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RPG. Revista de Pós-Graduação

Print version ISSN 0104-5695

RPG, Rev. pós-grad. vol.18 n.4 São Paulo Oct./Dec. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise de miofibroblastos no estroma de carcinoma epidermoide da boca

 

Analysis myofibroblasts in the stroma of squamous cell carcinoma of mouth

 

 

Gabriela Botelho MartinsI; Marlos Barbosa RibeiroII; Silvia Regina de Almeida ReisIII

IProfessora Adjunto Doutora do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador/BA
IIPós-graduando em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador/BA
IIIProfessora Adjunto Doutora do Departamento de Diagnóstico e Terapêutica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador/BA

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O estroma tumoral sofre modificações durante a progressão de neoplasia maligna. As alterações da matriz extracelular e a presença de miofibroblastos parecem influenciar nos processos de invasão e metástase que caracterizam os tumores malignos orais. Objetivou-se, com a pesquisa, investigar a presença de miofibroblastos na frente de invasão neoplásica do carcinoma epidermoide de boca, por meio da microscopia eletrônica de transmissão e marcadores imunoistoquímicos. Neste estudo, 23 casos de carcinomas epidermoides de diversas localizações da boca foram classificados segundo um sistema de graduação histológica. Foram utilizadas as colorações pela hematoxilina-eosina (HE) e as expressões imunoistoquímicas da vimentina, da actina alfa de músculo liso e da desmina foram analisadas em lesões com diferentes escores histológicos de malignidade. A microscopia eletrônica de transmissão foi utilizada a fim de confirmar a presença de células do tipo miofibroblastos no estroma tumoral. A expressão da vimentina apresentou diferentes padrões nos carcinomas epidermoides da cavidade oral com altos e baixos escores de malignidade. A actina alfa de músculo liso esteve presente em alguns casos estudados. Embora a actina alfa de músculo liso tenha sugerido a presença de miofibroblastos no estroma dos carcinomas epidermoides da cavidade oral, a análise ultraestrutural não confirmou este resultado.

Descritores: Carcinoma. Microscopia eletrônica. Miofibroblastos.


 

ABSTRACT

The tumor stroma undergoes changes during the progression of malignant neoplasia. Changes in the extracellular matrix and the presence of myofibroblasts appear to influence the processes of invasion and metastasis of malignant tumors that characterize the oral. The objective was to investigate the presence of myofibroblasts in front of invasion in squamous cell carcinoma of mouth, through transmission electron microscopy and immunohistochemical markers. In this study, 23 cases of squamous cell carcinoma of the mouth from various locations were classified according to a histological grading system. Were used by hematoxylin-eosin (HE) staining and immunohistochemical expression of vimentin, the alpha smooth muscle actin and desmin were analyzed in lesions with different histological scores of malignancy. The transmission electron microscopy was used to confirm the presence of cell-type myofibroblasts in tumor stroma. The expression of vimentin showed different patterns of squamous cell carcinoma of the oral cavity with high and low scores of malignancy. The alpha-smooth muscle actin was present in some cases. Although the alpha smooth muscle actin has suggested the presence of myofibroblasts in the stroma of squamous cell carcinoma of the oral cavity, ultrastructural analysis did not confirm this result.

Descriptors: Carcinoma. Microscopy, electron. Myofibroblasts.


 

 

INTRODUÇÃO

Os miofibroblastos são células mesenquimais especializadas, com propriedades similares às das células musculares lisas e dos fibroblastos4. São expressas em condições fisiológicas ou patológicas como parte da resposta do hospedeiro à injúria6,10,12,15,23. Podem ser apresentados por meio da expressão de proteínas do citoesqueleto e por microscopia eletrônica de transmissão. Vimentina, desmina e actina alfa de músculo liso são os três filamentos mais utilizados para identificar os miofibroblastos10. A modulação e o comportamento destas células no estroma de carcinomas invasivos e metastáticos dependem da interação entre citocinas e moléculas da matriz extracelular9,17,20,22,23. Essa interação gera sinais que são responsáveis pelo controle da expressão gênica, pela proliferação, apoptose e dinâmica do citoesqueleto celular6,18,19,21.

