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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.74 no.2 Rio de Janeiro Abr./Jun. 2017

 

Artigo de Revisão de Literatura/Odontologia do Esporte

 

Influência do uso de protetores bucais sobre o consumo de oxigênio: artigo de revisão

 

Influence of the use of mouth guards on oxygen consumption: review article

 

Bárbara Capitanio de SouzaI

 

I Academia Brasileira de Odontologia do Esporte, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: avaliar, através da literatura, se o uso de protetores bucais influencia os valores de VO2 e VO2 máx. durante uma atividade física. Material e Métodos: o estudo foi realizado em janeiro de 2017 e incluiu os artigos indexados na base de dados MEDLINE / PubMed, desde o ano 2000 até o momento da pesquisa. A estratégia de busca empregou o termo protetor bucal com as seguintes palavras e possíveis combinações: limiares ventilatórios, desempenho atlético, volume máximo de oxigênio, capacidade de desempenho aeróbio e consumo de oxigênio. Os trabalhos encontrados foram apresentados em uma tabela e analisados descritivamente. Resultados: os dados analisados indicam que o uso do protetor bucal Tipo III ou personalizado não influencia negativamente os valores VO2 e VO2 máx. Conclusão: de acordo com a literatura, os protetores bucais Tipo I e Tipo II tiveram influência negativa nas variáveis analisadas. O uso do protetor bucal personalizado, especialmente do Tipo III, não apresentou qualquer dano aos valores VO2 e VO2 máx.

Palavras-chave: Protetores bucais; Desempenho atlético; Consumo de oxigênio.


ABSTRACT

Objective: Objective: to evaluate, through a literature review, whether the use of mouth guards influences the VO2 and VO2 max values during physical activity. Material and Methods: the study was carried out in January 2017 and included the articles indexed in the MEDLINE/PubMed database from the year 2000 until the date of the search. The search strategy employed the term "mouth guard" with the following words and possible combinations: "ventilatory thresholds," "athletic performance," "maximum volume of oxygen," "aerobic performance capacity," and "oxygen consumption." The articles found were presented in a table and analyzed descriptively. Results: the data analyzed indicate that the use of the Type III or customized mouth guard does not negatively influence the VO2 and VO2 max values. Conclusion: according to the literature, Type I and Type II mouth guards had a negative influence on the analyzed variables. The use of the personalized mouth guard, especially Type III, did not present any damage to the VO2 and VO2 max values.

Keywords: Mouth protectors; Athletic performance; Oxygen consumption.


 

Introdução

O atleta, durante a realização das suas atividades esportivas, fica suscetível a inúmeras injúrias. O uso de protetor bucal (PB) pode fornecer proteção aos dentes, à mandíbula, aos tecidos moles adjacentes e, também, proteger o cérebro contra concussão decorrentes dos impactos na região de mandíbula.1 O uso de protetores mal adaptados e pouco retentivos ocasionaram dificuldades de fala e de respiração, sensação de ânsia, dor ou ferimentos, além de modificar negativamente o volume da ventilação, durante a atividade física, podendo, com isso, alterar alguns parâmetros fisiológicos.2

Dentre os parâmetros fisiológicos utilizados na investigação da avaliação funcional de atletas, podemos citar o consumo de oxigênio (VO2), que é um indicador de funcionalidade e reflete a exigência energética durante uma atividade física, e o consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), que auxilia na avaliação do desempenho físico e da capacidade funcional cardiorrespiratória. O VO2 máx. é considerado um preditor de desempenho, pois a capacidade do ser humano para realizar exercícios de longa e média duração depende principalmente do metabolismo aeróbio. Os valores de VO2 e VO2 máx. refletem a condição física do indivíduo e são utilizados para avaliar e comparar o desempenho de atletas.3 Sendo assim, o uso de qualquer acessório que dificulte esta captação de oxigênio é indesejável.

Os protetores bucais foram desenvolvidos para reduzir possíveis danos e/ou injúrias decorrentes da prática esportiva, contudo muitos atletas preferem não usá-los devido à crença nos efeitos negativos sobre a respiração, durante a atividade física. Por isso, o objetivo nesse trabalho é avaliar, através da literatura, se o uso de protetores bucais influencia os valores de VO2 e VO2 máx. durante uma atividade física.

