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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2010

 

A influência da faixa etária na velocidade do fluxo salivar em adultos

 

The influence of age in the speed of salivary flow in adults

 

 

Juliana Almeida de Macedo CoutoI; Fernanda Ferreira LopesII

ICirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Grupo de Pesquisa em Odontologia - UFMA, São Luís, MA, Brasil
IIDoutora em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, professora adjunta do curso de Odontologia da UFMA, São Luís, MA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: A presente pesquisa teve por objetivo verificar as variações no fluxo salivar em adultos saudáveis, visando correlacionar esses dados com a faixa etária e a condição dentária.
MÉTODOS: Foram selecionados cem pacientes com idades variando entre 20 e 59 anos, que estavam em tratamento nas clínicas odontológicas da UFMA. As amostras de saliva total foram obtidas por meio do método de coleta de saliva estimulada e a condição dental foi avaliada pelo índice CPO-D. Os resultados foram submetidos ao teste qui-quadrado (
α = 0,05) e ao teste de correlação de Pearson (α = 0,01).
RESULTADOS: Observou-se que a redução do fluxo salivar não depende da faixa etária dos pacientes saudáveis, quando divididos em jovens e adultos. No entanto, houve correlação negativa significativa entre a idade e a sialometria, assim como entre o CPO-D e a sialometria. Correlação positiva significativa foi detectada entre a idade e o CPO-D dos pacientes adultos saudáveis.
CONCLUSÃO: Conclui-se que existe uma tendência inversa entre as variáveis idade e sialometria em adultos saudáveis, não caracterizando, porém, uma associação entre a faixa etária e o fluxo salivar estimulado.

Palavras-chave: Saliva. Xerostomia. Grupos etários.


ABSTRACT

OBJECTIVE: The objective of this study is to verify the changes in salivary flow in healthy adults, aiming at correlate these data with age and dental status.
METHODS: 100 patients aging between 20 and 59 years who were being treated in the Dental Clinics of UFMA were selected. Samples of total saliva were obtained by the method of stimulated saliva collection, and dental condition was assessed by using the DMFT index. The results were submitted to Chi-square (= 0.05) and the Pearson's correlation Test (= 0.01).
RESULTS: It was observed that the reduction of salivary flow does not depend on the age group of healthy patients when divided into young and meddle-aged adults. However, there was significant negative correlation between age and sialometry, as well as between the DMFT and sialometry. Significant positive correlation was found between age and DMFT of healthy adult patients.
CONCLUSION: Therefore, it is concluded that there is an inverse tendency between the variables age and sialometry in healthy adults, not characterizing, however, an association between age and stimulated salivary flow.

Key words: Saliva. Dry mouth. Age groups.


 

 

Introdução

O fluxo salivar normal garante as condições de saúde bucal, evitando doenças como cárie, periodontopatias, halitose e desconforto do paciente (ardência, perda do paladar, dificuldade de fonação, mastigação, deglutição e o uso de prótese), observadas quando da redução de saliva1,2.

De acordo com Aranha3(1996), a saliva umedece os dentes e a mucosa bucal e cumpre as funções de proteção, com uma lubrificação perfeita. Além de conferir defesa por meio da lisozima, que exerce uma ação germicida, evita a proliferação de germes estranhos no meio bucal.

A digestão inicial dos polissacarídeos, como amido e glicogênio; a regulação do pH do meio bucal por meio dos tampões salivares, evitando as lesões produzidas pelo excesso de ácidos e de bases, assim como a autolimpeza da boca por movimentos mastigatórios, são também funções atribuídas à saliva3.

A presença de lesões de cárie é considerada um coeficiente modificado pelo fluxo salivar, havendo correlação inversa entre este parâmetro e o risco de cárie4. A redução no fluxo salivar aumenta o risco de cárie, que é a causa mais comum da perda de dentes em toda a vida adulta5.

Pode-se verificar que a supressão ou mesmo a diminuição do fluxo salivar determina maior suscetibilidade à cárie dental. A saliva mantém o equilíbrio do meio bucal e pode-se usar, relativamente, o fluxo salivar para a medida da atividade de cárie3. Batista et al.6 (2007) acrescentam que a redução do fluxo salivar aumenta não só a suscetibilidade à cárie dentária, como também a possibilidade de erosão dental.

Achados de Eliasson et al.7 (2009) sugerem que a baixa produção de saliva pelas glândulas menores, como as labiais, pode causar a sensação total de boca seca, mesmo em indivíduos com fluxo salivar normal. Essa condição prejudica a qualidade de vida dos indivíduos afetados, mas não deve ser confundida com a problemática gerada pela ausência ou diminuição de saliva na boca.

