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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2010

 

Perfil hematológico e níveis de vitamina B12, ferro e ácido fólico de pacientes com ulceração aftosa recorrente

 

Hematologic status and vitamin B12, iron and folic acid levels in patients with recurrent aphthous stomatitis

 

 

Alexandre GiacominiI; Lívia Prates SoaresII; Liliane Soares YurgelIII; Karen CherubiniIII; Maria Antonia Zancanaro de FigueiredoIII; Fernanda Gonçalves SalumIII

ICirurgião-dentista
IIMestra e aluna do curso de doutorado em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da PUCRS
IIIDoutoras em Estomatologia Clínica, professoras da disciplina de Estomatologia e do Programa de Pós-Graduação em Odontologia - PUCRS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A ulceração aftosa recorrente (UAR) é uma das doenças mais comuns da mucosa bucal. Apesar das constantes investigações, sua etiologia permanece desconhecida e uma abordagem terapêutica curativa ainda não existe. O presente trabalho teve por objetivo investigar o perfil hematológico, os níveis séricos de vitamina B12, de ácido fólico e de ferro de pacientes com UAR e compará-los com os de indivíduos de controle. Para tanto, foram incluídos neste estudo quarenta pacientes com UAR e quarenta indivíduos de controle sem histórico conhecido da doença, emparelhados por sexo e idade. Os prontuários dos pacientes foram analisados, bem como os resultados dos exames laboratoriais: contagem de eritrócitos, hematócrito, volume corpuscular médio, níveis de hemoglobina, de vitamina B12, de ácido fólico e de ferro. Dez por cento dos pacientes com UAR apresentaram anemia e 7,5% exibiram deficiência de vitamina B12 e de ácido fólico. Em 12,5% dos casos foi observada deficiência de ferro. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto às variáveis hematológicas e nutricionais investigadas, apesar de os pacientes com UAR terem exibido níveis inferiores de vitamina B12. Conclui-se que as alterações hematológicas e nutricionais analisadas não exibiram associação com a UAR. Entretanto, o hemograma, as dosagens séricas de ferro, de ácido fólico e, principalmente, de vitamina B12 deveriam ser incluídos na investigação de pacientes com UAR, uma vez que a diminuição da espessura da mucosa promovida pelas alterações desses elementos pode predispor ao desenvolvimento das lesões aftosas.

Palavras-chave: Estomatite aftosa. Ácido fólico. Ferro. Vitamina B12


ABSTRACT

The recurrent aphthous stomatitis (RAS) is one of the most common oral mucosa disorders. Despite constant investigation its etiology and optimal therapeutic approach are still unknown. The aim of this study is to investigate the hematologic status and serum levels of vitamin B12, folic acid and iron in patients with RAS compared them with a control group. Forty patients with RAS and forty control individuals matched by gender and age were included. The patients' medical records were examined along with their laboratory exams, such as: red blood count, hematocrit, hemoglobin, serum vitamin B12, folic acid and iron. 10% of patients with RAS showed anaemia and 7.5% exhibited iron and folic acid deficiencies. Iron deficiency was observed in 12.5% of the cases. There was no significant difference between groups for the hematologic and nutritional variables, despite RAS patients have showed lower vitamin B12 levels. It was concluded that hematologic and nutritional alterations were not associated with RAS. However, blood count, iron, folic acid and mainly, vitamin B12 serum levels should be investigated in patients with RAS since the decrease of mucosa thickness may favor aphthous ulcers development.

Key words: Aphthous stomatitis. Folic acid. Iron. Vitamin B12.


 

 

Introdução

A ulceração aftosa recorrente (UAR) ou afta é uma das doenças mais comuns da mucosa bucal, atingindo de 5 a 25% da população. Essa enfermidade, que afeta indivíduos de todas as faixas etárias, geralmente se inicia na infância e adolescência, tendo predileção pelo sexo feminino1. As lesões caracterizam-se por ulcerações dolorosas, únicas ou múltiplas, que acometem preferencialmente a mucosa não ceratinizada, e três variações clínicas são descritas: ulcerações aftosas menores, maiores e herpetiformes1,2.

A destruição da mucosa é causada por citotoxicidade direta mediada por linfócitos T, mas os fatores iniciadores do processo ainda não estão esclarecidos. O exame histopatológico da UAR não apresenta um quadro característico, sendo representado por úlcera com infiltrado inflamatório crônico inespecífico. Nas lesões pode-se observar também um infarto diminuto, localizado, com perda brusca de uma área do epitélio mucoso, o que sugere reação inflamatória de hipersensibilidade. Aproximadamente 80% das células da mucosa afetada e da lâmina própria subjacente são linfócitos T3.