 

Material e Métodos

Trata-se de um estudo descritivo analítico, que foi realizado através de revisão de literatura. A estratégia de busca empregou o termo protetor bucal (mouthguard) com o operador booleano and e os descritores: limiares ventilatórios (ventilatory thresholds), desempenho atlético (Athletic performance), volume máximo de oxigênio (maximum volume of oxygen), capacidade de desempenho aeróbio (aerobic performance capacity) e consumo de oxigênio (oxygen consumption). Para uma leitura mais atual, foram selecionados os artigos publicados entre o ano 2000 até janeiro de 2017. Para uma análise inicial, foram excluídos os artigos que não apresentavam resumo disponível. Após a avaliação dos resumos, foram excluídos os artigos que não tratavam do tema proposto, que realizaram experimentos em animais, que reportavam relatos de caso e os artigos duplicados. A busca inicial identificou 91 artigos indexados, sendo que 10 foram selecionados, de acordo com os critérios expostos, para compor a revisão final (Figura 1). Os dados foram apresentados em uma tabela e analisados descritivamente.

 

 

 

Revisão de Literatura

A Odontologia, como área de atuação no esporte, ainda é pouco pesquisada. Ao analisarmos a literatura disponível, encontramos uma relativa escassez de estudos sobre assuntos mais específicos, que fogem da abordagem tradicional sobre os traumatismos, durante a prática esportiva. São poucos os estudos disponíveis que analisam outros aspectos relacionados aos protetores bucais, como as variáveis ventilatórias. Com o crescente desenvolvimento científico e interesse pela área da Odontologia do Esporte, novas pesquisas estão sendo desenvolvidas para a firmação do conhecimento na especialidade.

Alguns parâmetros fisiológicos são importantes para identificar a capacidade funcional do atleta. Os valores de VO2 e VO2 máx. têm recebido a atenção de vários pesquisadores fisiologistas, pois influenciam no desempenho físico do esportista. Assim, existe uma preocupação com a alteração do volume de ventilação, quando se utiliza algum tipo de PB. Os estudos selecionados para a revisão, descritos na tabela 1, tentaram identificar, através de testes físicos, a existência de alterações nos valores de parâmetros fisiológicos ventilatórios, quando utilizado o PB. Nesta revisão, foi dada maior ênfase aos valores de VO2 e VO2 máx. De modo geral, nestes estudos, foram citados três diferentes tipos de dispositivos de proteção, para suas experimentações (Tabela 2).

 

 

 

 

 

De modo geral, o uso dos protetores do Tipo I e II teve uma influência negativa sobre as variáveis analisadas, havendo efeito significativo em relação ao não uso de PB, indicando prejuízo sobre os limiares ventilatórios.5,11 Outros estudos que avaliaram protetores do Tipo II e III não identificaram interferência sobre os parâmetros ventilatórios analisados, apresentando resultados semelhantes de VO2 e VO2 máx. com ou sem o uso de PB.4,6-8,10,12 Contudo, em algumas pesquisas, o PB Tipo III influenciou na melhora das variáveis ventilatórias analisadas, havendo efeito positivo significativo em comparação ao não uso de protetor, sugerindo maiores benefícios para o atleta.9,11,13

 

Discussão

Os protetores bucais possuem diferentes funções como proteger as estruturas dentais e periodontais, durante a prática esportiva, e amenizar o número e a gravidade dos traumatismos.1 Os trabalhos envolvendo protetores bucais já são realizados há algumas décadas; contudo, é recente a investigação sobre a influência dos protetores sobre os parâmetros ventilatórios, o que gera dúvidas para pacientes e profissionais. Entretanto, os avanços tecnológicos e científicos relacionados com as técnicas de confecção e com o desenvolvimento de novos materiais, associados à crescente competitividade no meio esportivo, estimularam o surgimento de novas pesquisas, que abordam a relação entre o uso de protetores bucais e o desempenho esportivo.

