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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2010

 

Diagnóstico e conduta do cirurgião-dentista frente ao carcinoma adenóide cístico

 

Diagnostic and management of the dentist in front of adenoid cystic carcinoma

 

 

Dmitry José de Santana SarmentoI; Pollianna Muniz AlvesII; Daliana Queiroga de Castro GomesIII; Lélia Maria Guedes QueirozIV;Gustavo Pina GodoyV

IPrograma de Pós-Graduação em Patologia Oral, UFRN, Departamento de Odontologia, Natal, RN, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Odontologia, UEPB, Departamento de Odontologia, Campina Grande, PB, Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Odontologia, UEPB, Departamento de Odontologia, Campina Grande, PB, Beasil
IVPrograma de Pós-Graduação em Patologia Oral, UFRN, Departamento de Odontologia, Natal, RN, Brasil
VPrograma de Pós-Graduação em Odontologia, UEPB, Departamento de Odontologia, Campina Grande, PB, Beasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O carcinoma adenoide cístico (CAC) é uma neoplasia maligna de glândula salivar rara, de crescimento lento e que apresenta prognóstico reservado. Acomete principalmente pacientes na faixa etária entre cinquenta a setenta anos, sendo incomum em jovens; possui natureza infiltrativa e, clinicamente, apresenta como nódulo de consistência endurecida, com alta taxa de recidina.
OBJETIVO: O presente trabalho tem por objetivo descrever um CAC em paciente idoso, enfatizando seu diagnóstico pelo cirurgião-dentista e conduta terapêutica.
RELATO DE CASO: Paciente do sexo masculino, 73 anos, feoderma, compareceu ao serviço de Estomatologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) relatando uma lesão no palato, com evolução de aproximadamente um ano, a qual apresentava consistência mole com contornos irregulares. Foi realizada biópsia incisional, a peça foi encaminhada para exame histopatológico sendo diagnosticada coo CAC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O diagnóstico final só é conclusivo quando acompanhado do exame histopatológico, e a conduta que o cirurgião-dentista deve tomar após tal procedimento é de encaminhamento do paciente ao cirurgião de cabeça e pescoço.

Palavras-chave: Carcinoma adenoide cístico. Patologia bucal. Glândulas salivares.


ABSTRACT

Adenoid cystic carcinoma (ACC) is a rare malignant salivary gland, slow growing and presents a poor prognosis. It mainly affects patients aged between 50 and 70 years, is uncommon in young people, having infiltrative behavior and clinically presenting as a lump of hardened, with great potential relapse.
OBJECTIVE: manuscrit describes a case of ACC in elderly patient, emphasizing its diagnosis by the dentist and the correct therapeutic.
CASE REPORT: A male patient, 73 years old, black, attended by service of dentistry at the State University of Paraíba (UEPB), reporting an injury in the palate, with increase of about one year, which showed soft consistency with irregular contours. We realized an incisional biopsy and the histopathological examination revealed the case of a ACC.
FINAL CONSIDERATIONS: The final diagnosis is only conclusive when accompanied by histopathological examination and the conduct that the dentist can take after this procedure is direct to the surgeon of head and neck.

Key words: Adenoid cystic carcinoma. Oral pathology. Salivary glands.


 

 

Introdução

O carcinoma adenoide cístico (CAC) é um dos mais reconhecidos tumores malignos das glândulas salivares, apesar de sua frequência ser pouco usual. É caracterizado por ser uma neoplasia maligna rara, de crescimento lento, apresentando prognóstico desfavorável em razão da agressividade da invasão tumoral e uma elevada taxa de recidina. Em virtude das suas características histopatológicas, foi inicialmente denominado cilindroma1-4.

O CAC é mais prevalente em adultos de meia idade (entre a quarta e sétima décadas de vida, com pico na quinta década). A literatura em geral mostra uma igualdade na distribuição em relação ao sexo, sendo o feminino ligeiramente predominante. Observa-se ainda que esta neoplasia é incomum em jovens5-7.

