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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.4 Rio de Janeiro Out./Dez. 2016

 

Comunicação Breve/Estomatologia/Patologia Oral

 

Reação de corpo estranho a material de preenchimento estético: relato de quatro casos

 

Foreign body reaction due to aesthetic filling materials: report of four cases

 

Ana Luiza Valle EstevesI; Fábio Ramôa PiresII,III; Águida Maria Menezes Aguiar MirandaIII; Simone Macedo AmaralIII; Juliana de Noronha Santos NettoI,III

 

I Pós-graduação em Dermatologia, Hospital Naval Marcílio Dias, Rio de Janeiro/RJ, Brasil
II Patologia Bucal, Departamento de Diagnóstico e Terapêutica, Faculdade de Odontologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil

III Ambulatório de Estomatologia, Associação Brasileira de Odontologia, Rio de Janeiro/RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: o objetivo deste trabalho é relatar quatro casos de reações de corpo estranho a material de preenchimento estético acometendo a cavidade oral. Relato dos casos: quatro pacientes adultas do sexo feminino compareceram à consulta apresentando nódulos submucosos localizados nos lábios e sulcos nasogenianos com histórico prévio de injeção de materiais de preenchimento estético (ácido hialurônico em duas pacientes e polimetilmetacrilato em duas pacientes). O diagnóstico em três dos quatro casos foi baseado nos achados clínicos e histológicos e apenas nos achados clínicos em um caso. O tratamento consistiu de manejo cirúrgico em três pacientes e corticoterapia em uma paciente e todas se encontram bem e em acompanhamento clínico. Conclusão: os cirurgiões-dentistas devem estar atentos aos efeitos adversos provocados por materiais de preenchimento estético, considerando seus diagnósticos diferenciais e as formas mais adequadas de tratamento.

Descritores: Ácido hialurônico; Polimetilmetacrilato; Reação a corpo estranho; Mucosa oral; Lábios.


 

ABSTRACT

Objective: The aim of the present study is to report 4 cases of foreign body reactions to dermal fillers affecting the oral cavity. Cases report: Four adult females were referred for evaluation of submerse nodules on the lips and nasolabial folds with a previous history of injection of dermal fillers (hyaluronic acid in two cases and polymethylmethacrylate in two cases). Diagnosis was based on clinical and histological aspects in three cases and solely on clinical aspect in one case. Management consisted in surgical excision in three cases and corticosteroid therapy in one and all 4 patients are well, with no signs of recurrence and remain in clinical follow-up. Conclusion: Dental professionals should be aware of the side effects associated with the use of aesthetic fillers, considering their main differential diagnosis and the most adequate management strategy for each individual case.

Descriptors: Hyaluronic acid; Polymethylmethacrylate; Foreign body reaction; Oral mucosa; Lips.


 

Introdução

Tendo em vista o aumento da demanda por tratamentos estéticos a fim de mascarar o processo de envelhecimento, materiais de preenchimento faciais estão sendo cada vez mais utilizados.1-3 Tratamentos associados à injeção de materiais como o colágeno bovino iniciaram-se na década de 1980, com o objetivo de tratar rugas e outras imperfeições; desde então, uma gama de materiais injetáveis têm sido utilizada para esta mesma finalidade.4,5

Os materiais de preenchimento estético são classificados em reabsorvíveis, como o colágeno bovino e o ácido hialurônico, e não absorvíveis, como o silicone.5 A injeção de alguns produtos que possuem propriedades bioestimuladoras na derme, como a hidroxiapatita de cálcio e o ácido polilático, atenuam as rugas e melhoram o aspecto facial.6 Entretanto, tem sido descrito na literatura que mesmo os materiais considerados reabsorvíveis podem induzir reações inflamatórias do tipo corpo estranho, capazes de gerar manifestações clínicas indesejáveis como edema, infiltração, prurido, dor, formação de nódulos e migração do material preenchedor.3,7 A presença de nódulos associados à utilização de materiais de preenchimento estético pode ser encontrada em até 1% dos casos.5,7 O conhecimento destas reações pelo cirurgião-dentista é fundamental, pois este é frequentemente o primeiro profissional a ser procurado pelo paciente para o diagnóstico de aumentos de volume labiais.