Células com características de miofibroblastos são predominantes em estroma tumoral de diversos carcinomas, sejam eles primários ou metastáticos4,9. Elas têm papel fundamental na deposição de grandes quantidades de colágeno, para dar firmeza e garantir a retração do tumor, por isso, sugeriu-se que essas células contribuíam para o fenômeno da desmoplasia e contração em muitos carcinomas4,6,11,17,19,20. Além disso, exercem força, gerando resistência tecidual, dificultam a proliferação tumoral e aumentam a deformação do tecido sadio circundante11,19,23.

Diversos trabalhos na literatura registram a presença de miofibroblastos em estromas tumorais de neoplasias de mama, próstata, cólon, fígado e do trato respiratório, porém, existem poucos estudos sobre a sua ocorrência em carcinomas orais. Acredita-se que estas células possam desempenhar um importante papel no desenvolvimento e progressão destas neoplasias, através da geração de sinais bioquímicos, oferecendo suporte ao tumor.

 

OBJETIVOS

Os objetivos deste estudo foram investigar a expressão de miofibroblastos na frente de invasão neoplásica do carcinoma epidermoide de boca, com diferentes escores de malignidade, por meio da identificação de células a partir da microscopia eletrônica de transmissão e marcadores imunoistoquímicos como a vimentina, a desmina e a actina alfa de músculo liso, e estabelecer dados descritivos sobre o comportamento biológico destas neoplasias.

 

MATERIAL E MÉTODO

Seleção de casos

Foram utilizados nesta pesquisa 23 casos de carcinoma epidermoide da cavidade oral, selecionados do laboratório de patologia cirúrgica de uma unidade universitária em Salvador, Bahia. Os pacientes eram provenientes das clínicas cirúrgicas e autorizaram o procedimento com a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Os aspectos macroscópicos de cada peça foram descritos e as amostras preparadas para procedimento de rotina.

O projeto foi enviado e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o parecer favorável foi emitido.

Microscopia de luz

Histologia

Do material destinado à microscopia de luz, foram realizadas secções de 4 mm de espessura, sendo submetidas ao método de coloração hematoxilina-eosina (HE).

Todo material foi observado ao microscópio óptico (Leica ATC 2000, New York, USA), sendo utilizada para graduação histológica a classificação de tumores malignos indicada por Anneroth et al.1, que consiste da avaliação de seis características morfológicas: grau de queratinização, pleomorfismo nuclear, número de mitoses, padrão de invasão, estágio de invasão e infiltração linfoplasmocitária. O parâmetro estágio de invasão foi omitido, já que foram utilizadas biópsias incisionais de carcinomas epidermoides de boca.

Esta classificação histológica de malignidade é baseada na população das células tumorais e nas características da relação tumor-hospedeiro. Cada parâmetro morfológico é graduado de 1 a 4 pontos. O escore final para cada caso é definido pela soma total de pontos atribuídos aos parâmetros avaliados, obtendo-se uma média da divisão destes pelo número total de parâmetros. São considerados escores baixos os valores entre 1,0 e 2,5, e escores altos os entre 2,6 e 4,0.

Imunoistoquímica

Para a realização da imunoistoquímica, foram realizados cortes de tecido de 4 mm de espessura, colocados em lâminas de vidro previamente preparadas com poli-L-lisina. O método de imunomarcação utilizado foi da streptavidina-biotina peroxidase.

Os cortes histológicos foram submetidos à desparafinização em banhos sequenciais de xilol, acetona, álcool (absoluto, 95, 70, 50 e 30%) e água destilada em temperatura ambiente. Em seguida, foram submetidos, quando necessário, à recuperação antigênica, com posterior bloqueio das ligações inespecíficas e, então, incubados overnight a 4ºC com os anticorpos primários (Vimentina – 1:200, clone 3B4, DAKO Corporation USA; Actina alfa de músculo liso – 1:50, clone 1A4, DAKO Corporation USA; e Desmina – 1:50, clone D33, DAKO Corporation USA). O anticorpo secundário foi utilizado segundo as orientações do Kit LSAB – Peroxidase (DAKO Corporation, USA) e a revelação realizada por meio do diaminobenzidina tetrahidrocloreto (DAB) com peróxido de hidrogênio a 30%. As lâminas foram contracoradas com hematoxilina de Gill e montadas com bálsamo do Canadá e lamínula para avaliação qualitativa. Como controles positivos foram utilizados cortes de gengiva sadia, removidos por indicação cirúrgica prévia, ou cortes de tecido contendo músculo liso; e como controles negativos, os mesmos tecidos, sendo suprimido da reação o anticorpo primário.