Esse tumor pode ocorrer em qualquer glândula salivar, mas cerca de 50% dos casos desenvolvem-se nas glândulas salivares menores, principalmente na região do palato, podendo ocorrer com certa frequência na parótida e na submandibular, sendo raro nas sublinguais. Quando há metástase, possui predileção pelos pulmões, ossos, fígado e cérebro3,5,8.

Usualmente, o CAC é uma neoplasia de crescimento lento, apresentando-se clinicamente como um aumento de volume ou nódulo de consistência endurecida, recoberto por mucosa íntegra, sendo a dor um achado importante e comum no curso inicial da doença. A ulceração é rara nas lesões de glândulas salivares maiores, sendo possível observar superfície ulcerada nas lesões que acometem o palato e que, radiograficamente, exibem a destruição óssea. A ressonância magnética e a tomografia computadorizada têm papel fundamental, definindo a extensão anatômica da neoplasia e a integridade das estruturas adjacentes3,5,8,9.

Numa análise histopatológica, o CAC é composto por uma mistura de células ductais e células mioepiteliais, com forma variável, podendo ser reconhecido em três padrões principais: cribiforme, tubular ou sólido, sendo o primeiro padrão o mais clássico. A invasão perineural constitui um achado comum do CAC, mas não pode ser considerada fator patognomônico, pois também pode ser vista em outras neoplasias de glândulas salivares, como o adenocarcinoma polimorfo de baixo grau. As características histopatológicas dessa neoplasia têm sido correlacionadas a sua evolução, sendo a forma tubular a de melhor prognóstico, quando comparada à forma cribiforme, ao passo que o tipo sólido apresenta pior prognóstico3,5,10,11.

Outras hipóteses de diagnóstico diferencial também podem ser aventadas dentre as demais lesões de glândula salivar, tais como neoplasias benignas (adenoma pleomórfico) e malignas (adenocarcinoma polimorfo de baixo grau e carcinoma mucoepidermoide)4.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha do CAC, sendo comumente associada à radioterapia. O tratamento com cirurgia e radioterapia pós-operatória, comparado ao tratamento apenas com cirurgia, tem apresentado resultados melhores. O beneficio do uso da quimioterapia ainda não está definido3,7,12,13.

Os principais fatores que influenciam no prognóstico do CAC são a localização anatômica, o tamanho da lesão, envolvimento ou não de estruturas adjacentes, grau de atipia celular, margens cirúrgicas e presença de gânglios metastatizados9,14.

Este estudo objetivou relatar o caso de carcinoma adenoide cístico de um paciente idoso, enfatizando seu diagnóstico e conduta a ser seguida pelo cirurgião-dentista.

 

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 73 anos, feoderma, aposentado, natural de Campina Grande-PB, compareceu ao serviço de Estomatologia do curso de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), relatando uma lesão no palato com evolução de aproximadamente um ano.

Na anamnese o paciente relatou ser portador de hipertensão arterial, controlada. Ao exame físico extrabucal não se observaram alterações dignas de nota; à inspeção intrabucal, verificou-se que o paciente era edêntulo total, usuário de prótese há mais de dez anos. Foi observado um aumento de volume com forma arredondada, recoberta de por mucosa avermelhada, apresentando aproximadamente 2 cm de diâmetro, na região do palato, no lado esquerdo. A lesão possuía consistência mole, base séssil, superfície rugosa e contornos irregulares (Fig. 1). Exames pré-operatórios foram solicitados: radiografia panorâmica, na qual a presença de massa tumoral foi confirmada por meio de uma imagem negativa da mesma; hemograma completo; coagulograma e glicemia em jejum, onde se observou uma discreta hiperglicemia.

 

 

Baseado na história do paciente, nos achados clínicos e nos exames complementares, a hipótese diagnóstica apresentada foi de lesão de glândula salivar a esclarecer.

Foi realizada a biópsia incisional, sendo a peça removida enviada para o exame histopatológico, no qual os espécimes foram corados com hematoxilina e eosina (HE), revelando fragmentos de neoplasia glandular maligna, caracterizada por células neoplásicas cubóides pequenas, de núcleo basofílico, dispostas em arranjos variados (ductais, cilíndricos, papilíferos e ninhos sólidos). Individualmente, as células exibiam discreto pleomorfismo e hipercromatismo, observando-se ainda estroma hialinizado e áreas focais de necrose. Completando o quadro histológico, verificaram-se fragmentos de mucosa bucal revestidos por epitélio pavimentoso estratificado, com padrão de maturação predominantemente ortoceratinizado.

