SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

RPG. Revista de Pós-Graduação

versão impressa ISSN 0104-5695

RPG, Rev. pós-grad. vol.17 no.3 São Paulo Jul./Set. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

 

Restabelecimento da dimensão vertical de oclusão por meio de prótese parcial removível

 

Occlusion vertical dimension restoration through partial removable prosthesis

 

 

Márcio Katsuyoshi MukaiI; Carlos GilII; Bruno CostaIII; Roberto Chaib StegunIII; Alessandra Pucci Mantelli GalhardoI; Danilo Chucralla ChaccurIV; Ana Carolina Cintra de Souza FukudaV; Brigitte Alvarado KammererV

IDoutorando do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IIProfessor Titular do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IIIProfessor Doutor do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
IVMestrando do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP
VCirurgiã-dentista formada pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) – São Paulo/SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A perda da dimensão vertical de oclusão (DVO) é resultado de um grande desequilíbrio oclusal, onde não apenas a perda dos dentes pode ser o fator responsável, como também as parafunções, dentre elas, o bruxismo. O restabelecimento da relação maxilomandibular é condição necessária para que uma adequada reabilitação oral seja executada, devolvendo, assim, a estética e a função perdida. O presente caso clínico descreve uma situação de acentuada perda de DVO em um paciente parcialmente edentado. Depois de essa medida ter sido recuperada por meio de próteses provisórias, confeccionaram-se próteses removíveis definitivas e overlays diretas em resina composta. Além disso, a execução de uma reabilitação definitiva criteriosa e uma melhora na sintomatologia relatada pela paciente no início do tratamento também foram possíveis. O resultado final desse caso clínico comprovou a efetividade da prótese parcial removível como método para reabilitação oral em casos de grandes perdas de DVO.

Descritores: Prótese dentária. Dimensão vertical. Reabilitação bucal.


ABSTRACT

The loss of occlusal vertical dimension (OVD) is the result of an unbalanced occlusion, in which not only the teeth loss may be the responsible factor, but also the parafunctions, such as the bruxism. The maxillary jaw relation restoration is the necessary condition for a proper oral rehabilitation, thus recovering the chewing, phonetics and aesthetics. We report a case of severe OVD loss in a partially edentate patient. After this position has been recovered through temporary prosthesis, definitive removable partial dentures and direct overlays were made of composite resin. Furthermore, the execution of a definitive oral rehabilitation and improvement of symptoms reported by the patients in the beginning of the treatment were observed. The result of this case report proved the effectiveness of removable partial denture as a method for oral rehabilitation in cases of large OVD losses.

Descriptors: Dental prosthesis. Vertical dimension. Mouth rehabilitation.


 

 

Introdução

A perda de elementos dentais é o resultado de vários fatores como cárie, doença periodontal, trauma oclusal ou parafunções. Mesmo tendo a prevenção como o alvo da prática odontológica atual, ainda existem muitas pessoas que não têm acesso a uma Odontologia de qualidade e, por esse motivo, desenvolvem sérios problemas consequentes ao desequilíbrio obtido por tais perdas2.

Em geral, numa situação em que houve perda de elementos dentais ou desgaste excessivo dos mesmos, a dimensão vertical de oclusão (DVO) precisa ser restabelecida antes que qualquer procedimento restaurador definitivo seja executado. A não observância desse aspecto resulta em trabalhos mal-sucedidos, com desgaste tanto do profissional quanto do paciente3,5.

Em pacientes parcialmente edentados, a prótese parcial removível (PPR) ainda é uma alternativa bastante viável de reabilitação, visto que nem sempre o indivíduo goza de condições fisiológicas adequadas, ou mesmo financeiras, para que outro tipo de trabalho seja executado2,10.

Essa modalidade de prótese pode ainda ser considerada provisoriamente com entusiasmo, nas situações em que um equilíbrio precisa ser recuperado antes da reabilitação propriamente dita, fase prevista dentro de um planejamento minucioso, etapa imprescindível em qualquer procedimento terapêutico5,10.

Outro aspecto a ser levado em consideração é a questão estética prejudicada pela perda dos dentes, pois, na maioria das vezes, provoca um prejuízo social marcante. Desse modo, um tratamento restaurador deve ser entendido em seu significado literal, devolvendo também ao paciente sua autoestima7.

