumantes e 88% para fumantes (profundidade de bolsa > 6 mm).

O tabagismo não só pode facilitar a colonização da cavidade oral por bactérias patogênicas, como também por bolores e leveduras patogênicas. Monteiro et al.27 avaliaram o efeito do tabagismo sobre a biodiversidade dos fungos na microbiota oral de indivíduos jovens saudáveis usando um método de cultura que avalia os fungos viáveis, totais e patogênicos. Quarenta indivíduos (20 fumantes e 20 não fumantes) foram selecionados. Todos os indivíduos apresentaram crescimento de fungos (100% para fungos filamentosos e 92,5% para leveduras). Os fungos filamentosos que ocorreram mais comumente foram Penicillium sp., Aspergillus sp. e Cladosporium sp. Muzurovic et al.28 avaliaram 77 pacientes fumantes (55%) e 65 não fumantes (45%) e encontraram Candida albicans em 40 pacientes (29%), destes, 33 (82.5%) eram fumantes, o que mostrou a existência de correlação entre o tabagismo e presença de Candida albicans na cavidade oral.

Apesar de todos os esforços dos pesquisadores para entender a real relação entre o tabagismo e o desenvolvimento de periodontite crônica, tal estudo tem ainda encontrado grandes dificuldades. Investigações recentes têm revelado que a microbiota subgengival ainda é em sua grande parte não cultivada, uma vez que não se consegue mimetizar in vitro as condições ambientais necessárias para o seu crescimento, condições essas que envolvem pequenas porcentagens de oxigênio e interações específicas com outras espécies bacterianas, sobretudo, as que compõem a microbiota oral. Desta forma, vários outros filotipos podem ser importantes na etiologia da doença, já que a cultura seleciona microrganismos que crescem sob condições específicas como no experimento de Bagaitkar et al.,24 através de meio de cultura de composição específica.

As abordagens moleculares como as de Kubota et al.20 e Shchipkova et al.21 se limitaram à verificação da presença de espécies de micro-organismos já conhecidos, como Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia, Tannerella forsythia, Fusobacterium nucleatum, Treponema denticola, Campylobacter rectus e Parvimonas micra. Tais ferramentas são inadequadas para exame abrangente deste complexo ecossistema bucal. Em relação às técnicas moleculares quantitativas, estas têm permitido uma melhor compreensão do efeito do tabagismo sobre a composição do biofilme subgengival por detectar alterações quantitativas significativas de espécies patogênicas e por possibilitar a comparação entre fumantes e não fumantes de forma que se possa chegar a conclusões satisfatórias, levando em consideração a dificuldade em se estudar este tema.

Resposta do Hospedeiro em Relação ao Tratamento da Doença Periodontal

Segundo Lindhe29 e Plessas,30 a terapia periodontal tem por objetivo a manutenção de um periodonto funcional saudável, além de motivar o paciente a tratar a doença, orientar sobre as técnicas apropriadas de higiene oral e lançar mão de procedimentos para controlar as respostas infecto-inflamatórias do periodonto. Várias modalidades de tratamentos foram introduzidas recentemente para melhorar a resposta dos pacientes frente à terapia periodontal.

Renvert et al.25 submeteram 28 pacientes portadores de periodontite crônica, sendo 13 fumantes e 15 não fumantes, a instruções de higiene oral e tratamento periodontal não cirúrgico (raspagem e alisamento radicular sob anestesia local). Os resultados da terapia foram avaliados após seis meses do início da mesma. O índice de placa total, após terapia, reduziu 38,7% para fumantes e 30,7% para não fumantes, sem diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). O índice de sangramento total também não apresentou diferença significativa, com redução 26,5% para fumantes e 30,9% para não fumantes. No nível de inserção clínica houve redução de 1,1mm para fumantes e 0,9 mm para não fumantes, sem significância. Em relação à profundidade de sondagem, houve redução de 1,99 mm para fumantes e 2,5 mm para não fumantes, com diferença estatisticamente significativa. Hughes et al.31 realizaram estudo similar e observaram que, dez semanas após terapia não cirúrgica, a redução da profundidade de sondagem foi menor em fumantes (1.75 ± 0.56mm) se comparados aos não fumantes (2.23 ± 0.87mm), com diferença significativa. A mudança no nível clínico de inserção também foi menor em pacientes fumantes (1.67 ± 0.73mm) em comparação aos não fumantes (1.99 ± 0.74mm), também com diferença significativa. Esses resultados concordam com os apresentados por Papantonopoulos,32 que concluiu que o tabagismo prejudicou a cicatrização após terapia periodontal não cirúrgica e, além disso, foi observado que 42,8% dos fumantes e 11,5% dos não fumantes necessitaram de tratamento adicional em 16% dos seus dentes.

Para Mascarenhas et al.,33 a terapia com antibióticos pode ser usada em casos específicos do tratamento periodontal, como casos refratários de doença periodontal, mais prevalente em indivíduos fumantes. Os autores concluíram que a Azitromicina em combinação com raspagem e alisamento radicular melhora a eficácia da terapia periodontal não cirúrgica.

Eschiler et al.34 observaram que o uso de aparelhos ultrassônicos é difundido no tratamento da doença periodontal, por apresentar vantagens como a rapidez e acesso facilitado a regiões mais difíceis, porém, pode produzir rugosidades radiculares superiores àquela da raspagem manual. Para Khatiblou e Ghodssi,35 essa rugosidade pode não influenciar no sucesso do tratamento, visto que, a redução na profundidade observada foi semelhante entre os dentes com e sem rugosidade.