A etiopatogenia da UAR é bastante controversa e, provavelmente, múltiplos fatores atuam na causa dessa doença. Diversos agentes têm sido investigados, tais como distúrbios hematológicos, transtornos nervosos (ansiedade e estresse), infecções, traumas, xerostomia, predisposição genética, hipersensibilidade, condições autoimunes, doenças sistêmicas, síndrome de Behçet, síndrome de Reiter, estomatite aftosa enteropática sensível ao glúten, entre outros1,3,4.

Alguns estudos têm demonstrado que deficiências de ferro, de ácido fólico e/ou de vitamina B12 são mais comuns em pacientes com UAR do que naqueles sem a doença5-7. A vitamina B12 ou cobalamina é uma molécula essencial para o crescimento e divisão celular, bem como para a produção de glóbulos vermelhos, de material genético e de mielina8. Sua deficiência pode causar anemia perniciosa, sintomas neurológicos e fraqueza. Na boca, a deficiência dessa vitamina está associada com ardência bucal e tem sido encontrada em pacientes com UAR9,10. O ácido fólico é convertido em enzimas que o organismo precisa para produzir DNA, RNA e glóbulos vermelhos, além de desempenhar outras funções metabólicas importantes11. A falta de regeneração rápida das células da mucosa, promovida pela deficiência de ácido fólico, pode causar alterações gastrintestinais, bem como atrofia da mucosa bucal, e facilitar o desenvolvimento das lesões aftosas12. O ferro exibe propriedades imunomoduladoras e a carência deste elemento tem efeitos sobre mecanismos imunes celulares13.

A relação custo-benefício da investigação hematológica em pacientes com UAR é muito discutida. Alguns autores recomendam a dosagem de derivados da vitamina B, ferro e frações em todos os pacientes portadores de UAR, uma vez que estas deficiências podem estar presentes sem provocar alterações no hemograma, além de alguns estudos referirem melhora com a terapia de reposição10,14. No presente estudo retrospectivo foram investigados o perfil hematológico e as concentrações séricas de ferro, ácido fólico e vitamina B12 de pacientes com ulceração aftosa recorrente.

 

Sujeitos e método

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS sob o protocolo nº 462/2008. Foram selecionados e analisados retrospectivamente oitenta prontuários de pacientes de ambos os sexos, atendidos no Serviço de Estomatologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Desses, quarenta prontuários eram de pacientes com UAR e quarenta de pacientes de controle, emparelhados por sexo e idade, sem histórico conhecido da doença. Em ambos os grupos foram incluídos pacientes com idades entre dez e setenta anos, que não apresentassem doenças sistêmicas, como diabetes, neutropenia cíclica, infecção por HIV, doença de Behçet, doença de Crohn ou doença celíaca. Foram excluídos os indivíduos com outras doenças ulcerativas ou vesicobolhosas da mucosa bucal, como pênfigo vulgar, penfigoide cicatricial ou líquen plano bucal.

Foram registradas as características clínicas das lesões, bem como os resultados dos seguintes exames laboratoriais: contagem de eritrócitos, hematócrito, volume corpuscular médio (VCM) e níveis séricos de hemoglobina, de glicose, de vitamina B12, de ferro e de ácido fólico.

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e dos testes t de Student e Mann-Whitney.

 

Resultados

Os pacientes com UAR exibiram média de idade de 44 anos, sendo 26 (65%) do sexo feminino e 14 (35%) do masculino. Quanto à forma clínica da UAR, 80% das lesões eram do tipo menor, 19%, aftas maiores e 1%, herpetiformes. O sítio de localização mais frequente das úlceras foi a língua (34,4%), seguida dos lábios (24,5%), mucosa jugal (18%), fundo de sulco (9,8%), mucosa alveolar (9,8%) e assoalho bucal (3,2%).

Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos quanto à contagem de eritrócitos, hematócrito, níveis séricos de hemoglobina e VCM (Tab. 1). Apesar de os pacientes com UAR terem exibido níveis inferiores de vitamina B12, a diferença entre os grupos não foi significativa (p = 0,063). Também não foi observada diferença significativa quanto aos níveis de ferro e de ácido fólico (p = 0,897 e p = 0,381, respectivamente) (Tab. 2).