A xerostomia, sensação subjetiva de boca seca, consequente ou não da diminuição/interrupção da função das glândulas salivares, é mais frequente entre idosos e pacientes do sexo feminino2.

Alterações na flora bucal predispõem às infecções oportunistas, principalmente por Candida albicans, e contribuem para a proliferação de micro-organismos cariogênicos. Assim, pacientes com xerostomia são predispostos a desenvolver cáries e doença periodontal2.

Segundo Yeh et al.8 (1998), a alteração no fluxo salivar está significativamente associada à idade, ao passo que Navazesh et al.9 (1996) ressaltam que as desordens sistêmicas e medicações são as causadoras de xerostomia e hipofunção das glândulas salivares em adultos com diferentes idades.

Flink et al.5 (2008), em estudos relacionando a prevalência da hipossalivação com a saúde sistêmica, o índice de massa corporal (IMC) e os dentes remanescentes em pacientes com idade entre 20 e 69 anos, obtiveram resultados prevalentes de baixa produção de saliva em pacientes com elevado IMC e que fazem uso de medicamentos.

Pesquisas clínicas mostraram a redução no fluxo salivar com a idade8,9; no entanto outros trabalhos não registraram essa associação10,11. A presença de doenças sistêmicas, o uso de alguns medicamentos e a radioterapia na região de cabeça e pescoço podem gerar disfunção salivar12.

Em razão da necessidade de se estudar a variável idade sem a influência dos demais fatores na velocidade do fluxo salivar em adultos, o presente estudo objetiva verificar as variações no fluxo salivar em adultos saudáveis, visando correlacionar esses dados com a faixa etária e a condição dentária, excluindo-se o efeito das desordens sistêmicas e medicações sobre o fluxo salivar.

 

Sujeitos e método

A amostra da presente pesquisa constou de cem pacientes saudáveis que estavam sendo submetidos a tratamento odontológico nas clínicas da UFMA. Após a coleta de dados (gênero, idade, saúde sistêmica e condição dentária), excluíram-se os pacientes que informaram a presença de doença sistêmica, uso de medicações e que apresentaram dificuldade de coordenação motora para a execução da coleta de saliva estimulada. Os participantes foram divididos em dois grupos etários: adultos jovens (com idade de 20 a 29 anos) e adultos de meia-idade (idade variando de 30 a 59 anos), de modo similar ao já empregado por Moritsuka et al.11 (2006).

Exame da condição dentária foi realizado usando-se o espelho bucal e a sonda exploradora, sendo registrada a presença de cavidade de cárie dentária, não incluindo as lesões de cárie inicial em esmalte como mancha branca, com o emprego do índice CPO-D.

As amostras de saliva total foram obtidas do método de coleta de saliva estimulado mecanicamente pela mastigação de um pedaço de látex. O paciente deveria estar sentado confortavelmente, com a cabeça levemente inclinada para frente, ao mastigar o pedaço de borracha (2 cm), esta amarrada a um pedaço de 25 cm de fio dental, cujo objetivo era evitar a sua deglutição pelo paciente. Após a introdução da borracha na boca e o início de sua mastigação, começava-se a contagem de tempo de 6min. A saliva produzida no primeiro minuto era desprezada e a produzida nos 5min seguintes, coletada a cada intervalo de 1min no recipiente graduado13. Nesse exame, os materiais utilizados foram cânula de borracha, fio dental, tubos calibrados pelo menos em 0,1 mL e cronômetro.

A sialometria foi realizada obedecendo ao mesmo horário de coleta, sendo os pacientes orientados a não escovar os dentes, comer ou beber, pelo menos, 1h antes da coleta. O volume de saliva estimulada foi mensurado e a velocidade do fluxo salivar, calculada em mL/min, sendo o cutoff para a redução na velocidade do fluxo salivar estimulado de 0,70 mL/min11.

Os resultados obtidos foram transferidos para banco específico de dados para serem tabulados e analisados. O teste qui-quadrado, em nível de significância de 5%, foi utilizado para verificar associação entre os grupos etários de estudo, e o teste de correlação de Pearson, para identificar correlação entre as variáveis numéricas (α = 0,01).

A presente pesquisa seguiu as recomendações fundamentais da resolução 196/96 do CNS/MS, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário da UFMA, mediante parecer nº 382/06.

 

Resultados

Após análise estatística, observou-se que 79 pacientes (79%) apresentaram fluxo salivar estimulado normal (> 0,7 mL/mim) e 21 (21%), fluxo salivar reduzido (< 0,7 mL/min), sendo 8% pertencentes ao grupo jovem e 13%, ao grupo adulto. Não houve associação entre o fluxo salivar em pacientes saudáveis e os grupos etários estudados (p = 0,321) (Tab. 1).