Meulman et al.36 dividiram 30 pacientes portadores de periodontite crônica em três grupos: grupo FMUD - debridamento de toda a cavidade bucal através do ultrassom, ou seja, uma sessão de 45 minutos de instrumentação ultrassônica para fumantes (n = 10), grupo SRP- raspagem e alisamento radicular realizado em um quadrante - fumantes (n = 10), e grupo controle - SRP para não fumantes (n = 10), tratados seguindo o mesmo protocolo que o grupo SRP. Seis meses após a terapia, todos os grupos apresentaram redução nos níveis de profundidade de sondagem, porém, os não fumantes apresentam menos locais com a necessidade de retratamento (profundidade de sondagem > 5 mm e sangramento à sondagem) do que os fumantes (p < 0,05).

Conforme descrito por Yamada et al.,37 os lasers têm sido utilizados para destruição de tumores e redução microbiana. A energia luminosa produz substâncias altamente reativas que podem ocasionar danos ao micro-organismo e célula alvo. Segundo os autores em Odontologia, a terapia fotodinâmica se mostra mais efetiva em infecções localizadas, com pouca profundidade e microbiota conhecida.

Queiroz et al.38 aplicaram terapia fotodinâmica e raspagem e alisamento radicular em pacientes fumantes com periodontite crônica. Vinte indivíduos tinham dois dentes aleatórios contralaterais para receber raspagem e alisamento radicular ou raspagem e alisamento radicular associado a um único episódio de terapia fotodinâmica, com um laser de diodo e fenotiazina. Após doze semanas, houve redução da profundidade de sondagem, no qual a média foi de 1,81 mm para o grupo de fumantes que recebeu a terapia fotodinâmica associado ao alisamento radicular, em comparação aos fumantes que receberam somente o alisamento radicular (1,51 mm), porém tais diferenças não foram estatisticamente significativas (p < 0,05). Para o nível de inserção clínica, houve ganho de 1,60 mm para o grupo da terapia fotodinâmica associada alisamento, enquanto que para o grupo do alisamento, a média foi de 1,41mm, sem diferença significativa (p < 0,05). Os autores concluíram que a inserção da terapia fotodinâmica não garante melhorias nos parâmetros clínicos nos pacientes fumantes.

Entretanto, Carvalho et al.39 afirmaram que a terapia fotodinâmica não pode ser o único método para tratamento de pacientes com periodontite crônica, mas pode trazer benefícios adicionais ao tratamento convencional por atuar diretamente sobre o processo inflamatório.

Enquanto alguns autores não são favoráveis à recomendação da terapia fotodinâmica em pacientes fumantes como terapia coadjuvante, como Ruhling et al.40 e Polansky et al.,41 outros concluem que a associação das terapêuticas contribui positivamente ao aumento dos níveis clínicos de inserção e na redução da profundidade de sondagem. 47,48

Rabbani et al.42 afirmaram que o tratamento não cirúrgico para controle da periodontite crônica apresenta algumas limitações. A remoção de cálculo completa é dificultada em dentes com profundidade de sondagem >3mm ou em dentes posteriores com envolvimento de furca. Para ultrapassar tais limitações e facilitar a manutenção em longo prazo, tratamentos cirúrgicos como gengivectomia, retalho de Widman, retalho modificado de Widman, retalho posicionado apicalmente, com ou sem cirurgia óssea foram criados.

Reino et al.43 avaliaram vinte fumantes pesados, apresentando duas retrações bilaterais classe I de Miller, que receberam recobrimento radicular pela técnica de retalho posicionado coronalmente de um lado (grupo controle) e pela técnica do retalho estendido no outro lado (grupo teste). Ambas as técnicas tiveram baixo recobrimento radicular (controle: 43,18% e teste: 44,52%). Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada para o recobrimento radicular entre as técnicas. Contudo, Silva et al.,44observaram menor índice de recobrimento radicular nos pacientes fumantes (69,8% vs. 90,5% para os não fumantes).

Rosen et al.45 realizaram estudo comparando os resultados clínicos da terapia regenerativa na prática clínica usando enxerto ósseo para tratamento de defeitos intraósseos em fumantes (n = 15) e não fumantes (n = 38). Um ano após o tratamento, foi observado ganho de inserção clínica de 2,7 mm em fumantes e 3,4 mm em não fumantes. Em relação à profundidade de sondagem, houve redução de 3 mm para fumantes e 3,8 mm para não fumantes. No entanto, quando comparado à melhora dos parâmetros clínicos, os fumantes apresentaram piores resultados após o tratamento do que os não fumantes. Os autores concluíram que o fumo afetou negativamente a resposta dos pacientes tratados por terapia de regeneração utilizando enxerto alógeno de osso liofilizado desmineralizado (DFDBA).

Desta forma, este estudo teve como objetivo avaliar de acordo com a revisão de literatura, os aspectos clínicos, microbiológicos e tratamento de fumantes portadores de doença periodontal, estimulando-os a abandonar este hábito, visando melhorias na saúde bucal e geral.

 

Conclusão

Dentro dos limites deste trabalho, foi observado que há divergências em relação à influência do tabagismo nos parâmetros clínicos e microbiológicos. Além disso, nos estudos avaliados foi comprovado que o tabagismo interfere na resposta à terapia periodontal, sendo considerado fator de risco para a reincidência e progressão da doença periodontal.

 

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Endereço para correspondência:
Gabriela Alessandra da Cruz Galhardo Camargo
e-mail:
gaby.3003@hotmail.com


Recebido: 31/10/2016
Aceito: 27/11/2016