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RPG. Revista de Pós-Graduação

versão impressa ISSN 0104-5695

RPG, Rev. pós-grad. vol.17 no.3 São Paulo Jul./Set. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

 

A importância da mastigação na doença de Alzheimer

 

The relationship between mastication and Alzheimer's disease

 

 

Lucy Naomi ShiratoriI; Juliana MarottiII; Márcio Katsuyoshi MukaiII; Pedro Tortamano NetoIII; Carlos GilIV; Matsuyoshi MoriIII

IMestranda do Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IIDoutorandos do Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IIIProfessores Doutores do Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IVProfessor Titular do Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o crescimento paulatino da longevidade da população, a incidência da doença de Alzheimer, que afeta, principalmente, a terceira idade, aumentou. A doença de Alzheimer afeta o cérebro, principalmente as áreas da memória e da linguagem, levando a um progressivo prejuízo dessas funções. Estudos relatam que a falta de uma mastigação eficiente pode ser um dos fatores de risco para a doença de Alzheimer. O objetivo deste estudo foi fazer uma revisão da literatura sobre a importância da mastigação e sua relação com a doença de Alzheimer.

Descritores: Mastigação. Doença de Alzheimer. Cérebro. Memória.


ABSTRACT

As the number of the population grows, the incidence of Alzheimer disease is also higher. This disease affects in its majority the third age. Alzheimer disease affects the brain, specially the areas of memory and of language, which leads to a deterioration of those functions. Several studies report that inefficient chew can be one of the risk factor for the Alzheimer disease. The aim of this study was to make a literature review about the mastication importance and its relation to Alzheimer’s disease.

Descriptors: Mastication. Alzheimer disease. Cerebrum. Memory.


 

 

Introdução

Com o aumento da expectativa de vida da população, novos casos da doença de Alzheimer (DA) surgem a cada ano e afetam principalmente indivíduos na terceira idade. Esse envelhecimento da população mundial é progressivo. Em 1950, havia 214 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e as estimativas indicam que serão aproximadamente 1 bilhão em 2025. Tal fato se deve a melhora na qualidade de vida da população, acesso a fármacos e novas terapias, garantindo a maior longevidade4,13.

A DA afeta o cérebro, principalmente nas áreas da memória e da linguagem, levando a um progressivo prejuízo dessas funções. A doença evolui primeiramente com perda progressiva da memória, começando para fatos recentes e progredindo até a perda total; desorientação temporal e desorientação espacial. Tais alterações da cognição levam a uma progressiva perda da independência no dia a dia, com alterações de comportamento que podem ser precoces, levando a agitação, agressividade, delírios e alucinações11.

Segundo alguns experimentos em animais, a capacidade de memória e aprendizado pode estar relacionada com a mastigação de alimentos pouco consistentes e perdas dentais6,15.

O objetivo deste estudo foi fazer uma revisão da literatura sobre a relação entre a importância da mastigação e a DA.

 

Revisão de literatura

De acordo com Freitas et al., a DA é considerada a forma mais comum de demência. Nos países ocidentais, estima-se que o número de indivíduos acometidos supere 15 milhões em todo o mundo e sua prevalência vem aumentando de forma significativa nas diversas faixas etárias. Nos Estados Unidos a DA é a quarta causa de óbito em pessoas entre 75 e 84 anos de idade, e a terceira maior causa de incapacidade e mortalidade. No Brasil, apesar das estatísticas não serem precisas, estima-se que cerca de 500 mil pessoas sejam acometidas pela DA, o que causa um impacto em nossa sociedade3.

A compreensão do mecanismo patogênico da DA sofreu um grande avanço com o auxílio de estudo em modelos de ratos transgênicos. Esses modelos permitiram o estudo da evolução da patologia da DA2.

Na DA os neurônios morrem pelo acúmulo de proteínas em formas que não são normalmente encontradas no cérebro, tanto dentro – a proteína tau, uma proteína normalmente envolvida na estabilização de microtúbulos no esqueleto do neurônio; como fora dos neurônios – a proteína beta-amiloide. O que não se sabe é por que se inicia esse processo. No início da doença, essa perda das células cerebrais não acontece de forma homogênea, ocorrendo principalmente nas áreas responsáveis pela memória e funções executivas. Depois, outras regiões são atingidas, comprometendo cada vez mais o estado mental da pessoa3,14.

