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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2010

 

Manifestações relacionadas à erupção dentária na primeira infância - percepção e conduta de pais

 

Clinical manifestations attributed to the eruption of deciduos teeth - perception and attitude of parents

 

 

Evamiris de França Landim VasquesI; Evelline de França Landim VasquesII; Maria Goretti Freire de CarvalhoIII; Patrícia Teixeira de OliveiraIII; Ana Flávia Granville-GarciaIV; Edja Maria Melo de Brito CostaIV

IAluna do curso de mestrado em Odontologia da Universidade Potiguar, Natal, RN, Brasil
IIGraduada em Odontologia pela Universidade Potiguar/RN, Natal, RN, Brasil
IIIProfessoras Doutoras do curso de mestrado em Odontologia da Universidade Potiguar, Natal, RN, Brasil
IVProfessoras Doutoras do curso de mestrado em Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste trabalho foi avaliar a percepção de mães/responsáveis a respeito da existência de manifestações locais e/ou sistêmicas das crianças durante o processo de erupção dentária na primeira infância, assim como verificar as atitudes tomadas diante da sintomatologia.
MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal de caráter exploratório do qual participaram 145 mães e/ou responsáveis de crianças entre quatro meses e três anos de idade. O instrumento de coleta de dados foi um questionário estruturado contendo perguntas sobre sinais e sintomas relacionados à erupção dentária e atitudes tomadas pelos responsáveis.
RESULTADOS: Do total dos entrevistados, 130 (89,65%) relataram a presença de sintomatologia durante a erupção dentária. As alterações mais frequentes foram irritabilidade (80,76%) e febre (74,61%) e as menos citadas, gripe (23,84%) e coriza (22,3%). Dentre as atitudes tomadas pelos responsáveis, a ida ao pediatra foi a mais comum (56,92%), e a menos citada foi a procura simultânea pelo pediatra e odontopediatra (6%).
CONCLUSÃO: Diante dos resultados, pode-se concluir que durante a erupção dos dentes decíduos manifestações locais e/ou sistêmicas são percebidas pelas mães, sendo os médicos os profissionais mais procurados nessa situação.

Palavras-chave: Erupção dentária. Dente decíduo. Sinais e sintomas.


ABSTRACT

OBJECTIVE: The objective of this work was to evaluate the perception of mothers/responsible as for the existence of children's local/systemic manifestations during deciduous teeth eruptions, as well as verifying their attitudes in the presence of these symptoms.
METHODS: A transversal exploratory study was accomplished, with 145 parents of children aging between four months and three years old. The data collection was achieved through a structured questionnaire, with questions about the signs and symptoms related to the eruption and the attitudes taken by the parents.
RESULTS: From the total of interviewees, 130 (89.65%) mentioned the presence of the symptoms during dental eruption. The most frequent alterations were irritability (80.76%) and fever (74.61%), and the least frequent were influenza (23.84%) and runny nose (22.3%). Among the attitudes taken by the parents, visiting the pediatrician was the most common (56.92%), and the least mentioned was the simultaneous search for a pediatrician and a pediatric dentist (6%).
CONCLUSION: Before the results, it can be concluded that during the eruption of deciduous teeth, local and/or systemic signs and symptoms are observed by the mothers, where the doctors are the professionals who are most commonly seen in these situations.

Key words: Tooth eruption. Tooth deciduous. Signs and symptoms.


 

 

Introdução

A palavra "erupção" é derivada do latim erode, que significa irromper. Considerando o significado estrito do termo "erupção dentária", poderia ser definido como sendo a incisão da gengiva realizada pelo dente1. Em sentido mais amplo, a erupção dentária pode ser entendida como toda movimentação fisiológica do dente, desde a sua formação até atingir uma posição funcional. Nesse pensamento, a erupção dentária tem início nos primórdios da odontogênese, fase pré-eruptiva, e termina quando o dente atinge a sua posição funcional no plano oclusal1,2.

Poucos dias antes do irrompimento do dente na cavidade bucal, geralmente ocorrem manisfestações locais e/ou sistêmicas. As manifestações locais, como salivação abundante, prurido, edema local e eritema gengival, têm sido atribuídas a uma complexa interação de células inflamatórias, proteínas da matriz do esmalte e imunoglobulina E (IgE). Por outro lado, a presença de IgE nos tecidos em torno do dente em erupção resulta em reação de hipersensibilidade, o que pode levar a sintomatologia sistêmica, como a febre3.

Recentemente, foi desenvolvido um estudo em ratos no qual se observou a presença de inflamação circundando o dente em processo de erupção dentária, com aumento gradual da intensidade até o rompimento da mucosa. Foi observada ainda a presença de IL-1b no córion antecedendo o rompimento da mesma4.