Microscopia eletrônica

O material destinado ao estudo para microscopia eletrônica de transmissão foi dividido em diminutos fragmentos de 1 a 2 mm, fixados, imediatamente após biópsia, em glutaraldeído a 4% em tampão cacodilato de sódio a 0,2 M (1:1), durante 1 hora a 4°C. Os fragmentos foram lavados em tampão cacodilato de sódio a 0,2 M e pós-fixados em tetróxido de ósmio a 2% em tampão cacodilato de sódio a 0,3 M durante 1 hora e também a 4°C.

Após a lavagem com tampão cacodilato de sódio 0,1 M (3 banhos de 10 minutos), os fragmentos foram, então, desidratados em acetona em concentrações progressivas de 30, 50, 70 e 100%, sendo 10 minutos para cada uma. Após a desidratação, foram incluídas em resina e acetona 100%, na proporção de 1:1 por 1 hora e, finalmente, incluídos em resina Poly Bed B12 pura e polimerizados em estufa a 60°C por 3 dias.

Os blocos foram cortados em ultramicrótomo automático Reichert - Jung Ultra-Cut II. Os cortes semifinos, obtidos com navalhas de vidro e com 0,5 micrômetros de espessura, foram corados com azul de metileno-azur II e examinados ao microscópio óptico para seleção das áreas para cortes ultrafinos. Estes foram realizados com navalha de diamante, colocados em lâminas de vidro e contrastados com acetato de uranila a 7%, em álcool metílico absoluto e citrato de chumbo. As grades contrastadas foram examinadas ao microscópio eletrônico de transmissão Zeiss - EM - 109.

Análise dos cortes histológicos por meio da microscopia de luz

Após classificação histológica de malignidade, as secções coradas pela HE foram analisadas. As lâminas obtidas pelas reações imunoistoquímicas para os anticorpos antivimentina, antiactina alfa de músculo liso e antidesmina foram analisadas de forma qualitativa, a fim de possibilitar estudo descritivo das alterações observadas no estroma dos carcinomas epidermoides verificados.

A positividade dos cortes analisados para cada anticorpo foi considerada quando se encontrava marcação positiva nas secções examinadas. Na análise do padrão de marcação, seguiram-se os critérios previamente estabelecidos por Harada et al.8.

 

RESULTADOS

Aspectos clínicos

Dos pacientes estudados, 74% pertenciam ao sexo masculino (17 casos). O feminino foi representado por apenas 6 casos (26%). A idade dos indivíduos portadores de carcinoma epidermoide da cavidade bucal variou de 29 a 81 anos, com média de 60 anos. A localização mais frequente foi a língua e, em seguida, o assoalho da boca. Em relação à raça, observou-se predomínio de indivíduos leucodermas, seguidos por faiodermas (39,1%) e melanodermas (13%).

Aspectos histopatológicos

Do total da amostra, 60,9% exibiam baixos escores de malignidade, ou seja, possuíam escores totais entre 1,0 e 2,4, enquanto que 39,1% obtiveram altos escores de malignidade, uma vez que se encontravam entre 2,5 e 4,0.

Os cortes histológicos das lesões com baixos escores de malignidade corados pela HE exibiram proliferação de células epiteliais malignas, com graus variáveis de ceratinização, predominando lesões moderadamente ceratinizadas. Apenas dois casos mostravam ausência completa de ceratinização. A análise do pleomorfismo nuclear neste grupo de lesões demonstrou que 7 dos 14 casos (50%) registravam grau moderado de células com núcleos pleomórficos. Observando-se o parâmetro número de mitoses, notou-se que somente uma lesão mostrou ocorrência de mais de 5 mitoses por campo examinado, havendo predomínio de lesões com 2 a 3 mitoses por campo (50%).