Entre os neurônios existem substâncias chamadas de neurotransmissores que ajudam na passagem do fluxo elétrico entre eles. Inicialmente, nos portadores da DA, os neurônios em certas localizações do cérebro começam a perder os neurotransmissores e a morrer mais rápido do que na pessoa idosa normal. A perda do neurotransmissor acetilcolina se traduz por falhas comportamentais e emocionais. Quando os neurônios morrem, níveis cada vez mais baixos de neurotransmissores são produzidos, criando problemas mais concretos na comunicação do cérebro, perturbando a memória e demais funções cognitivas, de humor e de comportamento.

Com a perda progressiva das sinapses, começa a DA e os dois marcadores histopatológicos se acumulam no cérebro: placas senis (PS) e os emaranhados neurofibrilares (ENF)3,14.

As PS são estruturas extracelulares que aparecem muito cedo no cérebro das pessoas, podendo acompanhar o processo do envelhecimento sem causar demência. Geralmente são as PS imaturas, isto é, não têm depósito da proteína beta-amiloide no seu centro. As PS maduras apresentam depósito da proteína beta-amiloide no seu interior e são encontradas em portadores da DA3,14.

O comprometimento cognitivo da DA pode também estar mais estreitamente correlacionado com a densidade dos emaranhados neurofibrilares (ENF) no hipocampo do que com a deposição das placas de beta-amiloide. Os ENF consistem primariamente de uma forma hiperfosforilada da proteína tau, que é resistente a degradação celular, polimeriza-se prontamente em estruturas filamentosas e causa a despolimerização dos microtúbulos, inibindo o transporte axonal e interrompendo as funções neuronais3,14.

Os ENF são estruturas intracelulares que são depositadas em um lado do neurônio que vai da metade do corpo até o axônio, devido à desestruturação do esqueleto neuronal. Por sua vez, os ENF podem existir nas pessoas idosas a partir dos 75 anos, localizando-se no córtex entorrinal do hipocampo, sem causar demência. Nas pessoas com DA, por motivo ainda não conhecido, ocorre aumento da fosforilação da proteína tau, que faz parte da constituição do esqueleto do neurônio, iniciando sua desestruturação, alterando sua morfologia e consequentemente levando a sua morte. Na DA, os ENF são depositados aos poucos em todas as células do cérebro, começando pelo hipocampo, seguindo ao lobo temporal, parietal, frontal e sensitivo-motor3,14.

Por meio do estudo com modelos de ratos transgênicos, pode-se dizer que os humanos e ratos, apesar de serem de espécies diferentes, possuem uma relação entre as funções cognitivas. Os sistemas cognitivos parecem se manter através de espécies, com sua função e neuroanatomia claramente definida2,8. Por isso, devido à maior facilidade de se realizarem experimentos em animais e à semelhança dos sistemas cognitivos entre ratos e humanos, existem alguns estudos sobre Alzheimer realizados em ratos5,8,9,10,12,15.

Trabalhos na literatura relatam a relação entre a falta de uma mastigação eficiente e a DA. Segundo os autores, a capacidade de memória e aprendizado pode estar relacionada com a mastigação de alimentos moles e a perda dental6,15.

Onozuka et al., em 1999, e Nakamura, em 1986, também relacionaram perda dental e demência. Realizaram a extração de molar em ratos e constataram uma diminuição da capacidade de aprendizagem e foi detectada menor densidade de neurônios no hipocampo. Sendo que a estimulação do sistema aferente seria dependente de boa mastigação e consistência do alimento10.

Yamamoto e Hirayama, em 2001, realizaram um experimento com ratos geneticamente modificados (SAMR – ratos com envelhecimento acelerado) e observaram a redução de sinapses no córtex cerebral em ratos alimentados com dieta mole. A diminuição da atividade de mecanoreceptores na região orofacial pode estar relacionada a alterações neuropatológicas importantes, pois essa redução do estímulo aferente por esses receptores, devido à menor função mastigatória, pode levar a redução de sinapses no córtex cerebral15.

Onozuka et al., em 2002, realizaram um experimento com ratos (SAM), extraindo o molar superior e puderam observar uma diminuição da liberação de acetilcolina e da atividade da acetilcolina-transferase no hipocampo. A DA tem como alterações cerebrais, a redução de 40 a 90% da atividade da acetilcolina-transferase, especialmente no córtex cerebral e hipocampo9.