Outros sinais e sintomas têm sido relacionados à erupção dentária: aumento da temperatura, tosse, corrimento nasal, apatia, aumento da salivação, perturbações gastrintestinais, irritabilidade, perda de apetite, diminuição do sono, aumento da sucção digital, bruxismo, tosse, convulsões e herpes. A erupção dentária isoladamente não explicaria o surgimento de tais eventos, embora esses possam ocorrer de forma concomitante. Inseridas nas manifestações locais são citadas ainda as inflamações gengivais, a hiperemia da mucosa, os cistos de erupção e úlceras bucais5,6.

Ainda não existe um consenso na literatura sobre se a sintomatologia na fase de erupção dos dentes decíduos é originária do próprio desenvolvimento fisiológico da criança ou se faz parte de um processo fisiopatológico relacionado com a erupção dentária7-9. Assim, permanece a antiga controvérsia da odontologia: se o processo eruptivo de dentes decíduos é causador de manifestações sistêmicas no organismo infantil ou se a ocorrência paralela é uma mera coincidência, a qual não deve ser desprezada7,10.

Considerando os fatos anteriormente mencionados, este trabalho teve como objetivo avaliar a percepção de mães/responsáveis a respeito da existência de manifestações locais e/ou sistêmicas durante o processo de erupção dentária na primeira infância, assim como verificar as suas atitudes durante esse processo.

 

Sujeitos e método

Foi realizado um estudo transversal de caráter exploratório por meio de questionário estruturado, para o qual foram convidadas a participar duzentas mães com filhos matriculados em seis creches/escolas localizadas no bairro de Lagoa Nova, Natal - RN. A amostra foi de conveniência, sendo composta por genitoras e/ou responsáveis por crianças de quatro meses a três anos de idade.

O questionário continha perguntas sobre sinais e sintomas relacionados à erupção dentária e sobre as atitudes tomadas pelos responsáveis em relação à sintomatologia. A fidedignidade das respostas foi testada pelo método de validação de "face" realizado em cinco dos pesquisados11. Os dados foram analisados de forma descritiva (análise de percentuais).

Todo sujeito de pesquisa recebeu junto com o questionário um termo de consentimento livre e esclarecido explicando a natureza da pesquisa, sua importância e a necessidade de obter resposta, despertando o seu interesse para que preenchesse e devolvesse o questionário dentro de um prazo razoável.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Potiguar, Natal - RN (Processo nº 019/2004).

 

Resultados

Dos duzentos questionários distribuídos, foram devolvidos 145 (72,5%), tendo sido todos respondidos por mães. Das 145 mães, 130 (89,65%) relataram a ocorrência de algum tipo de alteração durante a erupção dos dentes decíduos. Na Figura 1 podem ser observadas as diversas alterações citadas pelas mães. Dentre as manifestações relatadas, a irritabilidade foi o sintoma mais frequente, citado por 105 mães (80,76%).

 

 

Em relação às atitudes tomadas pelas mães na tentativa de solucionar os problemas surgidos durante a erupção dos dentes decíduos, das 130 participantes que relataram problemas, 56,92% procuraram o médico pediatra e 11,53% fizeram automedicação (Fig. 2). A visita ao odontopediatra com o intuito de buscar solução para os problemas relacionados à erupção dos dentes foi citada por apenas 10% das entrevistadas.

 

 

Discussão

A erupção dos dentes decíduos muitas vezes é acompanhada por manifestações sistêmicas e/ou locais. Se tais alterações são realmente causadas pelo movimento do dente e seu irrompimento, os trabalhos existentes na literatura ainda não conseguiram provar12. Com base na demanda de informações sobre erupção dos dentes decíduos e sua sintomatologia relatada em lactentes, pode-se verificar certa dificuldade enfrentada pelos profissionais da área em estabelecer uma opinião conclusiva sobre o assunto13.

Considerando os resultados encontrados no presente estudo, pode-se afirmar que a ocorrência de sintomatologia durante o processo de erupção dentária foi bastante observada pelas mães, pois 89,65% das entrevistadas relataram algum tipo de sintomatologia, local e/ou sistêmica, durante esse processo. Resultados semelhantes foram encontrados anteriormente em outros estudos9,14-16. A ocorrência dessas manifestações clínicas durante o processo de erupção dos dentes decíduos tem conduzido mães, odontopediatras e pediatras a associarem a sua presença ao processo de erupção8,9,13-15.

