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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2010

 

Influência da reinstrumentação do degrau apical radicular após o posicionamento primário do cone principal de guta-percha no selamento apical

 

Re-instrumentation influence in the apical preparation after principal guttapercha point placement in apical marginal leakage

 

 

Milton Carlos KugaI; Luciana Lúcia dos AnjosII; Marco Antonio Hungaro DuarteIII; Marcus Vinicius SóIV; Rodrigo Ricci VivanV; Guilherme Hiroshi YamanariVI

IProfessor do Departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia da Araraquara/Unesp
IIEspecialista em Endodontia pela APCD/Presidente Prudente/SP
IIIProfessor da disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru/SP
IVDoutor em Endodontia pela Unesp - Araraquara - SP
VProfessor de Endodontia da UFRGS
VIProfessor do Departamento de Odontologia da Funec/ Santa Fé do Sul/SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar in vitro se o reposicionamento do cone principal de guta-percha juntamente com o cimento (Sealer 26®) num novo degrau apical pode interferir no selamento proporcionado por três técnicas de obturação. Sessenta caninos humanos extraídos tiveram suas coroas removidas e os respectivos canais radiculares instrumentados pela técnica regressiva e irrigados com água destilada, tendo como instrumento de memória a lima K 50. Após a impermeabilização externa radicular, excluindo o ápice radicular, as raízes foram subdivididas em seis grupos, com dez raízes cada. No Grupo I procedeu-se à obturação com a técnica do cone único; no Grupo II executou-se a condensação lateral ativa; no Grupo III os canais foram obturados pela técnica termomecânica híbrida. Nos três outros grupos (IV, V e VI) semelhantes procedimentos foram realizados, exceto que, após o assentamento do cone principal de guta-percha com o cimento obturador, este foi removido e um novo preparo apical foi realizado até a lima K 60. A seguir, todos os espécimes foram imergidos em solução de Rhodamine B® a 2%, por sete dias, a 37 ºC. Após a remoção das impermeabilizações, os dentes foram clivados e a infiltração marginal apical foi mensurada pelo programa Image Tools®. Com os métodos métodos utilizados não foram detectadas diferenças significativas entre os grupos experimentais (p > 0,05). A reinstrumentação apical imediata à obturação não interfere na magnitude da infiltração marginal apical, embora apresente uma discreta tendência a favorecê-la, desde que o espaço correspondente ao forame apical se encontre preenchido por cimento obturador.

Palavras-chave: Obturação do canal radicular. Preparo de canal radicular. Guta-percha. Infiltração dentária.


ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate in vitro the apical leakage after the apical re-preparation and replacement of the principal gutta-percha point plus endodontic sealer (Sealer 26TM). Sixty extracted human canines were prepared by using a step back technique up to size 50 K type file apically. At each change of instrument the canals were irrigated with distilled water. After that step, the external surface roots were coated and subdivided into six groups with ten roots each: I - single gutta percha point technique; II - lateral condensation and III - hybrid technique. The IV, V and VI groups were similar to others groups but after to place the principal gutta percha point, it was removed, re-prepared up to size 60K file and in sequence replaced the principal gutta percha point and the root canal filling finished. The specimens were immersed in 2% Rhodamine BTM for 7 days at 37 oC. The apical leakage was measured by Image ToolsTM program. With Kruskal Wallis test statistical analysis showed that there was no significant difference between the techniques (p > 0.05).

Key words: Root canal obturation. Root canal preparation. Gutta-percha. Dental leakage.


 

 

Introdução

A obturação dos canais radiculares encerra a primeira etapa de controle das enfermidades que envolvem o endodonto e suas manifestações no hospedeiro. Deduz-se disso que a obtenção de um conjunto que vede perfeitamente os canais radiculares é de fundamental importância para que o reparo perirradicular ocorra, havendo íntima relação entre todos os procedimentos da fase operatória1.

Assim, muito embora diversos métodos e materiais recentes tenham sido preconizados, as técnicas que unem materiais semirrígidos, tais como cones de guta-percha ou poliéster e cimentos obturadores, ainda são as mais recomendadas2.

A interação que os materiais e métodos de obturação sofrem no ambiente dos canais radiculares é ampla, desde com a própria dentina adjacente aos materiais utilizados na irrigação e/ou medicamentos endodônticos3.

A remoção da camada de smear layer das paredes dentinárias após o preparo biomecânico é conseguida principalmente com o uso local do ácido etileno diamino tetracético (EDTA) a 17%4,5. Seu emprego previamente à obturação favorece o selamento apical; por conseguinte, ocorrerá menor infiltração, principalmente se o cimento obturador for a base de resina, como é o caso do Sealer 26® e do AH Plus®.

Outra variável que interfere na magnitude da percolação é o tipo de técnica de obturação empregada. As que compactam o material obturador ativamente tendem a ser mais confiáveis, sobretudo aquelas que, por atrição com os cones de guta-percha, promovem uma plastificação desses, homogeneizando-os com o cimento obturador6.