Ainda segundo Maeda et al., em 1987, a redução do estímulo aferente pode ocorrer com a diminuição do estímulo do feixe muscular devido a longo período com dieta macia, influenciando o número de neurônios no córtex cerebral7.

Tsutsui et al. em 2007, observou por meio de um experimento realizado com ratos durante 1 ano, que a redução a longo prazo do estímulo do sistema aferente da mastigação pode causar uma diminuição de neurônios podendo levar a uma perda de memória e aprendizado12.

Em experimento com ratos transgênicos (osteopetrotic mouse – OP) com ausência de mecanoreceptores periodontais e dentes, Kobayashi et al., em 2002, demonstraram o papel dos dentes e receptores na regulação dos movimentos mandibulares na mastigação. Concluíram que os neurônios responsáveis pela mastigação e movimentos mandibulares podem ser estimulados na ausência de mecanoreceptores e dentes; e receptores musculares (músculos de fechamento mandibular) e da mucosa oral podem compensar a falta dos mecanoreceptores/dentes. Os autores sugerem que a ausência de dentes pode ser compensada com o estímulo dos neurônios por meio de receptores da mucosa bucal (como, por exemplo, com a escovação da gengiva), podendo assim, permitir a manutenção dos movimentos mandibulares corretos para a mastigação5.

 

Discussão

O mundo vem enfrentando um envelhecimento progressivo de sua população. O Brasil, a exemplo de outros países, enfrenta o mesmo fenômeno e a população brasileira envelhece rapidamente13.

No Brasil não há dados objetivos com respeito à DA, mas é possível, com base em alguns índices, estimarmos a sua frequência em nosso meio. A taxa de incidência aos 60 anos é de cerca de 10%; sendo que dobra a cada 5 anos. Ao redor dos 85 anos é 9 vezes maior que aos 69 anos de idade. Ultrapassa 50% aos 95 anos1,4.

A DA não tem cura, a causa é desconhecida, e sua prevalência e incidência aumentam consideravelmente com a idade. Na DA, a morte dos neurônios ocorre pelo acúmulo de proteínas, tanto dentro da célula pela proteína tau, como fora dos neurônios pela proteína beta-amiloide. A perda das células cerebrais não acontece de forma homogênea, ocorrendo principalmente nas áreas responsáveis pela memória e funções executivas3,11,14.

Experimentos em animais mostram relação das demências com a importância de uma mastigação eficiente, com alimentos consistentes estimulando o sistema aferente. A diminuição da intensidade da mastigação, relacionada à ingestão de alimentos pouco consistentes ou perda dentária, gera a diminuição na atividade dos mecanoreceptores presentes no ligamento periodontal. A redução do estímulo aferente por esses receptores reduz, por sua vez, as sinapses no córtex cerebral6,9,15. Porém, para que esses resultados possam encontrar validade na clínica diária, estudos em humanos são necessários.

A falta de uma mastigação eficiente está relacionada com a diminuição da acetilcolina, importante neurotransmissor que age como propagador do impulso nervoso nas fendas sinápticas. Em longo prazo, a redução do estímulo do sistema aferente da mastigação pode causar uma diminuição de neurônios levando a uma perda de memória e aprendizado. Assim, nota-se a importância do estímulo da mucosa gengival, bem como a mastigação de alimentos mais consistentes5,7,9,12.

 

Conclusão

Pelo levantamento da literatura, pode-se concluir que pode haver uma relação entre a mastigação e a DA. Sendo assim, seria importante a mastigação de alimentos consistentes, a manutenção dos elementos dentários e o estímulo da mucosa gengival visando estimular o sistema aferente para evitar a perda de neurônios em longo prazo. Porém, para que seja possível transpor essas conclusões para a clínica, estudos em humanos são necessários, já que todos os experimentos foram realizados em animais.

 

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Endereço para correspondência:
Lucy Naomi Shiratori
Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
Avenida Prof. Lineu Prestes, 2227 – Cidade Universitária
CEP: 05508-000 – São Paulo/SP
E-mail: lushiratori@usp.br
Trabalho realizado no Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP.

Recebido: 28/06/10
Aceito: 20/09/10