Em virtude da maior demanda pela utilização de materiais de preenchimento, efeitos adversos decorrentes do seu uso têm sido reportados na literatura com maior frequência nos últimos anos.3,5 Assim, o objetivo deste trabalho é relatar quatro casos de reação adversa a materiais de preenchimento estético com apresentações clínicas variadas.

 

Relato dos Casos

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 61 anos, leucoderma, compareceu à consulta queixando-se de múltiplos nódulos submersos, fibrosos, móveis, em mucosa labial superior e inferior, estendendo-se para mucosa jugal, todos menores que 1,0 cm e com evolução de 10 dias (Figura 1A). A paciente relatou ter sido submetida à injeção de polimetilmetacrilato nos lábios há 16 anos. História pessoal pregressa revelou utilização de colírios e lubrificante ocular por conta de uma uveíte, com perda da visão direita. Tendo em vista a hipótese clínica de reação de corpo estranho a material de preenchimento estético com apresentação multifocal, foi feita opção pela utilização de corticoterapia sistêmica (prednisona 20 mg por 5 dias), com diminuição importante do tamanho dos nódulos ao final do tratamento. A paciente encontra-se em acompanhamento por dois anos, sem histórico de recidiva.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 52 anos, leucoderma, compareceu à consulta queixando-se de nódulo submerso bem delimitado, móvel, com cerca de 0,7 cm na mucosa labial superior do lado direito, com evolução de 1 mês (Figura 1B). Relatava ter sido submetida a preenchimento estético labial com polimetilmetacrilato há dois anos. História pessoal pregressa revelou hipertensão arterial e câncer de mama diagnosticado em 2005, sendo tratado com mastectomia, quimioterapia e radioterapia. Tendo em vista as hipóteses clínicas de reação de corpo estranho a material de preenchimento, mucocele, neoplasia de glândulas salivares menores e neoplasias benignas mesenquimais, foi realizada biópsia excisional da lesão sob anestesia local. A análise histopatológica evidenciou reação granulomatosa do tipo corpo estranho associada a material de preenchimento estético compatível com polimetilmetacrilato (Figura 1C). A paciente não apresentou evidências de recidiva, após 2 anos de acompanhamento.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 56 anos, leucoderma, compareceu à consulta com queixa de nódulo no lábio inferior do lado esquerdo, indolor, com 15 dias de evolução (Figura 1D). Relatou ter sido submetida a preenchimento com ácido hialurônico dos sulcos nasolabiais três meses antes, com aplicações subsequentes no lado esquerdo, um mês após a primeira aplicação. História pessoal pregressa revelou hipertensão e hipotireoidismo. Tendo em vista as hipóteses clínicas de reação de corpo estranho a material de preenchimento, mucocele, neoplasia de glândulas salivares menores e neoplasias benignas mesenquimais, foi realizada biópsia excisional sob anestesia local. A análise histopatológica evidenciou reação granulomatosa associada ao ácido hialurônico, mostrando o material circundado por macrófagos e células gigantes multinucleadas do tipo corpo estranho. A paciente encontra-se em acompanhamento clínico há nove meses, não apresentando queixas nem modificação da morfologia local.

 

 

 

Caso 4

Paciente do sexo feminino, 64 anos, leucoderma, compareceu à consulta com queixa de nódulo no lábio inferior do lado esquerdo, indolor, com dois meses de evolução (Figura 2A). A paciente relatava ter feito injeção de material de preenchimento estético com ácido hialurônico quatro meses antes. Tendo em vista as hipóteses clínicas de reação de corpo estranho a material de preenchimento, neoplasia de glândulas salivares menores e neoplasias benignas mesenquimais, foi realizada biópsia excisional sob anestesia local. A análise histopatológica evidenciou reação granulomatosa associada ao ácido hialurônico, mostrando o material circundado por macrófagos e células gigantes multinucleadas do tipo corpo estranho (Figura 2B). A paciente encontra-se em acompanhamento clínico há quatro meses, sem queixas e sem evidências de recidiva.