Com base numa visão global do paciente, o conceito de multidisciplinaridade em saúde vem sendo colocado em prática, pois o indivíduo deve ser visto de forma integral e não apenas pontualmente pelo profissional especialista1,8. Desse conceito real e não meramente acadêmico, resultam os tratamentos com sucesso e satisfação para ambos: profissional e paciente.

Dentro desse enfoque, os autores apresentam um caso clínico, em que a perda de DVO impossibilitava a reabilitação definitiva em tempo único, mesmo porque a paciente também apresentava sintomatologia dolorosa em decorrência da diminuição da DVO4,6.

 

Proposição

Demonstrar a utilização da PPR como meio de recuperação da DVO, da função e da estética, num paciente edentado parcial sintomático.

 

Relato do caso

Paciente do sexo feminino, 63 anos de idade, com arco superior Classe II de Kennedy modificação 3 e arco inferior Classe I modificação 1, procurou a clínica de graduação da Disciplina de Prótese Removível da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo para tratamento de reabilitação, com queixa principal relacionada à estética e à função.

Na ocasião, a paciente utilizava apenas uma prótese inferior, que claramente não atendia aos requisitos básicos de uma prótese removível bem executada. Além disso, queixava-se de dores de cabeça frequentes, especialmente na região de temporal, inserções superiores do esternocleidomastoídeo e trapézio e presença de zumbido. A abertura bucal máxima era inferior a 40 mm, considerado média de normalidade.

O exame clínico inicial revelou excessivo desgaste de praticamente todos os elementos dentais, especialmente dos ântero-inferiores (Figura 1).

Em relação à higienização, logo na primeira consulta a paciente foi orientada e conscientizada sobre as técnicas de escovação e uso do fio dental, bem como sobre a importância de controles periódicos, visando inclusive à preservação do tratamento proposto.

Depois de realizadas as moldagens e obtidos os modelos de estudo, estes foram montados em articulador semiajustável para que fosse possível identificar as discrepâncias oclusais e a perda severa da DVO. Notou-se evidente infraoclusão do molar superior direito (Figura 2).

Na análise da DVO, foi feito um registro da medida correspondente ao valor a ser recuperado (6,4 cm) utilizando-se a técnica apropriada9, em que a cabeça do paciente é posicionada em perfeito equilíbrio nos sentidos ântero-posterior e lateral, à custa da contração dos músculos posteriores do pescoço. Uma vez obtido o relaxamento muscular, a distância entre a base do nariz e o mento é registrada por meio do compasso de Willis, que corresponde à dimensão vertical de repouso (DVR). Dessa medida, subtraem-se 3 mm referentes ao espaço funcional de pronúncia, resultando na DVO, que neste caso restabeleceria a harmonia facial, evidenciada pelo perfil lateral (Figura 3).

 

 

Calculado tal valor, foram realizados os enceramentos superior e inferior na boca (Figura 4) que, posteriormente, foram remontados em um articulador semiajustável (Figura 5).

 

 

Com a escolha da cor dos dentes, foi possível a montagem dos mesmos em cera para nova prova da base superior, o que evidenciou a necessidade de se providenciar o aumento em resina composta dos seguintes elementos: 11, 13 e 23, 41, 42, 43 e 44, 31, 32 e 33, buscando uma harmonia de todo o conjunto. O dente 35 não oferecia as condições necessárias para ser utilizado como retentor direto da PPR e, por questões financeiras da paciente, recebeu um encaixe axial micro, tipo bola (CNG Soluções Protéticas, São Paulo) (Figura 6).

 

 

A adequação dos elementos inferiores anteriores, isto é, as overlays, foi feita inicialmente em resina acrílica, por meio de uma estrutura única que proporcionou a visualização da quantidade exata de resina composta a ser utilizada no momento da restauração definitiva direta, além da conferência da nova DVO estabelecida (Figura 7).

 

 

Realizada a acrilização da prótese provisória superior, a recomposição dos dentes citados foi feita em resina composta Filltek Z250® (3M ESPE, Sumaré, São Paulo, Brasil), conforme os parâmetros determinados anteriormente, também seguidos para confecção da prótese removível inferior definitiva (Figura 8).

 

 

Depois de restabelecida a DVO com a prótese provisória superior e com a PPR definitiva inferior, e em face da remissão da sintomatologia dolorosa inicialmente relatada pela paciente, procedeu-se à confecção da PPR definitiva superior, que obedeceu aos mesmos critérios aos quais a reabilitação do arco inferior foi submetida (Figura 9).