Das nove lesões cujos cortes histológicos foram diagnosticados como carcinoma epidermoide com altos escores de malignidade, observou-se, pela coloração da HE, neoplasias constituídas por grande número de células epiteliais pleomórficas, com núcleos de tamanhos variados e hipercromáticos. Embora este parâmetro histológico fosse, neste grupo de lesões, mais acentuado, tanto qualitativa quanto quantitativamente, o número de mitoses na quase maioria dos casos analisados foi considerado moderado, perfazendo duas a três por campo examinado. Somente 2 casos (22,2%) apresentaram número de mitoses acima de 5 por campo examinado. Individualmente, as células tumorais exibiam ausência de ceratinização em 5 dos casos (55,5%) e mínima ceratinização nos restantes. Quando se analisou o padrão de invasão, observou-se que a maioria das neoplasias era marcadamente difusa, com invasão de células isoladas ou em pequenos grupos (5 casos; 55,5%). Porém, quando esses achados foram confrontados com o restante das lesões do mesmo grupo de altos escores de malignidade, notou-se padrão de invasão bem menos agressivo (4 casos; 44,4%). A presença de infiltrado inflamatório foi escassa em 6 casos (66,6%), tanto na área da invasão da neoplasia quanto no restante do estroma, e em 1 deles foi ausente. As células mais representadas foram os linfócitos e, muito raramente, plasmócitos (Tabela 1).

 

 

 

Análise imunoistoquímica

Vimentina

A vimentina é um filamento intermediário típico das células de origem mesenquimal. No estroma dos carcinomas epidermoides classificados com altos e baixos escores de malignidade, observou-se sua expressão em todos os casos estudados, com graus variáveis de marcação com o anticorpo monoclonal antivimentina, que é positivo para células endoteliais, fibroblastos, miofibroblastos e células musculares.

Nas lesões de baixos escores, predominou marcação de moderada a intensa, em virtude de maior número de componentes da matriz extracelular presentes, os quais indicavam organização mais predominante (Figura 1). Em apenas um caso foi observada fraca marcação para este anticorpo. Nos carcinomas com altos escores de malignidade, podia-se perceber maior número de casos com expressões de discreta a moderada (5) da vimentina em células próximas à frente de invasão neoplásica (Figura 2).

As células epiteliais neoplásicas foram positivas em 6 casos (26%) da amostra total estudada. Esta marcação exibiu padrão discreto, e em 4 dos casos (66,6%) ocorreu principalmente nas células epiteliais próximas ao tecido conjuntivo subjacente, aparentemente desprovido de membrana basal. As lesões restantes também expressavam a vimentina em áreas mais centrais do tumor. Constatou-se, assim, que se tratavam de lesões mais agressivas, com altos escores de malignidade e possuidoras de frente de invasão constituída por células isoladas e menos diferenciadas.

Actina alfa de músculo liso

A actina alfa de músculo liso é um microfilamento presente no citoplasma das células musculares lisas, sendo parte integrante do seu sistema contrátil. Uma vez que os miofibroblastos apresentam fenótipos que expressam este microfilamento, o anticorpo monoclonal antiactina alfa de músculo liso foi utilizado com a finalidade de localizar estas células no estroma de carcinomas epidermoides. A sua positividade é também observada na imunomarcação de células musculares lisas, células mioepiteliais e pericitos.

Na análise imunoistoquímica das secções examinadas de carcinomas epidermoides, com altos e baixos escores de malignidade, observou-se positividade do anticorpo no endotélio dos vasos sanguíneos, distribuídos por todo o estroma das lesões analisadas, principalmente nas de altos escores de malignidade. Somente dois casos sugeriram presença de miofibroblastos no estroma tumoral por apresentarem reação positiva para células fusiformes. Observou-se também positividade em algumas células que se localizavam próximas a vasos e capilares em brotamento, semelhantes a pericitos. Esses dois casos, especificamente, tratavam-se de carcinomas mais agressivos, com intensa proliferação vascular. As células do parênquima tumoral não expressaram positividade à imunomarcação para este anticorpo (Figuras 3 e 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desmina

A desmina é outro filamento intermediário intracitoplasmático com função contrátil das células musculares, sendo um dos marcadores utilizados na identificação de diferentes fenótipos de miofibroblastos.