Durante a obturação do canal radicular poderão ocorrer situações em que há a necessidade de se confeccionar um novo degrau apical, como em ultrapassagem do cone além do limite apical de instrumentação, falta de adaptação apical ou arrombamento da abertura foraminal. Nesses casos deve-se escolher outro cone principal de guta-percha, que será introduzido no comprimento real de trabalho.

Assim, considera-se oportuno avaliar se esse reposicionamento do cone principal de guta-percha, acrescido de cimento obturador (Sealer 26®), confeccionando ou não um novo degrau apical, pode interferir no selamento apical proporcionado pela obturação endodôntica, em função de diversas técnicas obturadoras empregadas na endodontia.

 

Materiais e método

O presente trabalho foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Funec/Santa Fé do Sul - SP. Sessenta caninos humanos extraídos, obtidos do banco de dentes da Funec/Santa Fé do Sul - SP, de anatomia radicular semelhante e portadores de canal radicular único, tiveram suas coroas removidas com discos de carborundum.

Os comprimentos reais das raízes foram obtidos por meio da inserção da lima K 10 em toda a sua extensão, até que a guia de penetração do instrumento aparecesse na extremidade apical radicular. Desse calibre até a lima K 40 realizou-se a instrumentação nesse comprimento, com movimentos oscilatórios, a fim de se padronizar o diâmetro do forame apical; após, recuando 1,5 mm em sentido coronal, estabeleceu-se o comprimento real de instrumentação.

Os condutos foram preparados biomecanicamente pela técnica regressiva4; determinando-se o degrau apical com a lima K 50, com movimentos oscilatórios, e concluindo com a K 80, em movimentos de limagem, sempre alternando com irrigação de 1,0 mL de água destilada.

Após a aspiração absoluta com pontas endodônticas específicas, os canais radiculares foram preenchidos com EDTA trissódico a 17% (Biodinâmica Ltda., Ibiporã - PR, Brasil) por 3min e novamente irrigados com água destilada, aspirados e secados com pontas de papel absorvente (Dentsply Ind. Com. Ltda., Petrópolis, RJ, Brasil).

As superfícies externas radiculares foram impermeabilizadas, exceto os 2,0 mm apicais, com duas camadas de Araldite Hobby® (Brascola S.A., São Paulo - SP, Brasil) e uma camada de esmalte convencional para unhas.

Nesse momento, as raízes foram distribuídas em seis grupos, com dez raízes cada, conforme se segue: I - técnica do cone único7; II - técnica da condensação lateral ativa7; III - técnica híbrida de Tagger8; IV - recapitulação e técnica do cone único; V - recapitulação e condensação lateral ativa e VI - recapitulação e técnica híbrida de Tagger.

Os cones principais de guta percha (Dentsply Ind. Com. Ltda., Petrópolis - RJ, Brasil) foram provados com calibre compatível ao do instrumento de memória (K 50) e assentados pelo método biológico controlado. Apenas nos grupos da técnica do cone único foi utilizado o método clássico de assentamento, tendo sempre como cimento endodôntico o Sealer 26® (Dentsply Ind. Com. Ltda., Petrópolis - RJ, Brasil), manipulado em única dosagem, na proporção de 1,1g:1,0g de pó:resina. Em todas as raízes os cones principais foram posicionados, retirados e novamente posicionados na extensão de instrumentação, com a finalidade de preencher o canal cementário com cimento.

Nos Grupos IV, V e VI, após o posicionamento e retirada do cone principal de guta-percha, executou-se uma nova dilatação do degrau apical objetivando uma recapitulação, apenas com movimentos oscilatórios, até a lima K 60. Nesses grupos o calibre do cone também foi alterado para o de número 60.

Concluído o preenchimento dos canais radiculares, a obturação foi condensada verticalmente com instrumentos apropriados, tendo sido conferida por meio de tomadas radiográficas das raízes no sentido mesiodistal e vestibulolingual.

A câmara pulpar foi limpada com uma bolinha de algodão embebida em álcool absoluto. O acesso coronário foi, então, restaurado com cimento de óxido de zinco e eugenol, sobre o qual foi aplicada uma nova impermeabilização.

Imediatamente, todos os grupos experimentais foram imergidos em Rhodamine B® a 2% por sete dias, a 37 ºC. Após esse período, as impermeabilizações foram removidas e as raízes, clivadas longitudinalmente, no sentido vestibulolingual, e os espécimes, fotografados ao lado de um paquímetro, a fim de padronização das medidas, com auxílio de máquina digital Nikon D70®; acoplada a uma lente Medical® (Nikon Corporation, Chiyoda-Ku, Tóquio, Japão). As digitalizações foram analisadas e a infiltração linear do corante, entre a obturação do canal radicular e a parede dentinária adjacente, foi mensurada pelo programa Image Tools® (Texas University, Health Science Center, San Antonio, Texas, EUA), a partir da porção apical do cone principal de guta-percha, desconsiderando-se o espaço correspondente ao forame cementário. As medidas obtidas, em milímetros, foram submetidas à análise estatística pelo método de Kruskall-Wallis, em nível de significância de 5%.