O diagnóstico histológico emitido foi de carcinoma adenoide cístico (Fig. 2). Para fins de pesquisa sobre o comportamento biológico da lesão, o caso foi submetido à avaliação imuno-histoquímica para as proteínas vimentina, citoqueratina 4 (CK4), citoqueratina 7 (CK7), SMA e S-100, observando-se positividade para as mesmas. Destaca-se a marcação positiva para as células cúbicas luminais para a CK7 (Fig. 3). O paciente foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital da FAP, na cidade de Campina Grande - PB, para realização do procedimento cirúrgico indicado (biópsia excisional) e acompanhamento clínico.

 

 

 

 

O paciente do caso em questão autorizou a publicação do mesmo por meio de assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

 

Discussão

Neville et al.3 (2009) relataram que o CAC possui ligeira predileção pelo sexo feminino, diferentemente de outros autores5,7; os quais relataram casos em que o sexo masculino é prevalente, assim como foi observado neste relato de caso. Em relação à faixa etária, este estudo concordou com os achados de Regezi e Sciubba12 (2000) e Boko et al.6 (2004), os quais ressaltaram que pacientes a partir da quinta década são os mais acometidos, diferindo do relato de Palmeiro et al.4 (2005), que apresentaram pacientes com idade nas primeiras décadas de vida.

Diversos autores3,5,8 afirmaram que o CAC ocorre principalmente em glândulas salivares menores na região do palato, o que foi confirmado por este estudo. Entretanto, Ostman et al.15 (1997), num estudo epidemiológico na Suécia, concluíram que a localização mais comum foi na glândula parótida.

Pesquisas8,16 observaram que as características clínicas mais comuns do CAC são o crescimento lento, o aumento de volume ou nódulo de consistência endurecida, recoberto por mucosa íntegra, podendo-se ainda adicionar relato de dor por parte do paciente. Neville et al.3 (2009) acrescentam que a lesão pode estar associada a pequenas ulcerações. No caso ora descrito, a maioria dessas características foram encontradas, exceto a consistência endurecida e o relato de dor.

Quando possível for, destaca-se que a ressonância magnética e a tomografia computadorizada podem ser extremamente importantes para delimitar especialmente a lesão, proporcionando uma conduta terapêutica mais embasada4,8,9.

A literatura2,3,11,1211afirma que CACs diferenciados, com características tubulares ou cribriformes, têm melhor prognóstico que as neoplasias sólidas indiferenciadas. No presente caso, o exame histopatológico revelou um padrão variado, exibindo áreas de CAC sólido, revelando um prognóstico mais reservado.

Estudos comprovam que o tratamento de predileção para o CAC é o cirúrgico, seguido de aplicações de radioterapia1,3,13. Como complemento, Shabada et al.17 (1997) relataram bons resultados clínicos com o uso do tamoxifeno, um antagonista do receptor de estrogênio, num caso inoperável de CAC recorrente. Destaca-se que o paciente deste caso recebeu tratamento semelhante, com exceção do uso de tamoxifeno, devendo a efetividade terapêutica ser comprovada.

 

Considerações finais

O CAC é uma neoplasia que, apesar de seu crescimento lento, possui um prognóstico reservado, sendo necessário um acompanhamento especializado. O diagnóstico desta lesão necessita do exame histopatológico para conclusão, apesar de apresentar características clínicas representativas. O cirurgião-dentista, como profissional, deve adotar a conduta de diagnosticar precisamente a lesão por meio da biópsia incisional associada ao exame histopatológico e deverá proceder ao encaminhamento ao cirurgião de cabeça e pescoço para o tratamento cirúrgico e/ou radioterápico quando necessário for.

 

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Endereço para correspondência:
Dmitry José de Santana Sarmento
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Recebido: 19.01.2010
Aceito: 01.04.2010