Em todos os casos estudados não foi possível observar a positividade deste marcador em células com características de miofibroblastos. Nas lesões de língua, observou-se células musculares esqueléticas desmino-positivas de forma alongada, com núcleos arredondados e citoplasma volumoso, localizados entre as ilhas tumorais (Figura 5). Assim como a actina alfa de músculo liso, as células neoplásicas não foram positivas para este marcador.

Análise da microscopia eletrônica de transmissão

Os achados ultraestruturais nos casos estudados não revelaram a presença de células com características de miofibroblastos, uma vez que não foram visíveis células fusiformes, com núcleos denteados e membrana com regiões eletrodensas em sua extensão, formando uma estrutura semelhante a uma segunda membrana descontínua, com junções celulares e um sistema contrátil desenvolvido. Uma observação interessante em alguns dos casos analisados de carcinoma de língua foi a presença de células alongadas, volumosas, com núcleos arredondados e denteados, mas que apresentavam membrana dupla contínua. Estas células mostravam um sistema contrátil bastante desenvolvido, com a presença de miofilamentos distribuídos por toda a extensão do citoplasma, o que é característico nas células musculares. O retículo endoplasmático rugoso não se encontrava ativo. Estas células estavam isoladas e se localizavam em toda a extensão do estroma tumoral, apesar de não serem visíveis em grandes quantidades.

Era possível observar ampla quantia de fibroblastos típicos, que se mostravam como células alongadas, do tipo fusiformes, com núcleos ovóides, e que apresentavam retículo endoplasmático rugoso volumoso, ocupando grande parte do citoplasma celular. Este fato sugere que as células estavam em intensa atividade de síntese. Os fibroblastos permeavam todo o estroma tumoral, sendo também encontrados próximos à frente de invasão neoplásica e, por vezes, entremeando as células epiteliais malignas.

As fibras colágenas eram visíveis em grandes quantidades, formando feixes dispostos de forma paralela, apresentando a periodicidade típica dos colágenos. Outras se dispunham em sentido transversal. Menos organizadas eram as poucas fibras elásticas distribuídas por toda a extensão da matriz. Em algumas regiões, se registrava a presença de uma matriz extracelular frouxamente organizada, com grandes espaços "vazios", possivelmente preenchidos por proteoglicanas. Outra verificação muito frequente foi a presença de pequenos capilares e vasos sanguíneos, que permeavam todo o estroma tumoral .

As células epiteliais tumorais eram visíveis em pequenos grupos e, algumas vezes, isoladas. Apresentavam atipias características, com formas irregulares, citoplasmas desorganizados e núcleos com excesso de cromatina. Algumas ainda exibiam junções celulares. O infiltrado de células monomorfonucleares do tipo linfócito era, em algumas lesões, predominante e permeava todo o campo examinado, inclusive entremeando os grupos de células epiteliais. Foi ainda observada a presença de macrófagos e mastócitos.

 

DISCUSSÃO

O carcinoma epidermoide é a neoplasia maligna mais frequente da cavidade oral. O comportamento tumoral desta patologia parece ser influenciado tanto por suas características clínicas quanto por modificações das células do parênquima tumoral e da matriz extracelular, daí a necessidade sempre urgente de estudos cada vez mais aprofundados sobre esta patologia9,18,24.

Os miofibroblastos são células presentes em abundância na matriz extracelular durante o reparo tecidual, e tem sido objeto de inúmeras investigações científicas4,6. Nesta condição, as células passam a ser expressivas a partir do 4º dia da ferida, aumentando até o 15º dia, e, a partir daí, decrescem gradualmente5. Porém, são poucos os estudos que caracterizam a presença das células no estroma de lesões neoplásicas orais. Tem sido relatado que a matriz extracelular de carcinomas de mama, pulmão e estômago reflete o mesmo padrão de organização do reparo tecidual. Desta forma, segundo Schürch et al.17, os miofibroblastos têm sido identificados em carcinomas quando associados a um estroma "jovem", com poucas fibras colágenas, podendo ser escassos ou ausentes quando elas se tornarem maduras.