Para melhor esclarecer a importância do conhecimento sobre a existência de uma possível alteração dos parâmetros ventilatórios com o uso de protetores bucais é importante entendermos os significados desses. O VO2 é uma medida da capacidade funcional do organismo em ofertar e utilizar o oxigênio para a produção de energia, aumentando linearmente com o trabalho muscular crescente. 3 O VO2 máx. é a capacidade máxima do corpo de um indivíduo para transportar e utilizar oxigênio, durante o exercício incremental, o que reflete a condição física do indivíduo e é utilizado para avaliar e comparar o desempenho de atletas. O VO2 máx. é um dos principais indicadores de aptidão funcional cardiorrespiratória.14 Assim, estes parâmetros são de grande importância para a avaliação funcional do atleta.3

Os trabalhos analisados indicam que, de acordo com o tipo de protetores bucais utilizados, pode haver modificação do desempenho esportivo, uma vez que as variáveis ventilatórias podem sofrer alteração. Os protetores bucais do Tipo I e Tipo II influenciaram negativamente as variáveis analisadas, havendo efeito significativo em comparação ao não uso de protetor.5,11 Alguns trabalhos indicaram que o PB Tipo II não influenciou negativamente as variáveis analisadas, não havendo efeito significativo em comparação ao não uso de protetor.6,10 Contudo, os autores não esclarecem se houve algum tipo de ajuste adicional realizado pelo cirurgião-dentista, nestes PB. Isto poderia melhorar a adaptação do protetor e reduzir seus efeitos negativos sobre o desempenho. O PB Tipo III apresentou os melhores resultados, não influenciando negativamente as variáveis analisadas, havendo efeito significativo em comparação ao não uso de protetor.6,7,10,12 Além disso, alguns autores relataram que esse tipo de protetor influenciou positivamente os parâmetros avaliados, havendo efeito significativo favorável em comparação ao não uso de PB.9,11,13 Isto significa que os atletas podem ter um benefício no desempenho com o uso do PB Tipo III.

Os estudos selecionados apresentaram algumas limitações. No que se refere ao universo e à amostra, alguns autores apresentaram um tamanho amostral reduzido de participantes, sem uma indicação cálculo amostral. Além disso, não há uma padronização dos participantes o que é importante levando em consideração os fatores fisiológicos. 5-10,13 Outro fator importante a considerar é que algumas pesquisas não utilizaram o teste de ergoespirometria padrão para coleta de dados dos parâmetros ventilatórios. 4,5,9,11,12 O teste consiste em realizar um exercício progressivo em esteira ou bicicleta ergométrica, respirando por um dispositivo que permite a análise das variáveis ventilatórias com maior precisão.

A confecção do PB deve seguir as técnicas recomendadas, para contemplar a máxima eficácia do aparelho e o mínimo prejuízo para o atleta. Dentre estas orientações ressaltamos que o PB deve adaptar-se de forma justa ao arco dentário, recobrir as superfícies oclusais dos dentes, estender-se na região posterior, até a superfície distal do penúltimo dente presente no arco, para não provocar náuseas, devem estender-se além da linha muco-gengiva, vestibularmente. Além disso, é importante que a região palatal deva estender-se por, aproximadamente, 5 mm sobre o palato e conter sua extremidade fina, lisa e arredondada, para evitar interferências com a fala, a respiração ou estimular de reflexo de vômito.15 Os protetores bucais do Tipo I e Tipo II não contemplam as exigências mínimas para um protetor que deva ao mesmo tempo cumprir com os seus objetivos, sem prejudicar o desempenho do atleta. Além disso, é bastante frequente a queixa de desconforto pelo uso destes protetores, o que gera ideia equivocada e generalizada.2

 

Conclusão

Os protetores Tipo I e Tipo II apresentaram uma influência negativa sobre as variáveis analisadas, havendo efeito significativo em relação ao não uso de PB. A utilização do PB personalizado, especialmente o tipo III, não apresentou prejuízo para os valores de VO2 e VO2 máx. Além disso, alguns autores apontam uma melhora na capacidade anaeróbia, quando utilizado o protetor personalizado, o que pode indicar uma redução de níveis de lactato e fadiga muscular e melhora dos parâmetros ventilatórios. A confecção do PB deve seguir algumas recomendações, para contemplar a máxima eficácia do aparelho e o mínimo prejuízo para o atleta. É importante que essa confecção seja realizada pelo cirurgião-dentista com conhecimento sobre os dispositivos orais de proteção, para que se possa realizar a adequada indicação de uso.

