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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2010

 

EDITORIAL

 

Formação acadêmica empreendedora para um novo cenário tecnológico

 

 

Evandro Piva

Faculdade de Odontologia, UFPel. Diretor Executivo da Agência de Gestão Tecnológica da UFPel

 

 

A produção científica brasileira cresceu 57% nos três últimos anos. Atualmente o Brasil produz 2,7% das publicações mundiais, ocupando a 13° posição no ranking das publicações. Esse crescimento em quantidade e qualidade de produção de conhecimento em periódicos de circulação mundial deve-se, em grande parte, aos crescentes investimentos e valorização da ciência e à maturidade atingida pelo sistema de pós-graduação brasileiro. Por outro lado, o cenário tecnológico pode ser medido pelo número de patentes registradas. Em 2009 apenas 0,3% das patentes internacionais foram brasileiras, ocupando, assim, a 24° posição no ranking tecnológico, enquanto os países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e Alemanha ocupam as primeiras colocações (WIPO, 2008)

Surge, assim, uma grande lacuna separando a ciência e tecnologia, que no Brasil estão predominantemente no meio acadêmico, das demandas tecnológicas não atendidas e oportunidades de mercado identificadas pelo setor produtivo. Devemos considerar que, ao conectarmos universidade e empresa, criaremos um ciclo de conhecimento no qual as competências se somam e o conhecimento passa pelos estágios de; 1 - Pesquisa Básica, 2 - Pesquisa aplicada (competências das universidades), 3 - Desenvolvimento experimental, 4 - Produção e 5 - Comercialização (Competências do setor produtivo). Nesse contexto, a produção científica é parte do caminho a ser explorado, com potencial de produzir novos produtos e processos, especialmente novas patentes, que realmente configuram boas oportunidades de mercado com impacto sobre a geração de empregos e renda.

Mas o que é inovação? Diferentemente da invenção, que é fruto de uma atividade inventiva sem a demanda de mercado, entende-se por inovação a implementação de produtos e processos tecnologicamente novos com potencial para ser explorado comercialmente. Assim, podemos entender que inovação não deve nascer só de universidades ou somente de indústrias, pois necessita de um ambiente cooperativo entre ambas.

O marco regulatório da política de inovação brasileira se deu com a Lei da Inovação (lei n° 10973 de 2004) e a Lei do Bem (lei 11.196 de 2005). Com o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (20072010) estão sendo investidos R$ 41,2 bilhões para estimular o desenvolvimento de produtos inovadores para o mercado, gerando, assim, maior competitividade para o setor produtivo. Atualmente não apenas os pesquisadores, mas também a indústria de base tecnológica possui à disposição quantidade expressiva de recursos governamentais não reembolsáveis por meio de editais para desenvolvimento tecnológico, como o subvenção econômica (Finep). As ações governamentais de estímulo à P,D&I são justificadas, pois, quando as ações de pesquisa e desenvolvimento estão focadas em plano de negócios das indústrias, a possibilidade de os investimentos em P,D&I produzirem um novo produto para o mercado são maiores que nas pesquisas acadêmicas isoladas.

Apesar de o sistema de pós-graduação strictu-sensu formar mais de cinqüenta mil mestres e doutores por ano, a maioria dos doutores ainda está nas universidades e o setor produtivo ainda utiliza poucos recursos humanos de alta qualificação, necessários para idealizar e gerir projetos inovadores, foco das ações governamentais de estímulo à inovação.

Mas qual a importância dessa discussão com foco em desenvolvimento e inovação para a odontologia? A resposta está em novas oportunidades de trabalho com base na formação empreendedora de novos profissionais.

Segundo o Conselho Federal de Odontologia, existem 191 faculdades de odontologia no Brasil e 231.610 cirurgiões-dentistas cadastrados. O principal mercado de trabalho ainda é o atendimento clínico público e

privado e a docência em cursos de graduação e pós-graduação. Apesar de a Organização Mundial da Saúde recomendar um dentista para cada 1.500 habitantes, pouca ênfase tem sido dada a novas alternativas de mercados de trabalho. No contexto do empreendedorismo, a missão da universidade é formar cada vez mais alunos para gerar emprego, não apenas para procurar emprego.

Com relação à pós-graduação, raros são os de projetos de pesquisa que consideram a busca de informações em base de patentes. Ao realizarmos uma busca por palavra chave nos tradicionais portais científicos, estamos acessando o "estado da arte" sobre um assunto. Por outro lado, ao acessar base de patentes, estaremos identificando o "estado da técnica" ou seja, como fazer e fabricar. Aproximadamente 70% das informações sobre materiais estão somente em patentes. Entendendo que, se não existe ainda proteção industrial justamente na área em que se está iniciando o projeto, é possível perceber que uma dissertação ou tese pode representar, além da formação acadêmica e requisito para obtenção do título, uma nova patente, uma transferência de tecnologia ou uma nova oportunidade de negócios. Assim, os projetos de pesquisa deveriam também implementar discussões com o objetivo de identificar oportunidades de mercado e lacunas tecnológicas em patentes como fator diferencial para desenvolvimento de novos produtos de interesse comercial. Como a gestão de inovação é um assunto relativamente novo, várias barreiras necessitam ser transpostas, em especial no ambiente de formação acadêmico, para que possamos explorar as novas oportunidades.

A quebra de paradigma necessária para viabilizar um ambiente acadêmico inovador pode seguir as seguintes iniciativas: 1) adequações de projetos pedagógicos com a introdução de disciplinas de empreendedorismo e administração nos currículos de graduação e pós-graduação; 2) estímulo na geração de linhas de pesquisas colaborativas entre universidades e empresas com reconhecida política de inovação aberta (open innovation), viabilizada por financiamento universidade-empresa; 3) universidades com laboratórios multiusuários, com regulamentação e política de estímulo à incubação de empresas (Spin-off) que possam surgir a partir de projetos de alunos; 4) implementação de políticas de formação tecnológica incluindo redação de patentes e valorização curricular de indicadores de desempenho tecnológico; 5) recursos humanos com formação em gerenciamento de projetos e estudo de plano de negócios; 6) gestão da inovação na universidade.

É tempo de adicionar o esforço empreendedor e inovador aos projetos pedagógicos e de pesquisa no ambiente universitário. É tempo de empreender e inovar!