 

 

Todas as fases desse tratamento foram criteriosamente baseadas nos princípios de preparo de boca e preparo biostático dos elementos de suporte para próteses removíveis3.

O resultado final foi extremamente satisfatório não apenas pela questão estética, mas também pelo fato de ter sido restabelecido o equilíbrio do sistema mastigatório que estava em colapso, o que sem dúvida era condição imprescindível para que a reabilitação definitiva pudesse ser realizada com sucesso (Figura 10).

 

 

Discussão

Um tratamento reabilitador deve sempre levar em consideração as necessidades gerais do paciente e não apenas as aparentes, ou seja, a mera falta de dentes1,8.

A recuperação da dimensão vertical é uma etapa frequentemente negligenciada pelas reabilitações feitas sem critério e planejamento prévio, o que fatalmente condena todo o trabalho executado3,5,9.

A indicação clássica da prótese removível para pacientes com perda parcial dos dentes ainda é bastante cogitada, mesmo com o avanço dos implantes osseointegrados2,5. Entretanto, vale destacar que o papel da prótese removível pode ser importante na fase de adequação do sistema, previamente à execução do tratamento definitivo, como também descrito neste caso clínico10.

A presença da sintomatologia dolorosa inicial na paciente em questão pode ser associada à perda severa de DVO, como previsto na literatura4,6, uma vez que foi observada remissão desses sintomas após recuperação dessa referência.

Um planejamento global pode restabelecer, mesmo provisoriamente, as condições funcionais e estéticas do paciente, uma vez que indiscutivelmente a autoestima é fundamental na vida do indivíduo, pois influencia as relações sociais7.

 

Conclusões

Foi possível restabelecer adequadamente a DVO perdida com a falta e desgaste dos elementos dentais por meio da confecção de próteses removíveis aliadas às overlays diretas feitas com resina composta.

Sem essa recomposição, certamente a reabilitação não teria sucesso, pois o desequilíbrio biomecânico do sistema era evidente.

O resultado obtido foi bastante satisfatório, o que inclusive motivou a paciente em relação à higienização, visto que a harmonia estética foi alcançada.

 

Referências

1. Carvalho LPR, Kurkdjian E. Reabilitação oral: uma visão multidisciplinar. In: Cardoso RJA, Gonçalves EAN. Odontologia. São Paulo: Artes Médicas; 2002. cap. 8, p.159-206.         [ Links ]

2. Galhardo APM, Mukai MK, Pigozzo MN, Mori M, Gil C, Laganá DC. Reabilitação oral por meio de prótese parcial removível associada à Barrra de Dolder: uma visão interdisciplinar. RPG Rev Pos Grad. 2008;15(1):71-6.         [ Links ]

3. Gil C. Prótese parcial removível: preparo de boca e sua aplicação clínica. São Paulo: FOUSP; 1993[4]         [ Links ].

4. Mongini F. Sistema estomatognático: função, disfunção e reabilitação. Trad. de Milton Edson Miranda. Londres: Quintessence; 1988.         [ Links ]

5. Mukai MK, Sanae C, Yamaguchi CA, Galhardo APM, Mori M, Gil C. Utilização de overlay removível como meio de determinação da dimensão vertical de oclusão na reabilitação oral. Rev Assoc Paul Cir Dent. 2009;63(5):340-1.         [ Links ]

6. Navarro JN. Avaliação comparativa por meio de eletromiografia de superfície do padrão de comportamento dos músculos masseter e temporal em pacientes parcialmente edentados antes e após a reabilitação com próteses parciais removíveis [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2007.         [ Links ]

7. Seger L. Psicologia e odontologia: uma abordagem integradora. São Paulo: Santos; 1998.         [ Links ]

8. Sendyk CL, Sendyk WR. Plano integrado de tratamento. In: Cardoso RJA, Gonçalves EAN. Odontologia. São Paulo: Artes Médicas; 2002. cap 9, p. 207-27.         [ Links ]

9. Tamaki T. Dentaduras completas. São Paulo: Sarvier; 1983.         [ Links ]

10. Todescan R, Silva EEB, Silva OJ. Atlas de Prótese Parcial Removível. São Paulo: Santos; 1996.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Carlos Gil
Departamento de Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
Avenida Prof. Lineu Prestes, 2227 – Cidade Universitária
CEP: 05508-000 – São Paulo/SP
Tel: (11) 3091-7885
E-mail: cgil@usp.br