 

Resultados

Após a análise estatística de Kruskall-Wallis, com os métodos utilizados nesta pesquisa não foram detectadas diferenças significativas entre os grupos experimentais (p > 0,05), (Tab. 1).

A Figura 1 ilustra a média aritmética (em milímetros) das infiltrações marginais lineares entre a obturação endodôntica e a parede dentinária subjacente, a partir do início apical do cone principal de guta-percha.

 

Discussão

A obturação endodôntica objetiva o vedamento hermético do sistema dos canais radiculares, evitando a percolação de fluidos e micro-organismos de apical para coronal e de coronal para apical. Diz-se que o travamento dos cones principais de guta-percha é fundamental para evitar a extrusão de material em direção apical e também para favorecer o selamento apical4.

Entretanto, conforme citam Alisson et al.9 (1981), esse travamento é totalmente desnecessário, porque nem sempre se consegue uma adaptação perfeita no degrau apical. Tanto é que Murata e Holland10 (1992) não encontraram diferenças significativas na média de infiltração apical permitida em razão de os cones principais de guta-percha estarem travados, ligeiramente adaptados ou soltos nessa região, mesmo quando utilizados solventes para a moldagem apical. Entretanto, destacam que sucessivas moldagens da porção apical do cone de guta-percha com eucaliptol ou clorofórmio promovem interferências negativas em relação à infiltração marginal.

Em algumas situações, entretanto, há a necessidade de se readaptar o cone principal de guta-percha, como nas condições em que a guta-percha não atingiu ou ultrapassou o comprimento real de trabalho e/ou não houve ajuste adequado no degrau apical ora estabelecido, necessitando-se retirá-lo e refazer um novo batente apical. Neste caso, fica a dúvida se ao se definir uma nova dilatação não se aumentaria a infiltração apical da obturação.

No presente estudo não foram observadas diferenças entre os grupos experimentais (p > 0,05), inclusive entre o do cone único e os que foram submetidos à condensação lateral ativa, diferindo de Azevedo11 (1983), que observou melhores resultados quando a compactação foi realizada, semelhantemente ao citado em estudos com a técnica termomecânica híbrida8.

Os resultados semelhantes no experimento podem ser atribuídos ao fato de a dilatação correspondente à abertura foraminal ser idêntica em todos os grupos e não ser modificada, independentemente do aumento do diâmetro do degrau apical. Ressalta-se também que o espaço correspondente ao forame apical sempre esteve preenchido exclusivamente com o cimento Sealer 26®.

Nos grupos nos quais se realizou a reinstrumentação do degrau apical, ampliando da lima K 50 para a K 60, houve um discreto aumento da infiltração marginal apical, porém não insignificativo, ocasionado provavelmente pelo maior diâmetro do batente apical e, por conseguinte, pela maior exposição do cimento obturador.

A técnica híbrida permite uma uniformização dos materiais obturadores no interior do canal radicular8 com uma melhora significativa no vedamento apical da obturação, muito embora estudos demonstrem que esta é inferior às demais técnicas termoplastificadas, tais como o Microseal®; Thermafill® e System B®12,13.

A obturação hermética do canal radicular é uma utopia não atingida até o momento. Sabe-se que o tipo de metodologia empregada é um fator importante para o estudo da infiltração de modo geral, porque os corantes, íons e isótopos apresentam tamanhos moleculares menores que as bactérias e seus subprodutos. Contudo, se o corante identifica a infiltração, significa que há uma via de passagem e que a bactéria, e/ou seu subproduto, poderá ultrapassar em menor ou maior tempo.

O presente trabalho abre novas perspectivas de estudo, tais como análise de novos métodos de tratamento da superfície dentinária, análise de novos materiais e métodos de obturações e realização de estudos clínicos e com acompanhamento longitudinal, o que permite um maior poder de gerar evidências.

 

Conclusões

Com base na metodologia utilizada no presente estudo e nos resultados obtidos, pode-se concluir que:

  • com relação à infiltração apical, não houve diferenças significativas entre os grupos estudados;
  • a reinstrumentação apical ao posicionamento do cone principal com cimento não interferiu na magnitude da infiltração marginal apical, muito embora apresente uma discreta tendência a favorecê-la.

 

Referências

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9. Alisson DA, Michelic RJ, Walton RE. The influence of master cone adaptation on the quality of the apical seal. J Endod 1981; 7:61-5.         [ Links ]

10. Murata SS, Holland R. Avaliação da adaptação do cone de guta-percha principal na extrusão do material obturador e na qualidade do selamento marginal obtido após a obturação de canal. Rev Odontol Unesp 1992; 21:243-54.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Marcus Vinicius Só
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Recebido: 11.05.2009
Aceito: 18.12.2009