A heterogeneidade do citoesqueleto dos miofibroblastos em diferentes condições patológicas é bem conhecida12,19,23. No reparo tecidual, o fenótipo de miofibroblasto caracterizado inicialmente como vimentina-positivo é substituído na fase de contração pelo fenótipo vimentina/actina. Os miofibroblastos cujos fenótipos expressam vimentina/desmina/actina são menos observados nesta condição16. Em crescimentos neoplásicos, o fenótipo vimentina/actina vem sendo identificado mais frequentemente.

Todos os casos de carcinomas epidermoides aqui estudados foram considerados vimentina-positivos para as células mesenquimais, assim como os estudos de Rabanal et al.13, Azumi et al.3 e Tuxhorn et al.20. A expressão da vimentina foi mais acentuada nos tumores com graus histológicos mais baixos de malignidade, possivelmente porque a matriz ainda apresentava-se mais organizada e celularizada. Nas lesões mais agressivas, apesar da vimentina ter sido menos evidente no estroma tumoral, observou-se marcação positiva também das células epiteliais malignas nos casos que possuíam padrão de invasão mais agressivo. Alguns autores tentaram correlacionar a expressão da vimentina no estroma de carcinomas com o prognóstico das neoplasias, e observaram que nos casos que haviam expressão desta proteína nas células epiteliais malignas, os tumores exibiam altas taxas de proliferação celular e se tratavam de carcinomas pouco diferenciados13,14,20. A presença da vimentina nas células epiteliais malignas demonstra perda da diferenciação celular e da inibição por contato destas células. Essa expressão positiva no parênquima tumoral das lesões de boca do nosso estudo pode ser atribuída a alterações fenotípicas das células epiteliais malignas.

Em cultura de células neoplásicas do carcinoma epidermoide de boca, observou-se que a liberação de interleucinas e citocinas como TGF-β1, TGF-β, IGF-α, por essas células, resultou na transdiferenciação de fibroblastos em miofibroblastos, semelhante ao que ocorre em tumores mamários e de próstata. Na análise imunoistoquímica, evidenciou-se expressão de actina alfa de músculo liso em células de grandes dimensões e presença de numerosas extensões citoplasmáticas9. No entanto, no estudo não foi realizada análise ultraestrutural para evidenciação dos miofibroblastos.

Nesta pesquisa, os carcinomas epidermoides investigados da cavidade oral se caracterizaram clinicamente como lesões exofíticas, muitas vezes ulceradas com ausência de retração e de desmoplasia. Nas neoplasias classificadas com baixos escores de malignidade, em que a matriz extracelular ainda exibia melhor organização de seus componentes, não foram observadas células com características imunoistoquímicas e ultraestruturais de miofibroblastos. No entanto, em dois casos de lesões mais agressivas, caracterizadas por escores mais altos de malignidade, observou-se positividade para actina alfa de músculo liso em células fusiformes próximas à frente de invasão, sugerindo presença de miofibroblastos. Segundo Kellermann et al.9, estas células estão significantemente elevadas no estroma de tumores que exibem maior expressão de células Ki-67 positivas. Ademais, apesar destas células estarem mais presentes no estroma de tumores, com maior índice de proliferação celular, não foi encontrada associação direta entre a presença de miofibroblastos e a sobrevida do paciente13.

Em nosso estudo, além da vimentina e actina alfa de músculo liso, os anticorpos antidesmina foram também utilizados com o objetivo de identificar os três fenótipos principais de miofibroblastos. Enquanto a vimentina foi um filamento intermediário verificado em todas as células de origem mesenquimal no estroma dos carcinomas estudados, inclusive nas células actino-positivas das duas lesões mais agressivas supracitadas, a desmina não expressou positividade em nenhum dos casos pesquisados.