 

Referências

1. Gould TE, Piland SG, Caswell SV, Ranalli D, Mills S, Ferrara MS, et al. National Athletic Trainers' Association Position Statement: Preventing and Managing Sport-Related Dental and Oral Injuries. J Athl Train. 2016;51(10):821-39.         [ Links ]

2. Morales J, Buscà B, Solana-Tramunt M, Miró A. Acute effects of jaw clenching using a customized mouthguard on anaerobic ability and ventilatory flows. Hum Mov Sci. 2015;44:270-6.

3. Mainguy V, Malenfant S, Neyron AS, Saey D, Maltais F, Bonnet S, et al. Alternatives to the six-minute walk test in pulmonary arterial hypertension. PLoS One. 2014;9(8):e103626.

4. Keçeci AD, Cetin C, Eroglu E, Baydar ML. Do custom-made mouthguards have negative effects on aerobic performance capacity of athletes? Dent Traumatol. 2005;21(5):276-80.

5. Delaney JS, Montgomery DL. Effect of noncustom bimolar mouthguards on peak ventilation in ice hockey players. Clin J Sport Med. 2005;15(3):154-7.

6. Bourdin M, Brunet-Patru I, Hager PE, Allard Y, Hager JP, Lacour JR, et al. Influence of maxillary mouthguards on physiological parameters. Med Sci Sports Exerc. 2006;38(8):1500-4.

7. von Arx T, Flury R, Tschan J, Buergin W, Geiser T. Exercise capacity in athletes with mouthguards. Int J Sports Med. 2008;29(5):435-8.

8. Gebauer DP, Williamson RA, Wallman KE, Dawson BT. The effect of mouthguard design on respiratory function in athletes. Clin J Sport Med. 2011;21(2):95-100.

9. Garner DP, Dudgeon WD, Scheett TP, McDivitt EJ. The effects of mouthpiece use on gas exchange parameters during steady-state exercise in college-aged men and women. J Am Dent Assoc. 2011;142(9):1041-7.

10. Rapisura KP, Coburn JW, Brown LE, Kersey RD. Physiological variables and mouthguard use in women during exercise. J Strength Cond Res. 2010;24(5):1263-8.

11. Queiróz AF, de Brito RB Jr, Ramacciato JC, Motta RH, Flório FM. Influence of mouthguards on the physical performance of soccer players. Dent Traumatol. 2013;29(6):450-4.

12. Collares K, Correa MB, Mohnsam da Silva IC, Hallal PC, Demarco FF. Effect of wearing mouthguards on the physical performance of soccer and futsal players: a randomized cross-over study. Dent Traumatol. 2014;30(1):55-9.

13. Piero M, Simone U, Jonathan M, Maria S, Giulio G, Francesco T, Gabriella C, et al. Influence of a custom-made maxillary mouthguard on gas exchange parameters during incremental exercise in amateur road cyclists. J Strength Cond Res. 2015;29(3):672-7.

14. Wiewelhove T, Raeder C, Meyer T, Kellmann M, Pfeiffer M, Ferrauti A. Markers for Routine Assessment of Fatigue and Recovery in Male and Female Team Sport Athletes during High-Intensity Interval Training. PLoS One. 2015; 10(10):e0139801.

15. Gonçalves AR, Albuquerque HCL, Ferreira MCCF, e Souza CHC. Mouthguards: types and manufacturing technique. Prosthes Lab Sci. 2012;2(5):61-8.

 

 

Endereço para correspondência:
Bárbara Capitanio de Souza
e-mail: barbara.capitanio@gmail.com

 

Recebido: 08/01/2017
Aceito: 08/03/2017