 

 

 

Os autores declaram que o presente trabalho foi desenvolvido seguindo as normas da declaração de Helsinki para estudos em humanos.

 

Discussão

O uso de materiais de preenchimento cosmético aumentou significativamente nas últimas décadas.2,3 O produto ideal utilizado para o preenchimento deve ser biocompatível, seguro, não imunogênico, facilmente obtido e estocado, de baixo custo e sem potencial de migração do sítio de aplicação.5 Apesar da aprovação de diversos produtos pela Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, o seu uso pode implicar em efeitos adversos como desconforto, eritema, edema, dor, prurido, hematoma e reação de corpo estranho na região onde a aplicação é feita. Essas reações podem levar à necessidade de explorações cirúrgicas com finalidade diagnóstica, já que tais apresentações podem ser clinicamente semelhantes a outras doenças, conforme exemplificado em três dos casos relatados no presente estudo. Nos lábios, bochechas e outras áreas periorais, os diagnósticos diferenciais clínicos incluem especialmente mucoceles, neoplasias de glândulas salivares menores ou outras neoplasias benignas de origem mesenquimal.5 Tais alterações habitualmente apresentam-se clinicamente de maneira inespecífica, como aumentos de volume normocrômicos, bem delimitados, podendo ser dolorosos.8 Adicionalmente, a suspeita diagnóstica de reações a materiais de preenchimento estético muitas vezes é dificultada pela omissão dos pacientes sobre a aplicação de preenchimentos, o que demanda uma boa relação profissional-paciente durante o processo diagnóstico.

Os granulomas podem ocorrer precocemente, após semanas da aplicação, ou tardiamente, anos após a injeção do material cosmético, fato demonstrado pelos casos incluídos no presente estudo.5,9,10 Complicações mais sérias podem ocorrer, tais como reações de hipersensibilidade, oclusão vascular, escaras e necrose.3,5,7 A incidência das reações de corpo estranho aos materiais de preenchimento estético não é frequente e estima-se que possam ocorrer em 0,02% a 1% dos casos de preenchimento, dependendo da estrutura química e das propriedades do agente preenchedor, além da presença de impurezas na sua composição.5,7,10

As reações são mais comuns em pacientes do gênero feminino,5 achado associado ao fato de que a grande maioria dos pacientes que se submetem a procedimentos com fins estéticos são mulheres, assim como demonstrado no presente trabalho.

A migração do material preenchedor é uma complicação possível associada a sua injeção. Acredita-se que alguns pacientes possuam uma suscetibilidade inata a este fenômeno, devido a diferenças nos planos de fusão embriológicos.5 Assim, os pacientes podem apresentar os nódulos em regiões por vezes distantes do local primário de injeção, sendo importante sempre considerar este aspecto durante o processo diagnóstico. O tratamento das reações de corpo estranho aos materiais de preenchimento estético depende dos sintomas associados, de sua apresentação clínica e do seu curso evolutivo. Nódulos isolados e bem delimitados podem ser tratados por meio de procedimentos cirúrgicos conservadores realizados pela mucosa, ao passo que nódulos múltiplos e difusos podem ser tratados por meio de corticoesteroides injetados localmente ou por via sistêmica. Vale reassaltar que, nos casos onde há dúvida clínica sobre o diagnóstico, a análise histopatológica é parte importante do processo diagnóstico, como exemplificado em três dos quatro casos incluídos no presente trabalho.

 

Conclusão

O uso de materiais de preenchimento para fins cosméticos tem aumentado nas últimas décadas, assim como os efeitos adversos relacionados ao seu uso. É essencial que o profissional esteja ciente destas possíveis complicações, para que possa reconhecê-las e tratá-las da forma mais adequada.

 

Referências

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7. Requena L, Requena C, Christensen L, Zimmermann US, Kutzner H, Cerroni L. Adverse reactions to soft tissue fillers. J Am Acad Dermatol. 2011;64(1):1-34.

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Endereço para correspondência:
Juliana de Noronha Santos Netto
e-mail:
julianansn@yahoo.com.br

 

Recebido: 05/09/2016
Aceito: 30/10/2016