Os resultados de análises de localização de miofibroblastos baseados somente em recursos imunoistoquímicos utilizando-se marcadores específicos, devem ser interpretados com cuidado e criticamente. Vered et al.21, ao analisarem o estroma de tumores e cistos odontogênicos por meio da imunoistoquímica, afirmaram ter encontrado miofibroblastos somente com a marcação da proteína actina alfa de músculo liso. Sabe-se que algumas características inerentes aos miofibroblastos não podem ser evidenciadas tão facilmente com apenas um único marcador, sendo necessário o uso de outros recursos, em especial, a análise por microscopia eletrônica de transmissão. A imunoistoquímica tem diversas limitações, já descritas na literatura, e os miofilamentos expressos pelos miofibroblastos podem também ser evidenciados em células musculares lisas, mioepiteliais e pericitos. Em 1972, já se definiam as características dos miofibroblastos pelo uso da microscopia eletrônica de transmissão7. A partir daí, os estudos para identificação dos miofibroblastos em diversas patologias, incluindo o estroma tumoral, passaram a fazer uso deste recurso ultraestrutural2,6,7.

Por meio de revisão da literatura, observou-se que apenas Eyden6 realizou análise ultraestrutural na pesquisa de miofibroblastos em carcinomas orais. Em seu estudo, componentes básicos foram determinados para classificar miofibroblastos pelo método ultraestrutural, a saber, proeminente rugosidade do retículo endoplasmático, aparelho de Golgi produzindo grânulos de secreção de colágeno, miofilamentos na periferia, cruzamentos fibronexus e junções GAP.

Na presente pesquisa, além dos recursos imunoistoquímicos, utilizou-se também a microscopia eletrônica de transmissão para analisar o estroma tumoral dos carcinomas epidermoides, com o objetivo de dissipar dúvidas quanto à real existência de miofibroblastos. Observou-se que a vimentina foi expressa positivamente em todas as lesões estudadas e a sua presença em células fusiformes poderia estar relacionada a um dos fenótipos de miofibroblastos. Além disso, os casos actino-positivos suscitou maior interesse na confirmação ultraestrutural destas células. Procedeu-se, então, extensa busca de células do estroma tumoral com características ultraestruturais de miofibroblastos nas regiões próximas da frente de invasão neoplásica, de acordo com as características citadas acima. A análise dos cortes ultrafinos revelou a presença de fibroblastos típicos, em intensa atividade de síntese. Foi frequente a observação dos feixes colágenos, organizados em íntima associação com estas células. As quantidades expressivas de vasos e capilares constituíram outro achado interessante. Apesar das verificações imunoistoquímicas evidenciarem a marcação de miofilamentos em dois casos, características ultraestruturais típicas dos miofibroblastos não foram observadas. Esta ausência de características ultraestruturais e a proximidade das células actino-positivas aos vasos nos faz concluir que se tratavam de pericitos ou mioblastos, células que também expressam miofilamentos.

O estroma sofre diversas modificações durante o processo de invasão neoplásica6,18. A região próxima à frente de invasão tumoral constitui área com maior quantidade de alterações observáveis, por se tratar do local que primeiro sofre as influências das células epiteliais malignas4,11. Isto também confirma a existência de um sistema interativo entre parênquima e estroma tumoral, responsável por estas alterações.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo preliminar, os achados imunoistoquímicos apenas sugeriram a presença de miofibroblastos no estroma de carcinomas epidermoides bucais, embora não fossem confirmados na análise ultraestrutural. A expressão da vimentina em células neoplásicas malignas como forma de perda da diferenciação celular é confirmadamente um auxiliar de prognóstico. Este achado e outros resultados desta pesquisa devem ser considerados ao se fazer uma avaliação completa de cada indivíduo portador de carcinoma epidermoide da cavidade oral. Entendemos que novos estudos com maior número de casos, e também com a utilização de recursos ultraestruturais, método mais fidedigno na identificação dos miofibroblastos, sejam fundamentais na confirmação dos nossos achados.

 

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Endereço para correspondência:
Sílvia Regina de Almeida Reis
Rua Araújo Pinho, 62 – Canela
CEP 40110-150 – Salvador/BA
Fone: (71) 3283-9007

e-mail:
srareis@uol.com.br

Recebido em: 27/6/11
Aceito em: 8/1/2012

 

Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador/BA.