Dos pacientes com UAR, quatro (10%) apresentaram anemia, alteração presente em três (7,5%) indivíduos de controle. A deficiência de vitamina B12 foi observada em três (7,5%) pacientes com UAR, enquanto não houve registro desta alteração no grupo de controle. Deficiências nos níveis de ferro e de ácido fólico foram observadas em cinco (12,5%) e em três (7,5%) dos pacientes com UAR e em um (2,5%) e em três (7,5%) pacientes de controle, respectivamente.

 

Discussão

A ulceração aftosa recorrente é uma das lesões mais frequentes da mucosa bucal e que muitas vezes compromete a qualidade de vida de seus portadores. Embora sua etiopatogenia ainda não seja esclarecida, vários fatores têm sido consistentemente relacionados ao surgimento das lesões15. As deficiências hematológicas e nutricionais fazem parte do grupo de possíveis fatores associados ao desenvolvimento dessa doença. Além dos seus efeitos sobre o sistema hematológico, a maioria das alterações nutricionais associadas com aftas também acarreta relativa diminuição na espessura da mucosa bucal7.

No presente estudo não houve diferença significativa entre os pacientes com UAR e controles quanto às contagens de eritrócitos, VCM, dosagens de hemoglobina, de vitamina B12, ferro e ácido fólico. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, que compararam esses parâmetros laboratoriais em indivíduos com aftas e controles16,17.

Entretanto, pacientes com UAR exibiram níveis de vitamina B12 inferiores aos de pacientes de controle, apesar de a diferença entre os grupos não ter sido significativa. A vitamina B12 ou cobalamina é uma grande molécula termoestável, essencial para o crescimento e divisão celular, e somente 5% dos casos de carência desta vitamina devem-se à deficiência dietética8. Na boca, a deficiência desta vitamina está associada à atrofia da mucosa, com sintomas de ardência bucal.

Burgan et al.18 (2006) observaram que pacientes com UAR apresentavam mais deficiências hematínicas, principalmente nos níveis de vitamina B12, quando comparados a controles saudáveis. Piskin et al.9 (2002), ao investigarem os níveis de ácido fólico, ferro e vitamina B12 de pacientes com UAR e de indivíduos saudáveis, observaram diferença significativa apenas entre as dosagens de vitamina B12. Koybasi et al.10 (2006) constataram que a deficiência de vitamina B12 é um fator de risco para o desenvolvimento da UAR. Alguns estudos têm demonstrado resultados promissores com a administração dessa vitamina a pacientes com aftaS, até mesmo quando seus níveis séricos estão normais19,20.

Apesar de no presente estudo pacientes com aftaS terem exibido níveis de ferro e de ácido fólico semelhantes aos de indivíduos de controle, a investigação das concentrações séricas desses elementos pode ser justificada pelas propriedades que ambos apresentam em nível molecular. O ácido fólico atua na síntese de DNA, RNA e glóbulos vermelhos11. O ferro está envolvido na captação e transporte do oxigênio aos tecidos, na composição de coenzimas do ciclo de Krebs, na formação de peroxidases que protegem as células do dano oxidativo, na síntese de DNA e na proliferação celular12.

A UAR é uma doença multifatorial, visto que história familiar, transtornos nervosos e hipersensibilidade estão envolvidos na sua etiologia. Foi demonstrado que pacientes com UAR em fase ativa exibem número reduzido de células mononucleares, incluindo linfócitos T15. Porter et al.14 (1988) estudaram, por meio de imunofluorescência, os linfócitos do sangue periférico de pacientes com UAR em diversos estágios da doença. Todos os pacientes com aftas apresentaram alterações quantitativas dos linfócitos T, sugerindo que podem ser portadores de anormalidades imunológicas primárias.

 

Conclusão

Neste estudo, pacientes com UAR não exibiram alterações significativas nos parâmetros laboratoriais investigados. Entretanto, como diferentes fatores podem atuar na causa dessa enfermidade, é possível que em alguns pacientes a diminuição da espessura da barreira mucosa, promovida pelas alterações hematológicas e nutricionais analisadas, esteja associada com o desenvolvimento das lesões. Por isso, o hemograma, as dosagens séricas de ferro, de ácido fólico e, principalmente, de vitamina B12 deveriam ser investigados nos pacientes com UAR.

 

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Endereço para correspondência:
Fernanda Gonçalves Salum
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Recebido: 14.10.2009
Aceito: 6.12.2009