 

 

Quando as variáveis numéricas (idade, sialometria e CPO-D) foram submetidas ao teste de correlação de Pearson, observou-se correlação negativa significativa entre a idade e a sialometria, assim como entre o CPO-D e a sialometria. Correlação positiva significativa foi detectada entre o CPO-D e a idade dos pacientes adultos saudáveis (Tab. 2).

 

 

Discussão

A presente pesquisa estudou o fluxo salivar em diferentes faixas etárias e detectou que indivíduos com história de cárie possuíam menor fluxo salivar.

Quando as variáveis numéricas foram correlacionadas, sendo submetidas ao teste de Pearson, observou-se correlação negativa entre a idade e a sialometria, assim como entre o CPO-D e a sialometria. Já entre a idade e o CPO-D, detectou-se correlação positiva em pacientes adultos saudáveis. Esses resultados ratificam o papel protetor da saliva, que apresenta múltiplas funções, dentre as quais limpeza e lubrificação da cavidade bucal; solubilização de substâncias alimentares; diluição de detritos, facilitação da mastigação, deglutição e fala; defesa contra patógenos, proteção de tecidos duros, mucosa e órgãos dentários4.

A possível explicação para esse fato pode estar nas proteínas salivares, que são importantes para o equilíbrio da microflora bucal. Na presença de alterações dos padrões salivares alguns micro-organismos proliferam de forma exacerbada e se utilizam dessas proteínas salivares para aderir à mucosa, levando a que as bactérias colonizem e gerem infecções14.

Como detectado neste estudo, a condição bucal pode ser influenciada por alterações nas glândulas salivares. Segundo Batista et al.6 (2007), estudos realizados na Índia verificaram que a desnutrição em crianças pode afetar as glândulas salivares, reduzindo o fluxo salivar e a composição da saliva. Essa diminuição do fluxo salivar aumentaria não só a suscetibilidade à cárie dentária como também a possibilidade de erosão dental.

Na presente pesquisa observou-se não haver associação entre o fluxo salivar em pacientes saudáveis e os grupos etários estudados (jovens e adultos de meia-idade), resultados semelhantes aos apresentados por Bourdiol et al.10 (2004) e Moritsuka et al.11 (2006), que não registraram associação entre a redução do fluxo salivar e a idade dos pacientes quando divididos em grupos etários. Vale ressaltar que o resultado da presente pesquisa reflete que não há diferença na distribuição de frequência de redução do fluxo salivar com a idade, no entanto as variáveis numéricas fluxo salivar e idade assumem comportamentos opostos ao se observar uma correlação negativa entre os mesmos.

A xerostomia pode resultar da ingestão de alguns fármacos, dentre os quais se destacam os opioides, os anti-histamínicos, os antidepressivos, os antiepilépticos, os ansiolíticos e os anticolinérgicos15. Tal condição pode explicar a baixa frequência de casos com fluxo salivar reduzido, uma vez que todos os participantes não eram usuários de fármacos nem possuidores de doenças sistêmicas. Estudos anteriores ratificam ainda que a hipossalivação está relacionada a doenças sistêmicas, IMC, uso de medicamentos, sexo e menor quantidade de dentes remanescentes5.

O grupo de adultos com idade entre 30 e 59 anos revelou maior frequência de redução de fluxo salivar, porém sem diferença significativa com relação às pessoas com idade variando de 20 a 29 anos. Esse resultado pode encontrar explicação no trabalho de Küstner e Soares16 (2002), que mencionam uma mudança estrutural nas glândulas salivares com o envelhecimento, em razão de uma perda linear de células acinares, responsáveis pela produção de saliva. Segundo estes autores16; tais células seriam substituídas por gordura ou tecido conjuntivo com o passar do tempo.

Considerando que estudos sobre alterações do fluxo salivar concordam que sua redução favorece o aparecimento de lesões de cárie4,5 e que tais ocorrências são mais frequentes em adultos, a presente pesquisa é relevante no sentido de isolar os fatores relacionados à diminuição da velocidade do fluxo salivar.

 

Conclusão

Baseado na metodologia utilizada no presente estudo, pode-se concluir que a redução do fluxo salivar não depende da faixa etária dos pacientes saudáveis quando divididos em jovens e adultos. No entanto, a tendência inversa entre as variáveis idade e sialometria em adultos saudáveis, bem como a relação indireta entre o fluxo salivar e o CPO-D chamam a atenção para a importância da saliva na manutenção da saúde bucal.

 

Agradecimento

Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema).

 

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Endereço para correspondência:
Fernanda Ferreira Lopes
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