No presente estudo, dentre as dez alterações relatadas pelas mães a irritabilidade foi uma das mais citadas, achado que está em consonância com outros estudos publicados na literatura7,9,14,15,17,18. Essa condição pode ser consequência das alterações locais que acontecem com a movimentação dentária, quando ocorre ruptura do tecido conjuntivo da gengiva, tornando-a inflamada e edemaciada, ocasionando desconforto à criança. A inflamação gengival, por sua vez, propicia a presença de tumefação gengival e salivação intensa, as quais têm sido indicadas por outros autores como as alterações mais frequentes durante a erupção dos dentes decíduos9,18,19. Outras alterações relacionadas ao processo de erupção dentária têm sido relatadas, incluindo distúrbio do sono, perda de apetite, tosse, coceira auditiva, vômito, diarreia e febre7,9,14,15,17-19.

Muitas dessas manifestações clínicas têm sido associadas ao aumento de citocinas inflamatórias no fluido crevicular gengival de dentes decíduos em erupção. A presença de febre e distúrbios do sono tem sido associada ao aumento de IL-1beta e TNFalpha; os distúrbios gastrointestinais, ao aumento de IL-beta e IL-8, e a falta de apetite, ao aumento de IL-1beta20.

A febre, neste estudo, foi a segunda manifestação mais citada pelas mães. Esta condição tem sido citada com frequência por outros autores5,21,22; que acreditam na associação positiva entre a febre e a erupção dentária. Por outro lado, outras pesquisas têm demonstrado que não existe uma relação entre causa e efeito23,24; embora não excluam a probabilidade de haver uma fraca associação24. Deve-se ressaltar que a presença de febre, diarreia e vômito durante o processo de erupção dentária pode ser indicativo de infecção; dessa forma, existe a necessidade de descartar a sua ocorrência durante este período22,24 .

Outro sinal mencionado no presente estudo foi a diarreia, citada por 37,69% das 130 mães. Achados similares já foram observados em outros estudos, cujos resultados demonstraram que em torno de um terço dos pediatras acredita que a diarreia é uma manifestação relacionada ao processo de erupção dos dentes decíduos7,9,18. Apesar de a diarreia ser incluída entre as alterações associadas ao irrompimento de dentes decíduos, alguns autores acreditam que é um transtorno intestinal que ocorre não propriamente pela erupção de dentes, e sim por infecção bacteriana, sendo consequência da contaminação dos dedos e objetos levados à boca em razão do desconforto gengival apresentado pelas crianças durante a erupção dentária18. Por outro lado, a ocorrência dos distúrbios gastrointestinais tem sido associada à presença de altos níveis de citocinas inflamatórias no fluido crevicular gengival durante o processo de erupção20.

Neste estudo observou-se que a maioria das mães procura o pediatra quando seus filhos apresentam algum tipo de manifestação durante a erupção dos dentes decíduos. Este achado coincide com aqueles relatados por outros autores14; os quais verificaram que 72,4% das mães recorrem a médicos pediatras para esclarecer dúvidas que dizem respeito às manifestações durante esse processo. Essa atitude pode ser explicada pelo fato de a maior parte das manifestações clínicas ser de natureza sistêmica, o que torna o médico o profissional de escolha para solucionar o problema.

Considerando a possibilidade de ocorrência de manifestações locais e sistêmicas durante a erupção dos dentes decíduos, surge a necessidade de trabalhos conjuntos entre os profissionais da área da saúde, no sentido de orientar adequadamente os pais das crianças, alertando-os para as possíveis alterações e atitudes que devem ser tomadas. Além disso, é recomendado que o odontopediatra, quando diante de manifestações sistêmicas em crianças, antes de diagnosticar o processo eruptivo como causador dessas manifestações, encaminhe seu paciente para uma avaliação pediátrica com o objetivo de descartar alguma doença/infecção responsável pela sintomatologia. Nesse sentido, é de extrema importância a integração da equipe multidisciplinar em saúde, com o objetivo de promover a atenção integral à saúde da criança, buscando a melhoria do seu bem-estar e qualidade de vida.

 

Conclusão

Diante dos resultados do presente estudo, conclui-se que durante a erupção dos dentes decíduos manifestações locais e/ou sistêmicas são percebidas pelas mães, sendo os médicos os profissionais mais procurados nessa situação.

 

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Endereço para correspondência:
Edja Maria Melo de Brito Costa
Departamento de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba
Rua José Branco Ribeiro, 840, apto 204B, Catolé
58104-685 Campina Grande - PB
Fone: (83) 3331-8640
E-mail: edjacosta@gmail.com

Recebido: 20.11.2009
Aceito: 01.03.2010